Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | EZAGÜY MARTINS | ||
| Descritores: | RECONVENÇÃO REQUISITOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/22/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I- O pedido reconvencional pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial. II- Sendo porém necessário que o facto invocado, a verificar-se, produza “efeito defensivo útil”, ou seja, tenha a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor. III- Não basta a existência de uma forte conexão entre as causas de pedir da acção e da reconvenção para que possa entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa. IV- O requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do nº 2 do artigo 274º do CPC implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela) ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito - regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor. (E.M.) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | I- F, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra A e OUTROS, pedindo:
“a)- Sejam os ora RR. condenados como responsáveis pelas dividas do falecido (Dr. A), na sua qualidade de Herdeiros, a pagar ao A., o montante constante da Douta Sentença condenatória, (Doc. 5), de: 62.291.502$85 (310 70 70 €). b) Condenados a pagar ao A, o montante de: 113.288,9O €, a titulo de juros vencidos, conforme calculo constante do art.º 51 desta. c).- E ainda condenados ao pagamento de juros vincendos contados desde o dia seguinte ao da propositura da presente”. Alegando, para tanto, e em suma, que o falecido J se apossou ilegitimamente do montante peticionado a título de capital, enquanto advogado do A., em “processo indemnizatório emergente de acidente de viação” em que faleceram os pais do A., que também “ficou gravemente ferido.”. E no âmbito do qual foi entregue ao referido causídico a quantia em pesetas correspondente a 149.985.482$00. De que o mesmo advogado fez diversas aplicações em capital, em proveito pessoal. Fazendo sua a quantia de 41.943.000$00. Tendo aquele sido condenado a entregar o sobredito montante de 62.291.502$85 (310 70 70 €), por sentença não transitada em julgado, proferida em processo crime, entretanto extinto por via do aludido falecimento.
Contestaram os RR., por excepção, arguindo a ineptidão da p.i., e por impugnação. Alegando ter sido acordado com a familiar do A., F, o valor de cerca de 45.000.000$00 para os honorários a liquidar por todo o trabalho desenvolvido. Resultando um montante indemnizatório a entregar ao A. – compreendidos juros produzidos – no valor de 110.000.000$00. Que foi depositado à ordem daquele, ficando acordado com os familiares do A. que posteriormente seria reduzida a escrito a explicitação dos valores envolvidos no processo, nomeadamente os seus honorários. O que por via dos vários revezes a nível pessoal e profissional entretanto sofridos pelo Dr. José Pereira, foi sendo adiado. Até que se viu o mesmo impedido de contactar o A., a partir de Dezembro de 1992, por ser surpreendido pela constituição de novo mandatário daquele (o actual). Deduzindo incidente de intervenção principal provocada, “como forma de assegurar a legitimidade passiva do pedido reconvencional a formular…”, dos “familiares” do A., F, seu marido, M, e A. E dizendo, em reconvenção, que os referidos familiares do A., produziram afirmações, quer nos presentes autos – sendo eles os efectivos autores das que assim aqui aparecem supostamente produzidas pelo A. – “quer nas restantes acções intentadas em seu nome”, após a cessação do mandato conferido ao Dr.J, construindo “uma encenação pérfida que arruinou a honra e os últimos anos de vida” daquele causídico, montando “uma verdadeira cabala, com o requinte de surgirem nessa encenação não como verdadeiras partes…mas como testemunhas desinteressadas, idóneas e independentes”. Assim incorrendo em responsabilidade civil, por acto ilícito, devendo indemnizar os reconvintes de todas as despesas processuais, incluindo honorários de advogados, a que a sua actuação deu causa, bem como pelos danos não patrimoniais ocasionados. Rematando: “NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEL DEVE SER JULGADA PROVADA E PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DA INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL E, EM CONSEQUÊNCIA, ABSOLVIDOS OS RR. DA INSTANCIA. SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, O QUE SÓ POR DEVER DE PAIROCQNIO SE FICCIONA DEVE A PRESENTE ACÇÃO SER JULGADA IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADA, ABSOLVENDO-SE OS RR. DA TOTALIDADE DO PEDIDO, SEM PRESCINDIR, NESSE ÚLTIMO CASO: a) DEVE SER DEFERIDO O INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PROVOCADA ACTIVA DEDUZIDO CONTRA F, SEU MARIDO M E CONTRA A, SENDO OS MESMOS - EM CONSEQUÊNCIA - CHAMADOS À PRESENTE ACÇÃO PARA NELA SE ASSOCIAREM AO SEU SUPOSTO REPRESENTADO E AQUI A. b) SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, A RECONVENÇÃO, SENDO POR VIA DELA CONDENADOS OS RECONVINDOS (A. NOS PRESENTES AUTOS E OS CHAMADOS IDENTIFICADOS NA ALÍNEA ANTERIOR) A: (I) PAGAR AOS RR. A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS O VALOR QUE SE APURAR CORRESPONDER AOS MESMOS, ATÉ FINAL DO PRESENTE PROCESSO, VALOR ESSE QUE DESDE JÁ SE LIQUIDA NO MÍNIMO DE EUR 200.000,00 (DUZENTOS MIL EUROS); (II) PAGAR AOS RR. A TÍTUL0 DE INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS O VALOR QUE VIER A SER DOUTAMENTE ARBITRADO POR ESTE TRIBUNAL NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 496° N°. 3 DO CÓDIGO CIVIL.”.
