Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SOUSA PINTO | ||
Descritores: | RECURSO PENAL PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ACLARAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/26/2011 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | DEFERIDA | ||
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Sumário: | I - Com as alterações ao Código de Processo Civil introduzidas pelo Dec.-Lei n.º303/2007, de 24/08 (que introduziu um novo regime de recursos), passou a prever-se que no caso de a causa admitir recurso ordinário, o requerimento de aclaração ou esclarecimento deve ser formulado na alegação de recurso (art.º 669.º, n.º 3). II - Por via dele o recorrente vê-se forçado “a impugnar por via de recurso uma decisão em que o sentido dos fundamentos e/ou da parte decisória oferecem dificuldades de percepção ou a que é possível atribuir vários sentidos.” III - Tal modificação vem trazer, no que ao processo penal respeita, uma manifesta e quanto a nós intolerável situação de ambiguidade e incerteza relativamente à matéria de que se pretende recorrer, pois que no caso de indeferimento do requerimento ficaria o arguido com o prazo para recorrer encurtado, senão mesmo esgotado, e sem possibilidade de recorrer desse despacho (art.º670.º, n.º 2). IV – Será assim inconstitucional, “por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correcção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão”. V – Dessa forma, há pois que interpretar adequadamente os citados arts.380.º e 411.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, harmonizando-os com a nossa Lei Fundamental (com respeito, designadamente pelo seu art.º32.º), sendo que os princípios da segurança jurídica e do efectivo direito ao recurso impõem que, em sede de processo penal, o prazo para a interposição do recurso se conte a partir da notificação da decisão consolidada, ou seja, da decisão que recaiu sobre o pedido de correcção. (Sumário da autoria do subscritor da decisão) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | 1. A..., deduziu a presente reclamação contra o despacho proferido no processo n.º 275/08 do 2.º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira que não admitiu o recurso que havia interposto da sentença condenatória do arguido, ora reclamante, por ter considerado extemporânea a sua apresentação. Defende o reclamante, entre outras questões, que tendo havido um pedido de aclaração da sentença o prazo para o recurso da mesma apenas se poderia iniciar após a notificação que lhe fosse feita do despacho que apreciasse tal pedido. 2. Com relevância para a apreciação da presente reclamação temos os seguintes factos: - Em 11 de Março de 2011, foi lida e seguidamente depositado na secretaria a sentença proferida nos presentes autos; - Em 21 de Março de 2011 de 2011, o ora Reclamante apresentou requerimento solicitando a aclaração de tal sentença; - Em 4 de Abril de 2011, foi proferido despacho indeferindo o pedido de aclaração, o qual foi notificado ao ora Reclamante por carta registada remetida em 5 de Abril de 2011; - O arguido, ora Reclamante, apresentou o seu recurso e respectiva motivação em Tribunal no dia 10 de Maio de 2011; - Por despacho de 9 de Setembro de 2011, não se admitiu o recurso interposto pelo arguido, por se ter considerado o mesmo intempestivo. 3. Atenta a factualidade dada como assente, entendemos assistir razão ao reclamante. Vejamos. A alínea b), do n.º 1, do art.º 380.º, do Código de Processo Penal reza assim: “1. O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando: (…) b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.” A questão que se coloca é a de saber se face à apresentação dum pedido de aclaração da sentença, o prazo para o recurso se conta, ou não, a partir da notificação do despacho que aprecia tal requerimento. Afigura-se-nos que a resposta será positiva. Vínhamos entendendo (vide Reclamação n.º 1037/02-5, deste Tribunal) que não estando nós perante situação que expressamente a lei processual penal definisse como passível ou insusceptível de recurso (veja-se o art.º 400.º do Código de Processo Penal), teríamos de nos socorrer do que a tal propósito estabelecia o Código de Processo Civil, “ex vi” do art.º 4.º do Código de Processo Penal, pois que se é certo que o Código de Processo Penal tem norma própria quanto à previsão da existência de possíveis ambiguidades ou obscuridades (o apontado art.º 380.º), não é menos verdade que não estabelece o regime processual que lhes deve estar inerente, designadamente o momento processual a partir do qual deve contar-se o prazo para o recorrente recorrer. Ora, no que ao caso da apreciação dos pedidos de aclarações respeitava, rezava assim o n.º 1, do art.º 686.º do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Dec.-Lei 303/2007, de 24/08, aplicável aos processos que tivessem dado entrada até 31 de Dezembro de 2007): “1. Se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos do artigo 667º e do nº 1 do artigo 669º, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento.” Sucede porém que este regime veio a sofrer alterações com a entrada em vigor do apontado Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24/08, o qual através do seu art. 9.