Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2420/18.5T8FNC.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
TRIBUNAIS DE COMÉRCIO
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Proposta acção num Tribunal de Comércio que conheceu da mesma, indeferindo-a liminarmente por se entender não estar alegado devidamente o pressuposto do dano gravoso e de difícil reparação, e tendo o Autor proposto em seguida nova acção, com propósitos idênticos e contra as mesmas partes, também no Tribunal do Comércio, veio este tribunal decidir a sua incompetência material.

Esta decisão ocorreu dois dias depois de decorrido o prazo de caducidade para o Autor propôr a acção.

Não pode ser assacada ao Autor qualquer responsabilidade pelo facto de, no Tribunal do Comércio em causa, existirem perspectivas diferentes e até opostas relativamente à competência em razão da matéria para questões como a dos autos.

Nesta medida e tendo em conta que o Autor deduziu a nova acção no dia seguinte a ter sido proferida a decisão de incompetência material, deve entender-se como improcedente a excepção de caducidade, nos termos dos artigos332º nº 2 e 327º nº 3 do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
Veio AJ… intentar Procedimento cautelar contra A… - A… e JE….
Citados os requeridos vieram os mesmos apresentar as suas oposições, tendo no mais sido arguida a exceção perentória da caducidade do direito à ação (cfr. art. 380.º) n.º 1 do Cód.Proc.Civil).
Veio o Requerente espontaneamente pronunciar-se sobre a mesma pugnando pelo seu indeferimento.

Vindo a ser proferida decisão julgando improcedente o procedimento cautelar.

Está assente que:
A) Foi publicada a convocatória para a assembleia geral (cujas deliberações ora se pretendem impugnar) no 21-3-2018, no diário de Notícias da Madeira.
B) A assembleia geral realizou-se no dia 18-4-2018, tendo ficado encerrada nesse dia.
C) O presente procedimento cautelar deu entrada em juízo no dia 3-5-2018.  

Inconformado, recorre o requerente, concluindo que
- O Tribunal a quo, decidiu pela improcedência da providência cautelar, com base, em 2 fundamentos. Por um lado, a caducidade, e por outro, a de que o pedido formulado em b) é alicerçado em conclusões, as alegadas em 12.º e 67.º, sendo que, nada resta, se não o "naufrágio de tal pedido."
- Ora, com o devido respeito, e salvo melhor entendimento, a Douta Sentença proferida, andou mal, e está desconforme ao Direito.
- Na verdade, o que aconteceu, foi que, pese embora, o Requerente ter dado entrada da presente providência neste Juízo Cível, a 3 de Maio de 2018, para impugnar a dita assembleia de 18 de Abril de 2018, o Requerente deu entrada de (2) duas outras providências cautelares, uma a 5 de Abril de 2018, e que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo de Comercio do Funchal- Juiz 1, Processo n.º …/… e uma outra, a 27 de Abril de 2018, e que correu os seus termos no Juízo de Comércio do Funchal- Juiz 2, processo nº …/…, e cujo Tribunal declarou-se incompetente a 3 de Maio de 2018.
1  
- Ora considerando que o Tribunal de Comércio, ora considera-se competente, ora incompetente para aferir da questão (vide as já muitas decisões constantes nos autos, o Recorrente optou por não recorrer, e interpor, bem assim, a impugnação da dita assembleia geral de 18 de Abril de 2018, neste Juízo Cível do Funchal, em 3 de Maio de 2018, data em que teve conhecimento que o Tribunal de Comércio declarou-se incompetente para aferir da análise da ilegalidade das deliberações da assembleia geral de 18 de Abril e que correu sob o processo n.º …/…, acção que deu entrada a 27 de Abril de 2018.
- Neste sentido, entendemos que, ao abrigo dos artigos 331.º e 332.º do Código Civil, e considerando, que o Recorrente antes de dar entrada da presente ação a 3 de Maio de 2018, para impugnar a dita assembleia geral de 18 de Abril de 2018, deu entrada de duas outras providências,  sendo que, a sua improcedência não lhe pode ser imputável - pois o Tribunal de Comércio ora se considera competente ora incompetente - existiu, a nosso ver, e salvo melhor entendimento, causa impeditiva da caducidade decorrer.
- Termos em que, e contrariamente ao exalado pelo Tribunal a Quo, inexiste caducidade da presente providência para impugnação da assembleia geral de 18 de Abril de 2018, tendo o Tribunal a Quo, violado os 331.º e 332.º do Código Civil.
- Por outro, discorda-se, in totum,  que os artigos 12.º e 67.º sejam conclusões, e que, o Recorrente, não tenha alegado factos para que o Tribunal a Quo, possa analisar o pedido formulado em b).
- Com efeito, o Recorrente para formular aquele pedido, - pedido de convocatória para marcação de eleições - alegou factos no seu articulado, acompanhado dos respetivos documentos, neste sentido, vide artigos 2, 5, 6, 7, 8, 10,11, 12, 13, 14, 15, 17,18, 19, 20, 31,32,40, 52, 54,55,56, 57, 58, 59, 60,67,68 do seu requerimento inicial e que aqui se reproduz para os efeitos tidos por convenientes.
- Mais acresce que, para prova de tais factos o Recorrente, iria produzir prova em audiência de julgamento.
- Ora a não produção de prova - quer depoimento e declarações de parte, e bem assim a testemunhal - é prejudicial para o Recorrente, não podendo provar todos os factos que alega, a não ser aqueles que emergem da prova documental.
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- Acrescendo que, ainda que, não tivéssemos alegados factos quanto a formulação para a marcação de eleições - facto que, como já referido não se admite - bastariam a alegação de factos essenciais, o que em nosso modesto entender abundam no requerimento inicial, e considerando a prova, quer a documental, quer a produzir na audiência de julgamento o Tribunal a Quo, sempre poderia tirar ilações instrumentais e complementares quanto aquele facto - pedido de convocatória para marcação de eleições.
- Pelo que, em nosso entender, o Tribunal a Quo, ao não considerar procedente a providência cautelar, cujo pedido é de, bem assim, convocatória para marcação de eleições,  também violou os artigos 5.º e 552.º n.º 1 alínea d ), 410.º, 411.º, 412.º, 413.º, 414,º, 590.º n.ºs 3,4,5,6, 607.º, n.ºs 4 e 5, 608.º, todos do Código de Processo Civil.
- Pelo supra exposto, e com o devido respeito, douta decisão impugnada está errada e deve ser alterada.
- Nestes termos e nos melhores de Direito requer-se que o Tribunal Ad Quem, revogue douta Sentença Impugnada, e a Substitua por outra, considerando a procedência da presente providência cautelar.

Os requeridos contra-alegaram sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.
A questão essencial da apelação reside na verificação da existência de caducidade relativamente ao requerimento de suspensão das deliberações da Assembleia da A… de 18/04/2018..
Na verdade, o art. 380º nº 1 do CPC dispõe que:
Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.
Tendo em conta que o requerente foi regularmente convocado para a assembleia na qual as deliberações foram tomadas, é a partir da data desta que se inicia a contagem do aludido prazo de 10 dias.
Uma vez que a Assembleia teve lugar a 18/04/2018 o prazo terminava a 30/04/2018 (uma 2ª feira). A providência deu entrada a 03/05/2018.
Alega contudo o requerente ter proposto providência cautelar no Tribunal do Comércio, que se julgou incompetente em razão da matéria para conhecer da mesma – ver art. 71º do requerimento inicial e decisão de fls. 175 e seguintes datada de 02/05/2018. 
3
O prazo previsto no art. 380º nº 1 do CPC é um prazo de caducidade – ver acórdão da Relação de Coimbra de 02/03/99, CJ 1999, 2º, pág. 13. Como tal, não se suspende ou interrompe senão nos casos em que a lei o determine, e começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.
Nos termos do art. 331º nº 1 do Código Civil, só impede a caducidade “a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”.

O ora recorrente instaurou procedimento cautelar não especificado contra os mesmos requeridos, que veio a ser liminarmente indeferido, por decisão de 11/04/2018 (ver fls. 288 a 292).
Deduziu procedimento cautelar específico de suspensão de deliberações sociais, contra os mesmos requeridos, deliberações essas resultantes da Assembleia da A… de 18/04/2018, sendo o mesmo liminarmente indeferido por incompetência material do Juízo de Comércio do Funchal, de 02/05/2018. 
O mesmo recorrente havia deduzido um outro procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, contra os mesmos requeridos e relativa às deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária da A… de 30/08/2017. Neste procedimento foi decidida a incompetência material do Juízo de Comércio, sendo os requeridos absolvidos da instância.
Inconformado, o requerente recorreu para este tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 10/05/2018, confirmou a decisão da 1ª instância (ver fls. 295 a 305). Deste acórdão recorreu o requerente para o Supremo Tribunal de Justiça.

Ou seja, a respeito das deliberações a tomar ou já tomadas na Assembleia da A… de 18/04/2018, o requerente deduziu três providências cautelares.
Uma providência cautelar não especificada, indeferida liminarmente por falta do requisito do dano apreciável.
Uma providência cautelar específica de suspensão de deliberações sociais, liminarmente indeferida por incompetência material do Tribunal do Comércio.
A presente providência, na qual os requeridos foram absolvidos da instância por se entender que caducara o prazo para exercer o direito.
E anteriormente, no tocante à suspensão de deliberações sociais de uma Assembleia de 30/08/2017 havia sido decidida a incompetência material do Tribunal do Comércio, decisão posteriormente confirmada pelo tribunal da Relação de Lisboa.
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Pode ler-se no acórdão do STJ de 06/05/2003:
“Proferida decisão de absolvição da instância, com o fundamento na incompetência em razão da matéria do tribunal onde a acção foi proposta, pode o autor, em nova acção intentada, beneficiar da manutenção dos efeitos civis derivados da primeira causa, quando seja possível, desde que essa nova acção seja proposta no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado daquela decisão.
“Contudo, a ressalva prevista no nº 2 do art. 289º do CPC, no tangente ao disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade, não afasta a possibilidade de ocorrer a caducidade do direito que o autor pretende ver reconhecido, pois que a absolvição da instância não resulta de motivo processual não imputável ao titular do direito (cfr. artigos 327º nº 3 e 332º nº 2 do Código Civil).”
Esta perspectiva que viria a ser reafirmada em posterior jurisprudência do mesmo STJ, implica pois que, para que o titular do direito possa beneficiar da manutenção dos efeitos civis da primeira causa,  o motivo da absolvição da instância não lhe seja imputável. Ou seja, que não resulte de um comportamento menos diligente do requerente.
No caso aqui em apreço, como vimos, o requerente interpôs três procedimentos cautelares e em todos eles vem requerer a suspensão da execução das deliberações tomadas ou a tomar na Assembleia Geral da A… de 18/04/2018.  
No primeiro de tais procedimentos, intentado no Juízo de Comércio do Funchal - Juiz 1, foi proferida decisão, a 11/04/2018, que o indeferiu liminarmente por se afigurar “manifesto que não se verifica o segundo dos requisitos exigidos para o decretamento de um procedimento cautelar comum, como seja, o justo e fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave e de difícil reparação”.
No segundo procedimento cautelar, intentado no Juízo de Comércio do Funchal – Juiz 2, foi proferida decisão, a 02/05/2018, que indeferiu liminarmente o “procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais” por se considerar que o Juízo de Comércio não tem competência em razão da matéria para conhecer da causa.
Na terceira acção, agora sob recurso, estamos perante um procedimento cautelar comum, interposto no Juízo Local Cível do Funchal – Juiz 1, no qual foi indeferido liminarmente o procedimento cautelar, por caducidade.
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Ou seja, antes de propor a presente acção, o requerente requereu a suspensão da execução das deliberações da Assembleia da A… de 18/04/2018 perante os juízos de comércio do Funchal, tendo um decidido o indeferimento liminar com base na omissão de circunstâncias integrantes do periculum in mora (e, portanto, implicitamente aceite a sua competência material para apreciar a causa) e tendo outro decidido existir incompetência material.
Que os procedimentos cautelares tenham sido qualificados de comum ou de procedimento específico de suspensão da execução de deliberações sociais, é aqui irrelevante já que em ambos se pede tal suspensão da execução das deliberações sociais da Assembleia da A… de 18/04/2018 e a razão de ser da incompetência material decidida numa das acções (o facto de a A… ser uma associação sem fins lucrativos) seria igualmente aplicável à outra.
Em suma, deparou-se o requerente com entendimentos diferentes, nos juízos de comércio do Funchal, quanto à competência material.

É certo que o ora requerente havia interposto um procedimento cautelar de suspensão de deliberação social requerendo a suspensão das deliberações sociais tomadas na Assembleia da A… realizada em 30/08/2017, tendo sido tomada decisão julgando o Juízo de Comércio incompetente materialmente para preparar e julgar tal acção.
Tendo o requerente recorrido para este tribunal da Relação de Lisboa, veio a ser proferido acórdão que confirmou a decisão da 1ª instância, julgando o tribunal de comércio incompetente materialmente para essa acção. Todavia, o acórdão da Relação foi proferido a 10/05/2018, ou seja, já posteriormente à propositura da presente acção.

Isto não invalida o que afirmámos, ou seja, que os juizes 1 e 2 do juízo de comércio do Funchal tenham tomado decisões opostas, um conhecendo dos pressupostos da providência cautelar, nomeadamente a invocação de dano irreparável ou de difícil reparação, e outro julgando-se materialmente incompetente para tal conhecimento.
Num caso como este, em nosso entender, não pode ser assacada ao requerente qualquer responsabilidade, nem pode ser efectuado juízo de censura por menor negligência.
Repare-se que tendo proposto uma primeira providência, a qual em 11/04/2018 é liminarmente indeferida por se entender não estar alegado ou suficientemente caracterizado o periculum in mora, realizando-se a Assembleia cujas deliberações o requerente pretendia suspender em 18/4/2018, o mesmo requerente propõe novo procedimento cautelar em 27/04/2018 com vista a obter tal suspensão. Em 02/05/2018 é proferida a decisão de incompetência material.
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Assim, tendo em atenção o disposto nos artigos 332º nº 2 e e 327º nº 3 do Código Civil e tendo ainda em conta que a presente acção deu entrada no dia seguinte a ter proferida a decisão de incompetência material no processo 2296/18, não ocorre a caducidade, procedendo aqui a apelação.
                                                                                     
No seu requerimento inicial, o requerente peticiona ainda que seja o requerido JE… condenado a expedir convocatória no sentido de marcar eleições para os órgão sociais da A…, designando o dia para a sua realização.
Este pedido não se integra na previsão do art. 380º do CPC mas antes na do art. 362º do mesmo diploma.
Os requisitos da providência cautelar comum são o “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável no seu direito”, ou seja, a demonstração da aparência do direito, da sua ameaça por outrem e que esta seja propícia a causar lesão grave e dificilmente reparável em tal direito, não se compadecendo com a normal demora da acção principal.
Se observarmos o requerimento inicial, vemos enumeradas as causas que o requerente entende configurarem a ilegalidade das deliberações e o dano delas decorrente (ver artigos 51º a 61º e 64º do requerimento inicial).
O pedido de condenação do requerido JE… a expedir convocatória no sentido de marcar eleições para os órgãos sociais da A…, insere-se na continuidade da invocada ilegalidade das deliberações da Assembleia de 18/04 e suas consequências danosas quer para a associação quer para o requerente.
Não sendo atendível a alegada caducidade, entendemos que o 2º dos pedidos deverá ser apreciado em conjunto com o 1º – de suspensão das deliberações sociais – até porque a pretendida convocação de eleições só fará sentido, do modo como o requerimento inicial foi elaborado, se as deliberações forem suspensas, nomeadamente na parte que alterou os estatutos e as regras atinentes à eleição dos órgãos sociais.

Conclui-se assim que:
Proposta acção num Tribunal de Comércio que conheceu da mesma, indeferindo-a liminarmente por se entender não estar alegado devidamente o pressuposto do dano gravoso e de difícil reparação, e tendo o Autor proposto em seguida nova acção, com propósitos idênticos e contra as mesmas partes, também no Tribunal do Comércio, veio este tribunal decidir a sua incompetência material.

Esta decisão ocorreu dois dias depois de decorrido o prazo de caducidade para o Autor propôr a acção.
Não pode ser assacada ao Autor qualquer responsabilidade pelo facto de, no Tribunal do Comércio em causa, existirem perspectivas diferentes e até opostas relativamente à competência em razão da matéria para questões como a dos autos.
Nesta medida e tendo em conta que o Autor deduziu a nova acção no dia seguinte a ter sido proferida a decisão de incompetência material, deve entender-se como improcedente a excepção de caducidade, nos termos dos artigos332º nº 2 e 327º nº 3 do Código Civil.

Face ao exposto, procede a apelação, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pelo recorrido JE…

LISBOA, 11/10/2018

António Valente

Teresa Prazeres Pais

Isoleta Almeida Costa