Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32646/15.7T8LSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
PODERES DE COGNIÇÃO DO TRIBUNAL
INÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1–Pretendendo valer-se da prescrição do direito, compete ao réu alegar os factos essenciais em que baseia a exceção.
2–Por força de quanto se dispõe no Artº 5º/2-c) do CPC, o juiz pode valer-se de factos de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, ainda que tais factos sejam essenciais a enformar a alegada exceção.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AA, Autor, notificado da sentença que julgou a ação improcedente por não provada, e consequentemente, absolveu a Ré do pedido, não se conformando com a mesma, vem dela interpor recurso.

Pede a sentença de que se recorre seja revogada, e, em sua substituição ser proferido acórdão que declare não verificada a alegada prescrição do exercício do direito do Apelante propor ação declarativa comum contra o Apelado, para pagamento de créditos laborais vencidos.

Alegou e, subsequentemente, formulou as seguintes conclusões:
(…)
XXX.Donde, também por esta consideração concluir-se, que o exercício do direito do Apelante a propor ação judicial contra a Apelada, ao abrigo do prazo consignado no artigo 337, nº 1, do Código do Trabalho, não estivesse prescrito à data da citação da última, em 30 de Novembro de 2015.

Não foram proferidas contra-alegações.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no qual defende que “o recurso exibe uma interpretação vacilante” concluindo que se a ação tivesse sido interposta no mínimo, até 23/11, já não seria imputável atraso ao A. pela citação tardia, circunstância que não se verificou.
*

Segue-se um breve resumo dos autos para melhor compreensão.

AA, residente em Lisboa, veio intentar a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra BB, E.P., com sede em Lisboa, pedindo a sua condenação:

a)No pagamento da quantia de € € 89.594,58 (oitenta e nove mil, quinhentos e noventa e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos), por conta do trabalho que lhe ordenou que fizesse – projetos – e das despesas associadas à elaboração de tal trabalho, à qual acrescem juros de mora à taxa civil, desde o dia em que o Autor pediu à Ré esse pagamento – 26 de Janeiro de 1984 - até ao efetivo e integral pagamento, a liquidar em execução de sentença;
b)A pagar-lhe a quantia de € 2.867,20 (dois mil oitocentos e sessenta e sete euros e vinte cêntimos), correspondente ao crédito de 140 horas de formação que não facultou ao Autor, à qual acrescerão juros de mora vencidos e vincendos, computados desde a data da citação da Ré para a presente ação, até ao efetivo e integral pagamento;
c)No pagamento de uma indemnização por danos morais, a fixar equitativamente pelo tribunal de acordo com o que venha a ser provado, a final.
Foi proferida sentença que julgou a presente ação improcedente por não provada, e em consequência absolveu a R do pedido.
***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.

Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª-A Apelada não invocou correta e circunstancialmente a prescrição prevista no artigo 337º, nº 1 do Código do Trabalho, pelo que deve considerar-se como não invocada a prescrição do exercício do direito previsto no artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho?
2ª-O prazo de um ano a contar do dia da cessação da relação laboral entre Apelante e Apelada, terminava no dia 29 de Novembro de 2015: porém, terminasse o prazo no dia 28 de Novembro de 2015 ou no dia 29 de Novembro de 2015, porque coincidissem ambos com dias em que não se praticam atos judiciais, teria que considerar-se como termo do prazo, o dia 30 de Novembro de 2015, às 23.59 horas?
***

FACTOS PROVADOS:

Encontram-se assentes os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:

1.O A trabalhou sob direção e autoridade da R desde o dia 1 de Outubro de 1971 até ao dia 28 de Novembro de 2014 (artigo 1.º da petição inicial, aceite pela R).
2.A A intentou a presente ação no dia 26 de Novembro de 2015 (cfr. certificação do Citius).
3.A R foi citada para a presente demanda no dia 30 de Novembro de 2015, através de agente de execução (certidão de citação junta).
***

APRECIAÇÃO JURÍDICA:

A 1ª questão que enunciámos reporta-se à invocação da exceção de prescrição.
Defende o Apelante que a Apelada não invocou correta e circunstancialmente a prescrição prevista no artigo 337º, nº 1 do Código do Trabalho, porquanto, alegando, embora, a prescrição, não invocou os factos que a circunstanciam, isto é a data em que foi efetivamente citada, e consequentemente, a data em que deveria considerar-se verificada a prescrição do exercício desse direito por parte do aqui Apelante. Para que se considerasse validamente invocada a prescrição do exercício do direito daquele, a Apelada deveria circunstanciar factualmente o seguinte: prazo de prescrição; início e termo desse mesmo prazo, sem que tenha ocorrido qualquer causa de suspensão ou interrupção do mesmo, atividade que não levou a cabo. Donde, deva considerar-se como não invocada a prescrição do exercício do direito previsto no artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho.

Vejamos!

Na sua contestação a R. defende-se por exceção, invocando, entre outras, a prescrição dos créditos laborais. Alega, para o efeito, que o A. confessa que no dia 29/11/2014 o contrato de trabalho cessou e que o mesmo pretende reclamar valores relativos à prestação de trabalho suplementar e despesas, tudo relativo a trabalho prestado até Janeiro de 1984 e horas de formação em falta relativos aos últimos 3 anos de vigência do contrato. Invoca, na continuação, o disposto no Artº 337º do CT.

Na resposta à contestação o A. pronunciou-se alegando que a defesa da R. é feita sem qualquer referência ao facto de onde decorre a operada prescrição, porquanto não invoca qualquer data que permita concluir que o direito do autor a exigir o pagamento dos créditos laborais terá, entretanto, prescrito. Explana ainda que o dia seguinte ao da cessação do contrato foi 30/11/2015, que a prescrição se interrompe com a citação, pelo que se conclui que no caso não houve decurso do prazo de prescrição. E, ainda que se entendesse, embora o não tenha invocado, que a prescrição operaria no dia 29/11/2015, tal dia coincidia com o domingo, pelo que, por força do disposto no Artº 279º/e) do CC, o prazo se transferiria para o primeiro dia útil.

Ponderou-se na decisão recorrida que “a R, na sua contestação suscitou esta questão. E o A respondeu, apenas se quedando na forma como a exceção foi arguida, não se pronunciando quanto à substância.” E, mais adiante que o “prazo de prescrição a ter em conta nestes autos é de um ano a contar da data em que o contrato de trabalho cessou – artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho. Ora, considerando que o A trabalhou na R até ao dia 28 de Novembro, último dia de prestação da sua atividade que esta demanda foi intentada em 26 de Novembro de 2015 e a R citada apenas no dia 30 de Novembro de 2015, decorreu mais de um ano entre o primeiro e o último dos momentos assinalados. É que o prazo de prescrição só se interrompe com a citação do devedor, e esta ocorreu já para além daquele prazo.”

Dispõe-se no Artº 303º do CC que o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.

A forma de invocação da prescrição é a dedução de defesa por exceção, no caso, exceção perentória.

Na verdade, na contestação cabe tanto a defesa por impugnação como por exceção (Artº 571º/1 do CPC), sendo que se considera que o réu se defende por exceção ainda quando alega factos que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido (nº 2).

Exemplo típico de exceção perentória é exatamente a invocação da prescrição do direito. Neste sentido, J. P. Remédio Marques, A Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto, 2ª Ed., Coimbra Editora, 444.

Ora, conforme se dispõe no Artº 572º/c) do CPC na contestação deve o réu expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas. No caso, os factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (Artº 576º/3 do CPC).

O Artº 337º/1 do CT dispõe que o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

Por outro lado, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito (Artº 323º/1 do CC).

Emerge de todo o exposto que, querendo valer-se da prescrição, dado que esta configura uma exceção perentória, o réu há-de invocar todos os factos que permitam ao tribunal vir a concluir no sentido da procedência da mesma. Ou seja, a data em que cessou o contrato de trabalho, a data em que a ação foi interposta, a data em que ocorreu a citação e, obviamente, que esta não ocorreu em tempo útil. A partir desta invocação, o tribunal extrairá as suas conclusões.

Conforme alerta Rui Pinto a atual lei processual civil é mais exigente no que respeita à alegação de exceções, visto exigir que o réu exponha os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente. Segundo o autor, trata-se “de uma alteração de filosofia geral do Código no sentido do condicionamento do princípio dispositivo”, o qual permanece “como princípio cardinal do processo civil num estado de direito” (Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 351).

No caso concreto a R., ora Apelada, limitou-se a alegar, de forma conclusiva, que todos os créditos emergentes do contrato prescrevem decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato e que este cessou em 29/11/2014.

Não obstante, a decisão recorrida consignou, na factualidade tida como relevante, que (2.) o A intentou a presente ação no dia 26 de Novembro de 2015 (cfr. certificação do Citius) e (3.) a R foi citada para a presente demanda no dia 30 de Novembro de 2015, através de agente de execução (certidão de citação junta).

Estes são factos que, querendo a R. valer-se da prescrição lhe competia alegar. Limitando-se esta a invocar a data da cessação do contrato, a exceção de prescrição está deficientemente fundamentada.

Contudo, não parece que o Tribunal esteja inibido de se socorrer de tais factos.

Na verdade, dispondo, embora, o CPC que o réu deve alegar os factos essenciais em que se baseiam as exceções, também dele decorre, muito concretamente de quanto se dispõe no Artº 5º/2 que, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (alínea c)). Isto leva a que o autor acima citado reconheça que o juiz pode conhecer oficiosamente de factos cujo conhecimento lhe advenha das suas funções, ainda que tais factos sejam essenciais (ob. Cit., 24).

Ora, consignou-se na sentença que o conhecimento da factualidade exarada e não alegada provinha da certificação do Citius e da certidão junta.

Termos em que se conclui que, não obstante deficientemente invocada, a exceção de prescrição pode ser conhecida com o complemento de factualidade carreada para os autos pelo tribunal.
E, assim, não há como considerar não invocada a prescrição do direito.
*

A 2ª questão a apreciar prende-se, já não com a forma, mas antes com a matéria: terminasse o prazo no dia 28 de Novembro de 2015 ou no dia 29 de Novembro de 2015, porque coincidissem ambos com dias em que não se praticam atos judiciais, teria que considerar-se como termo do prazo, o dia 30 de Novembro de 2015, às 23.59 horas?

Alega o Apelante que prazo se conta a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato, ou seja, dia 29 de Novembro de 2014. O dia 28 de Novembro de 2015 foi sábado e o dia 29 de Novembro de 2015 foi domingo. Para que fosse interrompida a prescrição, a Apelada teria que ser judicialmente citada, isto é, o ato em referência teria que ser praticado em Juízo. Ora, no âmbito do processo laboral a citação depende sempre de um despacho judicial a designar dia e hora para a realização de tentativa de conciliação, pelo que, em caso de dúvidas na contagem do decurso do prazo, haverá que respeitar-se as regras contidas no artigo 279º do Código Civil, nomeadamente a sua alínea e) que determina que: “ O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparados as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo, tiver que ser praticado em Juízo”.

No regime do Código do Trabalho a prescrição ocorre decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato.

No caso em análise o A. trabalhou sob direção e autoridade da R. desde o dia 1 de Outubro de 1971 até ao dia 28 de Novembro de 2014.

Assim, em 29/11/2015 completou-se o prazo prescricional.

O prazo prescricional decorre da lei e não de qualquer negócio jurídico, pelo que o disposto no Artº 279º do CC não tem aqui aplicação. A sua aplicação restringe-se ao negócio jurídico.

Por outro lado, conforme já acima dissemos, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial.

Em causa está apenas a citação, que ocorreu no dia 30/11/2015, ou seja, quando já consumado o prazo prescricional.

De outro ponto de vista, a data em que foi proposta a ação também não teria a virtualidade de, por força de quanto se dispõe no Artº 323º/2 do CC, vir a permitir que se conclua pela interrupção da prescrição.

É que, considerando a data de propositura da ação, nem sequer se pode aventar a possibilidade de a citação ter sido requerida com cinco dias de antecedência sobre o termo do prazo prescricional, circunstância em que se poderia ter a prescrição por interrompida ainda que aquela não tivesse ocorrido antes da consumação do prazo prescricional.
Termos em que improcede o recurso.
*
***
*
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Notifique.


Lisboa, 30 de novembro de 2016


MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
CELINA NÓBREGA



Decisão Texto Integral: