Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3793/20.5T8FNC.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INEXISTÊNCIA DE SEGURO
REEMBOLSO DO FUNDO GARANTIA AUTOMÓVEL
RESPONSÁVEIS PELO REEMBOLSO
PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO NÃO SEGURADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Satisfeita a indemnização pelo Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do art.º 54º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, são solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo os responsáveis civis no acidente, mas já não o proprietário do veículo, que incumpriu a obrigação legal de segurar, quando não estejam verificados, quanto a este, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Fundo de Garantia Automóvel intentou a presente acção declarativa comum contra A e B pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia de €33.522,42 e correspondentes juros legais vencidos e vincendos à taxa legal, sendo os vencidos no montante de €3.886,76.
Para tanto, alega no dia que no dia 20 de Julho de 2014, pelas 11h15m, no Caminho Chão, em Santana, o condutor do veículo 32-85-…, 1º Réu, despistou-se e embateu no veículo de matrícula 99-…-36, sendo que o R. conduziu com uma TAS de 1,80 g/l, sendo o único causador do embate. Mais alega que o veículo era propriedade do 2º Réu e circulava sem seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e ainda que procedeu ao pagamento do valor global de €33.522,42, aos quais acrescem juros de mora, e que pretende ser reembolsado desses valores.
2. Citados, os RR. apresentaram contestação, na qual deduziram as excepções de prescrição e de ilegitimidade do 2º R., tendo ainda impugnado a factualidade alegada.
3. Notificado para se pronunciar sobre as excepções deduzidas, o A. defendeu a sua improcedência.
4. Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida, relegando para final o conhecimento da excepção de prescrição e fixando o objecto do litígio e os temas de prova.
5. Efectuada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória é a seguinte:
“Por todo o exposto, julgo a ação parcialmente procedente e em consequência:
A) Julgo improcedente a exceção de prescrição.
B) Absolvo o Réu B da totalidade do pedido.
C) Condeno o Réu A ao pagamento ao Autor FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL da quantia de 33.522,42€ (trinta e três mil, quinhentos e vinte e dois euros e quarenta e dois cêntimos), acrescidos de juros de mora, à taxa de 4%, desde 13 de Fevereiro de 2018, até efetivo e integral pagamento.
D) Condeno o Réu A ao pagamento das custas processuais.
Registe e notifique.”.
6. Inconformado, o A. recorre dessa decisão, apresentando as seguintes conclusões:
“A) O Tribunal "a quo" absolveu o Réu B do pedido, apesar de sobre ele, na qualidade de proprietário do veículo, operar a presunção de direção efetiva do veículo.
B) O Tribunal “a quo” deveria ter entendido, que o proprietário do veículo responde pelos anos que este causar, mesmo que não se encontre em circulação, conforme dispõe o n.º 1 do Art.º 503º do C.C.
C) Ora, recaindo sobre o proprietário a obrigação de segurar, automaticamente, e por força do disposto no n.º 1 do Art.º 6º do DL 291/2007 de 21.08, recai sobre ele a obrigação de segurar, obrigação essa que o Réu B, incumpriu, pelo que deverá ser condenado solidariamente com o Réu A.
D) E) A douta sentença recorrida violou, assim, os Art.º 503 nº 3 do C.C. e Art.º 6º n.º 1 do DL 291/2007 de 21 de agosto.”.
 9. Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Face ao disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, as questões submetidas a recurso, sejam de facto, sejam de direito, são delimitadas pelas conclusões de recurso, sendo por estas que se afere a pretensão do recorrente.
Nos presentes autos, a única questão submetida a recurso é determinar a responsabilidade do proprietário do veículo, não responsável civilmente, pelo reembolso de indemnização satisfeita pelo Fundo de Garantia Automóvel.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou a seguinte factualidade:
1. Matéria de facto provada.
Dos elementos probatórios constantes dos autos e da prova por declarações de parte e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, resultaram provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
1- No dia 20 de julho de 2014, pelas 11:15 horas, na freguesia e conselho de Santana, Zona V.E.1, Caminho Chão, ocorreu um acidente de viação.
2- Nele foram intervenientes os veículos:
- Ligeiro de passageiros, matrícula 32-85-…, conduzido pelo 1º Réu A e propriedade do 2º Réu B.
- Ligeiro de passageiros, matrícula 99-…-36, conduzido por FC e propriedade de “…. Portugal, Ldª”.
3- No veículo 99-…-36 seguiam como ocupantes CV, FG, MN e FR.
4- O referido veículo foi alugado por FC a 14 de Julho de 2014 à empresa de aluguer de automóveis “…Portugal, Ldª”.
5- O veículo com a matrícula 99-…-36, conduzido pelo 1.º Réu A, circulava na zona de Caminho Chão, no sentido ascendente (Norte/Sul), quando de repente o veículo 32-85-…, que circulava em sentido contrário, Sul/Norte (descendente), ao descrever uma curva à direita entrou em despiste, tendo primeiramente embatido numa parede do lado direito, mudando de direção e indo embater no veículo 99-…-36 que circulava na respetiva mão de trânsito.
6- Com a força do embate, o 99-…-36 rodopiou e capotou sucessivas vezes até se imobilizar, vários metros abaixo com os pneus voltados para cima.
7- O local do sinistro é caracterizado por:
- Estrada sem separador, 1 vias, direita.
- Dois sentidos de circulação.
- Limite de velocidade permitida 50 km/h.
8- À data do acidente o veículo 32-85-…, não dispunha de seguro válido de responsabilidade civil automóvel.
9- À data do acidente e quanto ao veículo 99-…-36, o seu proprietário havia transferido a responsabilidade civil relativamente ao mesmo para a “Axa Portugal Companhia de Seguros, S.A.”, mediante contrato de seguros, titulado pela apólice nº 0045.10.984410.
10- O Réu A conduzia com uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,80 g/l.
11- O Réu A foi constituído Arguido no N.U.I.P.C nº 114/14.0PCFUN, que correu termos na 2ª Secção do Ministério público do Funchal.
12- O Segundo Réu B é pai do 1ª Réu A.
13- O 1.º Réu A à data dos factos residia em Londres, mais concretamente em Londres, Reino Unido.
14- O 2.º Réu B residia em Santana.
15- O 1º Réu A chegou à Região Autónoma da Madeira, Santana, vindo da cidade de Londres, pelas 20 horas do dia 19 de julho de 2014, chegou sem avisar os pais, com o objetivo de fazer uma surpresa aos pais.
16- Ao chegar a casa do pai e verificando que os pais não estavam em casa, retirou a viatura com a matrícula 32-85-… da garagem, sem qualquer autorização do 2.º Réu, e foi em direção à festa Gastronómica de Santana.
17- Chegou à referida festa, encontrou uns amigos e foi tomar ingerir bebidas alcoólicas, passando a madrugada com os amigos até as 11 horas da manhã, ocorrendo, por essa hora, o acidente.
18- O 2º Réu tem outras duas viaturas, com as quais costuma circular, concretamente uma viatura de marca Canter/Mitsubichi, com a matrícula número 89-13-… e um Toyota com a matrícula número 76-31-….
19- O 2.º Réu não tinha conhecimento que o 1.º Réu conduzia o veículo com a matrícula 32-85-….
20- Em consequência direta e necessária do acidente, o veículo de matrícula 99-…-36 sofreu diversos danos.
21- O veículo de matrícula 99-…-36 foi considerado em situação de perda total.
22- Tendo sido atribuídos ao veículo de matrícula 99-…-36 os seguintes valores:
- 20.588,04€ Valor venal do veículo.
- 3.659,00€ Valor atribuído ao salvado.
23- O Fundo de Garantia propôs à “… Portugal, Ldª.” o valor de 16.929,04€ pela perda total do veículo 99-…-36.
24- Tendo a “Goldhire” aceitado a indemnização apresentada, ficando o salvado na sua posse.
25- Em consequência direta e necessária do acidente, o Réu A, condutor do veículo 32-85-… sofreu vários ferimentos pelo que foi transportado para o Hospital Central do Funchal (SESARAM) a fim de receber assistência médica.
26- Em consequência direta e necessária do acidente, a condutora e ocupantes do veículo 99-…-36 sofreram lesões corporais pelo que foram transportadas para o Hospital Central do Funchal (SESARAM) a fim de receber assistência médica.
27- À ocupante do veículo 99-…-36 CV foram diagnosticadas as seguintes lesões:
- Escoriação no cotovelo direito.
- Coxalgia direita.
28- O SESARAM (Centro Hospitalar do Funchal) despendeu com essa passageira do veículo 99-…-36 o valor de 4,99€.
29- À ocupante do veículo 99-…-36 FC foram diagnosticadas as seguintes lesões:
- Contusão dos membros inferiores.
- Dor e hematoma à perna esquerda e ao tornozelo direito.
30- O SESARAM (Centro Hospitalar do Funchal) despendeu com essa ocupante do veículo 99-…-36 o valor de 156,06€.
31- A ocupante do veículo 99-…-36 FR sofreu uma fratura de três arcos costais sem derrame pleural ou hemotórax e sem outras imagens de lesão traumáticas.
32- Teve alta hospitalar orientada para a consulta de oftalmologia onde lhe foi diagnosticada atrofia do nervo ótico com perda total de visão do olho esquerdo.
33- Com base na avaliação médica, o “Quantum Doloris” foi fixado no grau 4 e a Incapacidade Permanente Geral foi fixada em 28 pontos.
34- O Sesaram (Centro Hospitalar do Funchal) despendeu com essa passageira do veículo 99-…-36 o valor de 629,81€.
35- A título de indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel propôs a essa ocupante do veículo 99-…-36, FR, o valor total de 9.298,81€, tendo esta aceitado:
- 889,85€ Quantum Doloris;
- 8.408,96€ Dano Biológico
36- A ocupante do veículo 99-…-36, FG sofreu traumatismo cervico-dorsal e luxação acrómio-clavicular direita, com indicação cirúrgica, tendo recebido alta hospitalar no mesmo dia com imobilização tipo cruzado posterior.
37- O “Quantum Doloris” foi fixado no grau 4 e a Incapacidade Permanente Geral foi fixada em 3 pontos.
38- O Sesaram (Centro Hospitalar do Funchal) despendeu com essa ocupante do veículo 99-…-36 o valor de 258,87€.
39- A título de indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel propôs à ocupante do veículo 99-…-36 FG o valor total de 2.792,03€, tendo a esta aceitado esse valor:
- 25,17€ Despesas Médico-medicamentosas.
- 889,85 Quantum Doloris.
- 1.877,01€ Dano Biológico.
40- A ocupante do veículo 99-…-36, MN sofreu traumatismo cervico-dorsal e ferida no pé direito.
41- O “Quantum Doloris” foi fixado no grau 4 e a Incapacidade Permanente Geral foi fixada em 3 pontos.
42- O Sesaram (Centro Hospitalar do Funchal) despendeu com essa ocupante do veículo 99-OM-36 o valor de 461,24€.
43- A ocupante do veículo 99-…-36, MN despendeu ainda 80,00€ em tratamentos de fisioterapia.
44- A título de indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel propôs à ocupante do veículo 99-…-36 MN o valor total de 2.308,05€, tendo a esta aceitado:
- 889,85€ Quantum Doloris.
- 1.418,20€ Dano Biológico.
45- Autor, a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados pelo sinistro, despendeu o montante total de 33.522,42€, correspondendo 33.244,53€ a indemnizações satisfeitas aos lesados e 277,89€ a despesas de gestão.
46- O último pagamento foi realizado pelo Autor no dia 09 de Novembro de 2017.
47- Os Réus foram notificados para reembolsar o Autor, não tendo procedido a esse pagamento.
48- A presente ação deu entrada no dia 06 de Outubro de 2020.
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Todos os demais factos foram desconsiderados por terem sido considerados irrelevantes, conclusivos ou conterem matéria de direito.”.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insere-se a presente acção na responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel pela satisfação de indemnizações quando não exista seguro válido e o subsequente pagamento dessas quantias ao Fundo.
No caso dos autos, recorde-se que ficou provado que o 1º R. foi o responsável pelo embate descrito nos autos (cfr. factos nºs 10 a 18) e que o 2º R. não tinha conhecimento que o 1º R. conduzia o veículo com a matrícula 32-85-…, tal como provado sob o nº 19, resultando ainda da conjugação dos factos nºs 13 a 19 esse mesmo desconhecimento.
Face a estes factos, o tribunal recorrido concluiu que o 1º R., condutor do veículo, deu causa ao acidente, sendo responsável pelo reembolso das quantias despendidas pelo Fundo, enquanto que o 2º R., proprietário do veículo, não é responsável por esse reembolso, porquanto não teve qualquer responsabilidade na produção do acidente.
Discorda o apelante desta conclusão, defendendo que se deve considerar que o proprietário do veículo responde pelos danos que este causar, mesmo que não se encontre em circulação, nos termos do art.º 503º, nº 1 do CC e ainda que “recaindo sobre o proprietário a obrigação de segurar, automaticamente, e por força do disposto no n.º 1 do Art.º 6º do DL 291/2007 de 21.08, recai sobre ele a obrigação de segurar, obrigação essa que o Réu B, incumpriu, pelo que deverá ser condenado solidariamente com o Réu A”.
Vejamos.
Nos termos do art.º 4º, nº 1 do DL 291/2007, de 21 de Agosto, “Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade (…)”.
Contudo, em situações anómalas relativamente a este quadro legal intervém o Fundo de Garantia Automóvel para, em acidentes ocorridos em território nacional com veículos sujeitos ao seguro obrigatório, assegurar a satisfação das indemnizações por:
a) Danos corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido e eficaz, ou for declarada a insolvência da empresa de seguros;
b) Danos materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz;
c) Danos materiais, quando, sendo o responsável desconhecido, deva o Fundo satisfazer uma indemnização por danos corporais significativos, ou tenha o veículo causador do acidente sido abandonado no local do acidente, não beneficiando de seguro válido e eficaz, e a autoridade policial haja efectuado o respectivo auto de notícia, confirmando a presença do veículo no local do acidente (cfr. arts. 47º, nº 1 e 49º, nº 1 do citado diploma).
De salientar que o montante a cargo do Fundo será o equivalente ao total da indemnização do lesante não segurado e a que o lesado tem direito, nos termos gerais do art.º 483º e ss. do CC.
Satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso (cfr. art.º 54º, nº 1 do citado diploma).
Por seu turno, o art.º 57º do mesmo diploma dispõe que “No âmbito da protecção objecto do título ii, o Fundo de Garantia Automóvel, enquanto organismo de indemnização, procede aos reembolsos e goza dos direitos de reembolso e de sub-rogação aí previstos”.
Existe, assim, uma situação de sub-rogação legal em que se dá a substituição do credor, por um terceiro que cumpre em seu lugar, na titularidade a uma determinada prestação fungível, neste caso o direito à indemnização derivada da responsabilidade civil extracontratual. Ou seja, os responsáveis civis pelo acidente estão obrigados a reembolsar o Fundo de Garantia Automóvel das quantias despendidas no cumprimento da sua obrigação de indemnizar terceiros lesados em caso de inexistência de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
Questão que se suscita é se o proprietário do veículo, mesmo não sendo civilmente responsável pelo acidente, é solidariamente responsável com o causador do acidente pelo pagamento ao Fundo de Garantia Automóvel da indemnização por este satisfeita, por não ter cumprido a obrigação legal de possuir seguro.
A resposta a esta questão decorre da articulação entre os nºs 1 e 3 do art.º 54º do DL 291/2007, de 21 de Agosto, sendo que não existe unanimidade na doutrina e na jurisprudência na solução.
