Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7889/2007-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO PROVOCADA
CORRECÇÃO OFICIOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/31/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- O incidente da intervenção principal provocada não se destina a acobertar as situações em que o réu pretende fazer-se substituir por quem ele pensa que é o autor do facto danoso, pois quem escolhe os agentes processuais é o autor da acção: por isso, a legitimidade das partes se afere pela forma como ele configura a relação material controvertida.
II- Para justificar a intervenção provocada acessória não basta um simples direito de indemnização contra um terceiro, tornando-se ainda necessário que exista uma relação de conexão entre o objecto da acção pendente e o da acção de regresso
III- Embora a parte tenha deduzido incidente de intervenção principal provocada, nada obsta a que o tribunal proceda à correcção oficiosa da forma incidental desde que o requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental adequada ao caso.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
      Relatório
      (A) intentou, em 8 de Janeiro de 2007, contra (Y), Limpezas Técnicas SA e(X), SA acção com processo comum, pedindo que:
1. seja declarada a ilicitude do despedimento do autor, com as legais consequências;
2. as rés sejam condenadas a pagar ao autor, as retribuições que este deixou de auferir desde a data de 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão judicial;
3. as rés sejam condenadas a pagar ao autor, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial;
4. as rés sejam condenadas a pagar ao autor, as seguintes quantias:
a) € 1200,00 a título de férias e respectivo subsídio;
b) € 400,00 correspondentes a 20 dias de salário do mês de Janeiro de 2006, acrescidas de juros mora desde a citação até integral pagamento.
      Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte:
- foi admitido ao serviço da l.a ré, no dia 19 de Março de 2005 para exercer as funções inerentes à categoria de jardineiro, nas instalações do Ministério da Defesa, Base aérea n°6 do Montijo, sob as ordens direcção e fiscalização desta, auferindo o salário mensal de € 600,00, tendo, para tanto celebrado com aquela um contrato de trabalho, por tempo indeterminado;
- no dia 20 de Janeiro de 2006, quando se apresentou no local de trabalho, o autor, foi impedido de exercer a sua actividade;
- com efeito, por informação escrita datada de 1 de Fevereiro de 2006, a 1.a ré, informa o autor, que o respectivo contrato de trabalho, transitou para a empresa detentora do contrato de prestação de serviços de jardinagem, 2.a ré, ao abrigo da cláusula n° 17a, do CCTV aplicável;
- todavia, a 2.a ré, não aceita o autor, não aceitando a posição contratual que o mesmo detinha com a 1.a ré, impedindo-o de exercer as respectivas funções;
- a atitude da ré, ao prescindir dos serviços do autor, consubstancia a prática de um despedimento ilícito, nos termos dos arts. 439.° e 430.° do Cód. Trab., com as consequências legais previstas no presente diploma, porquanto não foi precedido de processo disciplinar nem ocorreu justa causa;
- o autor opta desde já pela indemnização a que alude o art. 439.° n° 1 e 2 do Cód. Trab.;
- o autor reclama das rés o pagamento das férias vencidas e não gozadas, bem como o respectivo subsídio no valor de € 1200,00
- por outro lado, as rés na data da cessação do contrato, não pagaram ao autor, 20 dias do salário do mês de Janeiro de 2006, no valor de € 400,00.
      Realizada, a audiência de partes e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação das rés para contestarem.
      Apenas contestou a ré(X) , SA concluindo pela improcedência da acção, quanto a ela.
      Na contestação requereu a intervenção provocada de (H) – Instalação, Manutenção e Limpeza de Espaços Verdes, S.A. e (S) – Centro de Jardinagem, Lda.
      Para tal alegou que:
- em 16 de Janeiro de 2006, celebrou com a Base Aérea nº 6 no Montijo, um contrato de prestação de serviços, tendo por objecto a manutenção de espaços verdes a efectuar nas instalações da referida unidade militar;
- este contrato foi celebrado pelo prazo de um ano com início em 1 de Janeiro de 2006 e termo em 31 de Dezembro de 2006;
- de imediato celebrou com a (H) um contrato de subempreitada referente à manutenção dos espaços verdes a Base Aérea nº 6;
- assim desde o início dos serviços contratualizados foram estes efectivamente prestados pela (H) com equipamento seu e pessoal por si contratado;
- o contrato celebrado com a (H) manteve-se em vigor até 31 de Outubro de 2006;
- todavia, de imediato, celebrou idêntico subcontrato com a (S) em virtude do que, entre 1 de Novembro de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 os referidos serviços de manutenção foram prestados pela (S) com equipamento seu e pessoal por si contratado;
- donde a ser verdade que o contrato de trabalho transitou para a empresa detentora do contrato de prestação de serviços de jardinagem, como afirma a autora, as inerentes responsabilidades terão de recair sobre a (H), de 1 de Janeiro de 2006 até 31 de Outubro de 2006 e sobre a (S) desde 1 de Novembro de 2006 até 31 de Dezembro de 2006 e não sobre ela ré que não chegou nunca a prestar o serviço em questão e nunca para a mencionada Base deslocou pessoal seu.
      Não foi deduzida oposição ao incidente
      Foi em seguida proferido o seguinte despacho:
      Veio a ré Jardimagem, na sua contestação, requerer a intervenção provocada de:
      - (H) – Instalação, Manutenção e Limpeza de Espaços Verdes, S.A.,
      - (S) – Centro de Jardinagem, Lda.
      Para tanto, alega sucintamente que celebrou comas chamadas contratos de sub-empreitada dos serviços de jardinagem que havia assumido, através de um contrato de prestação de serviços celebrado com a Base Aérea do Montijo.
      Assim, a ser verdade que o contrato de trabalho do autor celebrado com a ré (Y) transitou para a Jardinagem, as inerentes responsabilidades terão de recair sobre as chamadas, durante os períodos em que duraram as subempreitadas, pela circunstância de terem sido estas empresas que executaram os serviços de manutenção de espaços verdes, para tanto recorrendo a pessoal por si contratado e trabalhando sob a sua autoridade e direcção.
      Devidamente notificadas, as restantes partes nada disseram.
      Cumpre apreciar e decidir.
      Dispõe o art.325º do CPC, que qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
      Ora, no caso concreto, alega o autor que foi admitido ao serviço da ré (Y), em 19 de Março de 2005.
      Sucede que, em 1 de Fevereiro de 2006, a ré, informou-o que o respectivo contrato de trabalho tinha transitado para a empresa detentora do contrato de prestação de serviços de Jardinagem a ora 2ª ré.
      Surgem assim como entidades patronais do autor, numa relação de sucessão, as demandadas.
      Por isso mesmo, estas têm todo o interesse em contradizer a presente acção.
      Já as subempreiteiras que a Ré Jardinagem pretende chamar, são meros sujeitos de uma relação jurídica que nada tem a ver com o autor. Nem sequer é alegado, que as mesmas tenham sucedido à posição contratual da Jardinagem.
      Logo, as mesmas não têm qualquer interesse em contradizer, porque não sofrerão qualquer prejuízo com a eventual procedência da acção.
      Assim, não há fundamento para as mesmas serem chamadas aos presentes autos.
      Face a todo o exposto, pela não verificação dos requisitos previstos pelo art. 325.º do CPC., indefere-se a requerida intervenção provocada.
      Custas pela requerente.
      Notifique.
      Inconformada com esta decisão da mesma interpôs recurso a ré contestante, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)
      Apenas contra-alegou o autor que se pronunciou pela manutenção da decisão recorrida.
      Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
      Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
      No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
      A questão colocada no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684º, nº 3, 690º, nº 1 e 713º, nº 2 do Cód. Proc. Civil – prende-se com a admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada, incidente de intervenção de terceiros previsto nos arts. 325.º a 329.º do Cód. Proc.Civil.
      Fundamentação
      Os factos relevantes para apreciação da questão que nos ocupam são os constantes do Relatório.
      O princípio da estabilidade dos elementos essenciais da instância (sujeitos, pedido e causa de pedir) alcançado por efeito da citação, nos termos do disposto nos artigos 481.º alínea b) e 268.º do Cód. Proc. Civil, comporta modificações. Assim, a instância pode modificar-se, quanto às pessoas, em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio, ou em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros, como é o caso do incidente de intervenção principal provocada – art. 270.º
      Este incidente permite a modificação subjectiva da instância por iniciativa de qualquer das partes e é admissível quando qualquer das partes pretenda fazer intervir na causa um terceiro como seu associado ou como associado da parte contrária, ou seja, quando qualquer das partes deseje chamar um litisconsorte voluntário ou necessário – art. 325.º nº 1 - e quando o autor queira provocar a intervenção de um réu subsidiário contra quem queira dirigir o pedido – art. 325.º nº 2 e 31º-B) – (Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 182).
      Dispõe o nº 1 do art. 329.º do Cód. Proc. Civil que o chamamento de condevedores ou do principal devedor, suscitado pelo réu que nisso mostre interesse atendível, é deduzido obrigatoriamente na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, no prazo em que esta deveria ser apresentada.
      O nº 2, do citado artigo refere que, tratando-se de obrigação solidária e sendo a prestação exigida na totalidade a um dos condevedores, pode o chamamento ter ainda como fim a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir assistir.
      Tendo presente o condicionalismo legal acabado de enunciar, não pode deixar de concordar-se com o entendimento seguido no despacho recorrido no tocante à inadmissibilidade do incidente de intervenção principal provocada.
      Com efeito, a relação jurídica em que se funda o incidente de intervenção de terceiros em causa, ou seja os contratos de subempreitada celebrados com a (H) e a (S), chamadas a intervir é perfeitamente autónoma do contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré (Y) que se transmitiu para a agravante por força do disposto na cláusula 17.ª do IRCT aplicável ao sector, que, juntamente com a violação contratual, constitui a causa de pedir nesta acção, não permitindo, assim, configurar uma situação de litisconsórcio, necessário ou voluntário, entre a agravante e as chamadas a intervir.
      O que se colhe do teor do requerimento de intervenção da agravante é que quem deve responder pela referida violação contratual são as chamadas a intervir a quem a agravante deu de subempreitada a prestação de serviços que celebrou com a Base Aérea nº 6, tendo por objecto a manutenção de espaços verdes a efectuar nas instalações da referida unidade militar.
      Sucede que o incidente da intervenção principal provocada não se destina a acobertar as situações em que o réu pretende fazer-se substituir por quem ele pensa que é o autor do facto danoso, pois quem escolhe os agentes processuais é o autor da acção: por isso, a legitimidade das partes se afere pela forma como ele configura a relação material controvertida.
      Destarte, não nos merece censura a decisão agravada, pois não é possível admitir-se as chamadas a intervirem nos autos como associadas da agravante.
      De admitir antes seria, a existência de direito de regresso da agravante sobre as chamadas, como de resto, aquela acaba por admitir, na primeira das alíneas i) das conclusões do recurso, o que sustentaria o incidente de intervenção provocada acessória previsto nos arts. 330.º a 333.º do Cód. Proc. Civil.
      Estabelece o art. 330.º, nº 1, do Cód. Proc. Civil que o réu que tenha acção de regresso contra um terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal, permitindo o art. 332.º, nº 3, que os chamados possam suscitar sucessivamente o chamamento de terceiros.
      Este incidente visa permitir a participação de um terceiro perante o qual o réu possui, na hipótese de procedência da acção, um direito de regresso. Para justificar esta intervenção não basta um simples direito de indemnização contra um terceiro, tornando-se ainda necessário que exista uma relação de conexão entre o objecto da acção pendente e o da acção de regresso - art. 331º nº 2 do Cód. Proc. Civil in fine. E essa conexão está assegurada sempre que o objecto da acção pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro (Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 178 e 179).
      Com este incidente o réu obtém, não só o auxílio do chamado, como também a vinculação deste à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso - art. 332º nº 4 do Cód. Proc. Civil -, direito que não coincide com o conceito de direito de regresso inserto nos arts. 497.º nº 2, 521.º nº 1 e 524.º do Cód. Civil e que pode derivar de lei expressa, de contrato ou de acto ilícito gerador de responsabilidade civil, tal como acontecia com o suprimido incidente de chamamento à autoria (Acs STJ de 16.12.87, BMJ 372 pág. 385 e de 31.03.93, BMJ 425 pág. 473).
      Neste quadro, alegando a agravante que não chegou a prestar o serviço objecto do contrato de prestação de serviços celebrado com a Base Aérea nº 6 no Montijo e que nunca para a mencionada Base deslocou pessoal seu uma vez que deu sucessivamente de subempreitada esses serviços, primeiro à (H) e depois à (S) que prestaram o serviço em causa com equipamento seu e pessoal por si contratado, perdida a demanda, tem acção de regresso contra aquelas com vista à realização do direito subjectivo a indemnização ou a restituição correspondente ao prejuízo derivado da perda da acção.
      Está, assim, configurado um direito de indemnização com viabilidade e conexo com o objecto da relação controvertida na presente acção, justificando-se a intervenção acessória provocada das chamadas, as quais, não podendo ser condenadas nesta acção, ficarão vinculadas ao caso julgado da sentença a proferir no tocante aos pressupostos de que depende o direito de regresso da agravante, autora do chamamento - arts. 331.º nº 2 e 332.º nº 4 do Cód. Proc. Civil.
      Embora a agravante tenha deduzido incidente de intervenção principal provocada, nada obsta a que o tribunal proceda à correcção oficiosa da forma incidental desde que o requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental adequada ao caso.
      Reconhece-se que este entendimento não é unânime na jurisprudência.
      No entanto, como se entendeu no acórdão desta Relação proferido no agravo nº 745/04, da 6.ª secção, disponível em www.dgsi.pt, a reforma do processo civil veio claramente permitir-se a opção por soluções que privilegiam aspectos de ordem substancial, em detrimento das questões de natureza meramente formal.
      Lê-se nesse acórdão o seguinte:
      É dever do juiz providenciar pelo andamento regular e célere do processo, “sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes” (art. 265º, nº 1 do CPC).
      Por outro lado, ao juiz incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, "quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer", (cfr. n.º 3 do mesmo artigo).
      O princípio da adequação formal, determinando a prática oficiosa dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, "quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa" (art. 265º-A, do CPC), encontra aplicação, designadamente, na hipótese de modificação subjectiva da instância decorrente de intervenção acessória.
      Por último, há que trazer à colação, o princípio da cooperação, previsto no art. 266º, nº 1 do CPC, que tem por finalidade a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio, visando, por um lado, o apuramento da verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, a obtenção da adequada decisão de direito; e, por outro o da cooperação em sentido formal, com vista à obtenção, sem dilações inúteis, das condições para que essa decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as exigências do processo.
      Sendo, no caso vertente, aproveitável o requerimento em que se deduziu o incidente de intervenção principal provocada para o incidente de intervenção acessória, que é o próprio, atenta a ritologia estabelecida nos arts. 331º a 333º do Cód. Proc. Civil, impõe-se a admissão deste incidente.
      Procede, assim, a conclusão contida na primeira alínea i), improcedendo as demais.
      Decisão
      Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, admitindo o incidente deduzido como de intervenção acessória provocada e determinando que os autos prossigam os termos subsequentes previstos no art. 332º do Cód. Proc. Civil, nessa medida revogando o despacho recorrido.
      Não são devidas custas.
      Lisboa, 31 de Outubro de 2007


      Isabel Tapadinhas
      Natalino Bolas
      Leopoldo Soares