Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
738/13.2TVLSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLAUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE ESCLARECIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - Sendo o contrato de seguro um contrato de adesão, são-lhe aplicáveis as normas previstas no Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL nº 446/85, de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 220/95, de 31/08.
- Nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, as cláusulas contratuais gerais devem ser integralmente comunicadas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, recaindo sobre o proponente o ónus da prova da efectivação dessa comunicação.
- A sua falta determina que se considerem excluídas do contrato, sendo aplicável o regime legal supletivo, nos termos dos artigos 8º nº 1 al a) e 9º.
- O contrato de seguro é um contrato formal, o que implica que a interpretação das cláusulas da respectiva apólice, deve ser feita de acordo com o regime previsto no artigo 238º do Código Civil. Isto é, no contrato de seguro não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
- Sem prejuízo das menções obrigatórias a incluir na apólice, cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato – artigo 18º do DL 72/2008, assim como lhe cabe prestar informações de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular (artº 21º nº 1).
- Tem ainda o segurador um dever especial de esclarecimento previsto no nº 1 do artigo 22º, na medida em que a complexidade da cobertura e o montante do prémio a pagar ou do capital seguro o justifiquem e, bem assim, o meio de contratação o permita, o segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o tomador do seguro acerca de que modalidades de seguro, entre as que ofereça, são convenientes para a concreta cobertura pretendida.
- Tendo a autora celebrado o contrato de seguro em cumprimento de uma cláusula do contrato de locação financeira que estipulava claramente quais as coberturas que aquele tinha de garantir, tendo-lhe sido enviadas as condições particulares do contrato onde constava que ficou garantida a cobertura do imóvel, em caso de assalto, pelo total do capital seguro e nada mais lhe tendo sido comunicado em contrário é do mais elementar raciocínio concluir, como a autora manifestamente concluiu, que a cobertura referida abrangia a situação em apreço.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

P..., intentou acção, sob a forma ordinária, contra Companhia de Seguros ..., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe:
a) A quantia de € 149.166,10, acrescidos de 23% de IVA, ou seja, um total de € 183 474,30.
b) A quantia de € 2898,76 de indemnização por cada mês de privação do uso do imóvel, desde Fevereiro de 2013, inclusive, até integral pagamento da indemnização supra mencionada.
c) Juros moratórios, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.

Em síntese, alegou ter celebrado com a firma L... um contrato de cessão de posição contratual de um contrato de locação financeira que tinha por objecto um prédio urbano e em que figurava como locador a B.... Na sequência dessa cessão da posição contratual foi realizado um aditamento ao contrato de locação entre a autora e o B... que adquiriu por fusão o património global da B...
Por imposição contratual da locadora, a autora celebrou um contrato de seguro, de forma a garantir a cobertura de todo o conjunto patrimonial que constitui o imóvel locado, contra os riscos mencionados na Clausula Décima Sétima, a saber: riscos de incêndio, roubo, queda de raio, explosão, tempestade, inundações, fenómenos sísmicos, aluimento de terras, danos por água, queda de aeronaves, choque ou impacto de veículos terrestres, choque ou impacto de objectos sólidos, derrame sistemas hidráulicos, derrame acidental de óleo, actos grevistas, actos de vandalismo, riscos eléctricos, responsabilidade civil proprietário/ocupante, demolição e remoção de escombros, quebra de vidros, espelhos e pedras mármore, queda, quebra de anúncios luminosos, queda, quebra de antenas, painéis solares, danos por furto ou roubo e assistência ao estabelecimento.
A autora veio a celebrar o contrato de seguro com a ré, em 11 de Maio de 2012, tendo-se dirigido ao balcão do B... onde o gerente lhe solicitou que assinasse dois documentos, de que lhe não foi facultada cópia. A ré enviou à autora em 21 e 22 de Maio de 2012, respectivamente, as condições particulares e as condições gerais da apólice. Nenhumas outras condições foram dadas a conhecer à autora ou qualquer alteração às propostas.
O prédio objecto do seguro foi assaltado, sendo o sinistro comunicado à seguradora que após peritagem pretendeu indemnizar a autora pelo valor de 5.000,00 euros, que esta não aceitou, tendo a ré dito à autora ser o valor máximo que garantia a cobertura em causa, tendo-lhe enviado o documento junto a fls. 108 dos autos para comprovar a informação, documento que o gerente da autora nunca vira e não constava das condições particulares e/ou gerais já enviadas anteriormente.

Contestou a ré, confirmou a celebração do contrato de seguro e referiu que a indemnização devida é a proposta com base nas Condições Especiais da apólice, não estando a cobertura em causa – danos em imóvel em consequência de furto ou roubo - previstas nas Condições Gerais mas constando de um Protocolo celebrado entre o B... e a ré abrangendo as coberturas do quadro síntese, constantes do documento referido como junto a fls. 108 dos autos. A indemnização devida é a proposta pela ré, sendo que era ao B... que cabia informar a autora das condições e coberturas do seguro.
Pugna pela improcedência da acção.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção procedente, por provada, e, em consequência, condenou a ré Companhia de Seguros ... a pagar à autora:
a) A quantia de € 149.166,10, acrescidos de 23% de IVA, ou seja, um total de € 183 474,30.
b) A quantia de € 2898,76 de indemnização por cada mês de privação do uso do imóvel, desde Fevereiro de 2013, inclusive, até integral pagamento da indemnização supra mencionada.
c) Juros moratórios, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu a ré, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - Vem a recorrente condenada no pagamento à recorrida de indemnização pelos danos sofridos pelo imóvel objecto do contrato de seguro e pela privação do uso do imóvel, desde Fevereiro de 2013 até integral pagamento da referida indemnização.
2ª - A prova produzida nos autos não permite alcançar tal conclusão, conforme se demonstrará.
3ª - Desde logo, mal andou o tribunal recorrido na determinação da cobertura aplicável, conforme se demonstrará.
4ª - A recorrida assumiu a posição contratual de locatária em contrato de locação financeira celebrado com o B..., nos termos do qual era obrigada a celebrar contrato de seguro que garantisse, entre outras coberturas, as definidas na Cláusula 17ª nº1 de tal contrato.
 5ª - Sendo certo que a recorrida estava obrigada a contratar aqueles seguros, a mesma era livre para escolher qualquer seguradora com quem os quisesse contratar, devendo o ponto F) da matéria de facto dada como provada ser interpretado neste contexto.
6ª - Não obstante essa liberdade de que dispunha, a recorrida optou por celebrar o contrato de seguro multirriscos com a recorrente, o qual lhe foi proposto pela locadora ao abrigo de um Protocolo celebrado entre a locadora e a recorrente – protocolo que também se encontra junto aos autos.
7ª - Na sequência do furto de que foi alvo o imóvel seguro, veio a recorrida reclamar da recorrente o valor da reparação dos danos causados ao imóvel, o que a recorrente admitiu regularizar até ao limite da cobertura aplicável, cobertura essa que só poderá ser a de “Danos no imóvel em consequência de furto ou roubo”.
8ª - Porém, entendeu o tribunal recorrido que a cobertura aplicável é a de “Greves Assaltos e Tumultos” por ser a única que constava das Condições Particulares da apólice.
9ª - Salvo o devido respeito, impunha-se que o tribunal recorrido analisasse as circunstâncias em que o furto ocorreu e que questionasse se as mesmas poderiam enquadrar-se na cobertura de “Greves, assaltos e tumultos”, o que não sucedeu, optando por enquadrar a situação dos autos em tal cobertura apenas porque entendeu ter sido a única comunicada à recorrida, o que nos parece um claro vício de raciocínio que contamina a sentença recorrida.
10º - O caso em apreço não se trata de um assalto, sendo manifesto que os conceitos de assalto e furto/roubo não confundem - se assim fosse, não se justificaria a previsão de duas coberturas distintas para cada uma das situações.
11ª - Acresce que, conforme resulta da articulação das Condições Particulares com as Condições Gerais, a cobertura de assalto é conjugada com a de greves e tumultos.
12ª - Parece-nos evidente que o conceito de assalto previsto na cobertura “Greves, Assaltos e Tumultos”, cujo conteúdo concreto melhor resulta definido das Condições Especiais, traduz--se no evento em que o imóvel seja tomado por terceiros no âmbito daqueles acontecimentos.
13ª - Ora, o imóvel não foi ocupado por terceiros, não foi tomado de assalto, e muito menos o foi no âmbito de uma greve ou um tumulto social; o imóvel e o seu recheio foram, lamentavelmente, furtados, tendo inclusive sido por furto que foi apresentada queixa às autoridades competentes (conforme ponto Q) da matéria de facto dada como provada).
14ª - A recorrente “não pretende accionar uma cobertura que não consta das Condições Gerais e Particulares da Apólice” pois não é a recorrente, na qualidade de seguradora, nem qualquer segurado, que escolhem accionar determinadas coberturas, uma vez que a aplicação da cobertura devida depende do enquadramento do conjunto dos factos que integram a ocorrência de um sinistro, análise que reveste cariz objectivo.
15ª - Para a análise de qualquer contrato de seguro, impõe-se a articulação entre as
Condições Particulares e as Especiais para que, das primeiras, se possa retirar quais as coberturas contratadas e respectivos valores seguros e franquias e, das segundas, aferirmos dos eventos que se consideram abrangidos por cada uma das coberturas.
16ª - Não é a recorrente que determina a cobertura aplicável! É o próprio sinistro que, perante os factos em que se traduz, define a cobertura em que vai ser integrado, sendo manifesto que, por exemplo, um incêndio que deflagre no imóvel seguro nunca poderá ser um sinistro enquadrado na cobertura de danos por água, ainda que a seguradora ou o segurado assim o pretendessem.
17ª - Por outro lado, resulta a ideia de que o tribunal opta pela cobertura de “assalto” por ser aquela em que, com algum esforço, consegue encaixar o sinistro porque o mesmo, face ao que a recorrida ficou obrigada pela entidade locadora, teria, necessariamente, que ter enquadramento contratual.
18ª - Tal entendimento carece de razoabilidade pois, ainda que a estivesse obrigada a celebrar os contratos de seguro impostos pelo contrato de locação financeira, poderia não o fazer, incumprindo, assim, perante a locadora, tal obrigação contratual.
19ª - Donde, uma vez perante um sinistro, não poderá o tribunal concluir, sem mais, que o mesmo está a coberto do contrato de seguro apenas porque a recorrida, enquanto locatária, estava obrigada a ter um seguro que o cobrisse.
20ª - A recorrida celebrou, de facto, um contrato de seguro que garantia os riscos mencionados no contrato de locação financeira por si celebrado, mas a regularização dos sinistros que venham a afectar o imóvel só poderá ser efectuada por reporte às Condições Gerais, Especiais e Particulares que regem o contrato de seguro celebrado, e não em relação à cláusula do contrato de locação financeira que impõe a celebração de tal seguro.
21ª - Por tudo o que se deixou dito, é evidente e manifesto que o tribunal recorrido mal andou ao concluir pela integração do sinistro em causa nos presentes autos na cobertura de assalto, quando o mesmo mais não foi do que um furto, evento para o qual existe a cobertura específica e válida de “Danos no Imóvel em Consequência de Furto ou Roubo”, no âmbito da qual deveria ter sido o sinistro enquadrado.
22ª - Tal cobertura só não se encontrava expressamente prevista nas Condições Particulares da apólice por não ser, à data, reconhecida pelo sistema informático (ponto NN), mas a recorrente sempre admitiu que a recorrida contratou aquela cobertura (ponto OO), ainda que limitada ao valor seguro de € 5.000,00.
23ª - Porém, o tribunal recorrido, pelos ínvios caminhos acima denunciados, entendeu que tal limitação não seria oponível à recorrida pelo facto de o capital seguro para a cobertura de “Danos no Imóvel em Consequência de Furto ou Roubo” resultar de uma tabela que a recorrente não logrou provar ter dado a conhecer à recorrida.
24ª - Assim, a questão que se coloca é a de saber se a recorrida teve ou não conhecimento das coberturas que estava a contratar no âmbito do seguro celebrado com a recorrente.
25ª - Para a análise desta questão, importa ter presente o teor da matéria dada como provada ao abrigo dos pontos I), U, MM) e PP).
26ª - Quanto à matéria de facto dada como não provada impugna-se a resposta dada aos quesitos 19.º e 21.º pelos motivos que se passam a expor.
27ª - Quanto ao quesito 19.º da base instrutória, e face à prova produzida em sede de julgamento, nomeadamente a documental e testemunhal, não se alcança como poderá ter vindo o tribunal recorrido a concluir que o contrato de seguro em causa não foi celebrado ao balcão da entidade locadora, o que é manifestamente contraditório com os factos provados nos pontos G), H) e X).
28ª - Se foi a entidade locadora que apresentou à recorrida a proposta de adesão ao seguro da recorrente, proposta que aquela veio a subscrever dirigindo-se ao balcão da entidade locadora, onde assinou os documentos necessários para que o pagamento do prémio se efectuasse por débito directo, como se pode dar como NÃO PROVADO que a contratação do seguro foi celebrada pela autora, directamente num balcão do Banco Espírito Santo, entidade locadora?
29ª - Acresce que todos os factos alegados pela recorrida apontam no sentido de confirmar que foi com a entidade locadora que desenvolveu todos os actos necessários à contratação do seguro, o que foi confirmado pelas testemunhas P... e J...
30ª - Pelo exposto, e conjugando todos estes factores, parece-nos óbvio que a única resposta possível ao quesito 19.º é a de PROVADO, pelo que se requer que seja a decisão recorrida alterada neste sentido.
31ª -. No entanto, para a questão ora em discussão, assume especial relevância o quesito 21.º em relação ao qual foi dada uma resposta restritiva no sentido de limitar a prova do mesmo à matéria que consta do ponto I: foi apenas dado como provado que a recorrida declarou ter tido conhecimento da síntese das coberturas indicadas no verso da proposta, tendo sido dado como não provado que tal síntese constasse da proposta.
32ª - Tal conclusão é contraditória, além de que o tribunal dispunha de prova documental bastante para dar como provado que as coberturas resultavam da proposta assinada pela recorrida.
33ª - A possibilidade de o contrato de seguro em causa ser celebrado por intermédio da entidade locadora decorreu do mencionado protocolo celebrado entre o B... e a recorrente, o qual se encontra junto aos autos, cujo teor não é, nem tem de ser, comunicado àqueles que contratam com os seus outorgantes.
34ª - Assim, não é por via desta falta de comunicação que se poderá concluir que a recorrida não teve conhecimento das coberturas a contratar.
35ª - Para a resposta negativa dada à primeira parte do quesito 21º, fundou o tribunal a sua convicção no depoimento da testemunha P... que referiu não se recordar se o documento de fls. 99 (proposta de seguro) tinha alguma coisa no verso, considerando “inócua a este propósito a declaração daquele [sócio-gerente da autora] de que tomou conhecimento das coberturas pois desconhece-se qual o teor das mesmas”.
36ª - Desta fundamentação, decorrem dois erros manifestos: (i) o de não atentar no conteúdo do referido protocolo a fim de concluir se as coberturas resultavam ou não da proposta de seguro subscrita pela recorrida; e (ii) o de não considerar relevante a declaração da própria recorrida no sentido de confirmar que tomou conhecimento das coberturas aplicáveis.
37ª - Do conteúdo do Protocolo deriva a minuta da proposta para os seguros multirriscos de imóveis (vide pág. 39 do referido Protocolo – Anexo 4 A: proposta para o seguro em causa, o quadro síntese das coberturas, capitais/limites de indemnização e franquias (pág. 40) e a ordem permanente de transferência (pág. 41))
38ª - Ora, o doc. 9 junto à p.i., é, precisamente, a proposta que resulta do Anexo 4-A do referido Protocolo.
39ª - Ora, do Protocolo junto aos autos resulta prova bastante para a conclusão de que a tabela das coberturas constava da proposta assinada pela recorrida e, tanto assim foi, que esta declarou ter tido delas conhecimento.
40ª - O tribunal não poderia ter ignorado as circunstâncias em que foi prestado o depoimento da testemunha Pedro Costa: crê-se ser perfeitamente admissível que o mesmo não se recorde exactamente do teor dos documentos facultados à recorrida e, considerando o referido Protocolo, também resulta claro que o mesmo não teve qualquer intervenção na elaboração dos documentos que deu a assinar à recorrida.
41ª - Face a tais declarações, cabia ao tribunal recorrido ponderar o Protocolo junto pela recorrente com o seu requerimento probatório, ponderação essa que só poderia conduzir à conclusão de que, de facto, a tabela das coberturas aplicáveis constava da proposta de seguro assinada pela recorrida, sendo dela parte integrante.
42ª - A valoração de tal meio de prova nos termos acima expostos, deverá conduzir à alteração da resposta dada ao quesito 21.º no sentido de se considerar provado que a tabela referida no quesito 15.º consta do verso da proposta de seguro assinada pela autora, pelo que se requer a alteração da sentença recorrida nestes termos.
43ª - Por outro lado, a alteração da resposta a dar a tal quesito também se impõe uma vez que não é razoável que o tribunal recorrido tenha desvalorizado a declaração da própria recorrida no sentido de que tomou conhecimento das coberturas do contrato de seguro, a qual é facto dado como assente (ponto I).
44ª - Tal conclusão ainda menos carece de razoabilidade se atentarmos que foi igualmente dado como provado que a recorrida teve a possibilidade de comparar a proposta de seguro com a de outra seguradora, tendo concluído que a da Recorrente era mais vantajosa tendo em conta o prémio e os riscos cobertos.
45ª - Se a recorrida assinou tal declaração, não existe qualquer motivo válido para duvidar que o fez sem que as coberturas constassem, efectivamente, da proposta; existindo manifesta contradição entre o ponto U e a resposta restritiva dada ao quesito 21º.
46ª - É dado como assente que (i) a recorrida comparou a proposta de seguro da recorrente com a de uma sua congénere, (ii) que essa comparação recaiu sobre o binómio preço-riscos cobertos, e (iii) que optou pela oferta da recorrente.
47ª - Em termos cronológicos, é evidente que esta avaliação ocorre em momento anterior ao da subscrição da proposta de seguro da recorrente, momento esse em que a recorrida tinha em seu poder os elementos relevantes, por um lado, para proceder a uma comparação com um produto concorrente e, por outro, para se decidir pelo produto da recorrente.
48ª - Os elementos necessários a tal comparação só poderão ser as coberturas em causa, ou seja, os riscos cobertos, os valores seguros e as franquias aplicáveis: a comparação efectuada pela recorrida, nos termos em que ficou provada, só foi possível porque a mesma tinha conhecimento das coberturas assumidas por ambas as seguradoras, e respectivos valores seguros, bem como dos prémios a pagar pelas mesmas.
49ª - Não o poderia ser de outra forma, pois sem tais elementos a comparação a que se refere o ponto U da matéria de facto dada como provada não seria possível.
50ª -  Por todo o exposto, é manifesto que deverá ser alterada a resposta dada ao quesito 21.º da base instrutória, no sentido de se considerar provado na sua totalidade.
51ª - Também no campo da alegada violação dos deveres de informação, não andou bem o tribunal recorrido ao demorar-se na explanação de considerações a respeito do cumprimento dos deveres de informação ao abrigo das normas aplicáveis aos contratos de adesão, caracterizando esta espécie de contratos como aqueles em relação aos quais apenas se tem a opção de aceitar ou rejeitar em bloco o conteúdo que é proposto dentro do tipo contratual desejado pelas partes.
52ª - Ora, salvo o devido respeito, tal enquadramento revela-se claramente despropositado e distante da natureza do contrato de seguro pois é falso que o segurado só tenha a opção de aceitar ou rejeitar em bloco o conteúdo do contrato de seguro, o que decorre do próprio conteúdo dos documentos que integram a apólice: condições gerais (as únicas que se admite que possam ser afastadas do âmbito negocial), as especiais e as particulares.
53ª - Desde logo, as condições gerais de um contrato de seguro reflectem as normas aplicáveis à vigência do contrato de seguro, desde a sua celebração à sua resolução, sendo evidente que, considerando a natureza da actividade seguradora, as regras reflectidas nas condições gerais de qualquer contrato de seguro são as que derivam, directamente, da Lei do Contrato de Seguro e, no caso de seguros obrigatórios, das apólices uniformes emitidas pelo Instituto de Seguros de Portugal.
54ª - Depois, a existência de cláusulas especiais e particulares, é o que nos garante definitivamente não estarmos perante um contrato de adesão, pois o segurado tem, quer de escolher as coberturas para o bem seguro, quer de escolher o capital seguro, afasta claramente aquela natureza.
55ª - O tribunal recorrido aplicou ao contrato de seguro em causa o regime das Cláusulas Contratuais Gerais quando o contrato de seguro tem um regime próprio que decorre da Lei do Contrato de Seguro, erro de julgamento que conduziu à igualmente errada conclusão de que deverá ter-se por excluída a cobertura de danos no imóvel em consequência de furto pelo facto de a mesma não ter sido comunicada à recorrida.
56ª - Nunca tal cláusula se poderia ter como excluída, até porque tal exclusão decorre de um regime jurídico que não encontra aplicação no caso concreto, pelo que deverá igualmente a decisão recorrida ser revogada no que concerne à aplicação do regime das Cláusulas Contratuais Gerais e, consequentemente, ter-se por válida e aplicável a cobertura de danos no imóvel em consequência de furto ou roubo por ser do total conhecimento da recorrida aquando da contratação do seguro.
57ª - A respeito da privação de uso, assenta a condenação da recorrente no pressuposto, a nosso ver errado, de que a recorrente praticou um acto ilícito ao não pagar atempadamente a indemnização devida à recorrida pelos danos causados no imóvel.
58ª - Não obstante, e de tudo o que acima se invocou, crê-se ser evidente que o oferecimento do montante indemnizatório correspondente ao limite máximo da cobertura aplicável não consubstancia qualquer acto ilícito da parte da recorrente, já que a recorrida teve pleno conhecimento das coberturas que estava a contratar, conhecimento esse que adquiriu em momento anterior à assinatura da proposta de adesão e que lhe permitiu comparar os termos de tal proposta com um produto concorrente.
59ª - Inexiste qualquer acto ilícito por parte da recorrente que fundamente a indemnização em que a mesma vem condenada por privação de uso do imóvel por parte da recorrida, sendo matéria dada como provada.
60ª - Por outro lado, o entendimento do tribunal recorrido no sentido de julgar tal indemnização por via da responsabilidade extra-contratual também não é isento de crítica, porquanto nos parece evidente ser, precisamente, dos danos decorrentes do sinistro que deriva a impossibilidade de utilizar o imóvel. Danos esses que a recorrente se propôs indemnizar dentro dos limites a que estava obrigada e que a recorrida não aceitou (ponto QQ).
61ª - O acolhimento do entendimento do tribunal recorrido conduziria à absurda conclusão de que a exclusão relativa a prejuízos indirectos nunca poderia operar pois a reclamação pelos mesmos estaria sempre fora da linha de fronteira de tal exclusão, já na área da responsabilidade extra-contratual. Tal, a acontecer, desvirtuaria completamente o sentido das exclusões apostas no contrato de seguro, o que não é, de todo, admissível.
62ª - Mas também carece de fundamento o quantum indemnizatório fixado por reporte à renda mensal devida pela recorrida à locadora pois, ainda que se admita ser indemnizável a privação de uso de determinado bem, a mesma só o poderá ser na medida em que se prove que dessa privação decorre um prejuízo concreto.
63ª - No caso em apreço, o tribunal recorrido fixou esse prejuízo com recurso à renda mensal paga pela recorrida sem que esteja a usufruir do imóvel, mas da matéria de facto dada como provada resulta que a recorrida constituiu-se como locatária do imóvel em Fevereiro de 2012 (ponto B)) e que apenas em Dezembro desse ano é que o sócio-gerente da mesma se deslocou ao imóvel e constatou o furto (ponto AA), cuja data concreta é impossível concretizar precisamente porque o mesmo não foi utilizado pela recorrida no período temporal entre aquelas datas.
64ª - Não resulta da matéria dada como provada que a recorrida pretendesse ali instalar determinado negócio e que, por via dos danos causados na sequência do furto, se tenha visto impedida de o fazer. Como tal, a mesma não logrou provar que tivesse tido um prejuízo concreto em função do sinistro.
65ª - Para que a recorrida tivesse direito a qualquer indemnização pela privação do uso, deveria ter cuidado de alegar e provar factos que permitissem concluir que aquela privação originou na sua esfera patrimonial um prejuízo concreto por, por exemplo, ter deixado de ali instalar determinado negócio que lhe traria determinados lucros.
66ª - A indemnização fixada pelo tribunal recorrido carece de fundamento jurídico face à prova produzida, pelo que, e uma vez mais, incorreu o tribunal num manifesto erro de julgamento ao condenar a recorrente em tal quantia, pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida nos termos aqui explanados.
67ª - Conforme resulta da decisão recorrida, a recorrente foi condenada a pagar determinado montante indemnizatório à recorrida decisão que deriva de uma imperfeita interpretação dos termos do contrato de seguro junto aos autos, não só no que à cobertura aplicável diz respeito (vide pontos A e B supra), mas também no que concerne ao beneficiário do seguro.
68ª - Com efeito, não ficou provada a propriedade do imóvel a favor da recorrida -resulta quer da Certidão do Registo Predial, quer da caderneta matricial junta aos autos, que a propriedade do imóvel encontra-se registada a favor do B..., sendo a recorrida mera detentora de um direito à locação do imóvel, igualmente registado.
69ª - Nos termos do n.º 3, al. b) da Cláusula 17.ª do contrato de locação financeira celebrado entre a recorrida e o B..., o contrato de seguro a celebrar pela locatária (com o conteúdo elencado no n.º 1 da referida cláusula), deverá mencionar que, em caso de sinistro, a indemnização será paga directamente à locadora.
70ª -. Em cumprimento daquela disposição contratual, pode ler-se nas Condições Particulares do contrato de seguro que as garantias deste contrato encontram-se, parcial ou totalmente, ressalvadas a favor do credor hipotecário identificado nas presentes Condições Particulares. Ora, tal credor é o Banco Espírito Santo, S.A, conforme página 3 das Condições Particulares.
71ª - Sendo o B... o proprietário do imóvel, o seguro contratado pela locatária só a ele o pode beneficiar por ser na sua esfera jurídica de proprietário que ocorreu o prejuízo patrimonial derivado dos danos causados no imóvel em consequência de furto ou roubo.
72ª - Não obstante a transparência deste entendimento, a qual decorre de uma mera análise e articulação dos documentos juntos aos autos, o tribunal entendeu condenar a recorrente no pagamento da indemnização directamente à recorrida, o que se revela um evidente erro de julgamento.
73ª - Com efeito, a recorrida não se encontra numa posição, face ao imóvel, que nos permita concluir que sofreu determinado prejuízo pelos danos nele provocados em consequência do furto. Esse prejuízo foi, sim, sentido por um terceiro – a entidade proprietária do imóvel.
74ª - Assim, ainda que se entendesse ser a recorrente responsável pelo pagamento da indemnização nos termos em que veio a ser condenada – no que não se concede e apenas se admite hipoteticamente -, nunca tal pagamento seria devido à recorrida uma vez que é do próprio contrato de seguro, cujas condições particulares o tribunal não poderia ignorar, como o fez, que decorre que o beneficiário do pagamento de qualquer indemnização é o B....
75ª - O tribunal recorrido estava na posse de todos os elementos necessários a esta conclusão e, mesmo face à matéria de facto dada como provada (pontos A, B, C e D), de entre a qual não consta a propriedade do imóvel a favor da recorrida, deveria ter evitado o erro de julgamento em que veio a cair.
76ª - Ao condenar a recorrente no pagamento à recorrida de uma indemnização, está o tribunal recorrido a permitir o enriquecimento desta sem qualquer causa que o justifique, o que não se pode admitir e que, nessa senda, deverá ser corrigido pelo tribunal ad quem.
77ª - Sem conceder no que à cobertura aplicável diz respeito, sempre se dirá que a decisão condenatória proferida pelo tribunal a quo nunca poderia ter condenado a ora recorrente na totalidade do valor peticionado a título de indemnização pelos danos causados ao imóvel, uma vez que a cobertura onde aquele tribunal veio a enquadrar o sinistro ocorrido está sujeita a uma franquia de € 125,00.
78 -  Sendo certo que a franquia é o valor que fica sempre a cargo do segurado em caso de sinistro, deveria a mesma ter sido deduzida ao montante pelo qual veio a recorrida condenada, o que não sucedeu, devendo ser igualmente censurada a decisão recorrida nesta parte.
Termina, pedindo que a sentença seja revogada nos termos acima expostos.