Assim, alguns entendem que os direitos do lesado a que se refere no nº 1 do art.º 54º são os direitos do lesado contra o responsável civil e o obrigado ao seguro, por forma a compatibilizar os direitos de sub-rogação do Fundo com os direitos dos terceiros lesados. Neste sentido, veja-se Arnaldo Oliveira in Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, numa “Síntese das Alterações de 2007 – DL 291/2007 de 21 Ago” e Ac. TRL de 22-04-2021, proc. 352/18.7T8LRS.L1, relator Ana Azeredo Coelho, em cujo sumário se pode ler que “A obrigação de reembolso recai ainda sobre os obrigados a celebrar o contrato de seguro obrigatório mesmo quando não lhes possa ser assacada responsabilidade civil pela ocorrência do acidente, no regime do Decreto-Lei 291/2007, como resulta da conjugação das normas dos n.ºs 1 e 3 do artigo 54.º desse diploma, ao que não se opõe a terceira Directiva (Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24-4-72).”.
Outros entendem que, satisfeita a indemnização pelo Fundo de Garantia Automóvel, são solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo os responsáveis civis no acidente, e o proprietário do veículo, que incumpriu a obrigação legal de segurar, quando estejam verificados, quanto a este, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Neste sentido, José Carlos Brandão Proença in Revista Julgar nº 46 de 2022, “Direito de Regresso das Seguradoras e Sub-Rogação do Fundo de Garantia Automóvel: Pontos de Vista Parcelares”, e, na jurisprudência, entre outros, o Ac. STJ de 24-03-2021, proc. 268/17.3T9VCD.P1.S1, relator Paulo Ferreira da Cunha, o Ac. TRG de 10-03-2022, proc. 901/15.1T8GMR.G1, relator António Figueiredo de Almeida e, mais recente e dando conta de forma mais detalhada das posições de ambas as correntes expostas, o Ac. TRP de 11-09-2023, proc. 18386/18.9T8PRT.P1, relator Fátima Andrade.
Como se explica no citado Ac. STJ de 24-03-2021, “O direito ao reembolso do Fundo nasce por ter satisfeito uma indemnização a um lesado num acidente de viação, sendo que o FGA surge como garante do pagamento dessa indemnização devido à inexistência de seguro válido. Ou, dito de outro modo, o direito do FGA nasce por ter satisfeito uma indemnização a um lesado e pode reclamar esse pagamento solidariamente aos responsáveis civis (por estar sub-rogado no direito do lesado), sejam eles detentor, proprietário e condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro. Sem dúvida que o FGA apenas intervém como garante porque houve um incumprimento da obrigação de segurar; porém, a génese da responsabilidade solidária perante o FGA é o facto de o mesmo ter satisfeito a indemnização. É, pois, condição da sub-rogação que o FGA pretende ver reconhecido neste processo que a demandada civil CC seja civilmente responsável pelos danos resultantes do acidente dos autos, o que não se verifica.
(…)
O n.º 3 do art.º 54 do DL n.º 291/2007, de 21-08, deve ser interpretado no sentido de que o exercício, por parte do FGA, da sub-rogação nos direitos que competiria ao lesado BB contra a proprietária do veículo CC dependia, cumulativamente, do facto de esta não ter cumprido a obrigação de o segurar e ser civilmente responsável no acidente”.
Parece-nos ser esta segunda corrente a que melhor harmoniza os preceitos em questão, na medida em que o direito de sub-rogação do Fundo tem origem no pagamento efectuado e não na verificação do acidente, efectivando-se a partir desse pagamento.
Donde, entende-se que a aplicação do art.º 54º, nº 3 do DL 291/2007, de 21 de Agosto depende, cumulativamente de duas circunstâncias: o não cumprimento da obrigação de segurar por parte do proprietário do veículo e não ser este civilmente responsável no acidente.
No caso dos autos, não estão verificadas ambas as circunstâncias, como bem explanado na sentença recorrida, nada mais havendo a acrescentar, assim improcedendo as conclusões do apelante.
Pelo exposto, improcedendo todas as conclusões do recurso, impõe-se a manutenção da decisão recorrida.
As custas devidas pela presente apelação, na modalidade de custas de parte, ficam a cargo do apelante, cfr. art.º 527º do CPC.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante, cfr. art.º 527º do CPC.
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Lisboa, 5 de Março de 2024
Ana Rodrigues da Silva
Paulo Ramos de Faria
Edgar Taborda Lopes