Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
154/14.9T8VFX.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Na acção de nulidade ou de anulação de deliberações sociais compete ao autor invocar e provar os requisitos constitutivos do seu direito a deliberar, ou seja, a sua qualidade de sócio e a existência de deliberação não votada por si, cabendo à ré a prova de que a deliberação foi válida, regularmente convocada, e que se a autora não votou foi por razão que não lhe poderá ser imputável.
2. A convocação para a assembleia geral de uma sociedade por quotas não pode considerar-se correctamente efectuada, de acordo com o nº 3 do artigo 248º do Código das Sociedades Comerciais, nem de boa-fé, se foi dirigida para a residência de uma sócia que, antecipadamente, informou a sociedade que se iria encontrar ausente, por período entre 3 e 30 de Agosto de 2014, tendo a assembleia sido convocada para o dia 24 de Agosto de 2014, ou seja, seis dias antes do regresso da sócia, convocatória essa que a autora não recebeu.
3. Tendo sido postergado um interesse individual da sócia que não recebeu a convocatória para a assembleia geral, tendo ficado impedida de nela participar, tem aplicação o regime excepcional plasmado na alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais, o que acarreta a nulidade da deliberação da assembleia geral.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:


MARIA ……., residente na ……., intentou, em 24.09.2014, contra FERNANDES, LDA., com sede na…….., acção declarativa de anulação de deliberações sociais, pedindo a declaração de nulidade da deliberação tomada na assembleia geral de sócios, do dia 25.08.2014, e, subsidiariamente, a anulabilidade daquela deliberação ou a declaração de ineficácia da mesma deliberação.

Fundamentou a autora a sua pretensão, no essencial, da forma seguinte:
1. É sócia da Ré, com uma quota correspondente a € 150 000,00 do capital social e co-titular com os outros sócios, sem determinação de parte ou direito de duas quotas no valor de € 150 000,00, cada.
2. Através de consulta on-line, no dia 08.07.2014, tomou conhecimento que a Ré havia depositado a prestação de contas do exercício de 2013, sem que tivesse convocado assembleia geral.
3. Através de carta registada e com A/R solicitou à Ré cópia da acta da assembleia geral de aprovação de contas, pediu para consultar os documentos da contabilidade e informou que estaria ausente da sua residência para férias, entre os dias 02 a 30 de Agosto de 2014.
4. Em 26.08.2014 encontrou na sua caixa de correio um aviso de entrega datado de 11.08.2014, mas já não conseguiu levantar a carta enviada pela Ré.
5. A 27.08.2014 recebeu cópia da acta da assembleia geral de 25.08.2014.
6. A assembleia geral realizou-se sem que para tal fosse convocada, sendo a assembleia geral realizada em Agosto, tal como já havia sucedido nos anos de 2012 e 2013, deliberações que a Autora também impugnou.

Conclui a autora pela nulidade da deliberação tomada naquela assembleia, por falta de convocação dos sócios, na medida em que a ré tinha conhecimento que a autora estaria ausente. E, tendo sido a deliberação aprovada sem que a autora tivesse conhecimento ou informação sobre os pontos da ordem de trabalhos, conduz à sua anulabilidade.

Citada, a ré apresentou contestação, em 22.10.2014, na qual impugna a matéria de facto alegada na petição inicial, invocando, em síntese:
1. A convocação da Autora para a Assembleia, foi regularmente realizada, através do envio da convocatória para a morada correspondente à residência da Autora, com os elementos que havia solicitado.
2. A Autora sabe que as assembleias gerais são marcadas em Agosto, e insiste em marcar férias em Agosto.
3. Só em Agosto a Ré tem as contas definitivamente encerradas e disponíveis os documentos necessários à realização da assembleia.
4. Tendo sido cumpridas as formalidades exigidas para a convocação da assembleia, a autora foi regularmente convocada, sendo-lhe imputável o não recebimento da convocatória.

Foi realizada a audiência prévia, em 20.05.2015, na qual foi proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova.

Foi levada a efeito a audiência final, em 14.10.2015, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 17.02.2016, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte:
Pelo exposto, julgo a presente acção intentada por Maria …… contra Fernandes, Lda. procedente por provada e, consequentemente, declaro a nulidade da deliberação da assembleia geral de 25.08.2014.
Custas pela Ré.
Registe e notifique.

Inconformada com o assim decidido, a interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i. o aviso convocatório remetido para a A. subjacente á assembleia onde foi tomada a deliberação impugnada preenche cabalmente os requisitos estabelecidos no art. 248º do Cod. Soc. Comerciais, pelo que apenas á mesma é imputável o não levantamento do aviso de correio;
ii. sendo certo que sempre poderia a A., optando pela ausência do seu domicílio, ou proceder ao reencaminhamento postal ou ter informado que em dado período se encontrava ausente de casa, mas susceptível de ser localizada em sítio determinado, algo que, por opção própria, não fez, pelo que, não tendo feito, o não recebimento do aviso convocatório apenas a si é culposamente imputável, á luz do nº 2 do art. 224º do Cod. Civil;
iii. tanto mais que a ausência da mesma do seu domicílio não é uma ausência forçada, independente da sua vontade, mas uma ausência voluntaria, insusceptível de paralisar o funcionamento da sociedade;
iv. aliás, o art. 248º, nº 3, do Cod. Soc. Comerciais estabelece uma antecedência de 15 dias como limite mínimo de expedição de envio de aviso convocatório, pelo que uma ausência por lapso de tempo superior, sem indicação de paradeiro, é assumida pelo socio como um efectivo desinteresse pela participação nos assuntos sociais;
v. não sendo a situação dos autos susceptível de ser enquadrada no nº 1, al. a) e nº 2 do art. 56º do Cod. Soc. Comerciais, dado que o aviso não enferma de qualquer dos vícios ali elencados, e não decorrendo da não comparência da A. qualquer susceptibilidade de ser tomada deliberação em sentido contrario ao da deliberação impugnada, por força do principio estabelecido no art. 195º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, a mesma não conduz ao conhecimento e declaração de qualquer vício;
vi. a sentença recorrida, salvo melhor opinião, viola os comandos legais assinalados nas presentes conclusões de recurso.

Pede, por isso, a apelante, que o recurso seja julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida.

A autora apresentou contra-alegações, propugnando pela improcedência  do  recurso,  mantendo-se   na  íntegra  a  decisão proferida pelo Tribunal a quo e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i. A Recorrente interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo, ao qual deverá ser atribuído efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto no artigo 647°, nº 1 do Código de Processo Civil.
ii. A legalidade do aviso convocatório remetido à Recorrida subjacente à assembleia onde foi tomada a deliberação impugnada implica a verificação do disposto no artigo 248° do CSC e a eficácia da declaração deve ser aferida de acordo com o regime previsto no artigo 224° do Código Civil.
iii. Tendo a Recorrida informado previamente a Recorrente que estaria de férias e ausente da sua residência no período entre 2 e 30 de agosto de 2014, sabendo, portanto, a Recorrente que a Recorrida nunca iria receber sequer a convocatória da referida assembleia e não havendo qualquer motivo justificativo (que nem sequer foi invocado) para a realização dessa assembleia no dia 25.08.2014 (sendo que se encontrava ultrapassado em 4 meses o prazo legal para apreciação das contas do exercício de 2013), a Recorrida não recepcionou a convocatória por facto que não lhe é imputável (aliás, não recebeu por culpa da própria Recorrente!).
iv. Não tendo a convocatória sido rececionada pela Recorrida, sem culpa sua, é ineficaz a declaração, tendo-se por não efetuada a convocatória da Recorrida para a assembleia.
v. Em consequência, e de acordo com o disposto no artigo 56° do CSC, é nula a deliberação tomada na assembleia geral de 25.08.2014, porque não se mostrar regularmente convocada a Recorrida, por culpa da Recorrente.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

- DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
O que implica a ponderação sobre:
a) A FORMA DE CONVOCAÇÃO PARA A ASSEMBLEIA GERAL DE UMA SOCIEDADE POR QUOTAS.     
b) DOS VÍCIOS DAS DELIBERAÇÕES SOCIAIS
Por forma a apurar se foram praticados ou omitidos actos que consubstanciam a violação de preceitos legais ou estatutários quanto à convocatória da assembleia geral.

III . FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:

1. A Ré Fernandes, Lda., pessoa colectiva n.º ……, é uma sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ……, com o objecto social de compra e revenda de prédios, adquiridos para esse fim, promoção e execução de obras de construção civil.
2. O capital social é de € 600 000,00, dividido em quatro quotas de € 150 000,00 cada, uma da Autora, uma do sócio Manuel ….. e as outras duas de € 150 000,00 cada, pertencem em comum e sem determinação de parte ou direito a estes dois sócios e à mãe destes, a sócia Helena …...
3. A sociedade obriga-se com a assinatura de qualquer gerente.
4. A Autora após consulta das publicações online de actos societários enviou à Ré, através de correio registado com aviso de recepção, a comunicação junta a fls. 84/88 dos autos, datada de 07.07.2014, na qual solicitava «[…] o envio dos seguintes elementos/informações:
1) cópia da convocatória para a assembleia geral de aprovação de contas de 2013;
[…]
3) cópia da acta da assembleia geral de aprovação de contas de 2013 e que integra a documentação de prestação de contas de 2013 (IES), registada por transmissão electrónica em 02.07.2014, bem como cópia dos documentos de prestação de contas, que incluem relatório e contas de 2013, nomeadamente relatório de gestão e documentos de prestação de contas do referido exercício (Balanço, Demonstração de Resultados e respectivos anexos ao balanço e demonstração dos resultados).
Mais informo que, ao abrigo do disposto no artigo 214.º, do Código das Sociedades Comerciais, pretendo consultar os documentos que integram a contabilidade  da  Sociedade,  assim como os documentos  de prestação de contas do exercício de 2013 e livro de actas, nomeadamente, mas sem limitar: […]
Solicito, assim, que me informem quando tais documentos se encontram disponíveis, sendo que alerto desde já, e para os devidos efeitos, que me encontrarei de férias e ausente da minha residência, no período compreendido entre 02 e 30 de Agosto de 2014.»
5. A Ré recebeu a 09.07.2014, a referida comunicação – cfr. fls. 86/87 e 88.
6. Recebeu a Autora o aviso, cuja cópia está junta a fls. 96/97, para levantar a partir do dia 12.08.2014, correspondência enviada pela Ré.
7. Correspondência que foi devolvida à Ré, com a menção de “não atendeu” “objecto não reclamado” – cfr. fls. 98 e 166/167.
8. A comunicação devolvida, tinha o teor seguinte:
«Convocatória
Convoca-se a assembleia geral da sociedade por quotas com a firma Fernandes, Lda., para reunir na Rua …… (e não na sede por a mesma não ter condições mínimas para o efeito), no dia 25 de Agosto, pelas 15:00 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto Um: deliberar sobre a aprovação das contas do exercício de 2013. […] » - cfr. fls. 165.
9. Com data de 25 de Agosto de 2014 a Ré enviou à Autora, por via postal registada, a seguinte comunicação:
«Na qualidade de secretário da Assembleia Geral da sociedade comercial Fernandes, Lda., e na sequência de solicitação da gerência da mesma, anexo remeto cópia da acta da assembleia geral da mesma sociedade realizada hoje
10. A acta n.º 49 junta a fls. 100/101 tem o teor seguinte:
«Aos 25 dias de Agosto de 2014, pelas 15:30 minutos, na Rua ……., reuniu a Assembleia geral a sociedade comercial por quotas com a firma Fernandes, Lda. […] com a ordem de trabalhos constante da convocatória seguinte:
Ponto um – deliberar sobre a aprovação das contas do exercício de dois mil e treze.
Estavam presentes o sócio Manuel ….. por si e em representação da sócia Helena ….. […].
Não se encontrava presente a sócia Maria ……, não obstante a mesma ter sido regularmente convocada, motivo pelo qual a assembleia apenas teve início pelas 15:30 minutos.
Esteve ainda presente na qualidade de secretário o Sr. Dr. Luís …., a quem foi solicitado a redacção da presente acta.
Iniciada a Assembleia relativamente ao ponto um da ordem dos trabalhos foi deliberado por unanimidade dos votos presentes aprovar as contas, relatório de gestão e aplicação de resultados proposto no referido relatório de gestão. […]»
11. Com data de 16 de Agosto de 2012 foi enviada à Autora a comunicação junta a fls. 116/119, com o teor seguinte:
«Para os devidos efeitos, junto se anexa cópia da acta da assembleia geral desta sociedade hoje realizada
12. De acordo com a acta junta a fls. 117/119 «Aos 16 dias de Agosto de 2012, pelas 15:30 minutos, na Rua ……, reuniu a Assembleia geral a sociedade comercial por quotas com a firma Fernandes, Lda. […] com a ordem de trabalhos constante da convocatória seguinte:
Ponto um – deliberar sobre a aprovação das contas do exercício de dois mil e onze.
[…]
Estavam presentes o sócio Manuel ….. por si e em representação da sócia Helena …… […].
Verificando-se que a sócia Maria ……, pelas 16:30, não se encontrava presente, não obstante ter sido convocada, por carta registada com aviso de recepção, a qual foi devolvida, […] tendo a assembleia prosseguido os seus trabalhos por a mesma se encontrar regularmente constituída, estando representada a maioria do capital social. […]»
13. Com data de 05 de Setembro de 2013, a Ré enviou à Autora a comunicação junta a fls. 120/122, com o teor seguinte:
«Na sequência da sua solicitação, agora remetemos, e não antes dado haver anunciado que se encontrava em período de férias, cópia de: […].»
14. Da acta junta a fls. 121/122 «Aos 20 dias de Agosto de 2013, pelas 15:30 minutos, na Rua ……, reuniu a Assembleia geral a sociedade comercial por quotas com a firma Fernandes, Lda. […] com a ordem de trabalhos constante da convocatória seguinte:
Ponto um – deliberar sobre a aprovação das contas do exercício de dois mil e doze.
[…]
Estavam presentes o sócio Manuel …… e a sócia Helena ….., não se encontrava presente a sócia Maria ….. não obstante ter sido convocada, por carta registada com aviso de recepção, a qual foi devolvida, […] tendo a assembleia prosseguido os seus trabalhos por a mesma se encontrar regularmente constituída, estando representada a maioria do capital social. […]»
15. Pela Ap. 97/20130108 foi averbado o registo de acção judicial, em que  a  Autora Maria …. pede contra a sociedade comercial também aqui Ré, a declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada no dia 16 de Agosto de 2012 – cfr. certidão da matrícula da Ré junta a fls. 128/133.
16. Pela Ap. 175/20140926 foi averbado o registo de acção judicial, em que a Autora Maria …… pede contra a sociedade comercial também aqui Ré, a declaração de nulidade/ou anulação ou a ineficácia stricto sensu da deliberação tomada na assembleia geral da Ré realizada no dia 20 de Agosto de 2013 – cfr. certidão da matrícula da Ré junta a fls. 128/133.

AO ABRIGO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 607º, Nº 4 E 663º, Nº 2, do NCPC.

17. A autora intentou contra a sociedade ré, os sócios desta, Helena ….. e Manuel ……, e contra a sociedade “Manuel, Construção, Lda.” uma acção de declaração de nulidade da venda, por vício de simulação, efectuada pela sociedade ré a favor da sociedade Manuel Construção, Lda., tendo sido proferida Sentença, em 04.04.2014, constando do Dispositivo da mesma, o seguinte:
a) declaro nula a escritura de compra e venda do prédio urbano, composto de lote de terreno para construção, sito na Quinta ……, e inscrito na matriz da freguesia de Odivelas sob o artigo 11979, realizada em 26.07.2006, no Cartório Notarial de ….. entre as sociedades Fernandes, Lda., Manuel Construção, Lda. e, em consequência,
b) ordeno o cancelamento do registo de aquisição do imóvel atrás identificado G20060904031 – Ap. 31 de 2006/09/04, a favor de Manuel Construção, Lda.

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Resulta do disposto no artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais, sob a epígrafe, “Deliberações Nulas”, que:
1 - São nulas as deliberações dos sócios:
a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;
b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;
c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios;
d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.
2 - Não se consideram convocadas as assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência, aquelas de cujo aviso convocatório não constem o dia, hora e local da reunião e as que reúnam em dia, hora ou local diversos dos constantes do aviso.
3 - A nulidade de uma deliberação nos casos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação.

E, preceitua o artigo 58º do CSC, sob a epígrafe “Deliberações anuláveis:
1- São anuláveis as deliberações que:
a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56º, quer do contrato de sociedade;
b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através  do  exercício  do  direito  de  voto, vantagens  especiais  para  si  ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
2- Quando as estipulações contratuais se limitarem a reproduzir preceitos legais, são estes considerados directamente violados, para os efeitos deste artigo e do artigo 56º.
3- Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do nº 1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados.
4- Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação:
a) As menções exigidas pelo artigo 377º, nº 8;
b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo
prescritos pela lei ou pelo contrato.

Para distinguir os vícios que determinam a nulidade e a anulação de uma deliberação viciada, há que ponderar se eles dizem respeito ao conteúdo ou ao processo de formação, procedimento de deliberação: os primeiros insertos pelas al. c) e d) do artigo 56º e os segundos pelas al. a) e h) do mesmo artigo.

Da leitura dos citados normativos, e do confronto entre o artigo 58º, nº 1 e 56º, nº 1, alínea d) pode concluir-se que estabelece a lei um regime regra, que é a anulabilidade. E, mesmo nas situações de nulidades há que distinguir entre os vícios de procedimento e vícios de conteúdo, sendo que no primeiro caso, o que importa é que o sócio esteja em condições de se defender.

Porém, há casos em que o vício de procedimento impede justamente que o sócio esteja em condições de se defender, como sucede com os casos de nulidade previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56º do CSC.

Estas nulidades resultantes de vícios de formação ou de procedimento, poderão ser sanáveis, nos termos do nº 3 do mesmo diploma, daí a doutrina reconduzir o vício a uma invalidade mista, também designada, por nulidade relativa – v. J. OLIVEIRA ASCENSÃO, Invalidades das deliberações dos sócios, Problemas do Direito das Sociedades, 379.

É, por exemplo, o caso de deliberações tomadas em assembleia não convocada, as quais não serão nulas se todos os sócios estiverem presentes ou representados.

As alíneas c) e d) são duas manifestações tradutoras de um mesmo critério: são nulas as deliberações tomadas sobre matérias que estão fora da autonomia reconhecida aos sócios, extravasando assim da esfera da soberania da assembleia geral.

Se a deliberação colidir com normas dispositivas ou do pacto social, i.e., todas as que estão na disponibilidade dos sócios, elas já serão só anuláveis, conforme decorre do artigo 59º do CSC.

Mas, a dicotomia entre normas imperativas e dispositivas só tem relevância quando o vício ataca o conteúdo de deliberação.


Para
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 226, o artigo 58º do CSC prevê dois grandes tipos de vícios: a contrariedade à lei (ampla) ou aos estatutos e o abuso, previstos no nº 1, alínea a) e b). O artigo 56º, nº 2 precisa a contrariedade à lei, enquanto o artigo 56º, nº 1, alínea c) e o artigo 58º, nº 4 concretizam em especial caso desse tipo de contrariedade: a violação do dever de informação. O artigo 58º, nº 3 estipula consequências pessoais, para os sócios, pela prática de abuso (…).
A contrariedade à lei provoca anulabilidade quando, por via de alguma das alíneas do artigo 56º, nº 1, não implique nulidade aludida no artigo 58º, nº 2.
Os vícios de forma ou de procedimento quando não caiam no artigo 56º, nº 1, alíneas a) e b) geram anulabilidade, mas apenas quando a falha possa intervir no sentido final da deliberação. Trata-se da regra geral do processo (201º/1 do CPC), que serve também o favor societatis.

E, mais à frente, invoca ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, os casos da convocação sem antecedência conveniente, a inobservância de meros procedimentos, como o aumento de capital votado sem atingir a maioria de ¾ do capital social; a convocatória por aviso postal e não por publicação no Diário da República, a não inclusão, na convocatória, da destituição do gerente, todas questões afloradas na jurisprudência ali citada.

Haverá, portanto, que ponderar no que resulta do nº 1, alínea a) do citado artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais: “São nulas as deliberações dos sócios: Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados.

O regime das Assembleias Gerais nas sociedades por quotas encontra-se estabelecido no artigo 248º do CSC, aí se estatuindo que:
1- Às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas.
2- Os direitos atribuídos nas sociedades anónimas a uma minoria de accionistas quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia podem ser sempre exercidos por qualquer sócio de sociedades por quotas.
3- A convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo.
4- Salvo disposição diversa do contrato de sociedade, a presidência de cada assembleia  geral  pertence  ao sócio nela  presente  que  possuir  ou  representar maior fracção de capital, preferindo-se, em igualdade de circunstâncias, o mais velho.
5- Nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por disposição do contrato, de participar na assembleia, ainda que esteja impedido de exercer o direito de voto.
6- As actas das assembleias gerais devem ser assinadas por todos os sócios que nelas tenham participado.

Ao caso, interessa, portanto, o que resulta do nº 3 do citado normativo: A convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de 15 dias (....).

A Assembleia Geral equivale, como esclarece ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. cit., 216, ao modo matricial básico de tomar deliberações pelos sócios de uma sociedade, sendo que as regras relativas à assembleia geral que decorrem, quer da lei quer dos estatutos, aplicam-se, como decorre do nº 1 do artigo 53º do CSC, a todos os modos de deliberar, salvo diversa solução interpretativa, como flui do nº 2 do citado normativo.

As assembleias gerais de uma sociedade podem ser ordinárias ou extraordinárias. Na primeira, a assembleia reúne obrigatoriamente uma vez por ano para discutir, aprovar ou modificar o balanço e o relatório do exercício anterior e substituir os corpos gerentes quando for caso disso. Todas as demais assembleias são extraordinárias.

Nos termos do artigo 21º, nº 1, alínea b) do CSC, todos os sócios têm direito a participar nas deliberações, sem prejuízo das restrições previstas na lei e para esse efeito, as deliberações são tomadas, em regra, em assembleia geral devidamente convocada.

Como refere ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. cit., 137, nas assembleias  gerais  o direito de  participar implica o de usar da palavra, o de colocar questões, o de adiantar argumentos, o de formular propostas e o de votar.

É, pois, através do voto que o sócio manifesta a sua vontade, que, por sua vez, contribuirá para a formação da vontade social, sendo, por isso, imprescindível o prévio chamamento dos sócios através de convocatória para a reunião.

Esclarece, por outro lado PEDRO MAIA, Invalidade de Deliberação Social por vício de Procedimento, ROA, ano 61, vol. 2, Abril 2001, 718, A falta de convocatória de um ou mais sócios para a assembleia lesa, por isso, também aqueles sócios que foram convocados e/ou estiveram presentes na reunião, pois que estes associados foram privados da participação daqueles outros na assembleia, podendo assim ficcionar-se que se todos tivessem sido convocados a deliberação tomada teria sido outra. E isto é assim, convém frisá-lo, mesmo que os votos de que os sócios ausentes e não convocados dispusessem fossem em número insuficiente para mudar o sentido da votação efectuada. Com efeito, o que está em causa com a ausência de convocatória não é apenas a supressão do direito de voto do sócio, mas também do seu direito de participação na assembleia – aí incluído o direito de uso da palavra, de apresentação de propostas, etc.

A forma de se chegar á constituição de uma assembleia geral é, por conseguinte, através de convocatória dos sócios, pelo que não pode deixar de relevar a necessidade de que essa convocatória chegue ao conhecimento do destinatário.

A carta-convocatória consubstancia, assim, uma declaração recipienda ou receptícia, cuja eficácia depende do seu recebimento pelo destinatário, a tal equivalendo também a situação em que a declaração entra na sua esfera de influência.

Consagra-se no nº 1 do artigo 224º do Código Civil a chamada  teoria  da  recepção, atribuindo-se,  todavia,  no  nº 2  do citado normativo, eficácia também à declaração remetida, nos casos em que só por culpa do destinatário não foi por este oportunamente recebida, previsão que se aproxima da chamada teoria da expedição.

Cientes da dificuldade na apreciação dos comportamentos (acções ou omissões) do destinatário susceptíveis de integrar a situação aludida no nº 2 do citado preceito, visto estarem em causa conceitos indeterminados conexos com elementos subjectivos da responsabilidade contratual (a culpa e a exclusividade da culpa), a apreciação deve ser feita casuísticamente, ponderando designadamente, o específico contexto em que essa situação ocorreu.

Como se refere no Ac. STJ de 09.02.2012 (Pº 3792/08.5TBMAI-A.P1.S1), entendimento que a decisão recorrida acatou, embora o não cite: “Na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para este efeito, teremos de nos socorrer do disposto no art. 799º, nº 2, do CC, sobre a culpa no âmbito da responsabilidade contratual e, por via remissiva, do art. 487º, nº 2, do CC, nos termos da qual esse elemento subjectivo deve ser concretamente aferido através do critério de um devedor criterioso e diligente.
É esta a linha interpretativa para que aponta PAIS de VASCONCELOS quando refere que o nº 2 do art. 224º do CC se destina a contrariar “as práticas relativamente vulgares, por parte dos destinatários de declarações negociais e não negociais, de se furtarem à recepção das comunicações que lhe são dirigidas”, para concluir que “ser necessário demonstrar que, sem acção ou abstenção culposas do declaratário, a declaração teria sido recebido. A concretização deste regime não dispensa um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou não recepção da declaração”.

Como é consabido, na acção de nulidade ou de anulação de deliberações sociais aqui em causa, compete à autora - na qualidade de sócia da ré  e, por isso, com direito a  ser  convocada  para  a assembleia-geral para aprovação das contas do exercício, para nela poder votar - invocar e provar os requisitos, constitutivos do seu direito a deliberar, e bem assim a existência de deliberação não votada por si (artigo 342º nº 1 do CC), cabendo à ré a prova de que a deliberação foi válida e portanto regularmente convocada, e se a autora não votou foi por razão que não lhe poderá ser imputável.

Vejamos o que sucedeu no caso concreto.

Ficou provado que a convocatória para a Assembleia Geral da sociedade ré, a ter lugar no dia 28.08.2014, foi remetida à autora, na qualidade de sócia com a antecedência prevista no nº 3 do artigo 248º do CSC – v. Nºs 6 e 8 da Fundamentação de Facto.

Sucede porém que a autora havia remetido à ré carta registada com aviso de recepção, datada de 07.07.2014, que a ré recebeu em 09.07.2014, na qual não só solicita vários elementos societários, o que integra o direito à informação contemplado no artigo 214º do CSC, como também comunicou que estaria ausente da sua residência entre os dias 3 e 30 de Agosto de 2014 – v. Nº 4 da Fundamentação de Facto.

E, com efeito, o aviso dos correios para levantar, até ao dia 12.08.2014, a carta contendo a convocatória foi recebido, mas a correspondência acabou por ser devolvida à ré com a menção de “não atendeu”, “objecto não reclamado” – v. Nºs 5 e 7 da Fundamentação de Facto.

Mais se provou que esta situação de convocatória para as Assembleias Gerais para deliberar sobre a aprovação das contas do exercício, a realizar durante o mês de Agosto, já ocorrera em anos anteriores  – v. Nºs 11 a 14 da Fundamentação de Facto.

Infere-se, quer da persistência da sociedade ré em designar as Assembleias Gerais para o mês de Agosto, quer da acções judiciais que a autora tem vindo a intentar, pedindo a declaração de nulidade daquelas, conforme consta do registo comercial – v. Nºs 15 e 16 da Fundamentação de Facto - que existe entre os sócios da sociedade ré, designadamente com a autora, um clima de tensão e antagonismo pouco compreensível e não justificado entre os sócios de uma empresa familiar, de que também é exemplo a sentença referida no Nº 17 da Fundamentação de Facto, não obstante se não haja demonstrado que a mesma tenha transitado em julgado.

Apurou-se, portanto, que a autora, antecipadamente, deu conhecimento da sua ausência durante o mês de Agosto e, precisamente, tal como em anos transactos, a Assembleia Geral foi, uma vez mais, convocada para tal mês, e realizada seis dias antes do eventual regresso da autora.

Não logrou a ré demonstrar a imperiosa necessidade de realização da Assembleia Geral nesse mês em que a autora se encontrava ausente, sabendo-se, como se sabe, que toda a documentação com vista à aprovação das contas do exercício terão de estar encerradas em 31 de Maio de cada ano, o que apenas torna justificável a insistência em designar a Assembleia Geral para o mês de Agosto, para prosseguir o clima de confronto e antagonismo evidenciado e, sendo certo que a prestação de contas de 2013 se mostra inscrita na Conservatória do Registo Comercial desde 01.07.2014 – v. fls. 53 a 83, confirmação efectuada em http://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx.

Corrobora-se, por conseguinte, o Ac. STJ de 04.11.1993, C.J./STJ, t. 3, 104, quanto ao ali decidido que: a convocatória para a assembleia duma sociedade por quotas não pode considerar-se feita correctamente, de acordo com o artigo 248º, nº 3 do CSC, nem de boa fé, se foi dirigida para a residência dum sócio que se sabia ausente e esse respeitava a uma data anterior em 3 dias ao fim dessa ausência.

De resto, infere-se do nº 2 do citado artigo 224º do C.C. que é também eficaz a declaração que só por exclusiva culpa do destinatário não foi oportunamente recebida.
 
Ora, no caso concreto, não foi exclusivamente por culpa da autora que a convocatória não foi recebida. O sócio gerente da ré que designou a assembleia geral, sabendo que a autora se encontraria de férias, não actuou com a diligência de um bom pai de família, não actuou de boa-fé, nada se tendo provado que impedisse a assembleia de se realizar, após o regresso da autora, nos primeiros dias de Setembro, ou seja, seis dias depois.
                       
Face à prova produzida, mostra-se despicienda a alegação da ré/recorrente quanto à possibilidade de a autora ter deixado endereço alternativo ou ainda a irrelevância do voto minoritário da autora.

É que, muito embora se admita, em regra, a prevalência do favor societatis, de que fala ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, a verdade é que, a sócia tem direito à participação nas assembleias, não lhe podendo ser negado tal direito, salvaguardado pelo regime excepcional plasmado no nº 2, alínea a) do CSC, que visa defender uma grave lesão do interesse individual de cada sócio, que não pode ser postergado unicamente, tanto quanto se terá de concluir da prova produzida nos autos, para eventualmente, manter o clima de confronto e antagonismo existente entre os sócios da sociedade ré.

Destarte, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.


Lisboa, 13 de Julho de 2016


Ondina Carmo Alves – Relatora  
Lúcia Sousa                          
Magda Geraldes