Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8073/11.4TBOER-A.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
LEGITIMIDADE
AÇÃO EXECUTIVA
INCIDENTE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIRO
OPOSIÇÃO
INCOMPATIBILIDADE
FALTA DE TÍTULO
INSUFICIÊNCIA DO TÍTULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário:
I) Os embargos de terceiro (cfr. artigo 342.º e ss. do CPC) constituem o meio processual idóneo para a efetivação de qualquer direito incompatível com uma diligência de cariz executório, não tendo que ser, necessariamente, alegada a posse, mas sim um qualquer direito incompatível com a diligência judicial ordenada.
II) A dedução de embargos de terceiro encontra-se sujeita a regras preclusivas, dado que, para serem admissíveis, terão de ser deduzidos no prazo de 30 dias a contar daquele em que o ato processual incompatível foi efetuado ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa.
III) A legitimidade executiva afere-se por confronto entre o título executivo e as partes na causa.
IV) A admissibilidade de incidentes de intervenção de terceiros na ação executiva só é defensável quanto a pessoas com legitimidade para a ação executiva, pois, de outro modo, o incidente de intervenção iria servir à formação dum título executivo a favor ou contra terceiros.
V) Através do incidente de oposição, a que se referem os artigos 333.º e ss. do CPC, o opoente intervém para defender um interesse que, além de ser próprio (e não o interesse do autor ou do réu), é incompatível (não é igual ou paralelo) com o interesse ou pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte.
VI) O incidente de oposição é incompatível com a estrutura e a finalidade de uma ação executiva.
VII) Os meios processuais de oposição à penhora e à execução não constituem meios passíveis de serem deduzidos por terceiros.
VIII) Não tendo os recorrentes a qualidade de partes no processo executivo, não têm legitimidade para desencadear o conhecimento pelo Tribunal das questões que lhe cumpra conhecer em conformidade com o disposto no artigo 734.º do CPC.
IX) De todo o modo, se se tratar de questão que é de oficiosa apreciação, em linha com o que se dispõe no artigo 734.º, n.º 1, do CPC (em que o juiz pode conhecer oficiosamente, “até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”), a prolação de tal decisão de indeferimento não preclude a possibilidade de, não o tendo feito em sede de despacho liminar, o Tribunal conhecer dessa questão até ao momento da transmissão dos bens penhorados.
X) A falta ou insuficiência do título executivo prevista na al. a) do n.º 2 do artigo 726.º do CPC tem de se apresentar como “manifesta”.
(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
*
1. “CC” e “DD” instauraram ação executiva, para pagamento de quantia certa - que corre termos no Tribunal recorrido, sob o n.º 8073/11.4TBOER - contra IMOBILIÁRIA “EE”, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., pedindo o pagamento por esta da quantia de € 214.400,00, acrescida de juros vencidos e vincendos.
No requerimento executivo, apresentado em juízo em 26-08-2011, indicaram os exequentes como título executivo, sentença condenatória, tendo alegado o seguinte:
“No âmbito do Incidente de Liquidação promovido no Proc. n.º (…)6/1997, que correu no (…)º Juizo Civel de Oeiras, foi proferida sentença (cujo traslado se junta) condenando a Ré ... no pagamento aos exequentes da quantia € 214 400,00 (Duzentos e catorze mil e quatrocentos euros) a título de indemnização pelos danos causados pelo incumprimento do contrato promessa celebrado entre ambos, referente a um lote de terreno que a Ré ... havia prometido vender aos exequentes. A Ré ... nada pagou aos exequentes, tendo a sentença já transitado em julgado.
Diz o artigo 710.º, n.º 1, do Código Civil:
"A sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível é título bastante para o registo de hipoteca sobre quaisquer bens do obrigado, mesmo que não haja transitado em julgado".
Com base neste regime, para garantia do crédito resultante da sentença que aqui se executa, os exequentes registaram hipotecas judiciais sobre prédios da Ré ....
Após o registo das hipotecas judiciais, os prédios foram vendidos pela ... à agora Executada, Imobiliária “EE”, por escritura pública que se anexa como Doc. n.º 1. Do registo predial, cujas certidões se juntam como Docs. n.º 2 e 3, consta a inscrição das hipotecas a favor dos exequentes e consta a Executada como titular dos prédios.
Diz o artigo 56.º, n.º 2, do CPC, epigrafado "Desvios à regra geral da determinação da legitimidade", que:
"A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor".
A dívida exequenda é provida de garantia real - a hipoteca judicial - que incide sobre bem de terceiro, pois houve transmissão do bem hipotecado. A hipoteca, sendo um direito real, acompanha a coisa hipotecada, pelo que a venda dos prédios à Executada não extingue a hipoteca. Deste modo, a dívida exequenda é provida de garantia real sobre um bem de terceiro.
Os exequentes pretendem fazer valer a sua garantia real, pelo que podem mover a presente execução contra o terceiro titular do bem hipotecado, em desvio à regra geral que estatui que só tem legitimidade quem consta do título. Como ensina Lebre de Freitas, (A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma, 5.ª edição, pág. 125):
"Pode acontecer que a garantia real dum crédito incida sobre bens de terceiro, ou porque já assim tenha sido constituída, ou porque, constituída embora sobre bens do devedor, este os tenha posteriormente alienado, em data anterior à propositura da acção executiva. Dado não ser possível a penhora de bens pertencentes a pessoa que não tenha a posição de executado, a acção executiva tem, na medida em que se quiser actuar a garantia prestada, de ser proposta contra o proprietário do bem."
Deste modo, a executada Imobiliária “EE” é parte legítima na presente execução (…)”.
*
2. No desenvolvimento dos referidos autos, conforme auto de penhora de 09-11-2011, foram penhorados dois imóveis:
- O prédio misto denominado Vale da (…), com a área total de 3850 m2, composto por pavilhão destinado a oficina de automóveis, logradouro e barracão destinado a arrecadação, e parte rústica composta por Cultura arvense, oliveiras e figueiras, situado no Alto do (…), em Casais, descrito na CRP de Tomar sob o n.º (…) da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o art.º (….)10 e (…)89 – urbanos e art.º (…) secção P - rústica, todos da freguesia de (…); e
- O prédio urbano em regime de propriedade total, denominado Vale da (…), composto por Edifício destinado a armazém com arrecadação, casa de banho e garagem, sito em (…), descrito na CRP de Tomar sob o n.º (…)66 da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o art.º urbano (…)77 da mesma freguesia.
*
3. Por petição apresentada em 27-01-2012 – e que deu origem ao apenso A aos autos principais – os ora apelantes, “AA” e “BB”, deduziram embargos de terceiro, tendo invocado o seguinte:
“1º Em 21 de Janeiro de 2003, faleceu “ZZ”, com residência em (…) nº 4º B – (…) - Tomar (Doc. nº1 )
2º Deixou como seus filhos de uma relação mantida com “YY”, os A .- A “BB” e “AA” (Doc. nº 2 e 3)
3º E ainda “XX”, filha do mesmo “ZZ”, mas de uma outra relação.
4º Tendo no entanto, a referida “XX” repudiado a herança de seu pai, conforme escritura de repúdio de herança, outorgada no Cartório Notarial da Licenciada Maria (…), Notária na Rua (…) nº  -(….) - Seixal , e cópia da mesma que se dá por reproduzida para os devidos e legais efeitos (Doc. nº3 )
5º São assim os A.A , os únicos e legítimos herdeiros do referido “ZZ”, com legitimidade par a presente causa, onde se vem reivindicar a posse dos bens imóveis que constituem a herança do mesmo “ZZ”.
II - DOS EMBARGOS
6º Nos autos acima indicados foram penhorados os seguintes imóveis:
1 - Pavilhão destinado a oficina de reparação de automóveis - 490 m2 - logradouro 300 m2 - barracão de rés-do-chão destinado a arrecadação - 390 m2 - Terra de cultura arvense oliveiras e figueiras - 1670 m2 - a confrontar do norte com (…) , sul , (…) , nascente (…), poente com estrada, prédio sito em Alto do (…), freguesia de (…), concelho de Tomar, inscrito na matriz sob os artigos (…)10 e (…)89 urbanos e (…) Secção P - rústico , e descrito sob o Nº (…)13 da Conservatória do Registo Predial de Tomar.
2 - Edifício destinado a armazém, com arrecadação, casa de banho e garagem , que confronta do norte e nascente com “ZZ”, sul (…), e poente com estrada nacional , sito em (…), freguesia de (…), concelho de Tomar, inscrito na matriz sob o artigo (…)77, e descrito sob o Nº (…)66 da Conservatória do Registo Predial de Tomar, conforme se constata pelos autos de penhora existentes nos autos.
7º Os bens acima penhorados, apesar de não se mostrarem inscritos definitivamente em nome dos embargantes, não são propriedade dos titulares inscritos, e encontram-se legitimamente na posse dos mesmos embargantes como seguidamente se demonstrará.
8º Efectivamente o já referenciado “ZZ”, pai dos embargantes, e sua mãe “YY”, adquiriram em 2 de Março de 1981, a (…) e esposa (…), um prédio rústico composto de terra de semeadura e oliveiras, sito no lugar de (…), freguesia de (…), concelho de Tomar, naquela data inscrito na matriz rústica sob o artigo (…)72, e descrito sob o nº (…)39 na Conservatória do Registo Predial de Tomar, prédio originário com a área de 5280 m2 , tudo conforme cópia da respectiva escritura outorgada no Cartório Notarial de Tomar, e respectivo histórico do registo predial ( Doc. nº 5 e 6)
9º De verdade, na década de 1990, nesse imóvel, os pais dos embargantes já referidos, aí construíram os imóveis referidos nas penhoras compostas de Edifícios de oficinas de reparações automóveis, casa de arrecadação e edifício destinado a armazém.
10º Bem como o seu falecido pai, após aquisição da metade pertencente à mãe MF, inutilizou o pavilhão destinado originariamente a oficina de reparação de automóveis, aí tendo mandado construir casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar aí existente, onde os embargantes, nasceram e onde vivem, composta de casa de rés-do-chão com casa de banho, cozinha e um quarto, e 1º andar com casa de banho e dois quartos .
11º De verdade a mãe dos embargantes, “YY”, por escritura outorgada no dia (…) de Dezembro de mil novecentos e noventa e três no Cartório Notarial de Tomar, transmitiu ao pai dos embargantes a metade que possuía no imóvel já identificado, e conforme alegado no artigo 4º desta petição, e resulta da cópia da escritura que se junta e dá por reproduzida para os devidos e legais efeitos ( Doc. nº 7)
12º Passando os imóveis atrás descritos a partir dessa data de (…) de Dezembro de 1993 a serem propriedade exclusiva do referido “ZZ”, com inclusão de todos os prédios urbanos aí construídos, nomeadamente a habitação onde os embargantes vivem, e até à data da sua morte em 21 e Janeiro de 2003.
