Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO VALENTE | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL DELIBERAÇÃO AUTÁRQUICA TRIBUNAL ADMINISTRATIVO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/12/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Deduzido procedimento cautelar de arresto em bens dos requeridos, vereadores de uma câmara municipal, e invocando-se, para lá do receio de perda da garantia patrimonial, a existência de direito a indemnização à requerente por danos que foram causados por deliberação camarária em que intervieram tais vereadores, é materialmente competente para conhecer do arresto o tribunal administrativo. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa A… SA intentou o presente procedimento cautelar especificado de arresto contra B… C…, D… e E…, todos vereadores da Câmara Municipal de …, alegando, em síntese, que por deliberação camarária que fizeram aprovar revogaram deliberação anterior da Câmara (tomada no dia 24/06/2009) relativa à "Oferta Pública para Arrendamento de Edifício Destinado a Instalar Serviços Públicos e Privados - Edifício de Serviços Partilhados" e, consequentemente, ao fazerem "rasgar" o próprio contrato promessa de arrendamento com promessa unilateral de venda já celebrado por virtude e ao abrigo daquela deliberação, pretendendo com essa actuação tão só prejudicar gravemente a ora Requerente, violaram ilícita e dolosamente o direito da Requerente e são por isso responsáveis pelos danos já causados e que ainda se vierem a verificar para a Requerente com a sua actuação. O Mº juiz a quo proferiu decisão considerando que o tribunal competente para conhecer da acção, em razão da matéria, é o Tribunal Administrativo e Fiscal do …, absolvendo assim os Réus da instância. Inconformada recorre a Autora, concluindo que A) O presente recurso vem interposto pela requerente A…, S.A., da sentença que absolveu os requeridos da instância cautelar por julgar verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal Judicial de …, entendendo a requerente que a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da Lei, já que não se verifica a alegada excepção de incompetência absoluta em razão da matéria, devendo estar ter sido julgada improcedente, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos até final. B) Os tribunais judiciais têm competência residual em relação às outras jurisdições previstas constitucionalmente, pelo que, para aferir da eventual incompetência absoluta do Tribunal para julgar o presente procedimento cautelar, teremos de aferir se a causa está sujeita à jurisdição administrativa. C) Nos termos do nº 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa "compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídico administrativas e fiscais" e de acordo com o nº 1 do artigo 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” D) Relações jurídicas administrativas, como ensinam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, Almedina, 2004, pág. 25, são “ .. aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos (seja ele público ou privado), actua no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido (v. .Acórdão do TC nº 746/96, de 29 de Maio, e Vieira de Andrade, “A Justiça” ... , cit., p. 55 e 56)". E) É certo que a alínea h) do nº 1 do artigo 4° do E.T.A.F estabelece a competência dos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objecto a "responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos". Porém, esta norma não pode ser lida isoladamente. Antes devendo, ou tendo, de ser lida com o enquadramento geral fixado no nº 1 do E.T.A.F. E mais ainda no enquadramento constitucional dado pelo nº 3 do artigo 212° da Constituição da República Portuguesa. No sentido de que os tribunais administrativos têm competência para a apreciação da responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos, desde que a prática do acto ilícito esteja dentro de uma relação jurídico administrativa. F) Neste enquadramento, a relação material controvertida, tal qual a mesma é apresentada pela requerente, não configura uma relação jurídica administrativa que a coloque sob a jurisdição administrativa. G) Trata-se, outrossim, de uma relação material controvertida de natureza privada e jurídico civil, regulada pelos artigos 483° e seguintes e 562° e seguintes do Código Civil. H) Pelo que mal andou o Tribunal a quo, ao entender que a questão está sujeita à jurisdição administrativa apenas pelo facto de os requeridos serem vereadores de uma Câmara Municipal, ou seja, servidores públicos. I) Fazendo errada interpretação do disposto nos artigos 1° nº 1 e 4° nº 1, alínea h) do E.T.A.F. e nos artigos 483° e seguintes e 562° e seguintes do Código Civil. J) Sendo inconstitucional, por violação do disposto no nº 3 do artigo 212° da Constituição da República Portuguesa, a interpretação feita pelo Tribunal a quo da norma ínsita na alínea h) do referido nº 1 do artigo 4° do E.T.A.F. no sentido de que esta norma atribui competência aos tribunais administrativos para apreciar litígios que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgão, funcionários, agentes e demais servidores públicos não derivada de relações jurídico administrativas. K) A "instrumentalidade hipotética" entre a providência cautelar e a acção principal é apenas formal e não necessariamente também substantiva ou material. L) Pelo que a apreciação da competência para o julgamento da providência tem de ser feita autonomamente face à situação material controvertida, tal qual a mesma é apresentada pela requerente. Cumpre apreciar. A questão em apreço consiste em saber se o tribunal judicial de … é o competente em razão da matéria para conhecer do presente procedimento cautelar. Estabelece o art. 66º do CPC que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Por outro lado, a competência material deverá aferir-se a partir da relação material controvertida tal como é apresentada pelo Autor. No caso dos autos estamos perante um procedimento cautelar visando o arresto de diversos bens dos requeridos. Alega-se para tal, além do receio justificado de perda da garantia patrimonial do requerente, que este detém créditos sobre os requeridos no montante de € 21.763.611,21. Tais créditos correspondem aos danos causados à requerente pela conduta dos requeridos, vereadores da Câmara Municipal de …, ao fazerem aprovar, por deliberação camarária, a revogação da anterior deliberação da Câmara visando o arrendamento de um edifício destinado a instalar serviços públicos e privados, “Edifício de Serviços Partilhados”, e como tal dando sem efeito o contrato promessa de arrendamento com promessa unilateral de venda já celebrado. Assim, o direito da requerente emerge de reclamada indemnização por danos extra-contratuais causados pela conduta dos requeridos, que, repete-se, consistiu numa deliberação que tomaram, enquanto vereadores, na Câmara Municipal de …. Nos termos do art. 4º nº 1 h) da Lei nº 13/2002 de 19/2 (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto “... a responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos”. E nos termos do art. 56º nº 1 da Lei nº 169/99 de 18/9, “a câmara municipal é constituída por um presidente e por vereadores, um dos quais designado vice-presidente, e é o órgão executivo colegial do município, eleito pelos cidadãos eleitores recenseados na sua área”. Como se refere na decisão recorrida, que cita a propósito o parecer nº 17/73 de 31/5/73 do conselho consultivo da Procuradoria-geral da República, os vereadores de uma câmara municipal são enquadráveis no conceito amplo de servidor público. É contudo óbvio que a responsabilidade extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos só cabe no âmbito de competência dos tribunais administrativos e fiscais, desde que tal responsabilidade emirja de relações jurídicas administrativas e fiscais. Por outras palavras, que o acto lesivo e gerador de responsabilidade seja praticado por servidor público – mesmo em conceito amplo – no âmbito de uma relação jurídica regulada pelo direito administrativo ou fiscal. Ora, com vista a apreciar o direito da requerente, mesmo que a nível meramente indiciário e probabilístico, será necessário, além do mais, apreciar a invocada ilicitude do acto gerador de responsabilidade, ou seja, a deliberação que revogou a anterior deliberação camarária de 24/6/2009. Tal apreciação terá de se nortear pela legislação administrativa que, de resto, a própria recorrente invoca no seu requerimento inicial, nomeadamente os artigos 140º e 141º do Código de Procedimento Administrativo. Além disso, é a requerente que alega – art. 109º do requerimento inicial – que impugnou a ilegalidade da deliberação mediante acção administrativa especial instaurada contra a Câmara Municipal de … em 18/4/2011, no Tribunal Administrativo e Fiscal do …. Ou seja, para aferir da probabilidade da existência do crédito da requerente será necessário abordar a questão da ilicitude da deliberação, já que esse é um dos pressupostos da responsabilidade. E a apreciação da legalidade da deliberação integra-se claramente na jurisdição administrativa. Do que resulta que, para conhecer do presente procedimento cautelar será competente o tribunal administrativo e não o tribunal judicial. Conclui-se assim que: - Deduzido procedimento cautelar de arresto em bens dos requeridos, vereadores de uma câmara municipal, e invocando-se, para lá do receio de perda da garantia patrimonial, a existência de direito a indemnização à requerente por danos que foram causados por deliberação camarária em que intervieram tais vereadores, é materialmente competente para conhecer do arresto o tribunal administrativo. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 12 de Janeiro de 2012 António Valente Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais |