Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
54/2006-9
Relator: ANA BRITO
Descritores: BUSCA
BUSCA DOMICILIÁRIA
ESTABELECIMENTO BANCÁRIO
ADVOGADO
NULIDADE
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I – O prazo para arguir as irregularidades a que se reporta o artº 123º do C.P.P. é de três dias no caso de buscas e apreensões realizadas na presença do interessado mas estando o mesmo desacompanhado de advogado que o represente no processo.

II – É ao MºPº que compete determinar quais as diligências que devem ser realizadas em ordem a descobrir e recolher as provas necessárias aos fins do inquérito, ainda que na realização de tais diligências seja assistido pelos órgãos de polícia criminal ou, quando a lei o determina, tenha que obter prévia autorização do Juiz de Instrução.

III – É o critério da investigação, cujo dominus é o MºPº, que determina a razoabilidade das buscas e da selecção/escolha dos objectos apreendidos.

IV – As razões e fundamentos da busca que devem constar dos respectivos mandados não têm que abarcar “…os indícios concretos que fundamentam a realização das buscas nem os reais meios de prova em que esses indícios assentam, o que bem se compreende para que a investigação não seja inviabilizada pela manipulação de elementos de prova”.

V – Podem ser objecto de apreensão quaisquer objectos relacionados com o crime ou que possam servir de prova, o que abarca coisas que estejam em poder ou que pertençam ao suspeito como coisas em poder ou pertencentes a terceiros.

VI – Podendo embora não se considerar boa prática, não constitui qualquer ilegalidade que o JIC se ausente do local buscado apenas quando se ocorrem procedimentos meramente materiais (no caso cópia de ficheiros informáticos previamente determinados pelo JIC).

VII – Questões relacionadas com sigilo profissional – de advogado ou bancário – só se colocam quando do momento da revelação dos documentos e demais coisas apreendidas e não, no concreto momento que lhe precede e que agora está em causa, o da apreensão.
Decisão Texto Integral: 1. No Proc. (de inquérito) Nº 482/04.1TABCL do TCIC, vieram

A1, A2, B1, B2, B3, C, D., E., F., F1, G., H., I. e J. recorrer do despacho do Mmo JIC que julgou extemporâneas as irregularidades por estes arguidas, indeferiu as nulidades pelos mesmos invocadas, ambas respeitantes a BUSCAS efectuadas, e determinou a aplicação de taxa de justiça em 3 UCs,.
Apresentaram as seguintes conclusões:
“No âmbito da invocação de irregularidades ao abrigo do Art. 123.º do CPP, a expressão “acto a que o interessado assista”, não pode referir-se sem mais ao materialmente visado pelo acto pretensamente irregular;
Tal expressão antes deve reportar-se à pessoa escolhida pelo visado ou designada pela autoridade judiciária para o representar processualmente;
Mesmo admitindo a interpretação constante da conclusão 1) supra, o Meritíssimo Juiz não pode rejeitar a arguição de irregularidade que não foi feita no acto, sem cuidar de apurar a cognoscibilidade de tal irregularidade por parte do visado;
Subsidiariamente, sempre se dirá que as pessoas que se encontravam nos locais buscados e que assinaram os autos respectivos não representavam as entidades visadas nas buscas não podendo, consequentemente, arguir em nome destas as irregularidades que foram sendo cometidas. Este é o caso das seguintes sociedades: A2.; B1; C.; B2.; A1.
É inconstitucional, por violação do Art. 32.º da Constituição, a norma do Art. 123.º do CPP quando aplicada e interpretada no sentido de que a irregularidade deve ser arguida no acto pelo interessado que a ele assista, independentemente de se apurar da cognoscibilidade do vício pelo arguido, agindo com a diligência devida;
No que a este particular concerne, a decisão recorrida violou o Art. 123.º do CPP e, bem assim, o Art. 32.º da CRP, aplicável directamente por força do Art. 18.º da mesma Lei fundamental.
Por força do Art. 296.º do Código Civil, é aplicável à contagem dos prazos em processo penal, designadamente, os prazos constantes dos Arts. 123.º n. 1 e 107.º n.º 5 do CPP, as regras constantes do Art. 279.º do Código Civil.
