Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7213/07 9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: A Portaria n.º 784/94, de 13 de Agosto, invocada pela D.G.V. nas instruções transmitidas às autoridades fiscalizadoras do transito, para a elaboração dos respectivos autos, ficou sem objecto, na medida em que, apesar de não ter sido revogada, tendo, pela mesma, sido aprovado o Regulamento do Controle Metrológico dos Alcoolímetros, visou este, então, e exclusivamente, dar satisfação ao previsto no art.º 1.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 12/90, de 14 de Maio, o qual, por sua vez, veio a ser expressamente revogado pelo art.º 15.º do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro, que se encontra actualmente em vigor.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – No 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Montijo, Processo Sumário n.º 381/07.7GELSB, onde é arguído P., foi este julgado e condenado como autor de um crime de “condução de veículo em estado de embriaguez”, p. p. nos termos dos artºs. 69.º, n.º 1, al. a), e 292.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de 5,00 €uros, havendo ficado ainda proibido de conduzir veículos com motor por um período de três meses.


Porém, com esta decisão não se conformou o Ministério Público, dela havendo interposto o presente recurso, o qual alicerçou no facto de o Tribunal “a quo” ter feito relevar na respectiva decisão, não a taxa registada pelo alcoolímetro, que foi de 1,40 g/l, mas a taxa de 1,30 g/l, que resultou da correcção sugerida pela D.G.V., através do ofício interno, relativamente às margens de erro máximas admissíveis nos aparelhos em causa, segundo as Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, quando é certo que, hoje, já não está legalmente prevista a referida margem de erro, face à caducidade, por falta de objecto, da respectiva Portaria n.º 784/94, de 13 de Agosto, que disciplinava o Decreto Regulamentar n.º 12/90, de 14 de Maio, este, por sua vez, revogado pelo art.º 15.º do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro.
Consequentemente, e porque alicerçada em pressupostos fácticos errados, considera o Ministério Público que, quer a pena de multa, quer a pena acessória de proibição de conduzir, haverão de ser agravadas.

Da motivação do respectivo recurso extraiu o Ministério Público as seguintes conclusões:
“(...)
I. O Decreto-Lei n.º 183/86, de 12 de Julho, criou o Instituto Português da Qualidade, enquanto organismo nacional responsável pelas actividades de normalização, certificação e metrologia, bem como pela unidade de doutrina e acção do Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, instituído pelo Decreto-Lei n.º 165/83, de 27 de Abril.
II. O Instituto Português de Qualidade, como coordenador do Sistema Português de Qualidade, é o organismo competente para reger a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.
III. Em termos regulamentares, rege o Decreto-Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro e a Portaria n.º 1006/98, de 30 de Novembro.
IV. A Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, que disciplinava o Decreto­ Regulamentar n.º 12/90, de 14 de Maio, caducou por falta de objecto, face à expressa revogação do Decreto-Regulamentar n.º 12/90 pelo artigo 15.º, do Decreto-Regulamentar n.º 24/98.
V. Assim sendo, não estando legalmente aprovada qualquer margem de erro prevista para aferir os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, obtidos através de aparelhos certificados, e no caso de dúvida sobre a autenticidade de tais valores e sobre a fiabilidade do aparelho, resta a realização de novo exame, por aparelho igualmente aprovado, ou a análise ao sangue.
VI. A aplicação de diploma legal regulamentador já não vigente no ordenamento jurídico representa não só uma quebra na unidade do sistema jurídico, como também uma renúncia à “justeza lógica” da ordem jurídica positiva.
VII. Em concreto, não foi suscitada dúvida sobre a autenticidade do valor registado inicialmente pelo aparelho de análise quantitativo de avaliação do teor de álcool no sangue, e mesmo sobre a fiabilidade deste último.
VIII. Ora, não existindo qualquer fundamento de facto ou de direito para a aplicação da margem de erro à taxa de alcoolemia detectada, a mesma não deveria ter sido aplicada ou sequer ponderada, pelo que se verifica uma desconformidade notória na apreciação da prova pelo Tribunal a quo, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
IX. Os elementos constantes do s autos permitem revogar a de cisão s obre a matéria de facto provada neste âmbito, sem necessidade de se determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mostrando-se suficiente que seja dado como provado o facto n.º 1 da douta sentença proferida com exclusão da alusão à margem de erro aplicável.
X. A procedência do presente recurso implica a alteração das medidas da pena principal e da pena acessória, atento o valor da taxa de alcoolemia com que o arguido foi encontrado a conduzir e que deve ser considerada a final - 1,40 g/l.
XI. Considerando os factores mencionados na douta sentença proferida para a aplicação da pena principal de multa, com cuja aplicação concordamos pelos motivos ali expressos, e da pena acessória de proibição de conduzir, entende-se que ao arguido deverá ser aplicada uma pena de multa de duração não inferior a 70 dias, e ser fixada a medida da duração da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por período temporal não inferior a 03 meses.

NORMAS VIOLADAS.
Artigos 40.º, 69.º, n.º 1, alínea a), 70.º, 71.º, e 292.º, n.º 1, todos do Código Penal, 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, 153.º, n.º 1, e 158.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código da Estrada, e o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado Procedente e, consequentemente, revogar-se parcialmente a douta Sentença, recorrida, substituindo-se por outra que:
a. Dê como provado, sob o facto n.º 1, que “No dia 20-05-2007, em hora não apurada, mas compreendida entre as 07H00M e as 07H53M, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 01-BR-21, marca Suzuki, modelo MZ Swift, na Rotunda das Portas da Cidade, Comarca do Montijo, tendo uma taxa de álcool no sangue de 1,40 g/l.”, com revogação do demais dado como provado em 1.ª instância relativamente a este facto;
b. Em consequência da alteração do facto supra citado, condene o arguido PEDRO MANUEL NEVES PITEIRA, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, em pena de multa não inferior a 70 dias, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), e na pena acessória de proibição de conduzir por um período temporal não inferior a 03 (três) meses. (…)”.

*
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
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Notificado o arguido da interposição do mesmo recurso, apresentou este a sua “resposta”, da qual extraiu as seguintes conclusões:
“(…)
I - A sentença recorrida não violou qualquer um dos dispositivos invocados pelo recorrente.
II - A sentença recorrida faz uma correcta aplicação do direito face aos factos dados como provados.
III - A medida concreta da pena é adequada e proporcional aos factos praticados pelo recorrido.
IV - O Tribunal a quo mais não fez do que respeitar o princípio da livre apreciação de prova.
V - Pelo que, se entende que a sentença recorrida não é merecedora de qualquer censura.
Em consequência deverá o presente recurso ser julgado improcedente devendo ser mantido o douto despacho a quo. (…)”.
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Neste Tribunal, e no que ao objecto do recurso diz respeito, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto apôs o seu “visto”.
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Não existem circunstâncias que obstem ao conhecimento do recurso, ao qual foram correctamente fixados o efeito e o regime de subida.
Não se impõe o conhecimento de outras questões prévias.
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2 - É o objecto do presente recurso o saber-se se, havendo o alcoolímetro acusado uma taxa de álcool no sangue de 1,40 g/l, poderia o tribunal “a quo” tê-la corrigido para 1,30 g/l, por força da informação posta a circular pela D.G.V., relativamente às margens de erro legalmente admissíveis nos respectivos aparelhos de análise de quantidade, e, bem assim, se a referida correcção teve reflexos directos na medida da pena.

Vejamos:
Realizado o julgamento, e na parte em que a mesma releva para o conhecimento do objecto do recurso, foi a seguinte a decisão proferida, em termos de matéria de facto:
“(…)
FACTOS PROVADOS:
1.º No dia 20/05/2007, em hora não apurada, mas compreendida entre as 07H00M e as 07H53M, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula … marca Suzuki, modelo MZ Swift, na Rotunda das Portas da Cidade, Comarca do Montijo tendo uma taxa de álcool no sangue de 1,40 g/l, a que corresponde uma taxa de 1,30 gramas de álcool por litro de sangue deduzido o erro máximo admissível.
2.º O arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia, sabendo também que tinha uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/litro e, não obstante quis conduzir o veículo na condição em que se encontrava.
3.º O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
4.º O arguido na altura em que foi controlado o arguido dirigia-se para casa tendo estado na noite antes numa festa de anos de um amigo.
5.º O arguido reside com os pais em casa destes contribuindo para as despesas domésticas com cerca de € 250 mensais.
6.º O arguido aufere na sua actividade como operário químico 700 € mensais;
7.º Paga 30 € por mês de aluguer de uma garagem.
8.º O arguido está arrependido da prática dos factos.
