Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11737/24.9T8SNT.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO COM JUSTA CAUSA
REQUISITOS DA COMUNICAÇÃO DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 – A comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa não se basta com a mera alusão a conceitos, imputações vagas e conclusivas ou juízos de valor, antes carece de enunciação de factos concretos.
2 – É nula a sentença que não se pronuncia sobre parte dos pedidos formulados quando tais pedidos subsistem por si mesmos independentemente da improcedência de uma das questões apreciadas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA, Autora nos autos em referência, não se conformando com a Sentença, proferida nos autos, dela interpõe recurso.
Pede que seja arguida a nulidade da Sentença nos termos dos artigos 77º do CPT e 615º e 617º do CPC, e consequentemente a Sentença ser revista e condenada a Recorrida no pedido da ação.
Formulou, após convite ao aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:
a. A Recorrente, veio formular contra a Sociedade Cognizant Tecnology Solutions Portugal Unipessoal, Lda., junto do Tribunal a quo, em síntese, o seguinte pedido:
¬ Por um lado, que fosse declarada a Resolução do Contrato Laboral por com justa causa por iniciativa do Trabalhador (conforme exposto);
¬ Consequente, que a Sociedade fosse condenada numa indemnização de 45 dias por resolução do Contrato e Trabalho nos termos do artigo 396º do CT, no valor de 3.051,52 €;
¬ Por outro lado, deveria, ainda, ser condenada ao pagamento dos Créditos Laborais em falta, nomeadamente, a Retribuição do mês de Abril, 17 dias de Subsídio de refeição, as férias e subsídios de férias nos termos do artigo 245/1 e 264/1 do CT, o Subsídio de Natal proporcional nos termos do artigo 263/1 do CT; as quantias de Role Allowance e horas extras, e respetivos juros legais.
¬ Independentemente de a recorrente ter de pagar Aviso prévio a entidade patronal, caso o Tribunal a quo entendesse conforme a estarmos perante uma resolução do contrato de trabalho sem justa causa (doc. nº 43 da PI).
b) Foi proferida Sentença, pelo Tribunal a quo, decidindo pela absolvição da Ré dos pedidos formulados, nos termos do artigo 576/3º e 579 do CPC, e dos artigos 395/1º e 398/3º do CT.
c) Fundamentou a sua decisão, nos seguintes termos:
• Que da comunicação de Resolução do Contrato de Trabalho da Recorrente (Docs. nº 41 e 42 anexos à PI), fica claro, que esta não concretiza, especifica ou densifica qualquer factualidade passível de consubstanciar justa causa de resolução do contrato, pois recorre a conceitos conclusivos, pelo que não são factos, mas sim ilações que se retiram de factos.
• Continua afirmando que “O Tribunal não é alheio ao facto de na comunicação em causa se referir que: “Tais factos integram o conceito de justa causa, e todos são do vosso conhecimento desde Setembro de 2023 á data do primeiro incidente reportado devidamente, até ao último reportado dia 24 de Abril 2024 a um representante dos Recursos humanos e do Global Ethics & Compliance numa reunião conjunta”.
• Entende o Tribunal a quo que “a realidade é que os documentos juntos nos autos e os quais servem de suporte a tais comunicações e reportes são, também eles, vagos, imprecisos e genéricos.”
• Concluído: “Carece assim a comunicação de resolução do contrato de trabalho da indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, mostrando-se indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido no prazo legal, condição formal de que, também, depende a licitude da resolução.”
d) A Recorrente apresenta este Recurso por não pode concordar com esta fundamentação do Tribunal a quo, quanto:
• Á inviabilidade da resolução do Contrato de Trabalho por Iniciativa do Trabalhador com justa causa, foram apresentados documentos (Doc. nº 31 e 21 anexos na PI), que são esclarecedores dos factos e cumprem os quesitos do artigo 395/1 CT para a Resolução Contratual com justa causa;
• Que a Sentença foi omissa quanto aos Créditos laborais em divida peticionados.