º revogou o at.º 686.º do Código de Processo Civil. Nesta conformidade, através desse diploma passou a prever-se que no caso de a causa admitir recurso ordinário, o requerimento de aclaração ou esclarecimento deve ser formulado na alegação de recurso (art.º 669.º, n.º 3). Por via dele o recorrente vê-se forçado “a impugnar por via de recurso uma decisão em que o sentido dos fundamentos e/ou da parte decisória oferecem dificuldades de percepção ou a que é possível atribuir vários sentidos.”[1] Ora, tal modificação vem trazer, no que ao processo penal respeita, uma manifesta e quanto a nós intolerável situação de ambiguidade e incerteza relativamente à matéria de que se pretende recorrer, pois que no caso de indeferimento do requerimento ficaria o arguido com o prazo para recorrer encurtado, senão mesmo esgotado, e sem possibilidade de recorrer desse despacho (art.º 670.º, n.º 2). A solução não poderá ser pois essa, razão pela qual nos encontramos em perfeita sintonia com o decidido no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 16/2010,de 12/01/2010, Processo 142/09, onde se pode ler: “O pedido de correcção da sentença surge porque o seu destinatário (arguido) a considera errónea, obscura ou ambígua. Até ser proferida decisão quanto a esse pedido, o requerente está (ou pode estar) colocado num estado de incerteza quanto aos termos finais da sentença em relação à qual tem que definir o seu interesse em recorrer e, na hipótese afirmativa, conformar o teor do seu recurso. O mesmo é dizer que, em determinadas circunstâncias, o resultado daquele incidente pós-decisório, qualquer que ele seja, é condicionante do adequado exercício do direito ao recurso, pois mesmo que o pedido de correcção venha indeferido, só com o conhecimento desta decisão poderá o arguido estar certo do alcance da sentença de que recorre e, consequentemente, construir a sua defesa em sede de recurso (ou até, decidir se toma, ou não, essa iniciativa processual). Só nesse momento, o arguido fica certificadamente, e em definitivo, na posse de todos os dados a ponderar na determinação da sua vontade, quanto ao se e ao modo do exercício do direito ao recurso. 11 — Em face desta projecção da decisão quanto ao pedido de correcção sobre a efectivação do direito ao recurso, reconhecer-se-á, sem dificuldade, que a solução que, em grau máximo, preserva a garantia constitucional é a de estabelecimento de uma tramitação sucessiva, sem sobreposições temporais. Solução que exigiria que o termo inicial para a contagem do prazo de recurso viesse dado pela notificação da decisão do pedido de correcção da sentença de que se pretende recorrer. (…). Neste juízo, não pode ignorar -se que, na sua formulação geral e abstracta, a interpretação normativa em causa é susceptível de abranger situações em que o arguido é colocado numa posição real de impossibilidade de formular adequadamente o seu recurso (ou até de tomar a decisão de recorrer, ou não), por desconhecer os contornos e a extensão exacta da decisão objecto desse recurso. Por isso mesmo, a interpretação sub juditio não pode partir do pressuposto de que apenas são abrangidos casos em que o conhecimento da decisão sobre o pedido de correcção da sentença é absolutamente irrelevante para o exercício do direito ao recurso. Tendo exclusivamente na mira as situações de aproveitamento abusivo, com intuitos dilatórios, de uma previsão de incidentes pós-decisórios, o legislador, nesta interpretação, acaba por penalizar os arguidos para quem o conhecimento da decisão quanto ao pedido de correcção (e, com ele, da configuração última da sentença) é, genuinamente, condição de um adequado exercício do direito ao recurso. Isso mesmo é reconhecido pelo Ministério Público, quando refere, nas respectivas alegações, que «em casos extremos, se essa correcção levar a que a motivação do recurso perca algum sentido, então terá de ser dada oportunidade ao arguido para alterar essa motivação, adequando -a à decisão corrigida». E o mesmo pensamento está subjacente ao legislador da reforma dos recursos em processo civil de 2007, quando prevê a possibilidade de abertura de novo contraditório, nos termos do artigo 670.