Houve réplica e tréplica.
Por despacho de 2007-03-12, a folhas 566 a 569 da acção, reproduzido a folhas 188 a 191, deste caderno de agravo, não se admitiu o pedido reconvencional, “por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses previstas” no art.º 274º, n.º 2, do Código de Processo Civil. E, considerando-se que assim “deixou de existir fundamento para o chamamento dos terceiros que os Réus pretendiam responsabilizar”, e, por outro lado, não se configurar “situação de litisconsórcio necessário activo, sendo certo que de qualquer forma só se permite a intervenção principal provocada com fundamento no art.º 31º-B, aqui invocado pelos Réus, se deduzido pelo Autor (ou reconvinte) chamando a intervir o terceiro contra quem pretende formular pedido…”…não se admitiu tal chamamento.
Mais nele se convidando o A. a apresentar nova p. i., “suprindo” a insuficiência relativa à alegação da matéria de facto, decorrente de nos art.ºs 23º a 26º daquele articulado se remeter para o teor de documentos juntos, sem “descrição dos factos a que pretende aludir”. Ao que aquele correspondeu, seguindo-se “resposta” dos RR.
Inconformados com o sobredito despacho na parte relativa à não admissão da reconvenção e da intervenção principal provocada, recorreram os RR., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: A. O douto Despacho recorrido não valorizou o facto da defesa dos Réus ter como principal factualidade o alegado aproveitamento do estado de invocada incapacidade do A., por parte dos seus identificados familiares, que sempre actuaram em nome deste, desconhecendo mesmo os Réus se este tem conhecimento da totalidade das actuações daqueles, nomeadamente da existência do presente processo e dos factos que lhe terão dado origem; B. O próprio "Autor" (com a ressalva expressa na conclusão anterior) afirmou por diversas vezes terem sido esses familiares que contratou o Dr. J e quem com ele não só sempre estabeleceram todos os contactos, como de vontade própria tomaram todas as decisões no âmbito do mandato que àquele Advogado confiaram, desde logo em matéria de honorários. C. Ora, se ante a causa de pedir e pedido dos presentes autos (descontando-se a questão de que o mesmo continua a ser o da condenação em sentença a que não pode ser dado qualquer relevo jurídico) os Réus se defenderam alegando que a verdadeira autoria dos factos supostamente imputados ao Autor, é de terceiros, se ante a actuação destes os Réus não só alegam o que de facto foi com estes acordado, como a responsabilidades destes pela negação desse mesmo acordo (e, no limite, pela ausência de verdadeira informações ao suposto Autor), então é manifesto que o pedido Reconvencional, assim como o incidente da requerida intervenção principal provocada, emergem - ao contrário do que se afirma no douto despacho recorrido - do fundamento essencial da defesa dos Réus. D. O douto despacho recorrido violou assim o disposto no artigo 274° do Código de Processo Civil, nomeadamente a al. a) do seu n°. 2 e o n°. 4, devendo, em consequência, ser revogado, proferindo-se decisão que admita o pedido reconvencional efectuado, assim como o incidente de intervenção principal provocado deduzido.
Requer que a revogação do despacho recorrido, admitindo-se o pedido reconvencional e o incidente de intervenção principal provocada.
Contra-alegou o recorrido, pugnando pela manutenção do julgado.
II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Importando observar, e desde já, quanto ao objecto do recurso: 1. Vem aquele interposto, e conforme se delimita em I. 1. das alegações dos Recorrentes, do sobredito despacho de 2007-03-12, na parte em que «considerou que o pedido Reconvencional apresentado pelos ora Agravantes "não se funda no facto jurídico que serve de fundamento à defesa, antes se estriba em responsabilidade civil por factos ilícitos que imputa ao Autor e a terceiros cujo chamamento requer.", decidindo, em consequência e de acordo com o disposto no artigo 274° do Código de Processo Civil, não admitir o pedido reconvencional por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses previstas naquela norma.; (ii) não admitir a intervenção principal provocada, nos termos do artigo 31°-B do Código de Processo Civil, em consequência do indeferimento do pedido reconvencional.». Convergentemente concluindo os RR., em III. C. das suas alegações, e como visto já, que “…então é manifesto que o pedido Reconvencional, assim como o incidente da requerida intervenção principal provocada, emergem - ao contrário do que se afirma no douto despacho recorrido - do fundamento essencial da defesa dos Réus”.
Tendo-se assim que não colocam os Recorrentes em crise a segunda linha de razões pelas quais o tribunal a quo entendeu que também não seria de admitir o incidente de intervenção principal provocada. A saber, aquela, que “Por outro lado, não se configura situação de litisconsórcio necessário activo, sendo certo que de qualquer forma só se permite a intervenção principal provocada com fundamento no art.º 31º-B, aqui invocado pelos Réus, se deduzido pelo Autor (ou reconvinte) chamando a intervir o terceiro contra quem pretende formular pedido (art.º 325º; C.P.C.)”.
Não cumprindo conhecer da bondade de tal segunda ordem de razões ponderada na decisão recorrida, por transcender o objecto do recurso, que se define, como é sabido, face às conclusões das correspondentes alegações, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil.
2. Mas, sendo assim, temos que ainda quando procedesse a impugnação da decisão recorrida, na parte relativa à não admissão do pedido reconvencional – por se vir a julgar que, como sustentado pelos Recorrentes, aquele emerge do fundamento essencial da defesa dos Réus, situação apenas projectada para efeitos expositivos – sempre teria de subsistir o despacho respectivo, na parte relativa à não admissão do deduzido chamamento para intervenção principal.
Ou seja, nesse segmento, o despacho transitou em julgado.
Tendo força obrigatória dentro do processo, vd. art.º 672º, do Código de Processo Civil.
Com necessária improcedência do recurso.
E, dest’arte, também na parte relativa à rejeição da reconvenção, enquanto deduzida contra os “chamandos”, improcede o mesmo.
É que a reconvenção só pode ser deduzida contra…o Autor…e “outros sujeitos” cuja intervenção principal provocada possa ser suscitada pelo réu, “nos termos do disposto no art.º 326º”, cfr. art.º 274º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil. Mas desde que, por decisão assim transitada em julgado, se definiu ser de não admitir um tal chamamento…resulta definitivamente prejudicada, no processo, a admissibilidade da reconvenção quanto aos terceiros em causa. * Isto posto, é questão subsistentemente proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se o pedido reconvencional deduzido contra o A. emerge, como pretendido pelos RR., do facto jurídico que serve de fundamento à defesa apresentada por aqueles. * Relevando da dinâmica processual, e com interesse para o julgamento do objecto do recurso, o que se deixou assinalado em sede de relatório.
II-1. Como é sabido, a reconvenção configura um pedido substancial e autónomo do Réu – porque transcendendo da mera consequência da sua defesa – uma espécie de contra-acção daquele contra o autor.[1] Enquanto acção, a reconvenção identifica-se através do pedido e da causa de pedir, pressupondo a verificação de requisitos substantivos e processuais. Os requisitos substantivos da reconvenção são requisitos de conexão do pedido reconvencional com o pedido do autor, vindo enumerados, alternativamente, no nº 2, do artº 274º, do CPC. Sendo que as disposições de tal normativo, dado contrariarem a regra da imutabilidade da instância, consagrada no art.º 268º do Código de Processo Civil, revestem carácter excepcional.[2] Nos termos da al. a), do sobredito n.º 2 do art.º 274, “A reconvenção é admissível…Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.”. Tendo-se assim que “o pedido reconvencional pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial.”. [3] Sendo porém necessário que o facto invocado, a verificar-se, produza “efeito defensivo útil”, ou seja, tenha a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.[4]
2. Entendeu a julgadora da 1ª instância que a reconvenção deduzida pelos demandados é inadmissível, por isso que – e justamente descartadas as situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 274º do Código de Processo Civil – “…o Autor peticiona a condenação dos Réus, enquanto herdeiros do falecido J, a pagarem-lhe a quantia correspondente ao valor de que este se apossou ilegitimamente, e a cuja entrega foi condenado no âmbito de sentença não transitada em julgado proferida em processo crime que entretanto se extinguiu em virtude desse falecimento. Por seu lado os Réus defendem-se impugnando a factualidade articulada, e alegando ainda que fora combinado com o Autor e as Reconvindas que o valor dos honorários correspondentes aos serviços prestados pelo falecido J seria de 30% do valor global pago a título de indemnização ao Autor. Ora o pedido reconvencional exorbita da defesa oposta à pretensão dos Autores. Com feito constitui causa de pedir da reconvenção a conduta dolosa dos Reconvindos, os quais com o intuito de “extorquir” dinheiro do falecido J mentiram e desencadearam contra este processo crime, e outros com este conexos, causando-lhe assim danos patrimoniais, correspondentes aos encargos desses processos, e não patrimoniais, traduzidos pelo sofrimento e angústia causados por tais processos Deste modo o pedido reconvencional não se funda no facto jurídico que serve de fundamento à defesa, antes se estriba em responsabilidade civil por factos ilícitos que imputa ao Autor, e a terceiros cujo chamamento requer.”.
Já os recorrentes pretendem estar verificado o requisito de admissibilidade do pedido reconvencional estabelecido na alínea a), do nº 2, do artº 274º, do Código de Processo Civil, considerando que “a petição inicial relativamente à qual os Réus se defenderam e, portanto, a sua defesa, terá de ser considerada quer em função do primeiro articulado apresentado, quer em função da resposta que áquele articulado foi dada, nomeadamente no que respeita à questão da verdadeira autoria dos facto e da própria acção.”…resultando assim “manifesto, ter sido mal interpretada a defesa apresentada pelos Réus nos presentes autos, não afirmaram os Réus ter existido acordo entre o A. e o falecido Dr. J em matéria de honorários, mas sim, ter existido sempre uma actuação dos familiares que identificaram, em especial da sua Tia F, que sempre actuou como se de próprio A. se tratasse, vindo depois negar factos em que teve intervenção exclusiva em nome desse mesmo A.”. E “Ora se ante a causa de pedir e pedido dos presentes autos…os Réus se defenderam alegando que a verdadeira autoria dos factos supostamente imputados ao Autor, é de terceiros, se ante a actuação destes os Réus não só alegam o que de facto foi com estes acordado, como a responsabilidades destes pela negação desse mesmo acordo (e, no limite, pela ausência de verdadeira informações ao suposto Autor), então é manifesto que o pedido Reconvencional, assim como o incidente da requerida intervenção principal provocada, emergem - ao contrário do que se afirma no douto despacho recorrido - do fundamento essencial da defesa dos Réus.”.
3. Ponto é, desde logo, não colher a pretensão dos Recorrentes de a bondade do despacho impugnado, na parte assim posta em crise, dever ser aferida também em função dos novos articulados apresentados após a prolação daquele, e na sequência do convite no mesmo feito. Sendo, em qualquer caso, que se tratou, tão só, no “novo articulado” apresentado pelo A., do suprimento de insuficiências assinaladas na p. i., traduzidas na remissão, nos art.ºs 23º a 26º da p. i., “para o teor de documentos que junta, não descrevendo os factos a que pretendeu aludir”. Sem que por via de tal aperfeiçoamento haja o A. alterado ou ampliado a causa de pedir, não fornecendo assim ensejo aos RR. para modificarem a essencialidade da sua defesa.
De resto, no despacho de 2007-05-15, reproduzido a folhas 49 a 51, proferido na sequência da apresentação do aperfeiçoamento da p. i. e da resposta àquele, consignou-se que “o que é permitido à parte nos termos do n.º 4 do art.º 508º, do C.P.C., é tão só exercer o contraditório relativamente aos factos objecto de esclarecimento, aditamento ou correcção e não possibilitar a prática de actos fora dos prazos legalmente fixados para o efeito”. Não sendo dada notícia de haver aquele sido objecto de impugnação.
E, em qualquer caso, ponto é que não obstante o virtuosismo das alegações dos Recorrentes – aliás também presente na sua contestação de mais de 400 artigos – se impõe concluir pela efectiva exorbitância da causa de pedir do pedido reconvencional, relativamente à factualidade que serviu de fundamento à defesa.
Com efeito: 4. O A., tudo visto e resumido, alega que na sequência do acidente de viação que vitimou seus pais e o deixou gravemente ferido, foi o falecido DR. J contactado pelos tios do A., para efeitos de patrocínio no “processo emergente” de tal sinistro. Sendo passadas àquele “procurações para o efeito”, tendo o A. passado ainda “nova procuração e a solicitação do Sr. Advogado (), ao Sr. Dr. J (também Advogado)”. Acontecendo porém que o referido Dr. A se veio a locupletar com parte da indemnização – no montante global, aquela, de 110.000.000 de pesetas – bem como com réditos resultantes de aplicações feitas com essa mesma indemnização. Nunca tendo procedido à apresentação de contas finais.
