Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4746/2007-5
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: REVISTA
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: 1. Para procederem a revistas a coberto da alínea a), do n.º 1, do artigo 251º, do Código de Processo Penal, é necessário que os órgãos de polícia criminal disponham previamente de factos que indiciem que a pessoa a revistar cometeu ou se preparava para cometer um crime, ou que nele participou ou se preparava para participar.
2. Um suspeito só pode ser revistado por órgãos de polícia criminal, sem prévia autorização da autoridade judiciária, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 251º, do Código de Processo Penal, em caso de fuga iminente ou de detenção.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no tribunal da Relação de Lisboa:

O Ministério Público interpôs recurso do despacho do Meritíssimo juiz de instrução criminal proferido no inquérito n.º 229/07.0PARGR da Comarca da Ribeira Grande que não validou 4 revistas levadas a cabo pela PSP sem prévia autorização da autoridade judiciária.
No final da motivação pediu a revogação do despacho e a substituição dele por outro que valide as revistas.
Fundamentou a sua pretensão, em síntese, no seguinte:
1. As revistas efectuadas a (N), (R) e (J) foram devidamente fundamentadas pois os revistados encontravam-se em local habitualmente frequentado por toxicodependentes e logo que viram a polícia tentaram abandonar o local.
2. A tentativa de abandono do local pelos revistados quando se aperceberam da força policial faz concluir pelo perigo iminente de fuga.
3. O comportamento dos revistados era de molde a fazer crer aos agentes experimentados que aqueles tinham na sua posse produtos estupefacientes impondo-se, por se verificarem os requisitos do artigo 251º, n.º 1, alínea a), do C. P. Penal (CPP), a realização imediata de uma revista como medida cautelar.
4. Só com esta medida cautelar era possível evitar a perda de provas. A bondade da actuação da PSP resultou do facto de as suspeitas terem sido corroboradas com a apreensão do produto estupefaciente ao revistado (N)
5. A fazer vencimento a tese defendida pelo Meritíssimo juiz os órgãos de polícia criminal ficariam impedidos de proceder a revistas a suspeitos de ter na sua posse produto estupefaciente perdendo-se importantes meios de prova.
Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
O arguido não apresentou resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência cumpre decidir.
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      A principal questão que se discute neste recurso é a de saber se são válidas as revistas efectuadas pela PSP sem prévia autorização da autoridade judiciária.
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Factos com interesse para a resolução desta questão:
1. No dia 18 de Abril de 2007, uma brigada da PSP, procedeu à revista de (D).
2. No auto de revista consta o seguinte: Hoje pelas 12 horas, esta brigada à rua ..., Matriz – R. Grande, mais precisamente junto ao café ..., local frequentado por indivíduos conotados no tráfico/consumo de estupefacientes. Nesta conformidade e por se julgar estarem reunidos os quesitos do artigo 251º, do CPP, mormente a fuga iminente e havendo fundamentadas suspeitas de que supostamente tivesse na sua posse produto estupefaciente, o mesmo foi naquele local submetido a revista pessoal
3. No dia 18 de Abril de 2007, uma brigada da PSP procedeu à revista de (N), (R) e (J).
4. No auto de revista consta o seguinte: “Hoje pelas 12 horas e 15 minutos, esta brigada deslocou-se ao Jardim Infantil, mais conhecido por Paraíso, sito no ..., desta cidade, localizado próximo da Câmara Municipal da Ribeira Grande, local habitualmente frequentado por indivíduos conotados no tráfico/consumo de estupefacientes. Nesta conformidade e por se julgar estarem reunidos os requisitos do artigo 251º do CPP, mormente a fuga iminente e havendo fundamentadas suspeitas de que tivessem na sua posse matéria estupefaciente uma vez que os visados encontravam-se em grupo, ao aperceberem-se desta força policial, tentaram abandonar o local, foram ali submetidos a revista pessoal.     
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Posto isto passemos à resolução da questão supra enunciada.
O despacho recorrido recusou a validação das revistas com os seguintes argumentos:
1. Requisito essencial da revista é a existência de indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possa servir de prova (artigo 174º, n.º 1, do CPP).
2. Não havia indícios de que os revistados ocultavam na sua posse quaisquer objectos relacionados com um crime ou que pudessem servir de prova.
3. Não constituíam estes indícios o facto de os revistados se encontrarem num local tido para a PSP como frequentado por indivíduos conotados com o tráfico de estupefacientes pois esses locais também poderão ser frequentados por pessoas que aí desenvolvem as suas actividades.
4. A PSP usou as mesmas palavras para justificar as revistas, nem todas efectuadas no mesmo local, o que revela que se trata de um formulário onde não se cuida de explicar as razões concretas para a referida actuação policial.
Se é certo, como se afirmou no despacho recorrido, que a revista pressupõe a existência de indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possa servir de prova, já não é certo que, verificados estes indícios, estará sempre legitimidade a revista.
Na verdade, se os referidos indícios legitimam as revistas autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária, já são insuficientes para as revistas efectuadas por órgãos de polícia criminal sem prévia autorização da autoridade judiciária. Esta é a conclusão que se retira da interpretação dos artigos 174º, n.ºs 1, 3 e 4, e 251º, n.º 1, ambos do CPP.
A situação que se discute neste recurso – revistas efectuadas por órgãos de polícia criminal sem prévia autorização da autoridade judiciária - não se ajusta a nenhum dos casos previstos nas alíneas do n.º 4 do artigo 174º, nem à hipótese prevista pela alínea b), do n.º 1, do artigo 251º.
A validade das revistas efectuadas também não pode ir buscar-se ao disposto no artigo 53º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Embora o n.º 1 deste preceito disponha que, quando houver indícios de que alguém oculta ou transporta no seu corpo estupefacientes ou substâncias psicotrópicas é ordenada revista, o n.º 3 do mesmo preceito estabelece, de forma clara, que a realização da revista depende do consentimento do visado e, na sua falta, de prévia autorização da autoridade judiciária competente.
Não tendo havido consentimento dos revistados, esta norma não responde à questão colocada nestes autos.
A validade das revistas também não pode ancorar-se no disposto no artigo 4º, n.º 1, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro. Também este preceito dispõe que as autoridades policiais procederão à identificação do consumidor e, eventualmente, à sua revista e à apreensão de plantas, substâncias psicotrópicas ou preparações encontradas na posse do consumidor.
Porém, o mesmo não criou um regime excepcional de revistas que permita a sua realização fora das condições previstas no Código de Processo Penal.      
Assim, a validade das revistas em causa nos presentes autos terá de ser aferida à luz da alínea a), do n.º 1 do artigo 251º, do CPP.
Nos termos desta disposição, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, à revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se.
As revistas e as buscas a que se refere esta norma são medidas cautelares e de polícia, isto é, medidas necessárias e urgentes para assegurar meios de prova que, de outra forma, corriam o risco de ser perdidos.  
Como medidas cautelares e de polícia, as mesmas podem ser adoptadas antes de instaurado qualquer procedimento criminal e antes de os órgãos de polícia criminal receberem ordem da autoridade judiciária para procederem a investigações (artigo 249 n.º 1, do CPP).
Porém, se os órgãos de polícia criminal dispõem de legitimidade para levar a cabo as referidas medidas cautelares e de polícia, os mesmos só o podem fazer dentro dos estritos limites definidos pela lei.
O primeiro limite que a alínea a), do n.º 1 do artigo 251º, do CPP, coloca à actuação dos órgãos de polícia criminal diz respeito aos sujeitos passivos das revistas. Só suspeitos podem ser revistados.
O 2º limite é o das circunstâncias em que um suspeito pode ser revistado. Só em caso de fuga iminente ou de detenção é que os suspeitos podem ser revistados pelos órgãos de polícia criminal sem prévia autorização da autoridade judiciária.
Suspeito para efeitos da alínea a), do n.º 1 do artigo 251º, do CPP, é toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar (artigo 1º, alínea e), do CPP).
Assim sendo, o primeiro passo a dar, para aferir da legalidade das revistas em causa nos presentes autos, é indagar se os agentes da PSP que procederam às revistas tinham indícios de que as pessoas que revistaram cometeram ou se preparavam para cometer um crime, ou que nele participaram ou se preparavam para participar.
Isto é, para procederem às revistas a coberto da alínea a), do n.º 1, do artigo 251º, do CPP, era necessário que os agentes da PSP dispusessem, previamente, de factos que indiciassem que os revistados cometeram ou se preparavam para cometer um crime, ou que nele participaram ou se preparavam para participar.
É certo que não se exige que os factos que sustentam os indícios tenham o mesmo grau daqueles que são necessários para impor a prisão preventiva ou para deduzir acusação. Porém, tem de tratar-se de uma suspeita fundada.
Conforme refere Irineu Cabral Barreto, in a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição, Coimbra Editora, 2005, páginas 95, citando várias decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem “uma suspeita pressupõe a existência de factos ou informações de modo a que um observador objectivo, valorando-os, possa ajuizar no sentido de se convencer de que a pessoa poderia ter praticado um crime”.
Lendo os autos de revista (fls. 12 e 14) fica a saber-se que os agentes da PSP procederam às revistas por terem suspeitado de que os visados “tinham na sua posse produto estupefaciente”.  
Basearam estas suspeitas nos seguintes factos:
Quanto a (D) (auto de fls. 12) basearam-se no facto de ele se encontrar num local frequentado por indivíduos conotados com o tráfico/consumo de estupefacientes.
Quanto a (N), (R) e (J) (auto de fls. 14) basearam-se no facto de eles se encontrarem num local habitualmente frequentado por indivíduos conotados com o tráfico/consumo de estupefacientes e no facto de os visados, que se encontravam em grupo, terem tentado abandonar o local ao aperceberem-se dos agentes da PSP.
O facto de uma pessoa se encontrar num local frequentado por indivíduos conotados com o tráfico/consumo de estupefacientes não constitui fundamento para se ajuizar de forma objectiva que os que aí se encontram têm na sua posse produtos estupefacientes.
No caso, atendendo aos locais mencionados nos autos de revista, o espaço junto a um café e um largo próximo de um edifico público (Câmara Municipal da Ribeira Grande) não era de afastar a probabilidade de aí se encontrarem pessoas sem qualquer relação com o consumo ou o tráfico de estupefacientes.
Porém, ainda que o referido facto legitimasse a suspeita da PSP, o certo é que este órgão de polícia criminal só poderia proceder à revista em caso de fuga iminente ou detenção do suspeito.  
Apesar de o auto de revista de fls. 12 referir que estavam reunidos os requisitos do artigo 251º, do CPP, mormente a fuga iminente, a verdade é que não se colhe nesse auto nenhum facto que a índice.
Assim sendo, bem andou o Meritíssimo juiz ao não validar a revista a (D).
No que diz respeito à revista a (N), (R) e (J) a PSP, as suspeitas da PSP, fundaram-se, conforme se escreveu acima, não apenas na presença dos visados num local habitualmente frequentado por indivíduos conotados com o tráfico/consumo de estupefacientes, mas também no facto de os visados terem tentado abandonar o local onde se encontravam ao aperceberem-se dos agentes da PSP.
A tentativa de abandono do local, pelos visados, ao aperceberem-se da presença da PSP é um comportamento adequado a criar num observador objectivo a suspeita de que os mesmos temiam o encontro com os agentes de autoridade porque tinham na sua posse produtos ou substâncias proibidas.
Assim sendo, era razoável a suspeita de que os visados tinham na sua posse substâncias estupefacientes, o que era susceptível de configurar um crime de tráfico de estupefacientes, e que estavam a tentar subtrair-se à acção dos agentes policiais.
A sua acção tinha, pois, cobertura, no disposto no artigo 251º, n.º 1, alínea a), do CPP.
Deste modo, ao não validar as referidas revistas, o despacho recorrido violou o disposto na citada norma.
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Decisão:
Julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência:
1. Revoga-se o despacho recorrido na parte em que não validou as revistas efectuadas a (N), (R) e (J), declarando-se válidas essas revistas;
2. Mantém-se o despacho recorrido na parte em que não validou a revista a (D).
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Sem custas.
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Lisboa, 6/11/07

Emídio Santos
Pulido Garcia
Gomes da Silva