9.º O arguido não tem antecedentes criminais registados.
10.º Nenhuns outros factos resultaram provados.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
O Tribunal fundou a sua convicção na confissão integral e sem reservas do arguido, no talão de fls. 3 e no certificado do registo criminal junto aos autos, conforme fls. 12.
No que concerne às condições pessoais e sociais do arguido, teve-se também em conta as suas declarações. (…)”.
**
Sendo esta a decisão recorrida, e antes que se conheça do objecto do recurso, importa salientar, como resulta da acta de fls. 13, sgs., que as partes renunciaram à possibilidade de recurso em matéria de facto, ao prescindirem, de forma expressa, da documentação da respectiva prova.
Muito embora as Relações conheçam de facto e de direito, conforme se prevê no n.º 1 do art.º 428.º do C.P.P. - diploma onde se inserem as disposições legais a seguir citadas sem menção de origem -, certo é também que, à luz do seu n.º 2, e sem prejuízo do disposto no art.º 410.º, nºs. 2 e 3, a declaração referida no art.º 364.º, nºs. 1 e 2, ou a falta do requerimento previsto no art.º 389.º, n.º 2, e no art.º 391.º-E, n.º 2, vale como renúncia ao recurso da matéria de facto.
Porém, sempre se salvaguarda a possibilidade de conhecimento desta, quando se verifiquem os vícios previstos no art.º 410.º, nºs. 2 e 3.
Assim sendo, a matéria de facto encontra-se fixada, e segundo a imputação que foi feita ao arguido na respectiva acusação, isto é, que, no dia 20 de Maio de 2007, aquele conduzia um veículo automóvel, sendo portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,40 g/l, tendo actuado de forma determinada, livre e consciente.
Depois, resulta ainda da acta atrás referida que o arguido confessou os factos, tendo-o feito de forma livre, integral e sem reservas, o que, nos termos do art.º 344.º, n.º 2, al. a), implicou a renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e a consideração destes como provados.
Ora, foi considerado provado que “no dia 20/05/2007, em hora não apurada, mas compreendida entre as 07H00M e as 07H53M, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 01-BR-21, marca Suzuki, modelo MZ Swift, na Rotunda das Portas da Cidade, Comarca do Montijo tendo uma taxa de álcool no sangue de 1,40 g/l, a que corresponde uma taxa de 1,30 gramas de álcool por litro de sangue deduzido o erro máximo admissível”.
Por outro lado, e de acordo com a respectiva fundamentação, “o tribunal fundou a sua convicção (apenas!) na convicção integral e sem reservas do arguido e no talão de fls. 3 (…)”.
Sendo assim, porque nenhum elemento probatório lho permitia fazer, nunca o tribunal “a quo”, em sede de fundamentação da matéria de facto, poderia ter considerado provado que “a uma taxa de álcool no sangue de 1,40 g/l corresponde uma taxa de 1,30 g/l, deduzido o erro máximo admissível”.
E, ao fazê-lo, incorreu aquele no vício da “contradição insanável da fundamentação”, previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. b), de conhecimento oficioso, o qual se verifica “quando, de acordo com um raciocínio lógico, na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal” – Ac. do STJ de 6/10/1999 e 13/10/1999, in “A Tramitação Processual Penal”, 1058 – Tolda Pinto, ou, ainda segundo acordão do mesmo STJ, de 2/12/1999, Proc. n.º 1046/99, 5.ª Secção, “quando se dá como provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando, simultaneamente, se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão, tendo este vício de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum”.
Ora, se o tribunal recorrido alicerçou a sua convicção, para além da confissão do arguido (que, aqui, menos releva), no talão de fls. 3, então este regista uma taxa de 1,40 g/l, e, não, de 1,30 g/l!
Se o mesmo tribunal queria fazer relevar as instruções transmitidas pela D.G.V., no sentido de, a uma TAS de 1,40 g/l, fornecida pelo aparelho, ser feita corresponder uma TAS, corrigida em benefício do infractor, de, não 1,30 g/l, como foi feito constar da decisão recorrida, mas de 1,35 g/l, para se ser rigoroso, de acordo com as margens de erro indicadas pela referida D.G.V., então, era noutra sede que o deveria ter feito.
Incorreu, pois, o tribunal recorrido no vício em causa.

Porém, como bem diz o recorrente Ministério Público, a Portaria n.º 784/94, de 13 de Agosto, invocada pela D.G.V. nas instruções transmitidas às autoridades fiscalizadoras do transito, para a elaboração dos respectivos autos, ficou sem objecto, na medida em que, apesar de não ter sido revogada, tendo, pela mesma, sido aprovado o Regulamento do Controle Metrológico dos Alcoolímetros, visou este, então, e exclusivamente, dar satisfação ao previsto no art.º 1.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 12/90, de 14 de Maio, o qual, por sua vez, veio a ser expressamente revogado pelo art.º 15.º do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro, que se encontra actualmente em vigor.
Poder-se-á dizer, assim, que as atrás referidas instruções da D.G.V. são, hoje, legalmente infundadas, tanto mais que a Portaria n.º 1006/98, de 30 de Novembro, actualmente em vigor, complementando o referido Decreto Regulamentar n.º 24/98, referindo-se às características dos “analisadores quantitativos”, não prevê margens de erro, como se verificava na Portaria n.º 748/94, o que também não será de estranhar, tendo em conta os progressos tecnológicos entretanto verificados.
Entende-se, por isso, que não há fundamento legal para que, nos respectivos autos, sejam feitas constar as TAS registadas e as que resultam da aplicação da margem de erro indicadas pela D.G.V., pelo que o tribunal “a quo”, no caso dos autos, não deveria ter feito a opção que fez.
De qualquer modo, e para quem assim não pense, entendendo que a Portaria n.º 748/94 deverá continuar a ser considerada, e seguidas as instruções transmitidas pela D.G.V., fazendo-se constar dos respectivos autos as tais margens de erro máximas de TAS, há um dado que nunca pode deixar de ser ponderado: Fala-se aqui, apenas, de “possibilidades”, e, não, de realidades, as quais (possibilidades) haverão de ser consideradas no momento da fiscalização do condutor, e vertidas no respectivo auto, ainda que pela forma indicada pela D.G.V. na sua “Circular”.
O único dado novo trazido por esta mesma Circular prende-se com o facto de, agora, deverem os autos conter, quer a TAS registada, quer aquela que resulta da dedução do erro máximo previsto.
Porém, e uma vez que a respectiva margem de erro pode oscilar, tanto para mais, como para menos, ficou a faltar a orientação no sentido de dever ser, também, indicada a taxa máxima de álcool possível!
Assim, tal como se prevê no art.º 153.º do Cód. da Estrada, sendo o exame feito, primeiramente, através de “aparelho aprovado para o efeito”, e, fazendo-se, ou não, constar do respectivo auto as referidas TAS, segundo as margens de erro possíveis, a verdade é que, sendo o resultado do teste positivo, ao respectivo condutor sempre assistirá a possibilidade de efectuar a contraprova, e, assim, obter dados que se lhe ofereçam como mais convincentes.
Se não a requer, como devia, na eventual defesa dos seus interesses, e diz-se eventual porque a TAS sempre poderá vir a ser apurada em valor superior àquele que foi inicialmente registado pelo aparelho, e se aquela, com, ou sem indicação da margem de erro, é igual ou superior a 1,20 g/l, a discussão dos factos haverá de ser feita, agora, em sede de julgamento, onde o arguido, para quem ainda defende a vigência da Portaria n.º 748/94, tem uma nova oportunidade de questionar a mesma TAS, invocando, se o desejar, a possibilidade de erro indicada pela D.G.V., disso se valendo para, eventualmente, criar um sentimento de dúvida no espírito do julgador.
Não o fazendo também aqui, aceitando, até por confissão, como se verificou no caso dos autos, os factos que lhe foram imputados, designadamente a TAS registada pelo aparelho, o juiz não pode deixar de decidir de acordo com a prova produzida, condenando o arguido pela prática do respectivo crime.
Ao não decidir dessa forma, o tribunal estará sempre a fazer relevar factos que não foram discutidos em julgamento, e, consequentemente, que não poderão ser considerados provados.
Assim, reportando-nos ao caso dos autos, quem disse que o arguido, caso tivesse sido submetido a contraprova, não acusava uma TAS, igual, ou superior àquela que foi registada pelo aparelho? É que, importa salientá-lo, a “instrução” transmitida pela D.G.V., para além de não passar disso mesmo, e de, consequentemente, não se impor às autoridades judiciárias, como se entende, pelas razões atrás já expendidas, também peca por defeito, quando impõe que dos respectivos autos sejam feitos constar, apenas, os valores de TAS registados pelos aparelhos, e os resultantes da dedução da margem máxima de erro prevista.
Ora, se os mesmos aparelhos podem registar valores errados, esse erro tanto pode ocorrer para menos, como para mais daquele que é primeiramente indicado, e, sendo assim, porque não são, então, todos feitos constar do respectivo auto?
Não é correcto afirmar-se, como se faz na respectiva “Circular”, que a eventual falta de exactidão “apenas pode funcionar em benefício dos infractores”!
Imagine-se que, mesmo fazendo-se relevar a dedução da margem máxima de erro indicada, e só esta, um qualquer condutor não se conforma com o resultado oferecido pelo aparelho, e requer a realização da contraprova.
Então, se o resultado desta for superior ao anteriormente obtido, não pode o mesmo ser feito relevar para efeitos de punição? É óbvio que este entendimento não pode ser sufragado, como bem resulta da previsão do art.º 153.º, n.º 6, do Cód. da Estrada!
A “Circular” em causa, salvo melhor opinião, sempre haveria de ser entendida no sentido de, ante um exame feito à TAS pelo alcoolímetro disponibilizado ao agente autuante, tendo em conta a margem de erro supostamente admissível no mesmo, do respectivo auto de notícia serem feitos constar, quer o valor registado pelo referido alcoolímetro, quer os valores resultantes da dedução e acréscimo àquele da referida margem de erro.
Depois, se o aparelho regista uma TAS que, deduzida da margem máxima de erro, é inferior a 0,50 g/l, não deverá ser levantado qualquer auto, compreendendo-se que, aqui, a eventual falta de exactidão reverta em favor do condutor, já que a diminuta taxa de álcool no sangue, ainda que acrescida da margem máxima de erro, não justificam outras diligências e despesas, designadamente novos exames.
Se, pese embora a referida dedução, a TAS é igual ou superior a 0,50 g/l, mas inferior a 1,20 g/l, havendo o arguido de ser sempre punido pela contra-ordenação, e porque esse é um facto de relevo para a determinação da respectiva sanção, pode este requerer a realização de contraprova.
Se o fizer, haver-se-á de conformar, depois, com o respectivo resultado, como se prevê no atrás citado art.º 153.º, n.º 6.
Se o não fizer, o valor de TAS a considerar haverá de ser o que tiver advindo do exame inicial, efectuado através do alcoolímetro, o qual, como se referiu, também poderá oferecer resultados correctos. Aliás, é essa a presunção que, inequivocamente, resulta do citado art.º 153.º!
Sendo a TAS igual ou superior a 1,20 g/l, havendo o arguido de ser sempre punido pela prática do respectivo crime, e não tendo requerido, antes, a contraprova, restar-lhe-á, ainda, a possibilidade de, em sede de julgamento, questionar o valor de TAS registado pelo aparelho aprovado para o efeito, aquando do exame inicial, tentando fazer relevar, para menos, a margem máxima de erro prevista para o caso, e beneficiar, eventualmente, dos proveitos advindos do “P.º in dubio pro reo”, já que não é possível, nesta fase, obter a contraprova.
Se não questiona o valor de TAS registado pelo alcoolímetro, este facto haver-se-á de ter, sem mais, como comprovado, enquanto resultado do exame inicial, e o julgador haverá de proferir a respectiva decisão de acordo com o mesmo.
Assim sendo, e no que ao caso dos autos importa, qualquer das vias conduziria ao mesmo resultado, isto é, o valor a considerar é sempre o de 1,40 g/l.
O arguido não requereu a contraprova, quando podia fazê-lo, e, em julgamento, confessou os factos, designadamente a TAS registada pelo alcoolímetro.
Por isso, era imposto ao Mm.º Juiz recorrido, dando a referida factualidade como comprovada, proferir a correspondente decisão condenatória, o que não fez.
E, porque assim é, e também com o fundamento no vício da contradição insanável da fundamentação, haverá de ser concedido provimento ao recurso.

3 - Nestes termos, e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos Juízes, em audiência, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra, que, aplicando o direito aos factos que foram considerados provados, designadamente, que o arguido circulava com uma taxa de álcool de 1,40 g/l, o condene em pena adequada, pelo crime de “condução de veículo em estado de embriaguez”.
Sem custas.