Nos termos da alínea e) deste dispositivo, o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil;
No caso em apreço, tendo o prazo a que alude o n.º 1 do Art. 123.º do CPP terminado no Domingo, dia 23 de Novembro de 2005, por força da alínea e) do Art. 279.º do Código Civil, deve ter-se por transferido para segunda feira, dia 24 de Novembro de 2005;
Nesta conformidade e ainda no caso em apreço, o terceiro dia de multa a que alude o n.º 5 do Art. 107.º do CPP, terminou no dia 27 de Novembro de 2005 e não no dia 26 do mesmo mês e ano, como se sustenta na decisão recorrida;
A decisão recorrida viola o disposto nos Arts.296.º e 279.º do Código Civil e Art. 107.º n.º 5 do Código de Processo Penal;
Do exposto nas conclusões 1 a 10, resulta que no caso em apreço a arguição das irregularidades foi tempestiva;
A apreensão, como meio de obtenção e conservação de prova que é, pressupõe a prévia análise do documento ou objecto apreendido com vista a averiguar a susceptibilidade do mesmo servir os propósitos probatórios da investigação;
Particularmente no que tange à apreensão em estabelecimentos bancários e escritórios de Advogados, compete exclusivamente ao Juiz de Instrução proceder à indagação da pertinência da apreensão e a sua subsequente determinação, nos termos previstos nos Arts. 181.º, n.º 1 e 180.º n.º 1 do CPP, respectivamente;
O regime legalmente instituído, pressupõe um critério de utilidade do objecto para efeitos probatórios que terá de ser sufragado pela autoridade no momento anterior à decisão de apreensão;
O despacho recorrido, ao confessar que o critério que presidiu às buscas realizadas foi o de encontrar documentos e objectos relacionados com alegados esquemas de fraude fiscal, de circulação de meios financeiros e de ocultação de patrimónios e que, após conjugação do material probatório com outros elementos de prova se restituíram aos buscados os documentos ou objectos que se revelem inúteis, configura, ao arrepio da Lei e das garantias constitucionais, o instituto da apreensão como um meio de investigação e não como um meio de obtenção e conservação de material probatório;
Esta visão da apreensão como meio de investigação perpassa, transversalmente, todo o despacho recorrido, contagiando a totalidade das apreensões efectuadas aos Recorrentes;
Neste particular, o despacho recorrido violou os Arts. 178.º, 181.º, n.º 1 e 180.º n.º 1 do CPP;
São inconstitucionais, por violação dos Arts. 32.º e 18.º da Constituição, os Artigos 178.º, 181.º, n.º 1 e 180.º n.º 1 do CPP, quando, como no caso em apreço, são aplicados e interpretados no sentido que a apreensão pode ser usada como um meio de investigação criminal e que o juízo relativo à decisão de apreensão não tem de ser realizado em momento lógica e cronologicamente anterior a esta;
Não basta a existência nos autos de um despacho devidamente fundamentado para se considerar que foi dado cumprimento ao dever de fundamentação da decisão judicial que ordenou as buscas e as apreensões;
Para que tal circunstância ocorra, necessário é que tal despacho seja entregue aos visados em momento anterior às referidas buscas e apreensões;
No caso em apreço, o despacho truncado que foi entregue aos visados pelas buscas e apreensões, não contém os elementos necessários à sindicância da pertinência e/ou legalidade das diligências em causa, violando o dispostos nos arts. 94.º, 176.º, 179.º do CPP;
A notificação ordenada no despacho recorrido, no sentido de ser entregue aos visados o despacho completo de fls. 3481 e segs, porque feita à posteriori, não represtina a legalidade de acto cuja irregularidade havia sido já suscitada;
A prolação de despacho no decurso de buscas determinando a realização de outras buscas a entidades distintas, deve ser notificada aos novos visados, em obediência ao preceituado no art. 176.º do CPP.
Os despachos de fls. 4313 e 4288 ordenando a realização de buscas nas instalações das sociedades B1., B2, B3., não foi objecto de notificação aos visados;
Tal omissão constitui irregularidade que foi oportunamente arguida e que determina a invalidade das buscas e apreensões efectuadas relativamente a tais entidades;
A possibilidade de apreensão de documentos de terceiro constante do art. 181.º n.º 1 do CPP, pressupõe que tais terceiros ou que tais documentos se relacionem com a prática do crime;
Para que se possa sindicar a legalidade da apreensão de documentos de terceiros, deve a relação entre os terceiros e os factos em investigação ser expressa e justificada em sede de auto de apreensão;
No caso em apreço, não se mostra tão pouco cumprida a formalidade prevista no n.º 2 do art. 183.º do CPP, irregularidade essa oportunamente arguida;
Relativamente aos autos que foram efectivamente entregues e quando em causa estão documentos de terceiros, não se mostra que nos mesmos haja sido justificada ou explicitada a relação dos terceiros com os factos em investigação;
É o caso, designadamente, da busca levada a cabo no prédio sito na Av. António Augusto de Aguiar n.º 132, onde no sexto piso foi aprendido um servidor da propriedade da B2 contendo uma pasta de nome “Group” dentro da qual se encontrava um “directório de empresas” onde se continha informação relativa a 200 empresas, sendo que o Despacho de fls. 3481 e o respectivo auto de apreensão, é omisso quanto à relação de tais empresas com os crimes em investigação e quanto à relevância dos documentos apreendidos para a descoberta da verdade ou para a prova desta.
A irregularidade em causa foi oportunamente suscitada, pelo que o despacho recorrido violou igualmente os Arts. 181.º e 183.º do CPP;
O indeferimento das nulidades e irregularidades suscitadas pelos Recorrentes no tocante às buscas realizadas à sociedade E.. com instalações na Av. …, n.º 5, em Lisboa, estriba-se nos mandados de fls. 4245 e auto de fls. 4246;
Tal mandado e auto, todavia, reportam-se à busca que decorreu na Av. … n.º 132 respeitante ao A2. e B1;
A busca e apreensão na R.… n.º 5 não pode ser considerada uma parte da busca e apreensão da Av. ….;
A referida busca não foi ordenada por despacho judicial, não foi objecto de mandado de busca e apreensão e nem sequer foi presidida por Juiz de Instrução Criminal, nem autorizada ou presidida pelo Ministério Público, pelo que esta é irregular porque não autorizada, devendo ser invalidada bem como todos os actos subsequentes que desta dependam, nos termos do disposto no Art. 123.º do Código de Processo Penal;
Os documentos e objectos apreendidos na busca identificada na conclusão anterior encontram-se afectados da nulidade probatória prevista no n.º 3 do Art. 126.º, do CPP e nos n.º 8 do Art. 32.º e n.º 4 do Art. 34.º da Constituição da República Portuguesa;
Ao contrário do que é sustentado no despacho recorrido, não há uma diminuição de exigências garantísticas entre correspondência fechada e correspondência aberta;
As diferenças de tratamento jurídico entre a correspondência aberta e a correspondência fechada observam-se no seguinte aspecto: é que, enquanto em relação à correspondência aberta, o juiz que autorizou ou ordenou as apreensões pode e deve fazer previamente uma valoração crítica da documentação apreendida no sentido de avaliar a relevância do seu conteúdo para a prova do crime; em relação à segunda, essa valoração crítica só pode ser posterior à apreensão, devendo o juiz formular de seguida um juízo positivo ou negativo sobre a sua importância probatória e decidir imediatamente a sua retenção ou devolução ao respectivo titular;
No respeitante à correspondência fechada, a Constituição e a lei só autorizam a sua retenção após uma avaliação da relevância do seu conteúdo para a prova; em relação à correspondência aberta os direitos ao sigilo e à sua inviolabilidade obrigam o juiz a indagar primeiro dessa relevância antes da apreensão;
A apreensão de documentação retirada de arquivos de correspondência aberta, sem nenhuma valoração prévia e escrutínio mínimo do seu conteúdo, procede de uma interpretação do artigo 179º do Código de Processo Penal contrária à proibição de intromissão abusiva na correspondência e ao direito à inviolabilidade da correspondência, fixados respectivamente nos artigos 32º, nº4 e 38º da CRP;
É inconstitucional, por violação dos Arts. 32.º e 34.º da Constituição, a norma constante do Art. 179.º quando interpretada e aplicada no sentido de que apenas se aplica relativamente à correspondência aberta;
Uma vez que inexiste a fundamentação do despacho quanto ao preenchimento dos requisitos legais da apreensão de correspondência, esta mesma apreensão está ferida de nulidade por força do disposto no n.º 1 do Art. 179.º do Código de Processo Penal conjugado com o Art. 126.º, n.º 3 do mesmo código e n.ºs 8 do Art. 32.º e 4 do Art. 34.º da Constituição da República Portuguesa, nulidade que inquina toda a prova ilegalmente obtida;
Para que se verifique uma excepção ao regime geral de proibição de apreensão de correspondência respeitante ao exercício da advocacia previsto no Art. 71.º da Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, é necessário que a correspondência em questão respeite a facto criminoso relativamente ao qual o advogado haja sido constituído arguido;
À luz do referido regime, impõe-se a prévia constituição de arguido do Advogado destinatário/remetente da correspondência e que tal correspondência respeite a facto criminoso imputado ao Advogado entretanto constituído arguido;
Sucede, porém, que ao contrário do que consta do despacho recorrido, nos presentes autos foi apreendida correspondência a advogados não constituídos como Arguidos;
É o caso da apreensão de diversa documentação e objectos, da sala dos Drs. L. e M., cfr. auto de apreensão no escritório D. da Rua … 8, 2.º Esq., em Lisboa, concretamente, “X”; X1; X2;
Nas buscas e apreensões que decorreram no escritório da D. na Avenida … 236, no Porto, nenhum advogado foi previamente constituído arguido, tendo sido apreendida vasta documentação. De entre aquela muito insuficientemente descrita no auto, sobressaem 18 dossiers A4 cinzentos de argolas contendo documentação (sic); documentos em Inglês (secretaria do Dr. N); documentação da B1;
Conforme consta expressamente do Art. 71.º da referida Lei n.º 15/2005, a proibição de apreensão abrange a correspondência seja qual for o suporte utilizado, estendendo-se ainda às instruções e informações escritas sobre o assunto da nomeação, mandato ou parecer;
Aos advogados não constituídos arguidos nos escritórios de Lisboa e do Porto foram também apreendidos os seguintes suportes electrónicos (cfr. autos respectivos), Disco rígido de computador portátil IBM na sala dos Drs. L. e M.; Discos rígidos dos computadores dos postos de trabalho dos Drs. L., N. e M., Advogados, e O., , P., Q. e R., Advogados-estagiários; CPU tipo mini tower do Dr. S., Advogado–estagiário; Pen-drive que se encontrava na secretaria da Dra. T.; Cópia server-porto-pasta grupo; Cópia de backup e pastas dos postos de trabalho;
No tocante a este particular, ao negar a invocação da nulidade suscitada, o despacho recorrido violou de forma grosseira a proibição constante do Art. 71.º da Lei n.º 15/2005, de 26.01, pelo que as apreensões são ilegais, sendo a prova obtida por via delas nula;
No tocante aos Advogados constituídos arguidos, a prova é igualmente nula por violação quer do regime das apreensões constante do Art. 176.º do CPP, quer por violação do referido Art. 71.º da Lei n.º 15/2005, de 26.0;1
Ao mencionar-se no despacho recorrido e no tocante a este particular que os suportes informáticos apreendidos terão que ser sujeitos a apreciação judicial com vista a verificar o seu conteúdo e à posterior devolução dos ficheiros e prints que se refiram a correspondência exclusivamente com os senhores advogados, o Meritíssimo Juiz confessa a absoluta subversão do regime das apreensões levadas a cabo por JIC, nos termos já expressos nos pontos 12 a 18 das presentes conclusões;
Por força desta mesma passagem do despacho recorrido, é ainda patente a violação do Art. 71.º da Lei n.º 15/2005, de 26.01, na parte em que impõe uma verificação de conteúdo – respeitar a facto criminoso imputado ao advogado entretanto constituído arguido – prévia à decisão de apreensão e condição da sua legalidade;
Consubstancia a violação constante da conclusão anterior as apreensões respeitantes aos suportes informáticos dos advogados arguidos, a saber (cfr. autos de fls.):Gabinete da Dra. J. - 2 cd’s rubricados; Gabinete do Dr. H. - 2 cd’s rubricados; Cofre da propriedade da Soc. De Advogados - computador portátil; Servidor que se encontra no final do corredor, com o nome “Server 3” e ainda dos restantes discos dos computadores não referidos acima; Cópia da memória do disco do computador, sem utilizador; Secretaria de U. - 6 disquetes e agenda telefónica preta de argolas;
A deficiente redacção e descrição dos autos de apreensão, impede uma sindicância da legalidade das apreensões, não se conseguindo destrinçar se a vasta correspondência apreendida no escritório respeita integralmente a advogados constituídos arguidos nos autos e a factos criminosos relativamente aos quais estes tenham sido previamente constituídos arguidos;
Nas buscas que decorreram nos escritórios de advogados D., na R… em Lisboa e na Avenida … no Porto, foi apreendido de forma indistinta um acervo documental gigantesco que inclui correspondência normal, correspondência electrónica, (e-mails recebidos e enviados), gravada em disco rígido de servidores, computadores, inclusivamente portáteis, cd-roms ou back-ups, ou mesmo e-mails impressos e ainda instruções e informações escritas sobre o assunto da nomeação dos advogados, mandato ou parecer solicitado, em forma impressa e/ou em forma electrónica, pelo que toda a correspondência, designadamente electrónica, e as informações escritas aí apreendidas constituem prova proibida em face do disposto no já citado Art. 71.º do EOA, dos Arts. 125.º a contrario sensu, e 126.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal e ainda do n.º 8 do Art. 32.º e n.º 4 do Art. 34.º da Constituição da República Portuguesa;
A constituição como Arguido de Advogados traduziu-se, no caso em apreço, no cumprimento de uma mera formalidade para preenchimento dos requisitos legais da busca, apenas e só porque tinham documentação em seu poder que interessava às autoridades, o que constitui uma aberrante inversão do espírito da Lei e ao completo arrepio das garantias constitucionais dos cidadãos em geral e dos Advogados em particular, a saber, Arts. 26.º, Art. 32.º e do Art. 34.º da Constituição da República Portuguesa;
É, aliás, inconstitucional, por violação dos Arts. 26.º, Art. 32.º e do Art. 34.º da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do n.º 4 do Art. 71.º da Lei 15/2005, de 26.01, quando aplicada e interpretada como no caso vertente, em que a constituição de arguido é desacompanhada de uma actuação material que relacione o visado com os factos objecto da investigação;
A busca realizada à residência da Advogada F1é está ferida de nulidade, quer por violação do Art. 71.º do EOA, uma vez que a mesma não foi previamente constituída como Arguida, quer por não ter sido dado cumprimento às exigências legais constantes do n.º 3 do Art. 177.º n.º 3 do CPP.
O regime previsto no Art. 177.º n.º 3 do CPP, estende-se, por força do Art. 70.º do EOA a qualquer local onde o Advogado faça arquivo;
A existência de documentação profissional na residência de um Advogado é suficiente para se considerar a existência de arquivo, sob pena de se entrar em algo impossível de parametrizar;
A lei não estabelece qualquer necessidade de reclamação com base na existência de arquivo como condição de aplicabilidade do regime constante dos Artigos 70.º e 71.º do EOA;
O que verdadeiramente está em causa na possibilidade de realização de busca ao domicílio pessoal do advogado é o acesso a informação e documentação profissional;
É, inconstitucional, por violação dos Art. 32.º e do Art. 34.º da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação do Art. 70.º da Lei 15/2005, de 26.01, com o Art. 177.º n.º 3, quando aplicada e interpretada como no caso vertente, em que as exigências e cautelas legais previstas no n.º 3 do Art. 177.º do CPP para que se verifique a apreensão de documentação profissional em casa de Advogado, estão dependentes de reclamação nesse sentido;
Do cotejo do despacho recorrido com o auto de apreensão de fls...., respeitante à busca ocorrida no escritório de Advogados D., resulta que os Recorrentes nem estão de má fé nem incorreram em qualquer lapso, antes se chegando à conclusão que a descrição menos correcta da realidade, para não dizer incorrecta, pertenceu ao Meritíssimo Juiz a quo;
O auto cuja cópia foi junta para maior facilidade de identificação, nem respeita a uma operação de transferência de dados determinada na sequência de uma definição judicial dos ficheiros que deviam ser apreendidos, nem refere que o Juiz se haja ausentado como o próprio vem a confirmar em sede do despacho recorrido;
Mas mesmo que a diligência, ao contrário do que consta do auto, se tenha traduzido uma operação de transferência de dados determinada na sequência de uma definição judicial dos ficheiros que deviam ser apreendidos, não é admissível a ausência do Juiz; À luz do art. 177.º n.º 3 do CPP, não é admissível que o Magistrado Judicial que preside a uma diligência de busca e apreensão num escritório de advogados se ausente da mesma e que para esse efeito proceda a uma qualquer definição judicial de ficheiros relevantes para a prova, encarregando técnicos de transferir (leia-se copiar ou mesmo, como está no auto, apreender) esses mesmos ficheiros.