• Consequentemente arguição da nulidade da Sentença
Para tanto, alegou-se que: • Quanto à Inviabilidade da Resolução do Contrato Trabalho por iniciativa do Trabalhador com Justa Causa:
e) A recorrente contrapõe a decisão do Tribunal a quo, por entender que, os documentos apresentados eram claros, precisos sobre as ocorrências na empresa, onde era referido temporalmente a sua ocorrência.
f) Os relatórios apresentados, nomeadamente os depoimentos anexos, são testemunhos representativos dos conceitos de justa causa alegados pela Recorrente na sua comunicação de revogação.
g) Foram trocados e-mails para esclarecer os factos entre a Recorrente e a Ré, as ocorrências foram faladas em reuniões, pelo que todos esses factos eram do conhecimento da Ré (Docs. 16 a 20, 22 a 30 e 31 da PI).
h) Os testemunhos de: BB, CC, DD e EE (artigos 30 a 37), em síntese, relatam que
• O trabalho fluía normalmente, exceto com a equipa da PPVS, por bullying diário, com falta de informação de horários, informações dadas pela Recorrente que depois a RTT dava diferente.
• Na sala a permanência de um TL, que verificava o trabalho que estava a ser realizado, afirmando constantemente que conversavam de mais, que eram meros agentes de um projeto piloto, desconsiderando os esforços feitos,
• Todos referem como durante a Férias da Recorrente, conforme relatado na PI, o Sr. FF entrou na sala completamente descontrolado, afirmando que tinha de falar com alguém do seu nível, que não passavam de meros agentes, que a Autora era uma pobre QA, que não estavam ao nível da compreensão do Sr. FF, recusando falar com eles sobre qualquer situação e exigindo falar com um superior.
• Ou o facto de ter entrado na sala, ter esperado que um colega do mercado Turco desligasse, obrigando a ir com ele, e regressando à sala levando o teclado e o rato da secretária do colega, gritando que era suficiente informar a Autora que o colega não voltaria.
• Em todos os testemunhos é referida a reunião com o Sr. GG em 14/ 03/2024 em que nada é feito após estes relatos.
i) A recorrente entende que os quesitos previstos no artigo 395º 1º do CT, foram cumpridos:
• Comunicar por escrito a resolução do Contrato de trabalho à entidade empregadora, enviou carta de revogação em 26/04/2024 (Doc. nº 41);
• Indicando sucintamente os factos que a justificam, alegando que o fazia por a empresa ter tido um comportamento ilícito para a Autora, capaz de integrar os conceitos de Justa causa nos termos da al. c), d) e f) do nº 2 do artigo 384º CT e referiu que os factos que abrangiam esse comportamento haviam sido reportados e eram do conhecimento da entidade empregadora
• Nos 30 dias subsequente ao conhecimento dos factos, fê-lo nos 30 dias após a reunião de 24 de Abril 2024, ao tomar consciência de que nada iria mudar.
j) Pelo exposto era viável que o Tribunal a quo pudesse avaliar os factos e a sua ocorrência temporal para decidir quanto ao cumprimento dos quesitos do artigo 395/1º CT.
k) Acresce que, como referido, a ré tinha conhecimento dos factos, tal como referido na comunicação da recorrente,
l) Em conformidade com a posição defendida no Ac. STJ de 31/10/2018 – Processo 160066/16.9PRT.PS1, na sua conclusão:
(foto)
m) Consequentemente, não deve a Ré ser absolvida pela inviabilidade da resolução laboral, e ser condenada a pagar uma compensação nos termos do artigo 396º o CT, numa indemnização de 45 dias de retribuição base, mais diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, devendo ser considerado o comportamento do empregador de grau de ilicitude elevada.
n) Conforme os cálculos apresentados nas alegações, artigos 48 a 50, no valor de 3.051,52 €.  Quanto ao Pedido dos Créditos Laborais em falta:
o) Por outro lado, ficaram por pagar à ora recorrente os seguintes Créditos Laborais, em conformidade com o articulado nos nºs 56 a 79:
¬ Retribuição do mês de abril, conforme os cálculos, no valor de 1.043,84€;
¬ Os 17 dias de Subsídio de Refeição no valor de 129,71€ (valor pago em cartão que já não estava na posse da trabalhadora);
¬ Quando da Cessação do Contrato de Trabalho a trabalhadora tem direito a receber nos termos do 264/1º do CT às férias Proporcionais e o respetivo subsídio proporcional no valor de 818,68€;
¬ Tem ainda direito no caso de o Contrato laboral terminar antes do gozo das férias, a receber essa retribuição e respetivo subsídio, nos termos do artigo 245/1º do CT, no valor de 2.554.00€;
¬ Nos termos do artigo 263º/1do CT, tem ainda direito a receber o Subsídio de Natal proporcional no ano da cessação do Contrato de trabalho no valor de 409,34€.
¬ Por fim, em conformidade com recibo de remuneração de Abril, ficou por pagar as quantias referentes as role allowance, e horas extras no valor de 755,48€
¬ Pelo exposto ficou por pagar a quantia de 5.711,05€
¬ E ainda a pagar-lhe, finalmente, juros de mora, sobre todas as quantias em dívida, que se vierem a vencer desde a data da citação e até integral pagamento.
p) A Ré veio alegar que a resolução se deu nos termos do artigo 400º do CT, por não entender existir Justa causa e aplicando a penalização prevista no artigo 401º CT, em virtude de a recorrente não ter procedido à resolução do Contrato de Trabalho sem o respetivo aviso prévio (Doc. nº 43)
q) Nessa conformidade a Recorrente teria a auferir pela Resolução do Contrato de Trabalho do valor de 5.711,05€ (Cinco mil setecentos e onze Euros e cinco cêntimos).
r) A recorrente foi entregue o recibo de remuneração, onde foi realizado o desconto do Aviso prévio de 60 dias, no valor de € 2.554,00 (Doc. nº 2 da PI),
s) A recorrente nunca recebeu qualquer outra quantia, para além do que se pode verificar no referido recibo de remuneração.
t) Prescindindo, que fosse declarada, pelo tribunal a quo a inviabilidade da comunicação da resolução do Contrato laboral com Justa Causa por iniciativa do trabalhador, entende a recorrente que se encontra ainda em falta a Título de Créditos Laborais a quantia € 3.157,05 ([5.711,05 € - 2.554,00€] três mil cento e cinquenta e sete euros e cinco cêntimos).
u) Consequentemente, o Tribunal a quo omitiu qualquer posição sobre esta parte do pedido da recorrente
Pelo que solicita-se a:
• Arguição Nulidade da Sentença:
v) Nos termos e para os efeitos do artigo 615/1º do CPC, uma Sentença é nula quando, o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que o devesse fazer;
w) Essa omissão é relevante para a arguição da nulidade quando nos termos do artigo 608/2º CPC, se verifique:
1) Ausência de posição ou decisão do Tribunal sobre matérias que a lei imponha o juiz tomar posição, ou seja, aquelas questões que os sujeitos processuais interessados submetem ao Tribunal;
2) E as que sejam de conhecimento oficioso, aquelas que o Tribunal deva conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da relação controvertida (quer material, quer processual).
x) Pelo que no caso em apreço estamos perante uma nulidade da decisão do Tribunal a quo por omissão de pronuncia quanto aso créditos laborais ainda em divida, que se argui nos termos do artigo 77º do Código de Processo de Trabalho, e consequentemente a aplicação dos artigos 615º e 617º do Código de Processo Civil.
COGNIZANT TECHNOLOGY SOLUTIONS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA., notificada da interposição de Recurso de Apelação, vem apresentar as suas Contra-alegações concluindo que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer do qual emerge que quanto à resolução do contrato a sentença não merece censura, mas conclui que a ação deveria ter prosseguido para apreciação dos pedidos que não dependiam da procedência do reconhecimento da justa causa para a resolução do contrato, estando a decisão, nesta parte, ferida de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.1, alínea d) do CPC.
Respondeu a Apelante reafirmando que a carta cumpre os requisitos legais e que há a invocada omissão de pronúncia.
*
Eis um breve resumo dos autos para melhor enquadramento:
AA intentou Acão Emergente de Contrato de Trabalho sob a Forma de Processo Declarativo Comum contra a Cognizant Tecnology Solutions Portugal Unipessoal, Lda.,
Pede que na procedência da ação venha a:
a) Ser reconhecido despedimento por iniciativa do trabalhador com justa causa.
b) Condenar a Ré no pagamento dos direitos laborais em dívida:
c) Indemnização de 45 dias por resolução do Contrato de Trabalho nos termos e efeitos do artigo 396º CT no valor de 3.051.52€ (cálculos no artigo 82 e 85 da PI);
d) Retribuição do mês de abril, conforme os cálculos efetuados nos artigos 90º a 94º da PI, no valor de 1.043,84€;
e) Os 17 dias de Subsídio de Refeição no valor de 129,71;
f) Quando da Cessação do Contrato de Trabalho o trabalhador tem direito a receber nos termos do 264/1 do CT às férias Proporcionais e o respetivo subsídio proporcional no valor de 818,68€;
g) Tem ainda direito no caso de o Contrato laboral terminar antes do gozo das férias, a receber essa retribuição e respetivo subsídio, nos termos do artigo 245/1 do CT, no valor de 2.554.00€;
h) Nos termos do artigo 263º/1do CT, tem ainda direito a receber o Subsídio de Natal proporcional no ano da cessação do Contrato de trabalho no valor de 409,34€
i) Por fim, em conformidade com recibo de remuneração de Abril, ficou por pagar as quantias referentes as role allowance, e horas extras no valor de 755,48€
j) E ainda a pagar-lhe, finalmente, juros de mora, sobre todas as quantias em dívida, que se vierem a vencer desde a data da citação e até integral pagamento.
Alega, em síntese, ter mantido contrato de trabalho com a R., ao qual pôs termo invocando justa causa, e que está em dívida quantia que discrimina a título de retribuição, subsídio de refeição, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, subsídio de função e horas extra.
Frustrada a tentativa de conciliação, a R. veio contestar, defendendo-se por exceção – falta de concretização dos factos que levam à resolução – e por impugnação, designadamente afirmando que todos os créditos devidos pela cessação do contrato foram pagos, sem prejuízo do desconto do aviso prévio que era devido.
Após audição das partes foi proferido despacho saneador que, detendo-se sobre a exceção invocada, decidiu que se verifica “a preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do art.º 395.º do Código do Trabalho, o que determina a ilicitude da resolução operada pela Autora.
Face ao exposto e nos termos dos arts. 576.º n.º 3 e 579.º do Código de Processo Civil, assim como os arts. 395.º n.º 1 e 398.º, n.º 3 do Código do Trabalho, não pode este Tribunal apreciar a licitude da resolução pelo que se absolve a Ré dos pedidos contra esta formulados.
Ao admitir o recurso, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre a nulidade nele invocada nos seguintes termos:
Atendendo ao teor da sentença proferida nos autos, e a qual é de absolvição, fica prejudicado o conhecimento das matérias que a Autora invoca como geradoras de uma omissão de pronúncia, pelo que se indefere a mesma nos termos do art.º 617.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – Estão cumpridos os requisitos exigidos pelo Art.º 395º/1 do CT?
2ª – A sentença é nula?
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FUNDAMENTAÇÃO:
FACTOS:
Consta da decisão recorrida:
A comunicação de resolução do contrato de trabalho, tal como efetuada pela Autora, consta o seguinte teor:
“Exm.s Senhores
Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 394º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, venho comunicar que rescindo o contrato de trabalho celebrado com V. Ex.ª, em 31 de Janeiro de 2022, com efeitos imediatos hoje a dia 26 de Abril de 2024 por se ter tornado impossível e um perigo para a minha saúde mental a nossa relação laboral.
Mais comunico que considero que a rescisão do meu contrato de trabalho ocorre com justa causa, pelos seguintes motivos:
Aplicação de sanção abusiva;
Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
Tais factos integram o conceito de justa causa, e todos são do vosso conhecimento desde Setembro de 2023 á data do primeiro incidente reportado devidamente, até ao último reportado dia 24 de Abril 2024 a um representante dos Recursos humanos e do Global Ethics & Compliance numa reunião conjunta.
Todos os documentos que comprovam todos os factos estão com a investigadora responsável por esta investigação interna do Global Ethics & Compliance.
Mais solicito que me sejam pagos os meus respetivos direitos laborais.”
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O DIREITO:
A 1ª questão a enfrentar é a do cumprimento dos requisitos enunciados no Artº 395º/1 do CT.
Ponderou-se na sentença recorrida:
Resulta claro que a comunicação em apreço não concretiza, especifica ou densifica qualquer factualidade que seja passível de consubstanciar justa causa de resolução do contrato recorrendo a conceitos conclusivos, sendo que factos conclusivos não são factos mas sim, ilações que se retiram de factos.
Por sua vez, o Tribunal não é alheio ao facto de, na comunicação em causa, se referir que “Tais factos integram o conceito de justa causa, e todos são do vosso conhecimento desde Setembro de 2023 á data do primeiro incidente reportado devidamente, até ao último reportado dia 24 de Abril 2024 a um representante dos Recursos humanos e do Global Ethics & Compliance numa reunião conjunta”.
Porém, a realidade é que os documentos juntos aos autos e os quais servem de suporte a tais comunicações e reportes são, também eles, vagos, imprecisos e genéricos.
Carece assim a comunicação de resolução do contrato de trabalho da indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, mostrando-se indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido no prazo legal, condição formal de que, também, depende a licitude da resolução.
Posto isto, verifica-se a preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do art.º 395.º do Código do Trabalho, o que determina a ilicitude da resolução operada pela Autora.
Devemos desde já adiantar que, neste conspecto a sentença não merece censura.
Dispõe-se no Art.º 395º/1 do CT que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
Consigna-se, pois, aqui, um procedimento conducente à resolução com justa causa, procedimento conexo com quanto se dispõe no Art.º 398º/3 do CT, de acordo com o qual na ação em que for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação supra referida. Tal como vem sendo reconhecido, “apesar da referência da lei ao carater “sucinto” desta indicação, a descrição clara dos factos justificativos da resolução é importante, uma vez que, em caso de impugnação judicial da resolução, são estes factos os únicos atendíveis pelo tribunal…1
A exigência de indicação sucinta dos factos não é nova, remontando já a anteriores disposições legais que se ocupavam da matéria.
Em causa está, pois, saber se a A. cumpriu com a sua obrigação de indicar, de forma sucinta, os factos justificadores da resolução contratual.
Começamos por afirmar que não há que estabelecer qualquer paralelismo entre as exigências do dispositivo legal que nos ocupa e as que, para a cessação por despedimento, se impõem ao empregador, o que decorre da diferença de redação entre as normas envolvidas – aqui exige-se indicação sucinta dos factos; ali, descrição circunstanciada dos factos.
Emerge daqui que ao trabalhador se impõe que cumpra um mínimo exigível. Basta-lhe “uma indicação sucinta” dos factos “de modo a permitir, se necessário, a apreciação judicial da justa causa” 2. Porém, tal indicação, não pode ser genérica ou vaga, muito embora se aceite que não tem que ser circunstanciada.
Por outro lado, também não há que confundir as exigências de alegação factual inerentes a uma ação judicial, com a indicação das causas de resolução na declaração que a comporta.
Na jurisprudência podemos encontrar as seguintes referências:
No Acórdão do STJ de 24/02/2010, apreciando questão com contornos semelhantes, decidiu-se que a declaração de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos, sendo que a comunicação escrita, consubstanciada na carta de resolução do contrato, enviada pelo advogado da autora, em nome desta, onde consigna a "repetida falta culposa do pagamento pontual da retribuição que lhe é devida", "lesão culposa dos interesses patrimoniais", "violação das garantias legais e convencionais", "direito à ocupação efetiva", não específica quaisquer factos concretos - comportamentos do réu, por ação ou omissão - suscetíveis de preencher aquelas fórmulas de cariz jurídico-normativo, pelo que, perante a preterição dos requisitos de natureza procedimental, tudo se passa como se a trabalhadora tivesse feito cessar o contrato invocando uma justa causa não existente (Proc.º 934/07 www.colectaneadejurisprudencia.com).
Por sua vez, e posteriormente, no Acórdão do STJ de 14 de Julho de 2016, Proc.º. 1085/15.0T8VNF, consignou-se que “A carta de resolução do contrato enviada pelo trabalhador à empregadora em que se faz consignar como justa causa da resolução, apenas, a «falta de pagamento do trabalho suplementar prestado e da retribuição legal» e o «incumprimento das obrigações legais relativas ao tempo de trabalho e descanso do trabalhador», não especifica qualquer facto concreto, mas antes afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais.”
Também esta Relação de Lisboa, em Acórdão de 23 de Fevereiro de 2022, Proc.º. 2182/19.9T8BRR, decidiu que “na comunicação escrita em que se anuncie a intenção de rescindir o contrato deve o trabalhador indicar sucinta e claramente, os factos que o levam a tomar essa atitude, tendo em especial atenção que só os factos indicados na comunicação é que são atendíveis para a justificar judicialmente. Não havendo factos invocados na resolução não pode a trabalhadora vir a indicá-los depois nos articulados da ação em que se aprecia a licitude da resolução. Sem factos invocados oportunamente não é possível à autora demonstrar a existência de justa causa, com cuja prova estava onerada.”
Idêntico caminho seguiu a Relação de Coimbra no Acórdão de 28 de Janeiro de 2022, Proc.º. 1591/18.5T8CTB, onde se lê: “Pode-se afirmar assim de forma segura e convincente que na comunicação de resolução do contrato com justa causa o trabalhador tem de invocar obrigatoriamente factos concretos, não podendo alegar e invocar conclusões que extrai dos factos, nem relegar a alegação e explicitação para a petição inicial da ação que venha a instaurar contra o empregador, para efetivação dos direitos resultantes da resolução com justa causa e que se ache com direito. Não pode limitar-se a invocar as conclusões que extrai dos factos, relegando a alegação destes para a petição inicial de ação que venha a intentar contra o empregador, para efetivação dos direitos resultantes da resolução com justa causa, sob pena de esta ser ilícita”.
Do mesmo modo, também a Relação de Guimarães, ao afirmar no Acórdão de 13 de Outubro de 2022, Proc. 87/21.2T8VCT: “Na comunicação da resolução de resolução do contrato com justa causa, o trabalhador tem de invocar obrigatoriamente factos concretos, não podendo invocar conclusões que extrai dos factos, nem relegar a alegação e explicitação para a petição inicial da ação que venha a instaurar contra o empregador, para efetivação dos direitos resultantes da resolução com justa causa”.
Mais recentemente a Relação do Porto, em Acórdão de 5/06/2023, Proc.º 2600/22.9T8MAI-A, decidiu que não se basta a carta onde se menciona a aplicação de uma sanção abusiva ou se invoca assédio moral e ainda falta de condições de segurança “com a mera alusão a conceitos, imputações vagas e conclusivas ou juízos de valor”.
No caso concreto, como resulta de quanto acima já exarámos, a carta reporta-se a aplicação de sanção abusiva, falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho e ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
Tudo conclusões das quais não se pode minimamente retirar algum facto capaz de as enformar.
Cumpre neste ponto perguntar: o que é uma sanção abusiva? O que é falta culposa de cumprimento de condições de segurança e saúde? O que é ofensa à integridade física ou moral? O que é assédio?
Todos estes conceitos carecem de densificação através de enunciação dos factos que os enformam. O que de todo se mostra efetuado na carta em presença.
Também a referência aos documentos na carta – e só esta, contrariamente ao que a Apelante parece pressupor nas suas alegações onde vem referenciar o Doc. 313 e depoimentos, é atendível- se nos configura como inócua, pois nem sequer ali se identificam os documentos a levar em conta.
A formalidade consignada no Art.º 395º/1 tem natureza ad substantiam, sendo a partir do conteúdo da carta que se delimita a invocabilidade em juízo dos factos suscetíveis de serem apreciados para efeito de apreciação da licitude da resolução, pelo que, à indicação da factualidade que está subjacente à rutura contratual, ainda que não seja exigível o mesmo rigor subjacente à descrição circunstanciada de uma nota de culpa, não basta a mera alusão a conceitos, imputações vagas e conclusivas ou juízos de valor.
Nenhuma censura merece, pois, a sentença deste ponto de vista, assim improcedendo a questão em apreciação.
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Invoca ainda a Apelante a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Defende que o Tribunal a quo omitiu qualquer posição sobre os créditos reclamados na ação, a saber, Retribuição do mês de abril, 7 dias de Subsídio de Refeição; Proporcionais de férias e respetivo subsídio; Retribuição de férias e respetivo subsídio; Subsídio de Natal; Quantias referentes ao role allowance, e horas extra.
Compulsada a petição inicial é uma evidência que são reclamados tais créditos e, compulsada a sentença, é uma evidência que a mesma não se pronunciou sobre os mesmos.
De acordo com o disposto no Art.º 615º/1-d) do CPC a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
Ora, o juiz deve apreciar todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (Art.º 608º/2 do CPC).
Nenhum dos pedidos em referência fica prejudicado pela ilicitude da resolução do contrato. Todos eles são autónomos relativamente a esta questão, subsistindo por si mesmos, pelo que não podemos deixar de considerar que a sentença está ferida de nulidade por omissão de pronúncia.
Considerando que na contestação foi afirmado o pagamento de todos os créditos, deve o processo prosseguir para julgamento das questões relativas aos mesmos, não havendo lugar à aplicação do disposto no Art.º 665º do CPC.
<>
As custas da apelação são da responsabilidade de ambas as partes, na proporção de ½ para cada uma (Art.º 527º do CPC).
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***
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, declarando parcialmente nula a sentença, e, em consequência, mantem-se a decisão relativa à ilicitude da resolução do contrato e ordena-se o prosseguimento dos autos para apreciação dos pedidos formulados sob as alíneas d) a j).
Custas por ambas as partes na proporção de ½ para cada uma delas.
Notifique.

Lisboa, 18/06/2025
MANUELA FIALHO
ALEXANDRA LAGE
MARIA JOSÉ COSTA PINTO
_______________________________________________________
1. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, 950
2. Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 447
3. Um email contendo anexos
4. Da autoria da Relatora