Pedindo o A. a condenação dos RR. – herdeiros do falecido causídico – a pagar-lhes o montante correspondente àquilo com que, alegadamente, aquele se locupletou, no exercício do correspondente mandato, e juros respectivos, apelando ainda à circunstância de uma tal condenação haver sido já proferida em processo crime no qual o referido Advogado foi arguido, mas em que…na sequência do óbito do mesmo, foi declarada extinta a instância.
Contrapondo os RR. – e pelo que assim releva em sede impugnatória – que embora o A. haja outorgado procuração ao falecido Dr. A, quem efectivamente sempre contactou o mesmo, “em nome e representação do A.”, foram os referenciados familiares daquele, com os quais, maxime com a “tia F” foram acordados “os honorários a liquidar por todo o trabalho desenvolvido”, o pagamento dos mesmos “sem recibo”, e a retirada do valor daqueles “do montante da indemnização recebida”. Tendo sido “Depositado o valor acordado…”.
Mais referindo – ponto este, porém, transcendendo já a “matéria útil” da defesa, por nada acrescentar em sede de efeito extintivo do pedido do A. – ter ficado acordado com os familiares daquele que posteriormente seria reduzida a escrito a explicitação dos valores envolvidos no processo, nomeadamente os honorários”, o que não veio a suceder por ter ficado o Dr. A impedido de contactar o A., na sequência da sua substituição por novo Advogado “contratado” pelos aludidos familiares daquele.
5. Mas os RR. não fundamentam o deduzido pedido reconvencional no assim alegado cumprimento do convencionado em matéria de destinação de montantes da indemnização recebida, ou, por qualquer outro modo, no contrato de mandato respectivo.
O que aqueles alegam, nessa sede de reconvenção, é que os reconvindos, sabendo, ou devendo saber, “serem falsas as alegações de ausência de prestação de contas, de ausência de acordo quer quanto ao montante dos honorários pelos serviços prestados, quer quanto à forma de cobrança dos mesmos, produziram-nas nos “processos intentados”, causando, para além das despesas processuais, “profunda dor, sofrimento, angústia, aflição, pesar social e familiar ao falecido Dr. J”. Que “Viveu os últimos anos da sua vida profundamente amargurado, Alterando profundamente o seu estado de espírito…”. Assacando pois aos “Reconvindos” clara responsabilidade extra-contratual.
O que tudo transcende, salvo melhor opinião, a área da defesa útil na presente acção. O pedido cruzado em que se resolve a deduzida reconvenção, não emerge assim do facto jurídico que serve de fundamento à acção nem, de outra banda, reveste a natureza impugnatória, não tendo a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o direito do demandante. Sendo que como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-94,[5] “Não basta a existência de uma forte conexão entre as causas de pedir da acção e da reconvenção para que possa entender-se que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.”. Tendo-se ainda considerado, no Acórdão daquele Tribunal de 27-04-2006,[6] que “…o requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do nº 2 do artigo 274º do CPC implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela) ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito - regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor.”. O que, manifestamente, não é o caso relativamente à hipótese em apreço. A aceitação de um tal nexo, relativamente a reconvenções como a deduzida pelos Recorridos, implicaria um alargamento da possibilidade de dedução daquelas que contrariaria as preocupações subjacentes ao carácter excepcional de tal instituto processual, já assinalado supra. Em qualquer acção de dívida o A. estaria sujeito a contra-acção de Réu que se considerasse lesado no seu bom nome e reputação com as imputações que lhe tivessem sido feitas em matéria de incumprimento contratual, e, ou por causa da própria propositura da acção. * Improcedem pois, in totum, as conclusões dos Recorrentes.
III- Nestes termos, acordam em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 2007-11-22 (Ezagüy Martins) (Maria José Mouro) (Neto Neves) _______________________________________________________ [1] Vd. Manuel Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, Lda., 1979, pág. 146; Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. (Reimpressão), Coimbra Editora, 2004, págs 322, 323 e Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório, I, Almedina, 1981, pág. 171. [2] Neste sentido, vd. Alberto dos Reis, in Ver. Leg. Jur., Ano 77º, pág. 386. [3] José Lebre de Freitas. João Redinha. Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 488. [4] Vd. Jacinto Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil, II, pág 27, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-07-1963, in BMJ 129º, 410. [5] Proc. 085413, in www.dgsi.pt/jstj. [6] Proc. 06A945, in www.dgsi.pt/jstj.nsf. |