Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1144/08.6TYLSB.L1 -6
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/31/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º consagra como excepção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de o “encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.
II - A homologação do plano de insolvência não pode ter como efeito tornar inútil a sentença de verificação e graduação de créditos.(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

O BANCO … intentou a acção declarativa de condenação (verificação ulterior de créditos) sob a forma de processo sumário, nos termos do art 146º do CIRE, contra a massa insolvente da sociedade A…, os credores da insolvente e a sociedade insolvente, pedindo que lhe seja reconhecido um crédito de € 162.459,96, graduando-o no lugar que lhe compete.

Neste processo foi proferido a seguinte decisão:

Por decisão proferida a fls. 1261 do processo principal foi declarado encerrado o processo de insolvência na sequência da homologação de um plano de insolvência, nos termos do disposto no art. 230º, nº1, al. b) do CIRE.---

Tal encerramento acarreta a extinção da instância dos processos de verificação de créditos uma vez que ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos no respectivo apenso (art. 233º, nº 2, al. b) do CIRE). ---

Assim, declaro extinta a instância nos presentes autos”.

O BANCO ... veio interpor recurso, concluindo:

A. A sentença proferida não acautelou o direito de crédito do Recorrente;

B. A falta de sentença de verificação de créditos, que deveria ter tido lugar no âmbito da acção de verificação ulterior de créditos interposta pelo Recorrente implica que o crédito do Recorrente não possa ser atendido no presente processo de insolvência;

C. A homologação do plano de insolvência não pode ter como efeito tornar inútil a sentença de verificação e graduação de créditos;

2 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, datado de 24.09.2009, proferido no processo n.º 605/04.0TYVNG-F.P1, em que foi relator o JUIZ DESEMBARGADOR MADEIRA PINTO, disponível em www.dgsi.pt.

3 LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2008, pág. 723, ponto n.º 4 da anotação art. 217.º.

D. O efeito útil de tal sentença sempre se traduziria no reconhecimento do crédito da Recorrente e, em consequência, na possibilidade de o mesmo poder ser atendido no presente processo de insolvência;

E. O nº 3 do art. 209º do CIRE prevê que o plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos deve acautelar os efeitos da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos ou dos recursos interpostos dessa sentença, de forma a assegurar que, nessa hipótese, seja concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido;

F. Esta disposição legal, permite-nos perceber que idêntico raciocínio deverá ser feito relativamente a um crédito posteriormente reconhecido, no âmbito da acção prevista no art. 146 do CIRE de verificação ulterior de créditos;

G. No entanto, para que se torne possível dar a este crédito o tratamento devido, conforme prescreve aquela norma, é necessário haver uma sentença que o verifique e que, desse modo, ponha termo ao apenso de verificação ulterior de créditos;

H. Entende, assim, a Recorrente que deverá ser proferida sentença de verificação e de graduação de créditos.

I. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, devendo ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

Termos em que,

Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida e substituído por outro que verifique e reconheça a existência do crédito do ora Recorrente.

Assim

Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida e substituído por outro que verifique e reconheça a existência do crédito do ora Recorrente.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.

 Assim, a questão a resolver consiste em saber se o encerramento do processo após a decisão homologatória do plano de insolvência determina a extinção da instância do processo de verificação de créditos, como foi entendido no despacho recorrido, ou não, como defende a Apelante.

II – Fundamentação de facto.

Para a decisão do recurso releva toda a factualidade que se extrai do relatório supra.

III – Fundamentação de direito.

No caso a Apelante instaurou uma acção de verificação ulterior de crédito sobre a insolvente e foi decidido que, como o processo principal foi declarado encerrado na sequência da homologação de um plano de insolvência, tal encerramento acarreta a extinção da instância dos processos de verificação de créditos uma vez que ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos no respectivo apenso (art. 233º, nº 2, al. b) do CIRE).

Contra este entendimento se insurge a Apelante, sustentando que a homologação do plano de insolvência não pode ter como efeito tornar inútil a sentença de verificação e graduação de créditos.

Vejamos.

Segundo o art.º 287.º, al. e) do CPC de 1061 a instância extingue-se com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

Tal acontece quando, em virtude de novos factos verificados na pendência do processo, a decisão a proferir nele já não possa ter qualquer efeito útil, porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cfr. Alberto Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, págs. 367-373

Distinguem assim duas causas: “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. (vide Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 2.ª edição, pág. 555).

 Comanda o art.º 230.º do CIRE:

 “1- Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:

 a)…

 b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste;

 …

2- A decisão de encerramento do processo é notificada aos credores e objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º, com indicação da razão determinante.”

Dispõe ainda o art. 233.º, n.º 2, al. b) do CIRE que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina “a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, excepto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as acções cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias”.

 Esta alínea tem a redacção dada pelo DL n.º 200/2004, de 18/8, que lhe aditou outra excepção à extinção da instância contemplando a hipótese em que o encerramento do processo decorra da “aprovação do plano de insolvência”.

 E este aditamento está em conjugação com a alteração efectuada pelo mesmo Decreto-Lei ao n.º 2 do art.º 209.º do CIRE, tornando possível a aprovação de um plano de insolvência sem estar previamente proferida sentença de verificação, embora já com o prazo de reclamação esgotado e as impugnações deduzidas.

Numa análise literal do mencionado preceito, sobretudo da parte final que se manteve intacta, e invocando a falta de esclarecimentos por parte do legislador, há quem defenda a não aplicação da estatuição ali prevista aos autos de verificação de créditos de forma a impossibilitar a sua continuação até à decisão final, como é o caso de Carvalho Fernandes e João Labareda, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão de 2009, págs. 772 a 773, quando dizem: “no caso de o processo judicial ter terminado na decorrência de um plano de insolvência, não estando, como é pressuposto, proferida sentença de verificação de créditos, apenas se salvaguarda a continuação das acções pendentes de restituição e separação de bens já liquidados cujos autores assim requeiram, no prazo de trinta dias”.

Entendemos que não pode ser esta a interpretação da lei.

A alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º consagra como excepção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de o “encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.

Não sendo muito nítida a redacção desta alínea, decorrente do aditamento daquela excepção e da manutenção da parte restante, não há dúvida que o legislador quis consagrar e consagrou a referida excepção. E, tendo consagrado tal excepção, alguma utilidade deve ter, tanto mais que temos de presumir que consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil). Não será pela manutenção da anterior redacção relativa à outra excepção que quis inviabilizar a aplicação da segunda excepção que acabara de consagrar. E não alterou a estatuição, certamente por a julgar desnecessária por partir do pressuposto de que a regra normal de extinção da instância é o julgamento. Deste modo, temos de concluir que, ao consagrar a referida excepção, quis-se a continuação do apenso de verificação de créditos até à decisão final. Tal continuação impõe-se sobretudo nos casos de impugnação à lista de créditos elaborada pelo administrador da insolvência, havendo uma certa analogia com a situação ali prevista de interposição de recurso da sentença de verificação.

 Por outro lado, do citado art.º 230.º resulta que o encerramento do processo de insolvência não opera automaticamente após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência. Para além da correspondente decisão judicial a declarar o encerramento do processo, terá a mesma de ser notificada aos credores e ser objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º (vide Ac. da Relação do Porto, Proc. nº 241/09.5TYVNG-A.P1, de 29/11/2011, in www.dgsi.pt).

Não há, pois, razão para se considerar verificada qualquer causa de extinção da instância, seja por impossibilidade seja por inutilidade superveniente da lide.

Conclusão.

I - A alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º consagra como excepção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de o “encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.

II - A homologação do plano de insolvência não pode ter como efeito tornar inútil a sentença de verificação e graduação de créditos.

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a Apelação, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento destes autos de verificação de créditos, com a subsequente tramitação legal.

Sem custas

Lisboa, 31 de Outubro de 2013

Ana Lucinda Mendes Cabral

Maria de Deus Correia

 Maria Teresa Pardal