13º E a partir de tal óbito os mesmos a serem pertença e passando a estar na posse dos embargantes, na consequência da aceitação da herança de seu pai, e, posse contínua dos mesmos imóveis, até à presente data. ( Doc. nºs 8,9, 10 e 11 e protesta juntar certidões registrais actualizadas )
14º E isto apesar de por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Tomar, o pai dos embargantes , o já referido “ZZ”, ter declarado vender em (…) Novembro de 2002 nessa escritura os referidos imóveis , à sociedade “ ... -CONSTRUÇÕES E EMPREITADAS, LDª. “ com sede na Rua D. (…) - Caxias, pessoa colectiva nº (…), representada naquela data pelo seu representante e gerente “GG”, conforme cópia da mesma escritura que se junta e dá por reproduzida para os devidos e legais efeitos (Doc. nº 12) .
15º E por seu turno terem os exequentes feito registar hipoteca judicial em 23/04/2003 para garantia do pagamento da importância de € 214.400,00 ( duzentos e catorze mil e quatrocentos euros ) , por dívida da referida sociedade ..., conforme consta dos autos de execução .
16º E ainda, ter esta mesma sociedade ..., Ldª, por escritura de compra e venda de 21/1/2010, declarado vender os mesmos imóveis à executada Imobiliária “EE”, com sede na Rua (…) Porto Alto , tudo conforme cópia da mesma que se junta e dá por reproduzida para os devidos e legais efeitos . ( Doc. nº 13)
17º Efectivamente os actos identificados nos artigos 14º a 16º são nulos.
18º De verdade o referido pai dos embargantes, nunca vendeu os referidos imóveis à sociedade ..., conforme consta do acto - compra e venda referido no artº 14º desta petição .
19º O mesmo “ZZ”, porque nos anos de 2001, 2002, tivesse graves problemas financeiros, nomeadamente com a Fazenda Nacional, acordou com o mesmo “GG”, passar aqueles bens para seu nome.
20º Para mais tarde, quando os problemas estivessem resolvidos, os transmitisse de novo ao mesmo VM.
21º De facto assim foi, e resulta confirmado pelo próprio “GG”, nas declarações por si prestadas em sede de processo crime de investigação das circunstâncias da morte do mesmo “ZZ”, onde o mesmo confirma não ter pago o preço declarado naquela escritura.
22º E onde se confirma que o cheque então movimentado, a título e por conta do preço de € 75.000,00 (Setenta e cinco mil euros) aí identificado nunca foi recebido pelo mesmo “ZZ”, mas simplesmente voltou a ser depositado numa conta bancária do próprio “GG”, conforme consta da certidão Judicial que se junta e dá por reproduzida para os devidos e legais efeitos (Doc. nº 14) Assim,
23º O declarado na escritura referida no artº 14º desta petição de quererem celebrar um negócio que, de facto e efectivamente não queriam fazer, foi apenas e só para criar uma aparência negocial para enganar eventuais terceiros, os credores do então identificado “ZZ”.
24º De facto o negócio de compra e venda identificado no artº 14º desta petição entre o referido “ZZ”, e a referida sociedade ..., Ldª., não foi o que vem traduzido e exarado no respectivo instrumento notarial
25º Ou seja o referido “ZZ”, nunca quis vender à referida sociedade ..., os imóveis identificados no artigo 6º desta petição inicial, nem esta sociedade jamais os quis comprar.
26º Factos ( e vontades) estes que eram do conhecimento recíproco quer do mesmo “ZZ”, mesmo dos seus familiares, a sua companheira “YY”, mãe dos embargantes e deste, e ainda do referido e legal representante da sociedade ....
27º Pois foi por acordo do mesmo “ZZ”, e do legal representante da sociedade ..., Ldª o referido “GG”, para enganarem os credores do mesmo “ZZ”, que ambos declararam vender e comprar respectivamente os prédios objecto da mencionada escritura pública.
28º Fingiram pois celebrar um negócio jurídico de compra e venda, mas de facto não queriam este negócio,
29º Tanto assim é que, como se alegará em seguida, nunca houve transmissão de facto da propriedade, nem da respectiva posse nem uso do referido prédio.
30º E o mesmo sucede necessariamente com os actos consequentes àquele identificados nos artigos 15º e 16º desta petição .
31º Com efeito, até à presente data, os imóveis objecto das aludidas escrituras de compra e venda, nunca deixaram de estar na posse do mesmo “ZZ”, até à data da sua morte, e posteriormente dos embargantes e de sua mãe “YY”, que com os mesmos vive.
32º Continuam aí a residir com a sua mãe, naquela que sempre foi a sua casa de habitação, e a cultivar o quintal circundante.
33º E aí nos ditos imóveis, tem a referida “YY”, um comércio de venda de flores, artigos de jardinagem e outros produtos hortícolas.
34º Assim são os embargantes e sua mãe ao únicos a usufruir das utilidades da totalidade dos imóveis identificados no artigo 6º desta petição.
35º Agem e comportam-se como se fossem os únicos e legítimos proprietários dos identificados imóveis.
36º Na aldeia onde residem toda a gente sabe que aqueles imóveis constituem a casa e negócio dos embargantes.
37º Aliás, jamais ali viveram ou estiveram quaisquer outras pessoas, sequer os exequentes, ou alguém ligado aos executados.
38º Sendo certo que os embargantes, não conhecem, ninguém ligado à sociedade executada, ou mesmo alguma vez os seus representantes ali compareceram ou vieram sequer.
39º Embora as referidas escrituras públicas - cf. doc. nº 12 e 13 , outorgadas em 28/11/2002 e 21 de Janeiro de 2010 valham como título constitutivo das obrigações e façam prova plena dos negócios de compra e venda realizados entre os outorgantes, o certo é que, tal prova não se estende nem à sinceridade nem à eficácia jurídica das respectivas declarações .
40º Os factos supra descritos revelam a existência de um negócio de compra e venda simulado entre o pai dos embargantes e a referida sociedade ..., e por consequência a simulação dos actos seguintes, com vista a desviar o património da esfera do mesmo pai dos embargantes, por motivos já expostos, (situação difícil sob ponto de vista económico-financeiro) estando verificados os requisitos estruturantes da simulação absoluta.
41º O negócio da compra e venda identificado no artº 13º desta petição celebrado entre o pai dos embargantes e a sociedade ... Ldª , já identificado, é pois absolutamente simulado nos termos do artº 2140 nº 1 do C.C.
42º Sendo por conseguinte nulo - cf. artº 240 nº 2
43º Bem como os actos subsequentes.
44º Nulidade esta que ora se invoca para todos os efeitos legais, nomeadamente o do conhecimento oficioso, invocação que os embargantes também podem fazer.
45º Isto apesar de os embargantes, estarem a instaurar competente acção judicial, para declaração de tal nulidade, no tribunal da comarca de Tomar.
46º Nos termos do artº 289 nº 1 do C.C. e declaração de nulidade tem efeitos retroactivos “ devendo ser restituído o que tiver sido prestado. “ Para mais,
47º A partir das datas referidas no artigo 8º (oitavo) , 2 de Março de 1981, foi o pai dos embargantes o já referido “ZZ” até à data da sua morte e a mãe dos A.A , esta até 2 de Dezembro de 1993, que passaram a executar todas as obras naqueles imóveis , identificados no artº 6º desta petição , construindo-os , benfeitoriando-os e alterando-os .
48º Pintando-os e pagando as respectivas contribuições.
49º Nomeadamente as despesas de água e de fornecimento de energia eléctrica à EDP .(Doc. nº 15)
50º O que sucedeu como já se disse até à data do óbito do mesmo “ZZ”, e de seguida continuou pelos embargantes.
51º E isto há mais de 5, 10, 15, 20 e mais anos .
52º E sem interrupção, continuadamente “ animo domini”, sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente os exequentes, e a executada, à vista de toda a gente, e na convicção de exerceram direito próprio e legítimo.
53º Assim, detém hoje legitimamente os embargantes a posse dos imóveis identificados no artº 6º desta petição.
54º E até por usucapião, que expressamente invocam, independentemente dos títulos também invocados, e face à nulidade dos contratos identificados nos autos , os prédios identificados no artº 6º desta petição fazem parte no âmbito do direito de propriedade da herança do falecido “ZZ” que os embargantes legitimamente representam.
55º A dívida exequenda, só pode ser paga por bens que pertençam à devedora ..., Ldª , e não pelos bens que pertencem aos embargantes .
56º E assim, os mesmos bens não podem ser arrematados nesta execução.
57º Os embargantes estão em tempo, uma vez que apenas tiveram conhecimento das penhoras identificadas nos autos no passado dia 30 de Dezembro de 2011, devido ao facto de a sua mãe lhe ter dito, após a mesma nesse dia se ter deslocado ao registo predial de Tomar, e ter constatado por informação do funcionário a existência de tais penhoras, sobre os imóveis identificados nos autos.
58º E têm por isso legitimidade.
NESTES TERMOS devem os presentes embargos ser recebidos , e oficiosamente declarada a nulidade dos contratos invocados nos autos, e aos embargantes como herdeiros de “ZZ”, restituída a posse dos bens penhorados, suspendendo-se de imediato a execução e a final provada e procedente, ordenando-se o levantamento das penhoras por serem ilegais .
PARA TANTO:
Requerem a V.Excª., que autuado por apenso se digne ordenar a notificação dos embargados para contestaram querendo, procedendo aos ulteriores termos processuais.”.
*
4. Recebidos que foram os referidos embargos de terceiro, por decisão de 04-01-2013 (constante do apenso A), nos termos e com os fundamentos aí vertidos, foram os embargados absolvidos do pedido de declaração de nulidade dos contratos, e do pedido de reconhecimento da aquisição da propriedade dos bens imóveis por sucessão, bem como da declaração de nulidade das escrituras e cancelamento dos registos.
*
5. Tendo os embargantes interposto recurso de apelação de tal decisão, em 04-06-2013, foi proferido acórdão pela 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou, nos termos e com os fundamentos aí exarados, improcedente o recurso e confirmou a decisão de improcedência dos embargos.
*
6. Por requerimento apresentado nos autos de execução em 02-06-2023, os embargantes “AA” e “BB” vieram requerer o seguinte:
“(…) 1º Os requerentes e reclamantes acima identificados nos autos, vêm reivindicando, no âmbito do processo de ação comum Nº (…)04/22, do Juízo Central Cível – J (…), do Tribunal da Comarca de Santarém, a posse e propriedade dos bens imóveis penhorados nestes autos em 27-10-2011, e em processo de venda judicial em curso.
2º Para o efeito, juntaram aos presentes autos, cópia da petição inicial deduzida naqueles autos e aí em julgamento. Sucede que,
3º Como resulta das descrições prediais dos imóveis identificados nos autos e penhora – descrição Nº (…)66 e descrição (…)13 da Conservatória do Registo Predial de Tomar – freguesia de (…), concelho de Tomar:
Aí constava:
A) Descrição Nº (…)66
1 – Registo de hipoteca judicial – Ap. (…)36 de 24/04/2009 – a favor dos mesmos R.R., aqui divorciados, garantia de prestação em dinheiro em que foi condenada a 4ª Ré de € 214.400,00;
2 – Registo de Penhora – a favor do 1º e 2ª R.R., aqui de novo casados (?) – Ap. (…)55 de 08/10/2011 no montante de € 214.400,00 – Proc. Executivo Nº (…)073/11.4TBOER. (Doc. Nº 14)
B) Descrição (…)13
1 – Registo de Hipoteca – Judicial – Apresentação Nº (…)36 de 24/04/2009 – garantia de prestação em dinheiro em que foi condenada de € 214.400,00.
2 – Registo de Penhora – a favor das 1ª e 2ª R.R. – Ap. (…)55 de 08/10/2011 no montante de € 214.400,00 – Proc. Executivo Nº (…)73/11.4TBOER.
4º E por via de tais factos, que tem a ver com os presentes autos, instaurados pelos exequentes “CC” e “DD”, contra a executada Imobiliária, Lda, por factos a que os embargantes são totalmente alheios, e aos quais sempre se opuseram, foram os bens imóveis atrás identificados no artigo 14º desta petição objeto de uma constituição de fiel depositário, por parte de Exmº Agente de Execução (…), a 28/11/2017, e em consequência das referidas penhoras, e nos termos do relatório junto a estes autos.
5º E onde se confirma que em tais imóveis sempre viveram os embargantes e sua mãe, e em 28/11/2017.
6º Acto a que os embargantes se opuseram por considerar que os imóveis lhes pertencem e ali sempre viveram e ali têm os seus bens móveis, como consta dos autos.
7º E que se veio a repetir, em 28 de Maio de 2018, data em que, apesar da oposição do reclamante “BB” e de sua mãe, se veio a concretizar com remoção e mudança de algumas fechaduras à força pelas autoridades policiais ao fim do dia, do requerente “BB” e da sua mãe, para a estrada pública, que liga Alviobeira a Tomar.
8º Ali ficaram todos os bens móveis dos requerentes e alguns da sua vida doméstica.
9º Nada tendo sido dito ou comunicado ao requente “AA”, neste dia ou em qualquer outro, pois se encontrava a trabalhar no seu emprego em Espanha.
10º Razão pela qual os requerentes ali têm continuado a entrar, pelas portas das quais tem fechadura, ou que têm acesso, e para vigia e posse do que lhe pertence, nomeadamente os seus bens móveis atrás referidos e fotografados.
11º Tendo-se assim no mesmo dia constituído como fiel depositário a referida (…), conforme termo dos autos, sem qualquer referência aos móveis dos requerentes que ali ficaram, totalmente desprotegidos e abandonados.
12º Factos que não impediram, nem impedem, a posse dos embargantes, ora reclamantes, sobre os mesmos imóveis. Ora,
13º Apesar disso, os registos acima invocados são nulos, nomeadamente o das penhoras, como seguidamente se descreve.
14º E porque em conformidade com o disposto no artigo 16º, alínea b) e c) do C.R.P. quando:
“b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado;
c) Quando enfermar de omissões ou inexatidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere;”
15º E têm os requerentes legitimidade para vir aos autos pedir com as legais consequências, a declaração de nulidade de tais registos, pois como alegaram inicialmente, têm a posse legítima dos imóveis, e assim interesse na declaração de tal nulidade, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 3, alínea c) do C.R.P., por tal ser de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 734º do C.P.C..
16º Desde logo, as hipotecas judiciais constantes da Ap. (…)36 de 2009/04/24, mostram-se caducas, face ao disposto no artigo 12º, nº 1, alínea a) do C.R.P., e prescritas, face ao disposto no artigo 730º, alínea b) do C.C., uma vez que a obrigação já se venceu, e está extinta face à declaração de insolvência da ex-devedora ..., o que aqui se alega para os devidos efeitos. Ainda assim, e caso assim não se entenda,
17º Mostram-se nulas, face ao disposto no artigo 16º do C.R.P., também as penhoras constantes da Apresentação Nº (…)55 de 18/10/2011, no montante de € 214.400,00, referente à descrição Nº (…)13, e a mesma Apresentação Nº (…)66, ambas da Conservatória do Registo Predial de Tomar, freguesia dos (…). De verdade,
18º Conforme resulta da petição da execução destes autos, instaurada em 26-08-2011 – (…)º Juízo do Tribunal de Oeiras, instaurada pelos exequentes, contra a executada, nos termos do artigo 56º nº 2 do C.P.C., foi dada a execução sentença do Proc. Nº (…)/97 do (…)º Juízo Cível do extinto Tribunal de Oeiras, proferida em 11-01-2010, mas transitada apenas em 03-05-2020, que condenou a devedora ..., Lda a pagar aos exequentes a importância de € 214.400,00.
19º Dando-se em penhora os bens descritos nestes autos em execução, por alegada garantia judicial da mesma devedora ..., já declarada insolvente, mas quando os mesmos bens já haviam sido antecipadamente transmitidos pela mesma aí executada por escritura de compra e venda de 21 de Janeiro de 2010, e conforme inscrição registral de 01/02/2010, e constantes das Apresentações Nº (…)89 de 01/02/2010, e como decorre das mesmas descrições prediais, juntas aos autos.
20º Escrituras, onde além do mais, ficou consignado, que os cancelamentos destas hipotecas judiciais, se mostravam assegurados pela certidão judicial do Tribunal de Oeiras, emitida a 3 de Dezembro de 2009 que declarava extinta a execução, e resulta dos documentos juntos aos autos.
21º Mas ainda assim, a legitimidade dos requerentes, para através deste meio processual pôr em causa a legalidade quer das hipotecas judiciais, quer das penhoras em execução, advém-lhe da alegada posse legítima e de boa fé, sobre os imóveis em discussão. Ora,
22º Conforme consta daquela petição da execução e documentos que acompanham a sentença dada a execução no processo vertido nos autos, apesar de 11-01-2010, apenas transitou em 03-05-2011.
23º Nessa data, por registo de aquisição de 01-02-2010, conforme consta da certidão registral junta aos autos, já os imóveis penhorados haviam sido transmitidos à Executada, terceira, e não devedora aos aí exequente de qualquer montante ou dívida.
24º Donde, também, como resulta da certidão registral já junta, a penhora que lhe é posterior, de 27/10/2011, feita ao abrigo do artigo 838º do C.P.C., hoje artigo 755º do C.P.C., é ineficaz e irrelevante perante tal aquisição que lhe é anterior. (vide certidões do processo registral quer da hipoteca quer da penhora)
25º É que, estando esclarecido que o título subjacente à hipoteca judicial feita sem a intervenção da devedora (sentença de 2002) que se pretende dar execução em outro momento (ano 2011), aliás não referida no auto de penhora, em que o bem já é pertença de um terceiro, a executada destes autos, Imobiliária, Ldª, como é claro, deve entender-se a tal propósito o que resulta do seguinte:
 “I - A hipoteca judicial tem a natureza de uma penhora antecipada e so pode recair sobre bens do devedor.
II - A validade da compra e venda, em relação aos respectivos contratantes, não depende do registo da transacção.
III - Para efeito do disposto no artigo 7 do Código do Registo Predial, o credor que registou hipoteca so pode considerar-se "terceiro" na venda realizada pelo devedor no caso de este ter intervindo na constituição da hipoteca.
IV - A inscrição do prédio apenas constitui presunção da propriedade.” (S.T.J. de 03-12-1974 – BMJ – 242 – 263 e RLJ)”
26º É claro que no caso, a devedora ..., nenhuma intervenção teve no registo da hipoteca judicial. E nessa medida, também,
“I – É nula a hipoteca judicial sobre bens que, entretanto, o devedor transmita a terceiro.
II- Tal nulidade pode ser oposta ao credor hipotecário com registo anterior ao da transmissão se ele não puder ser havido como terceiro em relação ao comprador, o que acontece precisamente com o credor de hipoteca judicial, cuja constituição não exige qualquer intervenção do devedor e anterior proprietário dos bens assim onerados.” (CRL 20-06-1973 – BMJ – 228º - 271º, in C.C. Anotado de Abílio Neto – Pág. 687 – 16º edição)
27º Como foi e é o caso dos autos, uma vez que a devedora dissolvida ..., nenhuma intervenção teve no invocado registo de hipoteca.
28º Donde sendo nulo aquele registo de hipoteca, em relação à executada Imobiliária “EE”, Ldª, nula é a penhora, sendo assim a presente execução, uma execução, com manifesta falta ou insuficiência de título, que é nula em relação à executada (artigo 726º, nº 2, alínea a) do C.R.C.), o que importa neste processo o indeferimento liminar, de conhecimento oficioso, nos precisos termos do disposto no artigo 734º, nº 1, e que, apesar de tudo, está em tempo de o ser, também neste processo.
29º Aliás, tal procedimento de anulação foi adotado no âmbito do primeiro Processo Executivo – Proc. Nº (…)/1997 – (…)º Juízo Cível onde precisamente, instaurado pelos exequentes. contra a executada, não considerando assim o efeito do registo daquela hipoteca judicial, que agora teimosamente se continua a executar, com a esponja e cobertura do disposto no artigo 838º anterior C.P.C. (hoje artigo 755º do C.P.C.), neste processo pois que o registo electrónico das penhoras dos autos, até nenhuma conexão tem com a petição inicial da execução que se refere a existência de uma hipoteca judicial, porém sem a concretizar, por necessária menção naquele registo, ou por anotação de conversão daquela hipoteca em penhora, que assim são notoriamente nulas e, assim, ineficazes e não oponíveis à executada Imobiliária.
30º Mas as notórias e manifestas ilegalidades registrais das referidas penhoras, não ficam por aí. Com efeito,
31º Conforme resulta das certidões registrais juntas e cadernetas prediais aos autos, no que se refere ao prédio descrito sob o Nº (…)13, freguesia de (…), matrizes urbanas Nº (…)10, (…)89, e rústica Nº (…)-P, consta a área total de 3850 m2, sendo 880 m2 de área coberta e 2970 m2 de área descoberta (2670 + 300), quando a área constante da matriz rústica – artigo (…)-P – e como resulta da respetiva caderneta predial é de 5280 m2.
32º Diga-se ainda, que os prédios referidos nos autos e resultantes das descrições prediais já referidas Nº  (…)13 e (…)66, da Conservatória do Registo Predial de Tomar, além do prédio misto, constituem uma única unidade económica, e assim um só prédio, com entrada a poente, por diferentes portas e portões, e assim da estrada pública que liga Alviobeira à cidade de Tomar.
33º De verdade, tal unidade predial e económica mostra-se implementada na área total de 5280 m2.
34º Resulta assim claro, que ao nível registral, existe divergência quanto ao que a descrição predial Nº (…)13 diz respeito, com a área da matriz rústica – artigo (…)-P, freguesia de (…), concelho de Tomar, ou seja, 5280 – 3850 = 1430 m2, violando, assim, manifestamente os artigos 1º, 2º, 3º, 28º nº 1, 31º, 68, 70 e 71º tudo do C. do Registo Predial.
35º Como já foi decidido no âmbito do processo judicial Nº (…)12.7TBTMR, que corre seus termos no Tribunal de Tomar, sobre os mesmos factos, e resulta do histórico daquelas fichas registrais, conforme cópia dos documentos que agora se juntam e dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
36º Por jamais ter sido efectivada sobre o mesmo qualquer outra desafectação junto do cadastro da propriedade rústica, conforme resulta do certificado pelo Serviço de Finanças de Tomar.
37º Significa assim que se mostra penhorado nos referidos autos (Proc. Nº (…)/11.4TBOER) e vem sendo posto à venda realidade económica e jurídica não existente, perante a nossa lei registral. (CRP artigo 16º, alínea b) e c) e artigo 28º)
38º Donde os registos existentes naquelas descrições, nomeadamente no que se refere à descrição Nº (…)13, e efectivados após 30/11/2002, são nulos nos precisos termos do disposto no artigo 16º e 28º do C.R.P., porquanto foram efetivados:
a) – Com base em documentos (certidão matricial rústica) e título que enferma de omissões ou inexactidões de que resulta incerteza acerca dos sujeitos, ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere. Com efeito,
39º De verdade, a realidade atrás descrita (descrição nº (…)13), comporta em si, a situação jurídica de “prédio encravado”. Com efeito,
40º Nos termos do artigo 28º do C.R.P., nº 3 “Nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo deve haver harmonização com a matriz, nos termos dos nºs 1 e 2, e com a respetiva descrição, salvo se quanto a esta os interessados esclarecerem que a divergência resulta de alteração superveniente ou de simples erro de medição.”, o que não é o caso dos autos.
41º E o mesmo se mostra confirmado no disposto no artigo 58º do C. Notariado, dispositivo legal, que não se mostra respeitado, nem nos títulos dados a registo após 31/01/2002, como dos respetivos registos, resulta como o demonstram as referidas descrições Nº (…)13 e (…)66.
42º Ora, a situação decorrente que se reporta a 1430 m2 de diferença, não se mostra contemplado na situação de isenção, quer do disposto no artigo 28º alínea a) ou b) do C.R.P., pois no caso está em causa um prédio rústico submetido a cadastro geométrico.
43º É assim claro, como o defende – José Fernando Godinho – in a Função do Agente de Execução – Almedina – 2022 – Pg. 419 que:
“Em caso de penhora, se a área do prédio constante da descrição predial divergir, para além da tolerância legal, de área do prédio na inscrição matricial, está inviabilizado o futuro da penhora com a natureza definitiva”, o que não sucedeu nos presentes autos.
44º É que, sendo até inaplicável o disposto no artigo 90º nº 2 alínea c) do C.R.P., perante o parecer do Instituto dos Registos e Notariado de 20 de Outubro de 2014, Proc. Nº CP 37/2014 – STJ – CC, que impõe para a legalização da penhora de “prédio encravado” o cumprimento do disposto no artigo 28º, alínea c) do C.R.P., mais uma vez se demonstra a ilegalidade dos registos constantes do registo da descrição (…)33 e efectivado após 31/01/2002, que são nulos. (artigo 16º CRP)
45º Significa assim que o Nº 3 da conclusão daquele parecer veio na prática a revogar o disposto no artigo 90º nº 2 do C.R.P., pois se passou a exigir que o Agente de Execução consiga a declaração de titular inscrito (normalmente o executado) confirmando que:
“1 – Que a área correta é a que consta da matriz; ou
2 – Que a diferença de área é um simples erro de medição; ou
3 – Se for matriz cadastral, que a configuração geométrica do prédio não sofreu alteração;
ou
4 – Se for matriz não cadastral, que não ocorreu alteração na configuração do prédio acompanhado da planta do prédio. (vide “As funções do Agente de Execução” de José Fernando Godinho 2022 – A Penhora - Pg. 418 a 423)”
46º O que também não ocorreu no presente caso, produzindo a nulidade dos registos das penhoras nos termos do artigo 16º do C.R.P.
47º E sendo como se alega, os prédios descritos sob os Nº  (…)66 e (…)13, uma só unidade económica e predial, como se poderá constatar no local, as nulidades dos registos das penhoras existentes sobre a descrição Nº (…)13, afectou da mesma forma o registo das penhoras existentes sobre a descrição Nº (…)66, uma vez que se trata de um só prédio.
48º Em resumo:
1 – As apresentações registadas pela Ap. (…) de 02/12/2002, e Ap. (…) de 01/02/2010, nas descrições referidas nos autos, constituem atos nulos, porque são decorrentes de simulação, devendo ser declarados oficiosamente nulos nos precisos termos do artigo 280º e 286º do C.C..
2 – Os respectivos registos são assim nulos, nos precisos termos do artigo 16º do C.R.P., e também face ao disposto do artigo 28º do mesmo diploma legal nas suas diferentes vertentes. 3 – É assim nulo o registo da hipoteca judicial constante da Apresentação Nº (…)36 de 24/04/2009, constante da mesma descrição.
4 – E assim também, porque em tal hipoteca judicial não interveio a devedora ..., sempre, para além dos motivos invocados (artigo 28º C.R.P.) quanto à situação do prédio encravado, sempre as penhoras constantes das Apresentações Nº (…) de 08/10/2011, também julgadas nulas com as legais consequências, uma vez que o título dado à execução, foi-o no momento em que os imóveis penhorados, já tinham sido transmitidos à 3ª Ré Imobiliária. (vide Ac. STJ de 03-12-1974 BMJ – 242 – 263 e RLJ e CRL 20-06-1973 – BMJ – 22-08-271, in C.C. Anotado de Abílio Neto – Pg 687 – 16ª Edição).
49º A presente reclamação vai em tempo, porquanto, os bens penhorados ainda não se mostram válida e definitivamente transmitidos, uma vez que as transmissões dos autos se mostram impugnadas, e os registos apresentados apenas se mostram efetivados provisoriamente por dúvida.
50º Os reclamantes têm interesse na discussão das questões suscitadas, pois são os actuais possuidores dos imóveis, e as questões atrás apresentadas, que têm a ver com a exequibilidade do título dado à execução, e a validade das consequentes penhoras são questões de conhecimento oficioso deste tribunal, nos precisos termos do artigo 734º do C.P.C..
Que assim é, resulta da jurisprudência dos nossos tribunais.
51º Entre outras:
1 – Está em causa nestes autos a aplicação – do que consta no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça no Processo Nº 8606/05.4YYLSB-A.L1.S1, onde por aplicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência Nº 3/99, se decretou o indeferimento limiar do requerimento executivo, e onde se consignou:
“Ocorrendo conflito entre uma aquisição por compra e venda (anterior), não levada ao registo, e uma hipoteca judicial (posterior) registada, depois convertida em penhora, aquela obsta à eficácia desta última, prevalecendo sobre ela.”
52º O que mais se impõe no caso dos autos, onde a aquisição da executada Imobiliária, Lda, se mostra efetivada anteriormente, ao invocado registo de penhora dos autos.
53º Ou melhor no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra – Proc. Nº 296/10.0TBPBL-C.C1, onde em 21-04-2022, se decidiu:
“Tendo sido deduzida oposição à penhora com fundamento na inexistência de título executivo, o n.º 3 do artigo 193.º do CPC e o direito do executado a um processo equitativo, conjugados com a circunstância de a inexistência do título executivo ser questão de conhecimento oficioso, impõem ao juiz o dever de convolar a oposição para incidente de arguição de nulidade/inexistência do título executivo e conhecer de tal questão.”
54º Ou ainda, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 10-10-2019, Processo Nº 3575/17.1T8LOU.A.P1, in www.dgsi.pt, onde se decidiu:
“I - O meio próprio de oposição do executado na execução é o processo de embargos de executado e os seus fundamentos, quando o título executivo seja uma sentença condenatória, são os que estão taxativamente previstos no art.º 729º do Código de Processo Civil.
II - Não obstante, é de admitir por simples requerimento no próprio processo de execução uma oposição pela qual apenas se invoque um vício cuja demonstração não carece de factos novos nem de prova, de que são exemplo o erro na forma do processo, a não indicação do valor da ação no requerimento executivo ou a falta de um requisito legal da petição. Tal não acontece com a exceção perentória do pagamento, sempre invocável apenas por meio de embargos.
III - Nos termos do art.º 193º, nº 3, do Código de Processo Civil (erro na qualificação do meio processual utilizado) é de admitir a conversão de um simples requerimento, que foi indevidamente junto à execução, em embargos de executado por oposição superveniente, onde se pede a extinção da execução por pagamento da quantia exequenda ao exequente e se junta um documento quitação por este supostamente assinado, ainda que por via de aperfeiçoamento, a processar nos embargos, aja de ser facultada ao embargante a alegação do momento em que efetuou o pagamento, tendo desde logo em vista a apreciação da tempestividade da oposição.”
55º Ou finalmente, conforme Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo Nº 503/21.3T8VNF.G1, de 25-11-2021, in www.dgsi.pt, onde se fez consignar, situação similar à dos autos:
“1 – No âmbito da execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa, que segue a tramitação prevista para a forma sumária, assiste ao executado o direito de suscitar a intervenção do juiz para «decidir outras questões».
2 – A verificação judicial da regularidade da instância é possível ao longo da execução, seja oficiosamente ou mediante requerimento dos interessados.
3 – A manifesta falta ou insuficiência do título é questão de conhecimento oficioso, assim como o são as repercussões de tal falta nos actos de penhora entretanto praticados na execução.
4 – Em conformidade com o disposto no artigo 704º, nº 1, do CPC, a sentença condenatória é exequível em duas situações:
a) Logo que se verifique o seu trânsito em julgado;
b) Quando, ainda não transitada, tenha sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo.
5 – Requerendo-se execução sem título dotado de exequibilidade, verifica-se a ausência de uma condição da acção, por o título não possuir um dos requisitos necessários à exequibilidade.
6 – A falta de título com força executiva constitui motivo legal de indeferimento do requerimento executivo, isto é, de rejeição da execução, alicerçada na falta de uma condição formal da realização coactiva da prestação.
7 – A inexequibilidade do título é insusceptível de sanação.”
56º Motivos pelos quais, se impõe a devida pronúncia oficiosa deste tribunal sobre as questões quanto à exequibilidade do título dado à execução em relação, e da legalidade das penhoras identificadas nos autos que lhe são consequentes.
E assim:
1) – Ser indeferida a presente execução, por falta de exequibilidade do título em relação à executada, com as legais consequências, qual seja a da declaração de nulidade das penhoras já referidas, tudo com as legais consequências, nomeadamente a da anulação do processado após apresentação da petição de execução, e os autos arquivados e, assim, e ainda,
2) - Serem as referidas apresentações já referidas, e das penhoras existentes nas descrições Nº (…)66 e (…)13 da Conservatória do Registo Predial de Tomar, constantes das apresentações Nº (…) de 2011/10/18, julgadas nulas, nos termos do artigo 16º, alíneas b) e c) do C.R.P. pois que:
a) – O registo de penhora efetivada nos termos do artigo 755º do C.P.C. (ex-artigo 838 do C.P.C.), não se mostra adequado à sentença da hipoteca judicial referida, uma vez que não foi outorgada pelos devedores ..., e mostra-se efetivada quando os imóveis já tinham sido transmitidos a pessoas diferentes da mesma declaração (01/02/2010), e com base em título de sentença produzida em data posterior a esta, em 03/05/2011, o que a lei não permite. E, ainda, também, por,
b) – Sempre os mesmos registos de aquisição e penhoras existentes nas duas descrições, que têm de ser entendidas como uma unidade económica e predial, nos termos do disposto no artigo 16º, 28º, a), b) e c) e 90º do C.R.P., julgados nulos, por existência de falta de harmonização de área, entre a descrição Nº 2013 e a matriz rústica (…) – Secção P, freguesia de (…)s, concelho de Tomar, uma vez que na matriz rústica a área é de 5280 m2 e na descrição é de 3850 m2, havendo assim uma diferença de 1430 m2, valor que impõe harmonização, nos termos previstos naqueles dispositivos legais atrás mencionados, e situação que não permite nas mesmas, aquele registo definitivo de aquisição e das penhoras, que assim se impugnam, reafirmando-se assim o pedido da declaração da sua nulidade. (artigo 16º, b) e c) do C.R.P.)”.
*
7. Com data de 26-06-2023 foi proferido nos autos de execução, o seguinte despacho:
“Requerimento de 2-VI-23: Os embargos de terceiro deduzidos (com fundamentos idênticos aos ora alegados, se bem se compreendeu) foram julgados improcedentes por acórdão de 4-VI-13 – encontrando-se, há muito, esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal.
Conforme nota o exequente, os ora requerentes não são Parte nestes autos, e, por tanto, não têm legitimidade para arguir nulidades processuais.
Motivo por que se indefere o requerido pedido de “pronúncia”.
Sem custas (atenta a simplicidade).
Notifique.”.
*
8. Não se conformando com o referido despacho, dele apelam os recorrentes “AA” e “BB”, pugnando pela sua revogação e substituição “por outro que julgue os reclamantes partes legitimas, e defira e conheça as questões suscitadas pelo requerimento de 02-06-2023”, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1 – O requerimento apresentado nos autos em 02-06-2023, não pede pronúncia sobre questão que já tivesse existido decisão nos presentes autos, e tais fundamentos não são os mesmos dos embargos de terceiro deduzidos nos autos.
2 – No referido requerimento pede-se pronúncia judicial sobre:
a) – Falta de exequibilidade do título dado a execução, nos termos da petição de execução, em relação à executada Imobiliária, Ldª, e assim, consequente indeferimento da execução nos precisos termos dos artº 926 nº 2 alínea a) 729 nº1 alínea a), e questões de conhecimento oficioso nos precisos termos do disposto no artº 734 do C.P.C, por inexistir ainda nos autos, acto válido de transmissão dos bens penhorados.
b) – Nulidade das penhoras, e respectivos registos, uma vez que quando realizados, o título invocado, mostra-se produzido em data posterior à compra e venda efectuada à executada.
c) - A hipoteca judicial, hoje inexistente não invocada na penhora, não se transmite à adquirente dos bens, porquanto nunca foi outorgada pela devedora ..., Ldª.
d) - Os registos das penhoras – mostram-se nulos, por desarmonização da área inscrita, ( artº 16, 28 e 90 do C.R.P), ( situação jurídica de prédio encravado)
e) – Nenhuma destas questões tem qualquer pronúncia no âmbito do processo embargos de terceiro.
3 – Não se mostra assim esgotado o poder jurisdicional do tribunal
4 - “III – Intangibilidade da decisão proferida e, naturalmente, limitada pelo respectivo objecto de que a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às concretas questões sobre que incidiu a decisão” – In. Ac. Trib. Relação de Guimarães – Proc. Nº 120724/15.0YIPRT.1.G1-A – In www.dgsi.pt de 02-03-2023
5 – Os ora recorrentes têm legitimidade para a dedução do presente incidente-reclamação, e são assim partes legitimas. É que,
6 – O interesse em contradizer exprime-se pelo prejuízo para os interessados que dessa procedência advenha. E,
7 – Os ora recorrentes, vêm alegando serem os actuais possuidores dos imóveis penhorados, pelo que independentemente de as questões suscitadas poderem ser matéria de oposição à execução, e à penhora, assiste-lhe sempre nos precisos termos do disposto nos artº 333 nº 1 e 852 e 853 do C.P.C legitimidade para intervirem nestes autos, através da dedução do presente incidente reclamação – processualmente em tempo, por estarem em causa nulidades processuais insanáveis e do conhecimento oficioso, e pata fazerem valer direitos próprios.
8 – A materialidade intrínseca da sentença dada à execução, não é oponível nem à executada, nem aos reclamantes.
9 – A sua valia só em relação à extinta ..., Ldª., poderia ser executada.
10 – As nulidades processuais invocadas e insanáveis, estão em tempo de o ser face ao disposto no artº 734 do C.P.C
11 – Como resulta da lei deve entender-se por interessado o titular de qualquer relação jurídica, cuja consistência tanto jurídica como prática pode ser afectada pelo negócio, ou pelo processo.
12 – Os recorrentes têm assim legitimidade para o presente processo executivo, denunciar as nulidades processuais insanáveis de que se mostra ferido o presente processo executivo, sendo assim partes legitimas, contrariamente ao constante do douto despacho impugnado.
13 – Em matéria de legitimidade para arguir de nulidades, impõe-se o afastamento das orientações restritas, devendo ser seguida a orientação ampla pretendida pelo legislador, e que se justifica por razões de interesse público, daí ser invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso.
14 – O aliás douto despacho viola além do mais o disposto no artº 613, 198, 30, 33, 311, 333, 723 nº 1 alínea d), 726, 729, 734, e 852 e 853 todos do C.P.C”.
*
9. Dos autos não consta a apresentação de contra-alegações.
*
10. O recurso foi liminarmente admitido, por despacho proferido em 04-01-2024.
*
11. Remetidos os autos a este Tribunal em 08-02-2024, foram os autos inscritos em tabela para julgamento e colhidos os vistos legais.
*
2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identifica-se a seguinte questão a decidir:
A) Se a decisão recorrida deve ser revogada?
*
3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, conforme resultam dos autos, os elencados no relatório.
*
4. Fundamentação de Direito:
*
A) Se a decisão recorrida deve ser revogada?
No requerimento que os apelantes apresentaram nos autos de execução em 02-06-2023 concluíram pedindo ao Tribunal o seguinte:
“1) – Ser indeferida a presente execução, por falta de exequibilidade do título em relação à executada, com as legais consequências, qual seja a da declaração de nulidade das penhoras já referidas, tudo com as legais consequências, nomeadamente a da anulação do processado após apresentação da petição de execução, e os autos arquivados e, assim, e ainda,
2) - Serem as referidas apresentações já referidas, e das penhoras existentes nas descrições Nº (…)66 e (…)13 da Conservatória do Registo Predial de Tomar, constantes das apresentações Nº (…) de 2011/10/18, julgadas nulas, nos termos do artigo 16º, alíneas b) e c) do C.R.P. pois que:
a) – O registo de penhora efetivada nos termos do artigo 755º do C.P.C. (ex-artigo 838 do C.P.C.), não se mostra adequado à sentença da hipoteca judicial referida, uma vez que não foi outorgada pelos devedores ..., e mostra-se efetivada quando os imóveis já tinham sido transmitidos a pessoas diferentes da mesma declaração (01/02/2010), e com base em título de sentença produzida em data posterior a esta, em 03/05/2011, o que a lei não permite. E, ainda, também, por,
b) – Sempre os mesmos registos de aquisição e penhoras existentes nas duas descrições, que têm de ser entendidas como uma unidade económica e predial, nos termos do disposto no artigo 16º, 28º, a), b) e c) e 90º do C.R.P., julgados nulos, por existência de falta de harmonização de área, entre a descrição Nº (…)13 e a matriz rústica (…) – Secção P, freguesia de Casais, concelho de Tomar, uma vez que na matriz rústica a área é de 5280 m2 e na descrição é de 3850 m2, havendo assim uma diferença de 1430 m2, valor que impõe harmonização, nos termos previstos naqueles dispositivos legais atrás mencionados, e situação que não permite nas mesmas, aquele registo definitivo de aquisição e das penhoras, que assim se impugnam, reafirmando-se assim o pedido da declaração da sua nulidade. (artigo 16º, b) e c) do C.R.P.)”.
Na decisão recorrida entendeu-se, desde logo, que, em função do decidido no apenso A – onde foram julgados improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pelos ora apelantes – se encontrava esgotado o poder jurisdicional do Tribunal para a apreciação das questões suscitadas pelos requerentes do requerimento de 02-06-2023.
A respeito deste “esgotamento”, dispõe o n.º 1 do artigo 613.º do CPC que, “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”. Este princípio é, por força do n.º 3 do mesmo artigo, estendido na sua aplicação aos despachos.
Salientam, todavia, os recorrentes que não pediram pronúncia do Tribunal sobre questão que já tivesse sido decidida nos autos e que as questões suscitadas no requerimento de 02-06-2023 visavam a “pronúncia judicial” sobre o seguinte:
“a) – Falta de exequibilidade do título dado a execução, nos termos da petição de execução, em relação à executada Imobiliária, Ldª, e assim, consequente indeferimento da execução nos precisos termos dos artº 926 nº 2 alínea a) 729 nº1 alínea a), e questões de conhecimento oficioso nos precisos termos do disposto no artº 734 do C.P.C, por inexistir ainda nos autos, acto válido de transmissão dos bens penhorados.
b) – Nulidade das penhoras, e respectivos registos, uma vez que quando realizados, o título invocado, mostra-se produzido em data posterior à compra e venda efectuada à executada.
c) - A hipoteca judicial, hoje inexistente não invocada na penhora, não se transmite à adquirente dos bens, porquanto nunca foi outorgada pela devedora ..., Ldª.
d) - Os registos das penhoras – mostram-se nulos, por desarmonização da área inscrita, ( artº 16, 28 e 90 do C.R.P), ( situação jurídica de prédio encravado) (…)”.
E, de facto, compulsado o requerimento de 02-06-2023 verifica-se que, os aí requerentes, invocaram tais questões (cfr., em particular, o alegado nos artigos 13.º a 48.º), as quais não figuraram nos embargos de terceiro apreciados no apenso A.
De facto, nos embargos de terceiro deduzidos - conforme resulta do apenso A onde foram decididos - esteve apenas em questão saber se os imóveis penhorados pertenciam aos embargantes, ora apelantes, porquanto tinham alegado que o seu falecido pai, “ZZ”, tinha declarado vendê-los à sociedade ... – Construções e Empreitadas, Lda. que, por sua vez, declarou comprá-los, em escritura outorgada em 28-11-2002, mas nenhum dos outorgantes pretendeu realizar tal negócio, antes, mediante conluio simulatório visaram “criar uma aparência negocial para enganar eventuais terceiros, os credores do então identificado “ZZ””.
Na tese dos ora recorrentes, verifica-se, pelo simples confronto do decidido no mencionado apenso A - quer com referência à sentença de 1.ª instância, quer com arrimo no acórdão que veio a ser proferido naqueles autos em 04-06-2013 - que as questões enunciadas no requerimento de 02-06-2023 não se inscrevem no objeto do decidido no mencionado apenso A, não se confundindo com o seu âmbito. E, constituindo a sentença caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (cfr. artigo 621.º do CPC), não se pode considerar que, perante o leque de questões enunciadas no requerimento de 02-06-2023, o Tribunal recorrido estivesse (em face dos fundamentos e decisão emitidos no apenso de embargos de terceiro), de facto, impedido de, pelo apontado motivo – esgotamento do poder jurisdicional de apreciação do Tribunal - de emitir pronúncia relativamente ao ali requerido, ao invés do que se declarou no despacho recorrido.
Contudo, apesar disso, não nos parece que a decisão do Tribunal recorrido pudesse culminar no conhecimento das questões suscitadas pelos requerentes do requerimento de 02-06-2023, dado que, de facto, não tinha cabimento processual a emissão da pronúncia requerida.
Desde logo, há uma circunstância indesmentível: O meio processual próprio para os requerentes – atenta a sua qualidade de terceiros que, nas suas próprias palavras, “vêm alegando serem os actuais possuidores dos imóveis penhorados…”, dispondo, por isso, de direito incompatível sobre tais imóveis – exercitarem o direito de que se arrogaram e arrogam era o meio processual dos embargos de terceiro e esse meio já foi, cabalmente, exercitado pelos ora recorrentes.
De facto, os requerentes do requerimento de 02-06-2023 intervieram precedentemente nos autos, na posição de terceiros e, nessa qualidade, perante um concreto ato de penhora, exercitaram o meio processual de defesa dos direitos de que se arrogaram titulares: A dedução de embargos de terceiro, que deu origem ao apenso A.
Com efeito, dispõe o n.º 1 do artigo 342.º do CPC que, “se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
E, de harmonia com o disposto nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 344.º do CPC, “os embargos [de terceiro] são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado ato ofensivo do direito do embargante”, devendo ser deduzidos “mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”.
Do artigo 348.º, n.º 1, do CPC resulta, por seu turno, que, recebidos que sejam os embargos “as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum”, ou seja, numa causa executiva, terá lugar um procedimento declarativo, processado por apenso.
Assim, a “estrutura dos embargos de terceiro é essencialmente caracterizada, não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa acção declarativa que corre por apenso à acção ou ao procedimento de tipo executivo, com a especificidade de inserirem uma sub-fase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas, sobretudo, por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante.
Apesar de regulados em sede de incidente da instância, configuram-se como uma verdadeira acção declarativa, autónoma e especial, conexa com determinado procedimento do tipo executivo” (assim, Salvador da Costa, Os Incidentes Da Instância, 5ª edição, Almedina, Setembro de 2008, p. 201; no mesmo sentido, José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código de Processos Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, p. 341).
Refere, ainda, Salvador da Costa (Os Incidentes Da Instância, 5ª edição, Almedina, Setembro de 2008, p. 208) que, “para além da situação de facto juridicamente tutelada em que a posse se traduz, pode actualmente defender-se, através de embargos de terceiro, o direito de propriedade sobre coisas que foram indevidamente atingidas pela diligência judicial.
E para além do direito de propriedade plena, pode o terceiro defender, através de embargos, os seus direitos menores de gozo, por exemplo, o direito de usufruto ou o direito de nua propriedade que indevidamente tenha sido atingido pelo acto de penhora, como acontecerá se o executado só era radicário ou usufrutuário em relação à coisa penhorada”.
Conforme se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-10-2017 (Pº 1734/13.5TBBRG-A.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS), “[o] que seja, então, «direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência», será apurado em função da finalidade desta, que no caso de uma acção executiva para pagamento de quantia certa se traduz na venda do bem penhorado no processo de execução.
Logo, a invocação, por parte de um Terceiro, que nela não é parte, de um direito de propriedade sobre o dito bem penhorado, é necessariamente incompatível com o prévio acto judicial de penhora, por o mesmo ser lesivo daquele direito (permitindo, por isso, o recurso aos embargos de terceiro para o defender, sem o necessário - e demorado - recurso à acção de reivindicação)”.
De facto, conforme se deu conta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-06-2019 (Pº 2586/15.4T8LOU-B.P1, rel. JUDITE PIRES), “[c]om a reforma do processo civil empreendida em 1995 (…), os embargos de terceiro deixaram de constituir processo especial e de ser tratados como acção possessória, passando a integrar-se nos incidentes de instância, perspectivando-se como “verdadeira subespécie da oposição espontânea, caracterizada por se inserir num processo que comporta diligências de natureza executiva (penhora ou qualquer outro acto de apreensão de bens) judicialmente ordenadas, opondo o terceiro embargante um direito próprio, incompatível com a subsistência dos efeitos de tais diligências (…)“considerou-se que, em termos estruturais, o que realmente caracteriza os «embargos de terceiro» não é tanto o carácter «especial» da tramitação do processo através do qual actuam – que se molda essencialmente pela matriz do processo declaratório, com a particularidade de ocorrer uma fase introdutória de apreciação sumária da viabilidade da pretensão do embargante -, mas a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante” [cfr. Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro].
Como esclarece Amâncio Ferreira [“Curso de Processo de Execução”, 10ª edição, pág. 290], “hoje, os embargos de terceiro não se apresentam, no sistema da lei processual, como um meio possessório, mas antes como um incidente da instância, como uma verdadeira subespécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (arts. 351 e segs.). E assim como é do conceito de oposição (art. 342 nº 1), encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir numa causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas.”
“Os embargos de terceiro são uma forma particular de reclamação tendo em vista a revisão pelo mesmo órgão jurisdicional da questão sobre a qual incidiu a decisão que ordenou a diligência posta em causa.
Este procedimento caracteriza-se, essencialmente, pela posição do embargante, o qual se “introduz” num processo pendente entre outras partes, a fim de obstar à efectivação de um seu direito, incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto judicial de afectação ilegal daquele mesmo direito” [Acórdão da Relação de Lisboa, 30.11.2000, processo nº 0074228, www.dgsi.pt.].
Ou seja, “os embargos de terceiro, no Código de Processo Civil revisto, passaram a constituir o meio processual idóneo para a efectivação de qualquer direito de embargante incompatível com uma diligência de cariz executório, não tendo que ser, necessariamente, alegada a posse, mas sim um qualquer direito incompatível com a diligência judicial ordenada, tendo-se alargado, expressa e deliberadamente, por via legislativa, o âmbito de tal procedimento” [Acórdão da Relação de Lisboa, 11.01.2001, processo nº 0076718, www.dgsi.pt.].
Mas, constituindo os embargos de terceiro um meio de defesa da posse ofendida, por quem é alheio à acção executiva, isto é terceiro, essa posse não pode ser uma posse precária, mas antes uma posse real, efectiva, que se consubstancia no exercício de poderes de facto sobre a coisa penhorada, não se exigindo a posse jurídica [Cf. Acórdãos da Relação de Lisboa, 25.05.2000, 22.11.2001, 06.06.2000, processos, respectivamente, 0043016, 0076191, 0000721, e Acórdão da Relação do Porto, 21.03.2000, processo nº 9821443, www.dgsi.pt.].
Cabe ao embargante a prova dos fundamentos do seu direito: artigo 342.º do Código Civil. Assim, sobre ele recai o ónus probatório de demonstrar que a penhora, a apreensão ou entrega judicialmente ordenada e a incidir sobre determinados bens ofende direitos que ele tem sobre esses mesmos bens, merecedores de tutela (…)”.
Em suma: “Os embargos de terceiro constituem o meio processual idóneo para a efectivação de qualquer direito do embargante incompatível com uma diligência de cariz executório, não tendo que ter, necessariamente, por fundamento a posse, mas a existência de qualquer direito incompatível com a diligência judicial ordenada”, recaindo “sobre o embargante o ónus probatório de demonstrar que a penhora, a apreensão ou entrega judicialmente ordenada e a incidir sobre determinados bens ofende direitos que ele tem sobre esses mesmos bens, merecedores de tutela” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-05-2023, Pº 23287/18.8T8PRT-A.P1, rel. CARLOS PORTELA).
E, de facto, como se viu, os embargantes reagiram da forma que entenderam no âmbito da petição de embargos de terceiro que deduziram – pretensão essa que, de acordo com o decidido no apenso A, foi julgada improcedente – relativamente à penhora incidente sobre os imóveis penhorados nos autos.
Tal meio de defesa esgotou, assim, o seu escopo e a sua finalidade.
Ora, conforme resulta dos autos, não está subjacente ao requerimento de 02-06-2023 qualquer ato processual que determine ou justifique a emissão de pronúncia pelo Tribunal recorrido.
E, muito embora as questões suscitadas pelos requerentes do requerimento de 02-06-2023 tenham caráter inovador relativamente aos fundamentos pelos quais os embargos de terceiro foram deduzidos, isso não confere aos mesmos requerentes a possibilidade de intervirem incidentalmente nos autos de execução.
Conforme se salientou, para a posição que se arrogam relativamente aos bens penhorados nos autos de execução, incompatível com as diligências executivas, o meio processual idóneo e apropriado a utilizar, para o efeito, era o meio da dedução de embargos de terceiro, meio que, como se viu, os terceiros, requerentes do requerimento de 02-06-2023, aliás, oportunamente utilizaram.
Neste ponto, importa salientar que a dedução de embargos de terceiro encontra-se sujeita a regras preclusivas, dado que, como se viu, terão, para serem admissíveis, de ser deduzidos no prazo de 30 dias a contar daquele em que o ato processual incompatível foi efetuado ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa.
Ora, as questões invocadas pelos requerentes do requerimento de 02-06-2023 poderiam ter fundamentado os embargos de terceiro deduzidos no apenso A) pelos terceiros ao processo executivo, no âmbito da ação executiva, a que são alheios, mas não se afigura que, constitua meio legítimo da sua dedução por um terceiro, a mera apresentação de um requerimento incidentalmente deduzido nos autos de execução.
Por um lado, a ação em questão é uma ação de feição executiva cuja finalidade é obter o pagamento de quantia certa, verificando da existência das condições legais para o efeito e, não, a definição do direito dos terceiros que aí se apresentem a formular requerimentos (sendo que, conforme enunciam os requerentes no requerimento de 02-06-2023, logo no artigo 1.º de tal peça, os mesmos instauraram já ação que visa, precisamente, a definição do direito de que se arrogam sobre os bens penhorados: “1º Os requerentes e reclamantes acima identificados nos autos, vêm reivindicando, no âmbito do processo de ação comum Nº 2404/22, do Juízo Central Cível – J2, do Tribunal da Comarca de Santarém, a posse e propriedade dos bens imóveis penhorados nestes autos em 27-10-2011, e em processo de venda judicial em curso”).
A este propósito, importa referir que apenas têm a qualidade de partes do processo executivo, o exequente e o executado: “Partes, num processo executivo, são, formalmente, os sujeitos que, no requerimento inicial, surgem identificados como exequente e executado” (assim, Augusta Ferreira Palma; Embargos de Terceiro; Almedina, 2001, p. 22).
O processo executivo alicerça-se no título executivo, no documento que lhe serve de base (cfr. art. 703.º do CPC), cabendo ao exequente instruir o requerimento executivo com cópia ou o original do título executivo (cfr. art. 724.º, n.º 4, CPC).
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva - art. 10.º, n.º 5, do CPC.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, p. 33): “O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão executiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação”.
Nesse sentido – sobre a legitimidade do exequente e do executado – , dispõe o n.º 1 do artigo 53.º do CPC que, “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
Ou seja: O apuramento da legitimidade ativa e passiva para estar em juízo no âmbito da ação executiva tem de passar pela análise do título executivo.
Daqui decorre que, a regra geral da legitimidade para a ação executiva diverge da que vigora para a ação declarativa (cf. art. 30º do CPC), porquanto se atende à literalidade do título executivo, seja este uma sentença, um contrato, um título de crédito ou outro.
A legitimidade executiva afere-se por confronto entre o título executivo e as partes na causa (cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, 2019 Reimpressão, pág. 278; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, p. 109).
“Assim, será terceiro em relação à execução quem não figure no título como credor ou devedor, nem seja representante de alguma das partes, tal como aquele que, embora obrigado no título conjuntamente com o executado, não tenha sido demandado na execução.
Não obstante a literalidade do título executivo, são admitidas algumas situações excepcionais de indeterminação do credor em face do título, que integram aquilo que o Prof. Miguel Teixeira de Sousa designa por legitimidade aberta.
Tal sucede quando a indeterminação do credor deriva das características do próprio facto jurídico ou título material de aquisição do direito à prestação, como quando se esteja perante título ao portador (cf. art. 53º, n.º 2 do CPC), no contrato a favor de terceiro e no contrato para pessoa a nomear (cf. art.ºs 443º, n.º 1 e 452º, n.º 1 do Código Civil) e quanto ao credor do pagamento da sua parte em indemnização dos titulares de interesses difusos violados não individualmente identificados (art. 22º, n.º 2 da Lei 83/95, de 31 de Agosto).
A regra da literalidade sofre ainda desvios decorrentes da sucessão no direito ou na obrigação, como se extrai do art. 54º do CPC” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-06-2020, Pº 4762/15.2T8SNT.L1-7, rel. MICAELA SOUSA).
Invocam os recorrentes – o que apenas fazem, é certo, no âmbito da presente apelação - que “vêm alegando serem os actuais possuidores dos imóveis penhorados, pelo que independentemente de as questões suscitadas poderem ser matéria de oposição à execução, e à penhora, assiste-lhe sempre nos precisos termos do disposto nos artº 333 nº 1 e 852 e 853 do C.P.C legitimidade para intervirem nestes autos, através da dedução do presente incidente reclamação – processualmente em tempo, por estarem em causa nulidades processuais insanáveis e do conhecimento oficioso, e para fazerem valer direitos próprios” (cfr. conclusão 7.ª).
Esta invocação convoca a questão de saber se, no âmbito da ação executiva, terão admissibilidade os incidentes de intervenção de terceiros e, em particular, o incidente de oposição (espontânea)?
Sobre a admissibilidade da dedução de incidentes de intervenção de terceiros no âmbito da ação executiva, tem-se considerado que tal admissibilidade “e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais e se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e ainda se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2013, Pº 320/10.6TBSRE-B.C, rel. CARVALHO MARTINS).
A este propósito refere J. Lebre de Freitas (A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, p. 162) que, “o problema só se põe em relação à intervenção principal (baseada na admissibilidade do litisconsórcio ou da coligação), pois, quanto aos restantes incidentes, o objectivo da intervenção só se pode realizar em processo declarativo. A sua admissibilidade, em geral, só é defensável quanto a pessoas com legitimidade para a ação executiva, pois de outro modo o incidente de intervenção iria servir à formação dum título executivo a favor ou contra terceiros, o que só se compadece com o fim (art. 10-4) e os limites (art. 10-5) da ação executiva quando uma norma excecional o preveja”.
Por seu turno, “Rui Pinto identifica ainda como situações de intervenção de outros terceiros, os que agem em oposição de direito ou posse incompatível com a penhora (art.ºs 342º e 343º do CPC) ou em concurso de crédito suportado por garantia real (art.ºs 786º, n.º 1, b) do CPC).
E dá conta da divisão na doutrina quanto à admissibilidade da intervenção de terceiros, aludindo à posição do Prof. Teixeira de Sousa que, depois de restringir a intervenção acessória aos apensos declarativos, admite a intervenção principal provocada para sanar a preterição de litisconsórcio necessário (cf. art. 261º, n.º 1 e 316º, n.º 1 do CPC) e para fazer intervir um litisconsorte voluntário (por exemplo, o executado provocar a intervenção de um seu co-devedor solidário, no prazo da oposição à execução – cf. art. 316º, n.º 3 do CPC), assim como aceita a intervenção principal espontânea, tanto em composição de litisconsórcio necessário, como por parte de litisconsorte voluntário, referindo, quanto a este que «nada parece obstar à intervenção de um terceiro para vir ocupar a posição de co-exequente ou de co-executado, a ter lugar a todo o tempo (cf. art. 313º nº 1)» – cf. Rui Pinto, op. cit., pp. 303-305.
Quanto àquela que é a sua posição, Rui Pinto refere que o princípio da estabilidade da instância (cf. art. 260º do CPC) rege também a acção executiva, daí que a jurisprudência tenha enveredado pela não admissibilidade de o executado fazer intervir outros sujeitos, posto que cabe ao credor delimitar o impulso processual e, por outro lado, não o pode fazer o exequente, pela necessidade de protecção do executado, sendo, assim, excepcionais as modificações subjectivas e objectivas da instância executiva, não incluindo nas primeiras as previstas nos art.ºs 311º e seguintes do CPC, que cumprem funções declarativas.
Conclui, como o Prof. Teixeira de Sousa, que a intervenção principal como exequente ou como executado se cinge, em regra, a sujeitos que constam do título executivo mas que tais intervenções serão outras que não as autorizadas pela ressalva do art. 260º do CPC, logo excluídas pela excepcionalidade dessa ressalva, o que o leva a defender a regra da inadmissibilidade de intervenções atípicas de terceiros.
Apesar dessa conclusão, Rui Pinto não deixa de assinalar que o princípio da economia processual pode justificar a admissibilidade de intervenção de terceiros excepcional ou atípica, pois que seria um desperdício processual impor ao credor a instauração de uma nova acção para poder demandar outro devedor que não indicou no requerimento executivo, assim como os art.ºs 54º, n.º 2 e 711º, n.º 1 do CPC, permitiriam identificar um princípio de disponibilidade do credor na conformação subjectiva da instância, tanto inicial como superveniente.
De todo o modo, discorda desta intervenção justificada por tais princípios, pois que a sua admissão exigiria sempre a observância do contraditório por parte do executado originário, o que conduzira a um prolongamento dispendioso da actuação processual - cf. Rui Pinto, op. cit., pp. 307-309” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-06-2020, Pº 4762/15.2T8SNT.L1-7, rel. MICAELA SOUSA).
A respeito da admissibilidade do incidente de oposição, no âmbito do CPC anteriormente em vigor, mas cujas considerações mantêm plena atualidade, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2013 (Pº 320/10.6TBSRE-B.C1, rel. CARVALHO MARTINS) que:
“(…) O incidente de oposição pressupõe que o terceiro se arrogue (ou possa arrogar-se) titular de um direito incompatível com o do autor, razão pela qual se admite a sua intervenção na lide para que, no confronto das partes primitivas, possa fazer valer a sua pretensão.
Nas palavras de Salvador da Costa [Cfr. Os Incidentes da Instância, 4ª ed., pág. 169], o incidente de oposição configura “…uma acção própria em processo alheio…”, na medida em que, através dele, ocorre um alargamento do litígio – quer em termos subjectivos, quer em termos objectivos – sendo que “…a causa passa a abranger não só a relação jurídica apresentada no confronto do autor e do réu, como também aquele que o opoente invoca como sendo incompatível com a discutida por aqueles”.
De facto, o opoente não intervém na causa para defender o interesse de qualquer uma das partes iniciais (como acontece na assistência) e nem tão pouco para fazer valer um direito igual ou paralelo ao do autor ou do réu (como acontece na intervenção principal); o opoente intervém para defender um interesse que, além de ser próprio (ou seja, um interesse do próprio opoente e não o interesse do autor ou do réu), é incompatível (e, por conseguinte, não é igual ou paralelo) com o interesse ou pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte.
Assim, ao intervir na causa, o opoente não se circunscreve à relação jurídica que está em discussão nos autos (auxiliando uma das partes ou invocando um interesse igual ou paralelo ao de uma das partes nessa relação jurídica); o opoente introduz na causa uma nova relação jurídica que é juridicamente incompatível com aquela.
Ora, basta atentar na natureza deste incidente e nas normas legais a que está submetido para constatar que o mesmo é incompatível com a estrutura e com a finalidade da acção executiva.
Com efeito, o terceiro é citado para deduzir a sua pretensão (art. 348º) e, em determinadas situações, o primitivo réu é mesmo excluído da instância que passará a seguir apenas com o autor e com o terceiro (arts. 346º e 350º).
Transpondo a situação para o âmbito de uma acção executiva, qual seria a pretensão que o terceiro aqui poderia deduzir?
Parece evidente que apenas poderia deduzir a mesma pretensão que já havia sido deduzida pelo exequente, pretendendo obter para si a satisfação da obrigação exequenda, já que essa é a única finalidade de uma acção executiva.
Mas como poderia o terceiro deduzir uma tal pretensão sem que o título executivo dado à execução lhe conferisse legitimidade para intervir na execução por nele não figurar como credor (art. 55º) e sem que dispusesse de qualquer outro título executivo que é indispensável numa acção executiva?
E como admitir a possibilidade (legalmente prevista no âmbito do incidente de oposição) de o executado (devedor) ser excluído da instância e de a acção executiva seguir apenas com o exequente e o terceiro? É que, nesta situação, a acção passaria a ter como única finalidade a determinação da titularidade do crédito exequendo e esse não é, seguramente, o objectivo de uma acção executiva.
Afigura-se-nos, pois, que o incidente de oposição é incompatível com a estrutura e a finalidade de uma acção executiva e, como tal, não seria aqui admissível (…)”.
Nesta medida, não se mostra admissível que os ora recorrentes, por via do requerimento apresentado em 02-06-2023, possam deduzir um incidente de oposição espontânea à execução que corre termos entre os exequentes e a executada.
Por outro lado, os meios processuais de oposição à penhora e à execução, não constituem meios passíveis de serem deduzidos por terceiros (conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-11-2011 (Pº 61/10ATBRDD-A.EL, rel. JOSÉ LÚCIO), “quem seja terceiro em relação a uma execução não pode reagir contra penhora lesiva de um direito seu através de oposição à penhora”), pelo que é despicienda a sua invocação por quem tem a qualidade de terceiro, face aos exequentes e à executada.
Finalmente, ao invés do invocado pelos ora recorrentes, não parece que – mesmo adotando um conceito amplo de legitimidade nesse ponto - assista aos mesmos, legitimidade para a arguição de nulidades processuais.
A este propósito, refere-se na decisão recorrida que os apresentantes do requerimento de 02-06-2023, não sendo partes, não tinham legitimidade para arguir nulidades processuais.
Como se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-04-2023 (Pº 11262/21.0T8LRS.L1-8, rel. LUÍS CORREIA DE MENDONÇA), “[q]uando se fala em invalidade dos actos processuais, está-se a referir um regime através do qual releva, no processo, a forma e formalidades dos actos e se regulamentam as discrepâncias entre a forma prevista na lei e a forma assumida por cada acto em concreto.
Na definição de Manuel de Andrade, «as nulidades de processo podem definir-se nestes termos: são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais»( Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979:176).
O regime das invalidades é uma disciplina em que o legislador assume a possibilidade de determinadas prescrições, relativamente ao iter procedimental, poderem ser violadas e descreve os mecanismos através dos quais se pode sanar tal violação ou substituir um acto inquinado por outro limpo de vícios.
O tema da invalidade dos actos processuais utiliza conceitos e categorias próprias da teoria geral e portanto comuns ao direito substantivo, mas com particularidades que derivam das peculiaridades dos actos processuais.
Consoante a gravidade do vício e as consequências que pode ter sobre os efeitos do acto é costume elencar as seguintes espécies de valores negativos dos actos: irregularidade, anulabilidade, nulidade e inexistência”.
Ora, parece-nos que, em primeira linha, apenas às partes pode ser reservado o uso de meios processuais que se destinam a disciplinar o curso do próprio processo, como seja no que respeita ao regime de arguição de nulidades.
De todo o modo, poderá – é certo – em determinadas situações configurar-se a possibilidade de arguição de nulidades processuais por quem não seja parte no processo, como sucede com um interveniente acidental que manifeste ter um interesse legítimo em tal arguição, designadamente, pela ocorrência de uma situação processual que lhe diga respeito.
Nesse sentido, estabelece o n.º 1 do artigo 197.º do CPC que, fora dos casos a que se refere o artigo 196.º do CPC, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato.
Por seu turno, sobre o prazo geral de arguição de nulidades (secundárias ou não principais, sendo estas, aquelas a que se reportam os artigos 186.º, 187.º, 193.º e 194.º do CPC, conforme deriva do artigo 198.º do mesmo Código), estabelece o n.º 1 do artigo 199.º do CPC que: “Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”.
Sucede que, relativamente ao caso em apreço, não se mostra evidenciado pelos requerentes do requerimento de 02-06-2023 qualquer ato processual que tenha tido lugar no âmbito do processo executivo em apreço (que não o de efetivação das penhoras levadas a cabo, já apreciado em sede de embargos de terceiro), que se mostre passível de invalidação, nem ele é invocado pelos requerentes (para além dos próprios atos de penhora que, como se viu, foram já objeto de apreciação nos autos de embargos de terceiro deduzidos).
Os recorrentes referem-se, antes, a atos substantivos ou extra-processuais relativamente aos quais - pelos motivos que invocam – arguem a nulidade, como sucede com a nulidade dos registos das penhoras e a questão não transmissibilidade à adquirente dos bens da hipoteca judicial, que claramente extravasam ou são exteriores à tramitação da presente lide executiva, ou que, não dizem respeito à configuração da posição das partes na ação executiva.
Para além destas questões, os recorrentes vieram invocar, é certo, a “[f]alta de exequibilidade do título dado a execução, nos termos da petição de execução, em relação à executada Imobiliária, Ldª, e assim, consequente indeferimento da execução nos precisos termos dos artº 926 nº 2 alínea a) 729 nº1 alínea a), e questões de conhecimento oficioso nos precisos termos do disposto no artº 734 do C.P.C, por inexistir ainda nos autos, acto válido de transmissão dos bens penhorados”.
Como se referiu, não tendo os recorrentes a qualidade de partes no processo executivo, não se afigura que, tenham legitimidade para desencadear o conhecimento pelo Tribunal das questões que lhe cumpra conhecer em conformidade com o disposto no artigo 734.º do CPC.
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-11-2011 (Pº 61/10ATBRDD-A.EL, rel. JOSÉ LÚCIO), “aquele que figura num processo apenas como “interveniente acidental” não possui a qualidade de sujeito processual. A forma processual própria para esse “interveniente acidental” reagir contra a penhora realizada em bens de sua propriedade é através de embargos de terceiro”.
De todo o modo, mesmo admitindo, em tese, que os requerentes pudessem suscitar o conhecimento oficioso pelo Tribunal da falta de título executivo, não nos parece que a questão suscitada pudesse, de algum modo, obter procedência.
Conforme evidenciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 97), “[n]o processo de execução, podendo existir uma intervenção liminar do juiz, não está prevista propriamente uma fase de saneamento. Assim se compreende que as questões que porventura poderiam e deveriam ter determinado o indeferimento liminar total ou parcial, assim como aquelas, de menor gravidade, careceriam de regularização suscitada através de despacho de aperfeiçoamento devam ser objeto de uma intervenção atípica. A mesma pode ocorrer até um certo momento, mais concretamente até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, e não depois, tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé, designadamente os credores do executado, os adquirentes de bens ou os preferentes. Efetuados pagamentos na execução, fica precludida a possibilidade de indeferimento do requerimento executivo, nos termos do art. 734.º, n.º 1”.
Importa salientar que “o despacho de rejeição e de extinção da execução, previsto no art. 734 do CPC, pode ser dado mesmo que tenha havido um despacho liminar a dar seguimento à execução” (assim, o Acórdão do TRL de 10-09-2020, Pº 2942/20.8T8SNT, rel. PEDRO MARTINS).
Por outro lado, se é certo que, “por força dos princípios da concentração da defesa e da preclusão, não podem as partes invocar em sede de recurso meios de defesa que não tenham oportunamente suscitado nos articulados”, tal regra não tem lugar se se tratar de questões de conhecimento oficioso (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2022, Pº 23113/19.0T8LSB.L1-7, rel. DIOGO RAVARA).
E, assim, se se tratar de questão que é de oficiosa apreciação, em linha com o que se dispõe no artigo 734.º, n.º 1, do CPC (em que o juiz pode conhecer oficiosamente, “até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”), não se mostra precludida a possibilidade de, não o tendo feito em sede de despacho liminar, o Tribunal conhecer dessa questão até ao momento da transmissão dos bens penhorados.
Tal sucede com a falta ou insuficiência do título.
Contudo, tal vício, para levar à rejeição da execução, deverá ter caráter manifesto: A “rejeição oficiosa nos termos do art. 734º e 726 nº 2 a) do C.P.C. pressupõe que a falta do título executivo seja evidente e incontroversa, e não uma situação que implique prévias diligências por parte do Tribunal” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-01-2021, Pº 7911/19.8T8VNF.G1, rel. MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES). E, na mesma linha de entendimento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2019 (Pº 35949/11.6TYYLSB-L1-7, rel. CRISTINA SILVA MAXIMIANO) concluindo que, “[a] insuficiência de título executivo prevista na al. a) do nº 2 do art. 726º do Cód. Proc. Civil, que importa o indeferimento liminar do requerimento executivo, tem necessariamente de apresentar as características de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional, sendo esse o significado de “manifesta””.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-09-2020 (Pº 956/14.6TBVRL-T.G1, rel. SANDRA MELO):
“1- Porque a manifesta insuficiência do título executivo deve ser conhecida, mesmo oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigo 734º, nº 1, do Código de Processo Civil), o facto da mesma não ter sido invocada em embargos de executado não impede que o juiz a conheça.
2- Nos embargos de executado o caso julgado apenas ocorre relativamente às matérias que foram efetivamente ali julgadas: se o executado escolher deduzir oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito, esta constitui caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, mas não decorre da não dedução dos embargos senão efeito preclusivo na própria execução quanto às questões que não sejam de conhecimento oficioso (artigos 732º nº 6 e 734º nº 1 do Código de Processo Civil).
3- Assim, o juiz deve conhecer, mesmo oficiosamente, a manifesta insuficiência do título executivo desde que não tenha existido qualquer ato de transmissão de bens penhorados e não tenha sido proferida decisão de mérito nos embargos de executado.
4- A decisão que rejeita os embargos de executado por intempestividade não conhece da questão da manifesta insuficiência do título executivo, mas apenas de mera exceção dilatória relativa à instância incidental em que aqueles se traduzem, pelo que não se pode considerar que preteriu o conhecimento oficioso daquela questão, nada obstando a que a parte, por requerimento, despolete essa apreciação, por ser de conhecimento oficioso”.
Assim, “deve ser conhecida oficiosamente, nos termos do artigo 734º do CPC, a manifesta insuficiência do título executivo, mesmo que impulsionada pelo executado/embargante, corolário da prevalência do mérito sobre a forma, privilegiando-se a protecção do adquirente de boa fé. Não subjaz a esta previsão, permitir suprir os ónus dos executados, mostrando-se tal mecanismo reservado para as circunstâncias em que resulta manifesto, à luz do título executivo, a sua insuficiência” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2020, Pº 6175/18.5T8FNC-B.L1-7, rel. CARLA CÂMARA).
Ora, mesmo admitindo o conhecimento oficioso da questão da falta de título executivo, em conformidade com o disposto no artigo 734.º do CPC e exercendo o Tribunal os seus poderes de substituição da decisão omitida pelo Tribunal recorrido a esse respeito (cfr. artigo 665.º, n.º 1, do CPC), certo é que, perante os elementos documentais carreados para os autos, não resulta dos mesmos que ocorra manifesta falta ou insuficiência do título a que subjaz a execução, que pudesse determinar a rejeição do requerimento executivo, pois, não se patenteia que exista algum vício patente, evidente, clamoroso no acto de transmissão dos bens penhorados ou na demanda que justificou a dedução da execução relativamente à executada dos presentes autos.
Assim, de acordo com o exposto, improcedem as invocações em contrário dos recorrentes, soçobrando as correspondentes conclusões recursórias, não se alcançando a violação de qualquer dos preceitos legais que invocaram.
Podem resumir-se as considerações precedentes, formulando as seguintes proposições conclusivas:
- Os embargos de terceiro (artigo 342.º e ss. do CPC) constituem o meio processual idóneo para a efetivação de qualquer direito incompatível com uma diligência de cariz executório, não tendo que ser, necessariamente, alegada a posse, mas sim um qualquer direito incompatível com a diligência judicial ordenada;
- A dedução de embargos de terceiro encontra-se sujeita a regras preclusivas, dado que, para serem admissíveis, terão de ser deduzidos no prazo de 30 dias a contar daquele em que o ato processual incompatível foi efetuado ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa;
- A legitimidade executiva afere-se por confronto entre o título executivo e as partes na causa;
- A admissibilidade de incidentes de intervenção de terceiros na ação executiva só é defensável quanto a pessoas com legitimidade para a ação executiva, pois, de outro modo, o incidente de intervenção iria servir à formação dum título executivo a favor ou contra terceiros;
- Através do incidente de oposição, a que se referem os artigos 333.º e ss. do CPC, o opoente intervém para defender um interesse que, além de ser próprio (e não o interesse do autor ou do réu), é incompatível (não é igual ou paralelo) com o interesse ou pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte;
- O incidente de oposição é incompatível com a estrutura e a finalidade de uma ação executiva;
- Os meios processuais de oposição à penhora e à execução, não constituem meios passíveis de serem deduzidos por terceiros;
- Não tendo os recorrentes a qualidade de partes no processo executivo não têm legitimidade para desencadear o conhecimento pelo Tribunal das questões que lhe cumpra conhecer em conformidade com o disposto no artigo 734.º do CPC;
- De todo o modo, se se tratar de questão que é de oficiosa apreciação, em linha com o que se dispõe no artigo 734.º, n.º 1, do CPC (em que o juiz pode conhecer oficiosamente, “até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”), a prolação de tal decisão de indeferimento não preclude a possibilidade de, não o tendo feito em sede de despacho liminar, o Tribunal conhecer dessa questão até ao momento da transmissão dos bens penhorados; e
- A falta ou insuficiência do título executivo prevista na al. a) do n.º 2 do artigo 726.º do CPC tem de se apresentar como “manifesta”.
*
Na decorrência dos fundamentos expostos, a apelação deverá ser julgada improcedente, com manutenção da decisão recorrida.
*
De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses, sendo que, conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá sobre os apelantes, que decaíram integralmente no presente recurso - cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação deduzida e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 22 de fevereiro de 2024.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Paulo Fernandes da Silva