Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
477/11.9TMLSB-A.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
DIREITO A ALIMENTOS
RENÚNCIA
ACORDO VERBAL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, ainda que homologatória, estavam taxativamente elencados nas várias alíneas do nº 1 do art. 814 do CPC; tratando a alínea g) do nº 1 da chamada «oposição de mérito» ali estavam compreendidas as várias causas extintivas da obrigação (como o cumprimento, a dação em cumprimento, a consignação em depósito, etc.), as causas modificativas da obrigação (designadamente as que substituem o seu objecto e as que a extinguem parcialmente) e a excepção da prescrição.
II- Os dois requisitos que a lei aqui impõe são os de que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que se prove por documento (a menos que se trate da prescrição que se poderá provar por qualquer meio); todavia, nas circunstâncias apontadas no nº 2 do art. 364º do CC, poderá o documento ser substituído por confissão - mesmo sem possuir o documento, poderá o opoente deduzir a oposição perspectivando no seu decurso, obter a confissão do exequente.
III- Sobre as prestações de alimentos vincendas não é admissível qualquer tipo de renúncia, estando vedado ao credor de alimentos renunciar total ou parcialmente a prestações que no futuro se vençam.
IV- Um acordo verbal correspondente á renúncia parcial a prestações de alimentos a menores que no futuro se venceriam enquanto se verificasse o circunstancialismo previsto nesse acordo não seria válido: para que vinculasse exequente e executado seria necessário que, vertido em escrito, fosse homologado; sem que isso ocorra apenas nos defrontamos com um acordo referente a uma renúncia parcial e temporária de alimentos vincendos.
V– Se um acordo vinculante teria de se traduzir num acordo escrito homologado, não poderia valer aqui a regra do nº 2 do art. 364 do CC.
VI- A situação em causa também não configura abuso de direito.
VII-A decisão recorrida não conforma uma decisão-surpresa, mas, mesmo que se admitisse que assim era, a não audição das partes traduzir-se-ia numa nulidade processual – que não numa nulidade da sentença – dispondo a parte do prazo de 10 dias para a arguir junto do tribunal em que fora cometida.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

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Relatório:


I – VF veio deduzir oposição à execução especial por alimentos contra ele deduzida por TC.

Em resumo, alegou não ter a exequente título executivo, já que a por si denominada “sentença condenatória judicial” corresponde a um acordo de regulação do exercício do poder paternal homologado pelo Conservador do Registo Civil e os títulos executivos estão tipificados taxativamente no art. 46 do CPC; mesmo que se entendesse existir condenação esta é ilíquida e não depende de simples cálculo aritmético; a exequente e o executado acordaram que durante a estadia destes e dos menores nos EUA o executado entregaria à exequente a quantia de 500,00 USD a título de pensão de alimentos, tendo o executado cumprido com o que estava acordado.

Requereu que a execução fosse declarada extinta e ordenado o levantamento da penhora ordenada.

Notificada, contestou a exequente.

Alegou que o acordo homologado é título executivo, que o executado já vinha a praticar as actualizações e não as tinha posto em causa e que nunca existiu qualquer acordo para que o executado reduzisse temporariamente o valor da pensão até porque os custos com os colégios nos EUA eram muito maiores, sendo que o executado reduziu unilateralmente e contra a vontade da exequente o valor mensal da pensão para 500 dólares naquele período.

Concluiu pela improcedência da oposição à execução.

O processo prosseguiu, vindo a ser proferido saneador sentença que decidiu nos seguintes termos:

«Concluindo, não procede a alegada inexistência de título executivo já que o título dado à execução é equiparado a sentença judicial para todos os efeitos, a obrigação é líquida e exigível e o alegado facto modificativo é inoponível.

Improcede, pois, in totum a oposição à execução e à penhora».
Apelou o executado, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:

1.ª:
Mesmo quando a lei exige que a prova do facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda resultante de sentença se faça por documento a mesma pode, também, resultar da confissão (cfr. artigo 364.º do Código Civil).

2.ª:
Não obstante a exequente, no seu articulado de resposta, ter negado a existência do acordo referido pelo executado, o momento relevante para aferir da inexistência de confissão sobre esse facto é a audiência de discussão e julgamento, uma vez que, até ao fim desse momento processual pode ser determinado, a requerimento ou oficiosamente, o depoimento de parte da exequente com vista a confessar os factos alegados pelo executado.

3.ª:
Só em audiência de julgamento é que a exequente deporá sujeita a juramento, podendo tomar posição diferente da assumida pelo seu mandatário no articulado que subscreveu em seu nome, ou até alegar o desconhecimento dos factos ou não comparecer para prestar o depoimento, ficando tal conduta sujeita a livre apreciação do tribunal (cfr. artigo 357.º do Código Civil), o que quer dizer que o tribunal poderá decidir em contrário do alegado pela parte no articulado que apresentou.

4.ª:
O executado encontrava-se, ainda, em condições de, processualmente, suscitar o depoimento de parte da exequente com vista a obter desta a confissão sobre os factos que alegou no seu articulado de oposição (nomeadamente nos artigos 42.º a 62.º).

5.ª:
A paralisação do direito da exequente a receber a quantia reclamada em caso de confissão do acordo invocado pelo executado não é inoperante por falta de “homologação judicial” de tal acordo. Com efeito, mesmo que se admitisse que o acordo firmado verbalmente entre a exequente e o executado não era válido por falta de forma, tal não obstaria a que o direito que a exequente pretende fazer valer (e que formalmente lhe assistiria) fosse paralisado (inviabilizado) em virtude de o seu exercício ser ilegítimo por ser utilizado em manifesto abuso, ou seja, contra os ditames da boa fé (cfr. artigo 334.º do Código Civil).

6.ª:
A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 729.º, alínea g) do Código de Processo Civil e 364.º e 357.º do Código Civil.

7.ª:
A decisão sob censura é uma verdadeira decisão surpresa, não tendo as partes, alguma vez (e ao longo de quase 3 anos), sido confrontadas com a interpretação das normas aplicadas expressa na mesma e, portanto, debatido a mesma.

8ª:
Este tipo de atuação está vedado ao tribunal que, assim, violou o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 591.º, 592.º (a contrario), 593.º (a contrario) e 597.º, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.
A exequente contra alegou nos termos de fls. 113 e seguintes.

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II - O Tribunal de 1ª instância julgou assentes os seguintes factos:

1. A 17.7.2003 na Conservatória do Registo Civil de Lisboa foi homologado o acordo celebrado pela exequente e o executado relativamente ao exercício das responsabilidades parentais, tendo sido decretado o divórcio entre ambos por decisão transitada em julgado.
2. Dão-se como reproduzidas as cláusulas 12º e 13º do acordo de regulação das responsabilidades parentais.
3. Em 10.3.2011 a exequente intentou execução especial por alimentos sustentando que em Agosto de 2007 a pensão de alimentos era no valor de € 735 para os dois menores e que desde essa data e até Maio de 2009 o executado ou não pagou a totalidade da pensão (em Agosto de 2007) ou só parcialmente pagou o valor da pensão de alimentos, encontrando-se em divida a quantia de € 9 146,46, acrescida de juros.

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III – Sendo as conclusões da alegação de recurso que delimitam o objecto da apelação, a questão que essencialmente se nos coloca é a de se a oposição não deveria ter sido decidida antes que, em audiência, se desse oportunidade ao opoente de produzir prova através da confissão provocada da exequente sobre a por si invocada consensual alteração temporária do valor da pensão de alimentos; se se verifica uma nulidade processual por a decisão recorrida se traduzir numa decisão-surpresa.

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IV – 1 - A presente oposição à execução deu entrada em juízo em 30-4-2012, havendo-se iniciado a execução de 10 de Março de 2010. Deste modo, porque se trata de procedimento de natureza declarativa apenso à execução, face ao disposto no nº 4 do art. 6 e no art. 8 da lei nº 41/2013, de 26-6, rege-se pelo anterior CPC, aliás ainda em vigor quando da dedução da oposição a cujos fundamentos nos reportamos.

Sabemos que em 17-7-2003, na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, foi homologado o acordo celebrado pela exequente e o executado relativamente ao exercício das responsabilidades parentais, tendo sido decretado o divórcio entre ambos por decisão transitada em julgado. Daquele acordo, constava, designadamente: «12 – O pai deverá entregar à mãe a quantia mensal de € 600,00 (seiscentos euros) a título de pensão de alimentos dos menores, correspondendo o valor mensal de € 300,00 (trezentos euros) de alimentos para cada um dos menores, quantia esta actualizável todos os meses de Janeiro por aplicação sobre aquele montante da percentagem de aumento que se verificar no preço do colégio dos menores».

O Tribunal de 1ª instância entendeu que o título que serve de suporte à acção executiva é equiparado a uma sentença homologatória condenatória transitada em julgado, tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 17 do dl 272/2001 (que determina que as decisões do conservador no âmbito, designadamente, do processo de divórcio por mútuo consentimento produzem os mesmos efeitos que produziriam sentenças judiciais sobre a matéria).

O que não é posto em causa pelo apelante.

Sucede que os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença estavam, então, expressos no art. 814 do CPC, situando-se neste recurso a discussão no âmbito do fundamento previsto no nº 1 –g): «Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou obrigação pode ser provado por qualquer meio».

Como vimos, o executado alegara que – posteriormente à homologação do acordo referente às responsabilidades parentais - as partes haviam acordado que durante a estadia do executado bem como da exequentes e dos menores nos EUA, o executado entregaria à exequente a quantia de 500,00 USD a título de pensão de alimentos – e não os 600,00 € constantes do acordo homologado - tendo o executado cumprido com o que estava acordado. Assim, o executado sustenta que a obrigação exequenda foi temporariamente modificada – para um valor inferior – por acordo (verbal) o que na contestação é negado pela exequente.

Tal invocação, consoante entendido na sentença recorrida, reconduzir-se-ia àquela previsão legal. E, efectivamente, assim é – recorde-se que os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, ainda que homologatória, estavam taxativamente elencados nas várias alíneas do nº 1 do art. 814.

Na alínea g) do nº 1 do art. 814 que trata da chamada «oposição de mérito» estão compreendidas as várias causas extintivas da obrigação (como o cumprimento, a dação em cumprimento, a consignação em depósito, etc.), as causas modificativas da obrigação (designadamente as que substituem o seu objecto e as que a extinguem parcialmente) e a excepção da prescrição.

Os dois requisitos que a lei aqui impõe são os de que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que se prove por documento (a menos que se trate da prescrição que se poderá provar por qualquer meio).

Diz-nos, todavia, Amâncio Ferreira ([1]) que «face ao disposto no nº 2 do art. 364º do CC, poderá o documento ser substituído por confissão, por nos encontrarmos, em princípio, perante uma formalidade ad probationem. Donde, e mesmo sem possuir o necessário documento, poder a posição ser deduzida, contando o opoente, no seu decurso, obter a confissão do exequente».

De igual modo referem Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes ([2]) que não é prejudicada «a possibilidade da prova por confissão do exequente, tido em conta o art. 364-2 CC: pode, portanto, a oposição ser deduzida, contando o executado nela obter a prova por confissão».

Concordando, encontramos, também, Rui Pinto ([3]) dizendo que «nada impede que esses mesmos factos venham a ser provados por o exequente os vir a confessar no processo, como decorre do art. 364, nº 2 CC».

Esta orientação tem razão de ser, não se vislumbrando razão para a ela não aderir.

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IV – 2 - Tenhamos em conta, todavia, que o nº 2 do art. 364 do CC se reporta, tão só, aos casos em que a forma escrita é exigida para prova da declaração, contrapondo-se ao regime fixado no nº 1 do mesmo artigo em que a lei exige como forma da declaração um documento – seja ele autêntico, autenticado ou particular. Nesse caso, é necessária a apresentação daquele documento.
No caso dos autos aquela invocada alteração temporária do valor da prestação de alimentos careceria de ser concretizada num acordo com redução a escrito e, mais do que isso, homologado pelo juiz?

Sustenta Tomé Ramião ([4]) que estabelecida a regulação do exercício das responsabilidades parentais e «estando os pais de acordo quanto a uma eventual alteração, não faz sentido pedir essa homologação, dada a inexistência de qualquer conflito entre os progenitores. Ora, se ambos os pais estão de acordo quanto à eventual alteração, a favor dos filhos, nomeadamente quanto ao valor da prestação de alimentos … não há qualquer necessidade de recurso ao tribunal no sentido de pedir a sua homologação, por inutilidade, sendo certo e sabido que a intervenção judicial pressupõe um conflito de interesses que o órgão jurisdicional é chamado a dirimir, ou tratar-se de uma situação que careça de tutela jurisdicional».

Numa primeira abordagem parece fazer todo o sentido o que acabámos de transcrever.

De certo modo, o acordo homologado será um quadro a observar o que não impediria que pontualmente e havendo consenso os progenitores não modificassem temporariamente os seus termos.
Tratando-se, designadamente de modificações ocasionais, com uma vigência limitada – continuando depois a vigorar o regime anteriormente fixado e homologado - os progenitores poderiam decidir por acordo e sem necessidade de recorrer ao tribunal a solicitar a homologação.

Todavia, no caso que nos ocupa, tratando-se de uma diminuição da pensão de alimentos, a questão não será tão linear.

Diz-nos Remédio Marques ([5]) ser duvidosa a possibilidade de, sendo o menor o credor dos alimentos, os ex-cônjuges poderem modificar, suspender ou fazer cessar a obrigação de alimentos fora do alcance do incumprimento (art. 181 da OTM), da acção tutelar cível tendente a alterar o regime já fixado (art. 182 da OTM) ou, inexistindo desacordo quanto ao exercício do poder paternal, da acção tutelar cível de alimentos consignada no art. 186 da OTM.

Acrescentando: «Não pode, neste caso, olvidar-se que, a despeito de a sentença que decretara (ou homologara) os alimentos estar sujeita à cláusula rebus sic stantibus, a alteração ou cessação da obrigação, atenta a indisponibilidade dos direitos em causa, só parece poder verificar-se mediante intervenção posterior do tribunal.

A alteração dos alimentos devidos ao menor depende, pois, da prolação de ulterior sentença que modifique o conteúdo do regime judicial fixado anteriormente».

Certo é que o art. 1905 do CC dispõe que, nomeadamente nos casos de divórcio, os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação e que a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.

No caso dos autos o acordo e a homologação tiveram lugar quanto à fixação de alimentos. Porém, como vimos, é invocado pelo opoente que ele e a exequente «acordaram que durante a estadia de todos (exequente, executado e menores) nos EUA o executado entregaria à exequente a quantia de 500,00 USD a título de pensão de alimentos, retomando-se o regime inicial aquando do regresso a Portugal», sendo que aquele período durou de Setembro de 2007 a Junho de 2009.

O valor de 500,00 USD é bastante inferior ao estabelecido como pensão de alimentos por acordo homologado.

Ora, em termos substanciais, um acordo verbal quanto à diminuição futura da pensão de alimentos durante um determinado período sem homologação com vista ao controle da sua correspondência com o interesse dos menores, traduz-se numa renúncia parcial a essa pensão.

Atento o nº 1 do art. 2008 do CC o direito a alimentos não pode ser renunciado ou cedido, bem que estes possam deixar de ser pedidos e possam renunciar-se às prestações vencidas.

Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela ([6]): «Uma coisa é a renúncia ao direito de alimentos para futuro – que a lei proíbe e a que nenhuma validade reconhece.

Outra coisa é a renúncia a prestações já vencidas, que o credor não reclamou na altura própria e sem as quais acabou por viver».
Também Remédio Marques ([7]) salienta que sobre as prestações vincendas não é admissível qualquer tipo de renúncia, estando vedado ao credor de alimentos renunciar total ou parcialmente a prestações que no futuro se vençam.

O acordo verbal invocado, sem mais, corresponderia á renúncia parcial (ao valor que excedia os 500,00 USD quanto aos alimentos vincendos), a prestações que no futuro se venceriam enquanto se verificasse o circunstancialismo previsto (o que veio a ocorrer durante quase dois anos).

Temos, assim, que aquele acordo verbal não seria válido: para que vinculasse exequente e executado seria necessário que, vertido em escrito, fosse homologado (faltar-lhe-iam formalidades essenciais, daí a sua invalidade – art. 220 do CC); sem que isso ocorresse apenas nos defrontamos com um acordo referente a uma renúncia parcial e temporária de alimentos vincendos (nulo face aos arts. 2008 e 280 do CC).

A resposta à pergunta inicialmente feita é, assim, a de que um acordo vinculante teria de se traduzir num acordo homologado – pelo que, aqui, não poderia valer a regra do nº2 do art. 364 do CC.

Doutro modo apenas estaríamos perante aquela inválida renúncia temporária a parte das prestações vincendas – dada a sua nulidade seria inútil o prosseguimento dos autos para averiguar da sua ocorrência. A confissão provocada da exequente, nos termos do nº 2 do art. 356 do CC, não teria qualquer utilidade.

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IV – 3 – Defende o apelante que «mesmo que se admitisse que o acordo firmado verbalmente entre a exequente e o executado não era válido por falta de forma, tal não obstaria a que o direito que a exequente pretende fazer valer (e que formalmente lhe assistiria) fosse paralisado (inviabilizado) em virtude de o seu exercício ser ilegítimo por ser utilizado em manifesto abuso, ou seja, contra os ditames da boa fé (cfr. artigo 334.º do Código Civil)».

Vejamos:

Dispõe o art. 334 do CC que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Trata-se de uma figura correspondente a uma válvula de segurança para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico imperante em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito conferido pela lei; é genericamente entendido que existirá tal abuso quando, admitido um certo direito como válido, isto é, não só legal mas também legítimo e razoável, em tese geral, aparece todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.

Não se vislumbra, face ao entendimento supra expresso que a situação a que nos reportamos possa configurar abuso de direito – ou seja, que tenham sido ultrapassados os limites da boa fé de modo a que o direito a alimentos dos menores, com as características acima mencionadas, pudesse ser paralisado. Saliente-se, ainda, que nada aponta para que a “nulidade” por falta de forma haja sido provocada pela exequente, que com base numa situação de confiança por ela criada o opoente tenha tido um determinado comportamento.

Entendermos que ocorria abuso de direito corresponderia a frustrar e negar o direito a alimentos tal como ele é desenhado na lei.

Pelo que concluímos que não se verifica o alegado abuso.

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IV – 4 – Atentemos agora à argumentação expendida no sentido de a decisão recorrida conformar uma decisão-supresa.

Dispunha o nº 3 do art. 3 do CPC, dispondo identicamente o nº 3 do art. 3 do actual Código: «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».

Não nos parece que a decisão recorrida configure uma decisão-surpresa tendo em conta que o Tribunal de 1ª instância se manteve no âmbito da possibilidade de aplicação ao caso das hipóteses que a lei prevê como fundamento de oposição à execução baseada em sentença, face à factualidade alegada pelas partes – estamos, pois, perante a aplicação do direito relativamente àquilo que desde o início era objecto da discussão.
De qualquer modo, a admitir-se que tal teria sucedido, sempre estaríamos perante uma nulidade processual prevista pelo art. 201 do antigo CPC (e no art. 195 do actual Código) o qual preceitua: «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».

Por nulidades do processo entendem-se quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder, embora não de forma expressa, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais ([8]).

Saliente-se, todavia, que a nulidade do acto processual, de que cuida em geral o art. 201, se distingue das nulidades específicas das sentenças e dos despachos.

Admitindo que a não audição das partes se traduz numa nulidade processual prevista pelo art. 201 do CPC – que não numa nulidade da sentença que com aquela se não confunde e a que se não pode reconduzir – dispunha o apelante do prazo de 10 dias para a arguir junto do tribunal em que fora cometida, ou seja, junto do tribunal de 1ª instância, dela não cabendo directamente recurso para este tribunal, sem que aquele primeiramente a apreciasse, consoante resulta das disposições conjugadas dos arts. 205, nºs 1 e 3 e 153 do CPC ([9]).

Ora, tendo o apelante sido notificado da sentença – notificação com a qual se inteiraria do cometimento da nulidade processual, agindo com a devida diligência, nos termos da última parte do nº 1 do art. 205 do antigo CPC – com certificação Citius elaborada em 3-2-2015 (fls.99) só com a interposição de recurso em 9-3-2015 veio suscitar a questão referente à mencionada nulidade. Tal arguição é, pois, intempestiva para além de deslocada, não nos cabendo dela conhecer - a eventual nulidade sanara-se, aliás, por falta de oportuna arguição.

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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

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Lisboa, 2 de Julho de 2015

Maria José Mouro
Teresa Albuquerque                                                                      
Sousa Pinto


[1] Em «Curso de Processo de Execução», Almedina, 12ª edição, pag. 178, nota 290.
[2] No «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, Coimbra Editora, pag. 316.
[3]  Em «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, pag. 441.
[4] Em «Organização Tutelar de Menores», Quid Juris, 9ª edição, pag. 150.
[5] Em «Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos a Menores), 2ª edição, Coimbra Editora, pag. 110.
[6] No «Código Civil Anotado», Coimbra Editora, 1995, vol. V, pag. 589.
[7] Na obra citada, pag. 116 e nota 163.
[8] Anselmo de Castro, «Direito Processual Civil Declaratório», vol. III, pag. 103.
[9] Como refere Alberto dos Reis, no «Comentário ao Código de Processo Civil», vol. II, pag. 513, no que concerne à apreciação jurisdicional das nulidades «pode enunciar-se este princípio: quem julga é o tribunal perante o qual a nulidade ocorreu, ou o tribunal a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu».