Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
666/24.6YRLSB-1
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: ESCUSA
AMIZADE JUÍZA COM REQUERENTE
ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
APENSOS DA MESMA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: ESCUSA - ART.º 119.º CPC
Decisão: DEFERIDA
Sumário: O pedido de escusa terá por finalidade prevenir e excluir situações em que possa ser colocada em causa a imparcialidade do julgador, bem como, a sua honra e considerações profissionais.
Os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo.
Respeitando o novo apenso – B - ao mesmo processo/causa onde, nos autos principais, foi já concedida escusa à Sra. Juíza, a decisão que, intuitu personae, reconheceu existir circunstância ponderosa suscetível de poder fazer suspeitar da sua imparcialidade, é extensiva a todos os demais autos que corram por apenso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: A Sra. Juíza de Direito (…) a exercer funções no Juízo de Família e Menores de (…) - Juiz (…), veio requerer, ao abrigo do estabelecido no artigo 119.º do CPC, seja dispensada de intervir no Processo nº. (…)/19.9T8(…)-B.
Para tanto, invocou que naqueles autos figura como requerente um seu amigo de longa data.
O referido fundamento sustentou a escusa concedida à Sra. Juíza no Processo n.º (…)/19.9T8(…).
Requer seja dispensada de intervir no referido apenso B, ou, caso se entenda que a concessão da escusa concedida se estende a todos os futuros apensos, seja informada deste entendimento.
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Nos termos plasmados no nº. 1 do art. 119º do CPC., o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir que seja dispensado de intervir na causa quando se verifique algum dos casos previstos, no artigo 120.º do CPC e, além disso, quando, por outras circunstâncias ponderosas, entenda que pode suspeitar-se da sua imparcialidade.
O juiz natural, consagrado na Constituição da República Portuguesa, só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves. E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas.
O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ).
Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade.
O pedido de escusa terá por finalidade prevenir e excluir situações em que possa ser colocada em causa a imparcialidade do julgador, bem como, a sua honra e considerações profissionais.
Efetivamente, não se discute se o juiz vai ou não manter a sua imparcialidade, mas está em causa a defesa de uma suspeita, ou seja, o de evitar que sobre a sua decisão recaia qualquer dúvida sobre a sua imparcialidade.
A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo.
O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de justiça.
Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa.
Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo.
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No caso em apreço, a Sra. Juíza vem invocar a sua relação de amizade com uma das partes nos autos que lhe foram distribuídos.
Ora, não se coloca em causa o dever de objetividade e distanciamento inerentes ao ato de julgar, sendo a postura de um juiz sempre a de cumprir a lei, com rigor, imparcialidade e retidão, mas o seu não distanciamento do caso concreto, ainda para mais, quando está em causa uma relação de amizade entre a parte e a julgadora.
Não seria só a imparcialidade da Sra. Juíza que ficaria em causa, como subjetivamente a mesma adianta, como também, objetivamente, os restantes sujeitos processuais e a comunidade em geral podem cogitar um sentimento de desconfiança sobre o julgador, o que será inadmissível e de evitar.
Tudo tem de ser transparente, fundamentado e proferido com o maior distanciamento.
Quer do ponto de vista subjetivo, quer objetivo, a situação narrada é suscetível de causar perturbação, descrença na justiça e dúvidas sobre a imparcialidade.
Os pedidos de escusa pressupõem situações excecionais, o que se entende ser o caso.
O reconhecimento de tal motivo justificativo da concessão da escusa foi já objeto de apreciação nos autos principais (Pº n.º (…)/22.4YRLSB da (…) Secção).
Respeitando o novo apenso – B - ao mesmo processo/causa onde, nos autos principais, foi já concedida escusa à Sra. Juíza, a decisão que, intuitu personae, reconheceu existir circunstância ponderosa suscetível de poder fazer suspeitar da sua imparcialidade, é extensiva a todos os demais autos que corram por apenso.
Assim e sem mais considerandos, entendendo que a concessão de escusa é extensiva ao presente apenso e mostrando-se subsistente o motivo da escusa, mantém-se o motivo justificado para que a Sra. Juíza seja dispensada de intervir no processo.
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Face ao exposto, reconhece-se a manutenção da situação de escusa de intervenção da Sra. Juíza (…), já apreciada, também quanto ao apenso B do processo n.º (…)/19.9T8(…).
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 29-02-2024,
Carlos Castelo Branco (Vice-Presidente com poderes delegados).