A parte contrária não apresentou contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) Fundamentação de facto
Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
A) Em 14 de Outubro de 2004, a firma L... celebrou – com o B... – um Contrato de locação financeira imobiliária para financiamento de imóvel a construir no lote de terreno para construção urbana, sito no Vale do Alecrim, lote 133 , freguesia e concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob a ficha número dois mil oitocentos e noventa e quatro, da mencionada freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 5585 – (Alínea A).
B) Em 24 de Fevereiro de 2012, a firma L... celebrou, com a autora, um contrato de cessão de posição contratual do contrato de locação financeira referido na alínea anterior – (B).
C) Nesta data o imóvel já se encontrava construído e com a descrição seguinte:
Prédio urbano composto por dois pisos destinado a serviços e logradouro, sito na Rua da Prata - Urbanização Vale do Alecrim, lote 133, freguesia e concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob a ficha número dois mil oitocentos e noventa e quatro, da mencionada freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 18474 – (C).
D) Na sequência da cessão da posição contratual referida em B) foi realizado um aditamento ao contrato de locação financeira id. em A) entre o Banco ... e a P... – (D).
E) O Banco .., adquiriu, por fusão, o património global da B...- (E).
F) Ao adquirir a posição contratual do locatário, e por imposição contratual da locadora, a P... celebrou contrato de seguro, de forma a garantir a cobertura de todo o conjunto patrimonial que constitui o imóvel locado, contra os riscos mencionados na Clausula Décima Sétima, a saber: riscos de incêndio, roubo, queda de raio, explosão, tempestade, inundações, fenómenos sísmicos, aluimento de terras, danos por água, queda de aeronaves, choque ou impacto de veículos terrestres, choque ou impacto de objectos sólidos, derrame sistemas hidráulicos, derrame acidental de óleo, actos grevistas, actos de vandalismo, riscos eléctricos, responsabilidade civil proprietário/ocupante, demolição e remoção de escombros, quebra de vidros, espelhos e pedras mármore, queda, quebra de anúncios luminosos, queda, quebra de antenas, painéis solares, danos por furto ou roubo e assistência ao estabelecimento – (F).
G) Nos termos do nº 5 da Clausula Décima Sétima do contrato de locação, a locadora apresentou à ora autora uma proposta de adesão em que a ora ré se constituía na obrigação de segurar o imóvel de acordo com o estipulado no contrato de locação financeira – (G).
H) Em 11 de Maio de 2012, a autora subscreveu esta proposta de seguro – (H).
I) Nesta proposta a autora declarou que tomou conhecimento da síntese de coberturas indicadas no verso – (I).
J) Entre a ré, na qualidade de seguradora, e a autora, na qualidade de segurada, foi celebrado um contrato de seguro multirriscos estabelecimento, titulado pela Apólice n.º 2956913, regulado pelas Condições Gerais e Particulares juntas aos autos a fls. 69 a 71 e 76 a 95, cujo objecto é o imóvel id. em C) – (J).
L) Por carta datada de 21 de Maio de 2012, a ora ré remeteu à ora Autora as condições particulares da apólice – (L).
M) De acordo com as cláusulas particulares, ficou garantida a cobertura do imóvel, em caso de assalto, pelo total do capital seguro – (M).
N) O total do capital seguro computa-se em € 571 500,00 – (N).
O) Por carta datada de 22 de Maio de 2012, a ora ré remeteu à ora impetrante um a m issiva onde se lê o seguinte:
“ Vimos pela presente remeter as Condições Gerais da Apólice de suporte j apólice acima referida e que regulam o contrato de seguro estabelecido entre a seguradora e o tomador do seguro, e o conjunto com as Condições Particulares já em seu poder” – (O).
P) Esta missiva vinha, tal como referido na mesma, acompanhada das Condições Gerais da Apólice – (P).
Q) A autora participou à GNR, Comando territorial de Setúbal, posto do Pinhal Novo, um furto ocorrido no imóvel id. em C) – (Q).
R) Tal como o sinistro foi participado à ora ré, a qual, após peritagem, se propôs indemnizar os prejuízos pelo valor de € 5.000,00, o valor máximo que garantia a cobertura em causa –(R).
S) Nas Condições Especiais do seguro encontra-se uma cobertura “Danos no imóvel em consequência de Furto ou Roubo”, que garante os danos causados no imóvel seguro em consequência de furto ou roubo – (S).
T) Obrigando-se a seguradora a pagar as despesas com a reparação ou substituição dos bens danificados que façam parte integrante do imóvel seguro –(T).
U) Após ter comparado a proposta de seguro referida em G) com a de outra companhia de seguros a gerência da autora decidiu-se pela da ré por a considerar mais favorável considerando o binómio preço-riscos cobertos – (resposta ao quesito 1º).
V) A ora ré não deu conhecimento à autora de qualquer outra condição particular ou geral ou de qualquer alteração aquelas propostas – (3º).
X) Para efeito de subscrever a proposta de seguro o sócio – gerente da autora dirigiu-se ao balcão B ES de Santo Amaro, em Alcântara, onde o gerente de Balcão, Sr. Pedro Costa, lhe solicitou que assinasse dois documentos necessários para que o pagamento do prémio fosse efectuado através de débito na conta bancária – (4º).
Z) No acto da assinatura não lhe foi facultada cópia destes documentos – (5º).
AA) No dia 31 de Dezembro de 2012 o sócio-gerente dirigiu-se ao prédio, objecto do seguro, e verificou que o mesmo tinha sido assaltado – (6º).
BB) O assalto teve como objectivo o furto de cablagem eléctrica (para obtenção de cobre), material em alumínio, loiças sanitárias, torneiras das casas de banho e da cozinha e lava loiça em inox, entre outros – (7º).
CC) Foram quebrados vidros que permitiram a entrada no edifício – (8º).
DD) Os tectos falsos foram destruídos – (9º).
EE) O pavimento interior foi levantado – (10º).
FF) A cablagem com interior de cobre existente na estrutura do edifício foi retirada na totalidade – (11º).
GG) A reparação do edifício está orçamentada em € 149.166,10, aos quais acrescerá o IVA em vigor – (12º).
HH) Sendo necessário proceder às reparações seguintes:
a) Substituição de vidro duplo partido, por vidro idêntico, compreendendo desmontagem e montagem de caixilho em alumínio, no valor de € 327,60;
b) Fornecimento e montagem de colectores de águas quente e frias, em falta, compreendendo torneiras de segurança e acessórios necessários ao seu bom funcionamento, no valor de € 990,00;
c) Substituição de tubagem em pex, por tubo idêntico ao existente, no valor de  € 1.122,00;
d) Montagem de divisória em painéis fenólicos, compreendendo fornecimento de acessórios necessários, no valor de € 124, 80;
e) Fornecimento e montagem de fechaduras em portas de vidro. Idênticas às existentes, compreendendo chapa testa e acessórios necessários, no valor de € 3.571,48;
f) Fornecimento e montagem de torneiras Monocomando tipo Sanitana Série Atlas, ou equivalente, nos lavatórios das I.S., no valor de 435,24;
g) Fornecimento e montagem de válvulas de lavatórios, compreendendo sifões, no valor de 187,20 €;
h) Montagem de lava-loiças em inox na cozinha, no valor de € 23,40;
i) Fornecimento e montagem de misturadora de lava-loiças na cozinha, no valor de € 106,08;
j) Fornecimento e montagem de puxadores cilíndricos das portas da bancada idênticos aos existentes, no valor de € 156,00;
l) Corte e desmontagem de coretes em placas de gesso cartonado, para passagem de tubagem e cablagem eléctrica, no valor de € 468,00;
m) Fornecimento e montagem de pavimento técnico sobreelevado “ Intec Floor- Panel PT 40”, com revestimento a linóleo, 60x60cm (10 m2), idêntico ao existente., no valor estimado de € 981,00;
n) Abertura e fecho de negativos em tectos falsos em placas de gesso cartonado, para passagem de cablagens e acesso aos aparelhos instalados, no valor de € 2.658,00;
o) Reparação de tectos falsos em placas de gesso cartonado danificados, compreendendo cortes e reforços de estrutura necessários, no valor de € 1.518,00;
p) Reparação da instalação eléctrica, compreendendo substituição de todo o equipamento e material danificado, no valor de € 37,430,00;
q) Revista e teste dos equipamentos da instalação eléctrica que aparentemente não esteja danificado, no valor de € 5.927,36;
r) Reparação da instalação do A V A C, compreendendo substituição de todo o equipamento e material danificado, revisão e teste que aparentemente não esteja danificado, inclui apoio de construção civil, no valor de € 93.139,20 – (13º).
II) O não pagamento do sinistro pela ré está a privar a autora de utilizar o imóvel em causa, uma vez que aquele não pode ser utilizado antes de ser reparado – (16º).
JJ) Não só por ser impossível circular dentro do mesmo em condições de segurança, como também pela ausência de energia eléctrica – (17º).
LL) A autora continua a pagar mensalmente o valor da renda, ou seja, € 2898,76 – (18º).
MM) A apólice referida nos autos é fruto de um protocolo entre a ré e o B... e abrange as coberturas do quadro síntese (fls. 108) – (24º).
NN) A cobertura em questão – Danos no imóvel em consequência de Furto ou Roubo – não se encontra mencionado nas Condições Particulares porque a mesma não fazia parte do produto base e o sistema informático, àquela data, não a reconhecia – (25º).
OO) Donde, aquando da emissão das Condições Particulares, a cobertura de Danos no imóvel em consequência de Furto ou Roubo não foi contemplada naquele documento apesar de estar abrangida pelo protocolo celebrado entre a ré e o B... e, portanto, ser reconhecida pela ré – (26º).
PP) Assim, foi com base neste protocolo que a ré aceitou assumir os danos que lhe foram participados pela autora apesar de a cobertura onde os mesmos se enquadram não se encontrar referida nas Condições Particulares – (27º).
QQ) A autora não aceitou a indemnização oferecida pela ré – (28º).

B) Fundamentação de direito
As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, são as seguintes.
- Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;
- A questão de direito.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE MATÉRIA DE FACTO

Pretende a apelante que a matéria constante dos números 19º e 21º da base instrutória, seja considerada como provada.
Nesses quesitos perguntava-se:
19ª - A contratação do seguro foi celebrada pela autora num balcão do Banco Espírito Santo, entidade locadora?
21º - A tabela referida no quesito 15º consta do verso da proposta de seguro assinada pela autora e esta declarou ter tido dela conhecimento?
Vejamos.
Quanto ao quesito 19º
Pretende a apelante que a única resposta possível ao quesito 19º seja a de “Provado”. Argumenta que não se alcança como poderá ter vindo o tribunal recorrido a concluir que o contrato de seguro em causa não foi celebrado ao balcão da entidade locadora, o que é manifestamente contraditório com os factos provados nos pontos G), H) e X).
Os factos provados G), H) e X) são os seguintes:
G) Nos termos do nº 5 da Clausula Décima Sétima do contrato de locação, a locadora apresentou à ora autora uma proposta de adesão em que a ora ré se constituía na obrigação de segurar o imóvel de acordo com o estipulado no contrato de locação financeira – (G).
H) Em 11 de Maio de 2012, a autora subscreveu esta proposta de seguro – (H).
X) Para efeito de subscrever a proposta de seguro o sócio – gerente da autora dirigiu-se ao balcão B... de Santo Amaro, em Alcântara, onde o gerente de Balcão, Sr. P..., lhe solicitou que assinasse dois documentos necessários para que o pagamento do prémio fosse efectuado através de débito na conta bancária – (4º).
Da conjugação de todos estes factos provados não se descortina a apontada contradição, sendo certo que, como se decidiu na Fundamentação das respostas, a testemunha P... gerente do balcão do B... de Santo Amaro “ referiu ter entregue ao sócio-gerente da autora os documentos juntos a fls 99 e 100 para assinar, o que este fez. Referiu não se recordar se o documento de fls 99 tinha algo escrito no verso e referiu ainda que o seguro não foi contratado no balcão e que a sua intervenção se limitou a apresentar os documentos ao sócio-gerente da autora para assinar; não lhe falou sobre o contrato de seguro, as coberturas ou as condições gerais e especiais do mesmo. Os documentos em causa chegaram-lhe internamente, e ninguém lhe disse para fazer ou dizer o que quer que fosse mais, pelo que nada mais disse ou fez”.
Consta ainda na Fundamentação acima referida, a propósito do depoimento de J..., gestor de sinistros da ré, que “ referiu e explicitou o Protocolo existente entre a ré e os B... e que disse que os esclarecimentos sobre o contrato, as coberturas, as condições, cabia ao B... prestá-los”.

Quanto ao quesito 21º
Pretende a apelante que também o quesito 21º deve merecer a resposta de “Provado”.
A resposta obtida foi a seguinte:
“ Provado apenas o que consta da alínea I)”

Argumenta que o tribunal dispunha de prova documental bastante para dar como provado que as coberturas resultavam da proposta assinada pela apelada.
Este quesito 21º estava relacionado com o quesito 15º, que também obteve resposta negativa e que, tendo sido extraído do artigo 31º da petição inicial, tinha a seguinte redacção:
“ Com este documento (o de fls 99 referido no artigo 30º da PI) enviaram-lhe o documento de fls 108 que o gerente da autora nunca viu e que não constava das condições particulares e/ou gerais da proposta de seguro que lhe foi dada a conhecer e que esteve na origem da decisão de a aceitar?
Conjugados entre si, estes dois quesitos só podem obter, em conjunto, uma resposta positiva ou uma resposta negativa. Foi o que aconteceu, e bem, com a resposta negativa a ambos, não fazendo sentido responder positivamente ao quesito 21º e manter a resposta negativa ao quesito 15º e ao quesito 14º.
Por outro lado, na mesma Fundamentação consta ainda que, do depoimento das testemunha testemunhas acima mencionadas, “resulta que nem a ré nem o B... deram à autora qualquer esclarecimento sobre as condições particulares e gerais do contrato de seguro, dos riscos ou dos montantes cobertos por cada um dos riscos, tendo as Condições Gerais e Especiais do contrato sido enviadas à autora mais tarde, nada lhe tendo sido entregue antes, nem cópia dos documentos assinados ao balcão do B...”.
Nesta conformidade, mantém-se a resposta dada aos quesitos 19º e 21º.

A QUESTÃO DE DIREITO

O contrato de seguro, em face da ausência de definição legal, tem-se como o contrato "pelo qual a seguradora, mediante retribuição do tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto"[1].
Trata-se este, de um tipo contratual que reveste a verdadeira natureza de contrato a favor de terceiro - o lesado -  criando para a seguradora a obrigação de pagar as indemnizações, incluindo os juros de mora, que sejam devidas pelo seu segurado ou pelas pessoas cuja responsabilidade deve garantir: o contrato de seguro é um contrato formal - reduzido a escrito, num instrumento que constitui a apólice de seguro - pelo qual alguém se obriga a proporcionar a outrem, a segurança de pessoas ou bens, relativamente a determinados riscos, mediante o pagamento de uma contraprestação, chamada "prémio". Essa exigência de forma justifica-se por razões de solenidade, de reflexão, de prova, de segurança e de certeza[2] - Cfr actual artigo 32º do DL nº 72/2008, de 16 de Abril.

A questão nuclear dos presentes autos consistem em saber se o sinistro ocorrido no imóvel objecto do contrato de seguro se enquadra na cobertura “Greves, Assaltos e Tumultos”, a qual garante a totalidade do capital seguro, (que é do montante de € 571.500,00, conforme Apólice nº 2956913, regulada nas Condições Particulares de fls 69 a 71 – Cfr alíneas J), L), M) e N)) e não da Apólice que cobre apenas “Danos por Furto ou Roubo” que limita a indemnização ao montante de € 5.000,00, como pretende a ora apelante.
No que respeita à determinação da cobertura aplicável a douta sentença concluiu pelo enquadramento da situação na cobertura “Greves, Assaltos e Tumultos” por ser a única que constava das Condições Particulares da apólice – doc. fls 69 a 71.
Vejamos então, começando por descrever os factos principais.
A autora enquanto locatária no contrato de locação financeira imobiliária referido nas alíneas A) a E) ficou obrigada à celebração de um contrato de seguro, de forma a garantir a cobertura de todo o conjunto patrimonial que constitui o imóvel locado, contra os riscos mencionados na Clausula Décima Sétima, a saber: riscos de incêndio, roubo, queda de raio, explosão, tempestade, inundações, fenómenos sísmicos, aluimento de terras, danos por água, queda de aeronaves, choque ou impacto de veículos terrestres, choque ou impacto de objectos sólidos, derrame sistemas hidráulicos, derrame acidental de óleo, actos grevistas, actos de vandalismo, riscos eléctricos, responsabilidade civil proprietário/ocupante, demolição e remoção de escombros, quebra de vidros, espelhos e pedras mármore, queda, quebra de anúncios luminosos, queda, quebra de antenas, painéis solares, danos por furto ou roubo e assistência ao estabelecimento – Facto provado sob a alínea F).
Mais se provou que:
- Entre a ré, na qualidade de seguradora, e a autora, na qualidade de segurada, foi celebrado um contrato de seguro multirriscos estabelecimento, titulado pela Apólice n.º 2956913, regulado pelas Condições Gerais e Particulares juntas aos autos a fls. 69 a 71 e 76 a 95, cujo objecto é o imóvel id. em C) – (J).
- Por carta datada de 21 de Maio de 2012, a ora ré remeteu à ora Autora as condições particulares da apólice – (L).
- De acordo com as cláusulas particulares, ficou garantida a cobertura do imóvel, em caso de assalto, pelo total do capital seguro – (M).
- O total do capital seguro computa-se em € 571 500,00 – (N).
 - Por carta datada de 22 de Maio de 2012, a ora ré remeteu à ora impetrante um a m issiva onde se lê o seguinte:
“ Vimos pela presente remeter as Condições Gerais da Apólice de suporte j apólice acima referida e que regulam o contrato de seguro estabelecido entre a seguradora e o tomador do seguro, e o conjunto com as Condições Particulares já em seu poder” – (O).
- Esta missiva vinha, tal como referido na mesma, acompanhada das Condições Gerais da Apólice – (P).
Mais se provou que:
- A ora ré não deu conhecimento à autora de qualquer outra condição particular ou geral ou de qualquer alteração aquelas propostas – (Al V).
- Para efeito de subscrever a proposta de seguro o sócio – gerente da autora dirigiu-se ao balcão B... de Santo Amaro, em Alcântara, onde o gerente de Balcão, Sr. Pedro Costa, lhe solicitou que assinasse dois documentos necessários para que o pagamento do prémio fosse efectuado através de débito na conta bancária – (X).
- No acto da assinatura não lhe foi facultada cópia destes documentos – (Z).
Nas Condições Especiais do seguro referida na Alínea S) da Fundamentação de facto encontra-se uma cobertura “Danos por Furto ou Roubo”, que garante os danos causados no imóvel seguro em consequência de furto ou roubo.
Nas Condições Particulares enviadas à autora tal cobertura não é referida porque a mesma não fazia parte do produto base e o sistema informático, àquela data, não a reconhecia – NN). Donde, aquando da emissão das Condições Particulares, a cobertura de danos no imóvel em consequência de furto ou roubo não foi contemplada naquele documento apesar de estar abrangida pelo protocolo celebrado entre a ré e o B... e, portanto, ser reconhecida pela ré – OO)
E foi com base neste protocolo que a ré aceitou assumir os danos que lhe foram participados pela autora apesar de a cobertura onde os mesmos se enquadram não se encontrar referida nas Condições Particulares – PP).
A existência do protocolo e o quadro síntese e as Condições Especiais não foram comunicadas à autora. Aliás, a ora ré não deu conhecimento à autora de qualquer outra condição particular ou geral ou de qualquer alteração aquelas propostas e também não foram dadas cópia dos documentos denominados “Proposta de seguro”, junto a fls. 99 e “Ordem Permanente de Transferência”, assinados pelo sócio-gerente da autora e referidos nas alíneas X) e Z).
A ré não comunicou à autora as Condições Especiais da Apólice constantes do Protocolo assinado com o B... ( Cfr Alínea MM e fls 108) nem o quadro síntese e não logrou provar que este constava do verso da proposta de seguro que o sócio-gerente da autora assinou. O B... também nada comunicou à autora.
Sendo o contrato de seguro um contrato de adesão, são-lhe aplicáveis as normas previstas no Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL nº 446/85, de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 220/95, de 31/08[3].

Nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, as cláusulas contratuais gerais devem ser integralmente comunicadas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, recaindo sobre o proponente o ónus da prova da efectivação dessa comunicação. A sua falta determina que se considerem excluídas do contrato, sendo aplicável o regime legal supletivo, nos termos dos artigos 8º nº 1 alª a) e 9º.

A propósito do dever de comunicação referem Almeida e Costa e Menezes Cordeiro[4] que:
“ O dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável. Nesta linha, o nº 2 esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas. Como bitola, refere-se a lei à possibilidade do conhecimento completo e efectivo das cláusulas por quem use de comum diligência. Encontra-se aqui uma afloração do critério geral de apreciação das condutas em abstracto e não em concreto”.

E a propósito do dever de informação ganha aqui igual relevo o ensinamento de António Pinto Monteiro, segundo o qual “... este tipo de medidas fracassa mesmo, por vezes no seu objectivo, que é o de esclarecer o aderente a respeito do contrato que vai celebrar: por falta de tempo e/ou de preparação técnica, por resignação, conformismo ou porque tem consciência de que pouco ou nada lhe adianta, o consumidor não lê ou não se interessa em conhecer em pormenor as condições do contrato. E o problema não está, propriamente, no cumprimento, pela empresa, do dever de informação – basta pensar que, no limite, uma informação em excesso pode conduzir ou equivaler, na prática, a uma  falta de informação”[5].
O regime legal específico das cláusulas contratuais gerais tem por finalidade a protecção do aderente, isto é, aquele que negoceia com o proponente. Tal regime proteccionista abrange apenas as cláusulas contratuais gerais, as quais, por regra, estão excluídas do campo negocial, sendo, em princípio, insusceptíveis de modificação por parte do outro contraente.

O contrato de seguro é um contrato formal, o que implica que a interpretação das cláusulas da respectiva apólice, deve ser feita de acordo com o regime previsto no artigo 238º do Código Civil. Isto é, no contrato de seguro não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Sem prejuízo das menções obrigatórias a incluir na apólice, cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato – artigo 18º do DL 72/2008, assim como lhe cabe prestar informações de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular (artº 21º nº 1).
Tem ainda o segurador um dever especial de esclarecimento previsto no nº 1 do artigo 22º, na medida em que a complexidade da cobertura e o montante do prémio a pagar ou do capital seguro o justifiquem e, bem assim, o meio de contratação o permita, o segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o tomador do seguro acerca de que modalidades de seguro, entre as que ofereça, são convenientes para a concreta cobertura pretendida.
Portanto, era à ré que competia a obrigação de efectuar a comunicação à autora de todas as condições do contrato de seguro que, com ela, havia celebrado.
A ré pretende assumir a sua responsabilidade e indemnizar a autora no montante de € 5.000,00 com base na existência do protocolo (Alínea PP) e doc. de fls 108.
Todavia, a cobertura que a ré pretende accionar não consta das Condições Gerais e Particulares da Apólice, enviadas à autora, nem da proposta de seguro que o sócio-gerente da autora assinou ao balcão do B....
Terminando, para concluir e como bem refere a douta sentença, tendo a autora celebrado o contrato de seguro em cumprimento de uma cláusula do contrato de locação financeira que estipulava claramente quais as coberturas que aquele tinha de garantir, tendo-lhe sido enviadas as condições particulares do contrato onde constava que ficou garantida a cobertura do imóvel, em caso de assalto, pelo total do capital seguro e nada mais lhe tendo sido comunicado em contrário é do mais elementar raciocínio concluir, como a autora manifestamente concluiu, que a cobertura referida abrangia a situação em apreço.
Por isso, desconhecendo a existência do referido protocolo, das condições especiais e do mencionado quadro síntese, a autora accionou o contrato de seguro aquando do sinistro, que, de acordo com as Condições Particulares (fls 69 a 71), previa a garantia da cobertura do imóvel em caso de assalto, pelo total do capital seguro, ou seja, € 571.500,00. – Cfr Alíneas L), M) e N).

Quais, então, os prejuízos que a ré deve indemnizar?
Desde logo, os descritos nas alíneas AA) a HH), no montante global de € 149.166,10, acrescidos de IVA., que foram os danos resultantes do assalto, havendo que deduzir a franquia de € 125.00.
É à autora, enquanto tomadora do seguro que deve ser paga tal quantia e não ao B..., entidade com quem a ré não celebrou qualquer contrato de seguro.
E será indemnizável a quantia de € 2898,76 por cada mês de privação do uso do imóvel, desde Fevereiro de 2013, inclusive, até integral pagamento da indemnização de € 149.166,10, como pretende a autora, ora apelada?
Entendeu a douta sentença que sim e como tal consta da alínea b) da decisão propriamente dita.
Nos termos do artigo 3º nº 3 das Condições Gerais da Apólice: “Salvo expressa convenção em contrário nas Condições Particulares, não ficarão igualmente garantidas as perdas ou danos que derivem directa ou indirectamente de:
d) Prejuízos indirectos, tais como a perda de lucros ou rendimentos.”
Das Condições Gerais do contrato consta que não estão abrangidas neste os danos que derivem de prejuízos indirectos, reportados ao sinistro.
Neste particular, divergimos da douta sentença, pois entendemos que o seguro contratado pela autora não abrange a indemnização por prejuízos indirectos que, como acabámos de referir, são expressamente excluídos, pelo mencionado artigo 3º nº 3 alª d).

EM CONCLUSÃO
- Sendo o contrato de seguro um contrato de adesão, são-lhe aplicáveis as normas previstas no Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL nº 446/85, de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 220/95, de 31/08.
- Nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, as cláusulas contratuais gerais devem ser integralmente comunicadas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, recaindo sobre o proponente o ónus da prova da efectivação dessa comunicação.
- A sua falta determina que se considerem excluídas do contrato, sendo aplicável o regime legal supletivo, nos termos dos artigos 8º nº 1 alª a) e 9º.
- O contrato de seguro é um contrato formal, o que implica que a interpretação das cláusulas da respectiva apólice, deve ser feita de acordo com o regime previsto no artigo 238º do Código Civil. Isto é, no contrato de seguro não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
- Sem prejuízo das menções obrigatórias a incluir na apólice, cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato – artigo 18º do DL 72/2008, assim como lhe cabe prestar informações de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular (artº 21º nº 1).
- Tem ainda o segurador um dever especial de esclarecimento previsto no nº 1 do artigo 22º, na medida em que a complexidade da cobertura e o montante do prémio a pagar ou do capital seguro o justifiquem e, bem assim, o meio de contratação o permita, o segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o tomador do seguro acerca de que modalidades de seguro, entre as que ofereça, são convenientes para a concreta cobertura pretendida.
- Tendo a autora celebrado o contrato de seguro em cumprimento de uma cláusula do contrato de locação financeira que estipulava claramente quais as coberturas que aquele tinha de garantir, tendo-lhe sido enviadas as condições particulares do contrato onde constava que ficou garantida a cobertura do imóvel, em caso de assalto, pelo total do capital seguro e nada mais lhe tendo sido comunicado em contrário é do mais elementar raciocínio concluir, como a autora manifestamente concluiu, que a cobertura referida abrangia a situação em apreço.

III - DECISÃO

Atento o exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação, confirmando-se a alínea a) da condenação, mas a cujo montante haverá que deduzir a quantia de € 125.00 respeitante à franquia.
Revoga-se a alínea b) da condenação, absolvendo-se a ré do pedido de indemnização por cada mês de privação do uso do imóvel.
Custas pela apelante e apelada na proporção do vencimento.

Lisboa, 26/2/2015

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa

[1]José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, pág. 94 ; Almeida Costa, RLJ, ano 129º, pág. 20 ; Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Livraria Sá da Costa Editora, 1971, pág. 23).
[2]António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Tomo I, Almedina, 1999, pág. 319; José de Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, 1º, III, Lisboa, 1992, pág. 186.
[3]Acórdãos da RL de 15.11.2005 e da RP de 21.11.2005, ambos na CJ V/2005, respectivamente nas págs. 94 e 191.
[4]“ Cláusulas Contratuais Gerais”, Almedina, 1993, em anotação ao respectivo artigo 5º pág. 25.
[5]“ O Novo Regime Jurídico dos Contratos de Adesão”,  in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, Janeiro de 2002, pág. 122/123.