º, n.os 3 e 4, do CPC, acima referido. Uma “válvula de escape” deste tipo permite atender suficientemente ao interesse em combater dilações totalmente injustificadas, pois, nos casos (presumivelmente os mais numerosos) em que o teor da decisão sobre o pedido de correcção da sentença vem revelar que o seu conhecimento era irrelevante para a formulação do recurso, não há qualquer alongamento do prazo para recorrer. Mas, ao mesmo tempo, não deixa sem protecção as situações, que não podem ser desconsideradas, em que se verifica o inverso. A incerteza existente, quanto à relevância da decisão sobre o pedido de correcção, no momento da sua interposição, e só desfeita no momento em que ele é decidido, não paralisa desnecessariamente o ritmo processual normal, mas também não obstaculiza o exercício adequado do direito ao recurso. O que se consegue facultando ao arguido, a posteriori, quando tal se justifica, e em excepção ao princípio da preclusão, um ajustamento do recurso aos termos finais da sentença corrigida. Solução que, é certo, acarreta para o arguido o ónus suplementar de reformulação de uma peça processual já apresentada. Mas esse é um ónus claramente não excessivo, em face das vantagens associadas. Simplesmente, é tudo menos certa a aplicabilidade desta solução em processo penal. Ela só poderia afirmar -se ao abrigo do princípio geral do contraditório ou de juízo interpretativo que considere supletivamente aplicável a regra do artigo 670.º, n.º 3, do CPC ao processo penal. Não cabe a este Tribunal Constitucional tomar posição, por se tratar de aplicação de norma no plano do direito ordinário. Cumpre apenas chamar a atenção para que a disciplina dos prazos processuais constitui matéria de direito estrito, por razões óbvias de segurança e certeza jurídicas. Faz -se aqui sentir, com redobrada intensidade, o princípio da determinabilidade da lei. E no âmbito do processo penal, em que o direito ao recurso é uma das garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas ao arguido, qualquer esbatimento da segurança jurídica quanto à disciplina da articulação entre um pedido de correcção e o direito ao recurso é de molde a comprometer a efectividade deste. Ora, a aplicação supletiva de normas de processo civil está dependente do juízo, sempre sujeito a controvérsia, como, aliás, já se verificou neste campo, da existência ou não de uma lacuna. Pode duvidar-se ser esse o caso, atenta a exaustiva regulação dos recursos em processo penal, contida no respectivo código. Por outro lado, a questão de saber qual o momento a partir do qual se conta o prazo para recorrer não pode ficar dependente de interpretações que convoquem princípios jurídicos. Estes não nos dão, de forma acabada e imediata, uma solução do caso, apenas apontam o sentido da solução a construir por mediação judicial. Só uma regra de fixação precisa do termo inicial do prazo de recurso, quando requerida uma aclaração ou correcção da sentença, de aplicação certa em processo penal e dotada de um conteúdo que preserve a utilidade, para efeitos da interposição e da formulação do recurso, em todos os casos, do conhecimento do despacho que recair sobre aquele pedido, se apresenta capaz de cumprir satisfatoriamente as exigências de conformação do direito ao recurso em termos compatíveis com a garantia constitucional. Não pode considerar-se que as normas dos artigos 380.º e 411.º, n.º 1, do CPP, na interpretação em juízo, contentem todas estas condições. Tal como formulada, sem qualquer resguardo adaptativo, ela, ainda que na prossecução de um interesse legítimo, sacrifica desnecessária e excessivamente a efectividade do direito ao recurso — uma garantia pessoal do arguido, revestida de toda a força jurídico -constitucional que às garantias desta natureza cabe. Em suma, a interpretação questionada, segundo a qual o prazo para interposição do recurso continua a correr, a partir do termo inicial fixado no artigo 411.º, mesmo quando o arguido requeira a correcção da sentença ao abrigo do artigo 380.º do CPP, é inconstitucional, por revelar uma estruturação do processo penal incompatível com o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da lei Fundamental. III — Decisão Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide -se: a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correcção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão. b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.” Desta forma, face ao que se deixa exposto, há pois que interpretar adequadamente os citados artgs. 380.º e 411.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, harmonizando-os com a nossa Lei Fundamental (com respeito, designadamente pelo seu art.º 32.º), sendo que os princípios da segurança jurídica e do efectivo direito ao recurso impõem que, em sede de processo penal, o prazo para a interposição do recurso se conte a partir da notificação da decisão consolidada, ou seja, da decisão que recaiu sobre o pedido de correcção. Assim, dúvidas não subsistem de que a presente Reclamação terá de proceder, revogando-se o despacho que não admitiu o recurso por extemporaneidade, o qual deverá ser substituído por outro que o admita. 4. Assim, defere-se a reclamação e revogando-se o despacho reclamado, determina-se que o mesmo seja substituído por outro que admita o recurso. Sem custas. Notifique. Lisboa, 26 de Outubro de 2011 José Maria Sousa Pinto (vice-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa) --------------------------------------------------------------------------------------- [1] “Dos Recursos – Regime do Dec.-Lei n.º 303/2007” de Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Quid Juiris, pág. 125. |