Essa obrigação está reforçada no Art. 70.º, n.º 1 in fine do EOA. Por outro lado, é uma competência exclusiva do Juiz de Instrução nos termos previstos na al. c) do n.º 1 do Art. 268.º do Código de Processo Penal;
A busca e apreensão são, por conseguinte, nulas, determinado a invalidade dos meios probatórios assim recolhidos, nos termos das disposições supra citadas;
Idêntica situação, porventura ainda de forma mais gritante, ocorreu na busca realizada nas instalações do A3, sitas na Rua …, 604, em que os OPC´s iniciaram a busca pelas 10h20m, recolheram todo o material em sacos de plástico, tendo a Senhora JIC comparecido no local pelas 15h00 para validar a apreensão;
O Art. 268.º do CPP estabelece como competência do JIC, não delegável nos OPC´s, proceder a buscas e apreensões em estabelecimento bancário;
Mesmo que se venha a sufragar a posição constante do despacho recorrido de que a busca em estabelecimento bancário não exige a presença de magistrado, mas só a efectivação da apreensão – o que não se concede -, tal apreensão pressupõe um juízo crítico acerca do mesmo e, por conseguinte, a apreensão do conteúdo de documentos e não uma mera ratificação da “recolha” feita pelos OPC´s;
O acto em causa é, por conseguinte, nulo, por violação expressa do Art. 181.º e alínea c) do Art. 268.º do CPP, sendo igualmente a prova assim obtida nula nos termos do Art. 125.º do CPP, por violação das disposições conjugadas do Art. 78.º e 79.º n.º 2, alínea d) do Regime Geral das Instituições de Cédito;
Será, aliás, inconstitucional, por violação do Art. 26.º n.º 1 da Constituição, o Art. 181.º do CPP quando aplicado e interpretado como no caso vertente, com o entendimento que relativamente à busca e apreensão em estabelecimento bancário a presença do Juiz só é obrigatória no acto de apreensão propriamente dito;
A busca e a apreensão de documentos feita nas instalações do BPN – Gestão de Activos é igualmente nula por violação do Art. 181.º do CPP, uma vez que ocorreu sem a presença da Mmª JIC, acrescendo que, neste caso, não existe despacho judicial nesse sentido nem o respectivo mandado;
O mandado existente respeitava às instalações comuns da B1 e A3;
Das instalações do A4 foi apreendida, sem despacho e sem mandado inúmeros documentos relativos a transferências; pasta A5; Carteira de activos A5; backups dos servidores do A3 Rua …; com referencia a 19.10.2005 e back up a 20.10.05; 5 computadores; 3 computadores; entradas e saídas de clientes e respectivos cash flows, prova essa nula, porque ilegalmente obtida;
A apreensão realizada no dia 24.10.2005 nas instalações do A3, sitas na Rua …., 604, no Porto, após o alegado consentimento dos administradores que assinam a declaração de fls. 4689, é irregular por violação do disposto nos arts. 174.º, 176.º, 178.º, n.º 3 e 181.º do Código de Processo Penal, consequentemente, toda a prova assim obtida é nula, nos termos do Art. 125.º do Código de Processo Penal por violação das disposições conjugadas do Art. 78.º e 79.º, n.º 2 al. d) do Regime Geral das Instituições de Crédito (RGIC), o que aqui também desde já se invoca;
Isto porque ao contrário do que se sustenta no despacho recorrido, nem a declaração de fls. 4689, nem o despacho de fls. 3705 proferido ao abrigo da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, são aptas a fazer cessar o sigilo, no caso em apreço;
Como se deduz do Art. 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o consentimento relevante para efeitos de levantamento de sigilo é o do titular das contas e não o dos funcionários do banco;
Ainda nos termos do referido Regime Geral, não sendo possível obter tal consentimento, os factos e elementos cobertos pelo dever de sigilo só podem ser revelados nos termos previstos na lei penal e de processo penal (Cfr. Art. 79.º, n.º 2 alínea d) do RGICSF);
No tocante ao despacho de fls. 3705 proferido ao abrigo da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, nunca foi comunicado aos funcionários presentes no local, nem tão pouco aos administradores do A1, os quais desconheciam em absoluto o conteúdo do mesmo;
E não obstante o Despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 2.º da Lei n.º 5/2002 poder assumir uma forma genérica, é necessário que identifique cada um dos sujeitos abrangidos, as contas e as transacções relativamente às quais devem ser obtidas as informações (cfr. n.ºs 3 e 4 do art. 2.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro), só podendo assumir a forma genérica pretendida quanto se tratem de informações relativas às pessoas individuais ou colectivas devidamente constituídas Arguidas nos autos (cfr. n.º 5 do art. 2.º da referida Lei n.º 5/2002);
Ora, resulta manifesto do auto de apreensão elaborado no dia 24.10.2005 que a busca culminou na apreensão indiscriminada de todas as pastas e ficheiros existentes no Servidor “SERFOZ”, relacionados com actividades em paraísos, em manifesta violação do art. 2.º da Lei n.º 5/2002 e arts. 78.º º e segs. do Regime Geral das Instituições de Crédito (RGIC);
Acresce que a referida busca não foi precedida de qualquer Despacho judicial emitido ao abrigo do disposto nos arts. 174.º, 178.º, n.º 3 e 181.º, por forma a que o dever de sigilo pudesse ceder e legitimasse a apreensão ou qualquer ou disposição legal que eventualmente limitasse o dever de sigilo a que se encontram vinculados os funcionários bancários;
Nos termos do disposto Art. 99.º do Código de Processo Penal, o auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais, fazendo o mesmo prova quanto ao decurso dos mesmos enquanto não for colocado em causa (cfr. art. 169.º do mesmo Código);
Os Recorrentes, fundadamente, vieram colocar em causa a veracidade do conteúdo dos diversos autos de buscas e apreensão realizadas no dia 20.10.2005, pois em muitos casos os autos retratam de forma incompleta a realidade subjacente ao acto processual, ou confundem realidades distintas;
Não obstante vir a confirmar as irregularidades apontadas aos autos, o despacho recorrido, por falta de atenção ou teimosia, não logrou determinar a correcção dos autos;
Tal desconformidade foi tempestivamente arguida e reporta-se aos autos relativos às diligências de busca realizadas no escritório de Advogados da D., e à busca realizada nas instalações do A3 na Rua …, não fazem qualquer menção ao período em que não estiveram presentes os Magistrados Judiciais; no caso do auto de busca e apreensão alegadamente realizado no A1 na Av. … n.º 132, em Lisboa, são mencionadas apreensões que decorreram efectivamente na Rua … n.º 5;
Tais factos, porque contrários à lei, constituem irregularidades processuais tempestivamente arguidas para todos os efeitos legais, impondo-se a respectiva rectificação, ao abrigo do disposto no n.º 3, do art. 100.º do Código de Processo Penal;
Conforme melhor resulta do despacho recorrido, o Senhor JIC, ao abrigo Art. 84.º do CCJ, fixou em 3 UC por requerente a taxa de justiça a aplicar ao caso vertente;
Subjacente ao critério da fixação da taxa, está o conceito de custo de oportunidade da actuação judicial e da máquina judiciária;
Ora, em termos de custo de oportunidade e no caso em apreço, o facto de ter sido feito apenas um requerimento subscrito por todos os requerente faz com que o custo de oportunidade seja precisamente o mesmo que acarretaria a apresentação do requerimento apenas por um dos requerentes;
Assim e no caso em apreço, o que o Meritíssimo Juiz deveria ter feito era proceder à fixação da taxa máxima de 5 UC em função da complexidade do processo, devendo a mesma ser suportada em partes iguais por cada um dos requerentes, à semelhança do regime das custas cíveis em que haja diversas partes vencidas.”.
Na oportunidade oferecida, o MP respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da sua total improcedência, concluindo, por seu turno:
“O objecto dos presentes autos traduz-se na investigação da promoção e desenvolvimento de um esquema de fraude fiscal que se traduz na criação e utilização de sociedades em países da União Europeia, principalmente Inglaterra e Irlanda, destinadas à produção de facturação por serviços não prestados ou por fornecimentos de mercadorias por um valor superior ao real, de forma gerar falsos justificativos de custos que são utilizados por empresas nacionais, com a consequente obtenção de vantagens em sede fiscal.
O esquema de fraude é completado com a criação de sociedades e a abertura de contas bancárias offshore, que permitem que os valores pagos em correspondência com a facturação forjada supra referida seja depois retornado em benefício dos sócios das empresas nacionais aderentes ao esquema, o que implica a descapitalização das sociedades e a apropriação de tais meios financeiros da sociedade por parte dos seus próprios sócios.
Verificou-se que tal esquema de fraude era oferecido em Portugal como um “produto”, que incluía a constituição de todas as sociedades instrumentais e a montagem do circuito financeiro que iria permitir o retorno dos montantes indevidamente pagos oferecidos, sendo a adesão a tal produto oferecida por entidades financeiras e de planeamento fiscal domiciliadas em Portugal.
As diligências de recolha de prova realizadas visavam, essencialmente, identificar os procedimentos de angariação e a identidade dos clientes aderentes, caracterizar o circuito de criação de sociedades instrumentais e o circuito financeiro de retorno e caracterizar o procedimento de produção de facturas e de aplicação do esquema a outros tipos de negócio, desde a ocultação de bens imobiliários ao investimento em produtos financeiros.
As diligências de recolha de prova realizadas foram autorizadas após juízo de proporcionalidade entre os interesses na administração da justiça (alcançar dos objectivos de prova supra referidos) e os direitos fundamentais que tutelam, designadamente, a inviolabilidade do domicílio, a inviolabilidade da correspondência e dos outros meios de comunicação privada e a proibição de acesso de dados pessoais, previstos nos arts. 34º-2, 3 e 4 e 35º-4 e 7 da Constituição, sempre com expressa ressalva das excepções previstas em sede de Processo Penal.
Nesse juízo de ponderação de interesses, foi tida em conta a matéria de facto sob investigação e supra referida, atendendo-se à sua relevância criminal, uma vez que os indícios recolhidos são susceptíveis de integrar a prática de crimes de Fraude Fiscal Qualificada, p. e p. pelo artº 103º e 104º do RGIT, Associação Criminosa, p. e p. pelo artº 89º do mesmo diploma e ainda de Falsificação, Abuso de Confiança e Branqueamento, p. e p. pelos arts 256º-1 a), 205º-1 e 4 b) e 368º A do Cód Penal.
Tendo-se presentes os contornos dos aludidos direitos fundamentais consagrados na Constituição e atendendo a que as referidas normas carecem de normas legislativas que as tornem plenamente aplicáveis às situações da vida, sendo a própria Constituição a fazer depender da lei a eficácia e limites de certos direitos, verificámos que foram respeitadas as normas estabelecidas no CPP que regulamentam os meios de obtenção de prova, não se verificando qualquer compressão abusiva dos referidos direitos fundamentais susceptível de merecer a sanção da nulidade, designadamente ao abrigo do art. 32º-8 da Constituição da República Portuguesa.
Uma vez que, nem mesmo convocando a aferição com princípios Constitucionais, se verifica a ocorrência de qualquer prática cominada por Lei com a nulidade, qualquer dos outros pretensos vícios invocados pelos Recorrentes poderá apenas constituir irregularidade, nos termos dos arts 118º-1 e 2 do Cod. Processo Penal.
Tal irregularidade, de acordo com o preceituado no art. 123º do C.P.P. , deve ser arguida no próprio acto, se a este os interessados tiverem assistido ou, se não tiver assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo, ou intervindo em algum acto nele praticado, sob pena de a mesma se considerar sanada.
Pretendem os Recorrentes, uma vez que deixaram passar o prazo de arguição das irregularidades, que a expressão “interessados” se não pode referir à pessoa visada com a busca, mas sim ao representante processual do visado. Porém, tal entendimento não encontra qualquer correspondência na letra da Lei, sendo inaceitável que a expressão “os interessados” se converta numa exigência de mandatários dos interessados, ao que acresce que a Lei permite que a busca se realize na presença de quem tiver a disponibilidade do local ou em pessoa da sua confiança e ainda que, no caso concreto, a maior parte das diligências atacadas foram acompanhadas por advogados quer do Banco quer dos escritórios visados.
Conforme já acima afirmado, as buscas foram realizadas com objectivos de recolha de prova bem definidos e a sua autorização foi antecedida pela aferição dos interesses em causa, da qual resultou a necessidade, previamente delimitada, da apreensão dos documentos, não se justificando nem sendo exequível que o interesse para os autos de cada documento tenha que ser justificado no auto, por decisão fundamentada.
A selecção dos documentos a apreender obedece a interesses que são dominados pela investigação, sob o controlo das autoridades judiciárias, sendo certo que cada documento, por si próprio, não tem que conter a prova de todos os elementos do crime, mas tem apenas que ser susceptível de servir a prova, designadamente quando conjugado e analisado com outros documentos, resultantes de diferentes diligências – conforme art. 178º-1 do Cód. Processo Penal.
Não corresponde à verdade a narração feita pelos Recorrentes sobre o decurso das buscas em estabelecimentos bancários sitos no Porto, sendo evidente que foram os elementos dos órgãos de policia criminal quem procedeu à primeira selecção dos documentos, mas que foi sempre submetida aos critérios de apreensão da Sra. Juiz de Instrução Criminal que se encontrava presente e que foi quem ditou os termos dos autos de busca realizados – sendo realizada a exigência do art. 181º-1 do Cod. Processo Penal, no sentido de que é a apreensão e não a presidência da busca que merece a garantia judicial.
As buscas foram realizadas na presença de quem se apresentou como sendo responsável das sociedades visadas, após ter sido indicada a finalidade e a entidade visada com a busca, tendo acontecido que, dado o prolongamento no tempo das diligências, alguns dos principais responsáveis do Banco se ausentaram antes do final, delegando em terceiros o acompanhamento da busca e a assinatura dos autos.
Foram entregues às pessoas que se apresentaram como representantes dos buscados cópias dos mandados, onde consta a indicação dos crimes considerados indiciados e cuja prova se visava, e cópia do despacho de autorização da busca, na parte relativa à indiciação de se encontrar naquele local documentação susceptível de ser relevante para a prova – tendo assim, sido satisfeita a exigência de formalidades prevista no art. 176º do Cod. Processo Penal.
Foi entregue e será ainda, sempre que solicitada, cópia dos autos de busca às pessoas visadas, bem como tem sido facultada, diariamente, a consulta dos documentos apreendidos por parte das pessoas que os detinham, sendo entregues cópias dos mesmos, sem qualquer encargo, também quando solicitadas – satisfazendo-se o disposto no art. 183º-1 e 2 do Cód. Processo Penal.
No decurso das buscas, verificou-se a existência de uma dispersão de empresas, cada uma criada para se dedicar a um segmento de negócio muito restrito e que se evidenciou prestarem serviços recíprocos, pelo que a realização de busca numa das empresas sempre teve que abranger o seu relacionamento com as empresas associadas, sob pena de se não obter a percepção da actividade real que o conjunto de empresas desenvolve, tendo apenas se alargado, por despacho proferido no acto, o objecto da busca a outras entidades quando se verificou da necessidade de também elas serem visadas de forma autónoma – caso da C., conforme despacho de folhas 4287.
Foram assim, apenas realizadas buscas nas empresas referidas nas respectivas autorizações e mandados, sendo evidente que foram procurados e apreendidos documentos referentes ao relacionamento dessas empresas com outras sociedades e com terceiros, designadamente clientes, por ser essa a actividade de uma empresa, que não pode passar ao lado da realização de uma busca.
Nas instalações sitas na Rua …. nº 3 a 5, Lisboa, visando a actividade da sociedade A2, foi realizada uma busca, em execução de um mandado judicial expressamente emitido para tal edifício, conforme se vê a fls. 4245, não obstante ser apelidada de fantasma pelos Recorrentes.
Os Recorrentes insistem em que muitos dos documentos apreendidos se traduzem em correspondência, referindo-se ao conteúdo de cartas que já estavam abertas quando ocorreu a busca e pretendendo quanto aos mesmos que fossem assumidos os procedimentos previstos no art. 179º do CPP, esquecendo que a própria ideia de inviolabilidade pressupõe a existência de uma comunicação em circuito fechado, que não tem razão de ser aplicada a simples expediente em trânsito para arquivo.
O mesmo se passou quanto a “e-mails” que haviam sido impressos e se encontravam junto às secretárias de trabalho e em arquivos de correspondência, tratando-se de comunicações já abertas e acedidas, encontrando-se a ser tratadas pelas próprias empresas visadas como mero expediente, razão pela qual a sua apreensão não atinge o sigilo de correspondência.
Relativamente à busca realizada nas instalações do escritório de advogados “ D.”, importa referir que a constituição de advogados como arguidos não se traduziu num esquema para contornar a Lei, os arts. 70º e 71º do Estatuto da Ordem dos Advogados, mas correspondeu sim, à decorrência da existência de indícios de comparticipação nos esquemas fraudulentos por parte de alguns Srs. Advogados.
Com efeito, estamos perante uma sociedade de advogados cujos sócios se indicia terem tido ligações laborais com as sociedades do grupo B. e ainda prestarem trabalho dependente para tal sociedade, tendo até instalados no seu escritório serviços da sociedade B2, mostrando-se existir uma partilha de funções no desenvolvimento dos esquemas de fraude, para a qual o escritório de advogados contribui com a integração das sociedades instrumentais of shore, criadas pela B., nas estruturas accionistas das empresas nacionais, ocultando os reais detentores de partes do capital social ou que vão servir para a ocultação de um património ou de uma especial aplicação financeira.
Existem assim, indícios de que a Sociedade de Advogados “D” tenha sido um instrumento criado para servir a estratégia de negócio da B., no sentido de providenciarem a clientes comuns o acesso a um mecanismo que possibilita a descapitalização das empresas desses mesmos clientes e permite a obtenção de poupanças fiscais através do uso de facturação falsa – o problema é que tão inovador e útil serviço oferecido aos clientes preenche o conteúdo dos ilícitos tipificados como crimes de fraude fiscal, falsificação e abuso de confiança.
Estando em causa a actividade da própria sociedade de advogados, razão pela qual foram constituídos como arguidos os seus sócios e alguns dos principais associados, todos os documentos encontrados e relativos à B. foram apreendidos, independentemente do local onde foram encontrados, já que não estava em causa uma relação cliente/advogado, mas sim negócios (ilícitos) comuns a duas empresas.
A Advogada Dra. F1 foi efectivamente constituída arguida apenas após a realização da busca nas instalações do Porto da sociedade de Advogados e após a realização da busca na sua residência, mas também é verdade que não foi apreendida nenhuma correspondência específica relativa à actividade individual da Sra. Advogada, fora do âmbito da suspeita que recai sobre a referida sociedade de Advogados.
A Advogada Dra. F1 assistiu a todas as diligências de busca realizadas no escritório do Porto e na sua residência, nunca tendo suscitado a questão de estar em causa a correspondência trocada entre advogado e cliente, de tal forma se afigura evidente que apenas estão em causa negócios desenvolvidos em conjunto com a B..
Não decorre de qualquer preceito Constitucional uma exigência de equiparação entre escritório e domicílio de advogado, sendo a protecção devida ao primeiro baseada na presunção de ser um local onde se praticam actos sujeitos a sigilo profissional e não existindo sobre o segundo sequer qualquer indicação de ser o local preferencial de organização de arquivo por parte do advogado.
A noção de “local onde o advogado faça arquivo”, também protegido em sede de diligências judiciais por força do art. 70º do Estatuto da Ordem dos Advogados, só pode ser interpretada de acordo com as regras daquela profissão, dependendo, na falta de orientações da Ordem, da organização de serviços feita por cada profissional, dentro da normalidade de manuseamento, transporte e arquivo do expediente de um advogado, não sendo assim admissível a existência de arquivo num banco de jardim ou numa cabine telefónica.
Porque depende da organização de serviço de cada advogado e não se encontra sujeita a qualquer medida de prévio registo na Ordem, a existência de arquivo profissional deve ser invocada por cada advogado, no local onde for sujeito a medida judicial, se o mesmo corresponder ao local onde faz arquivo.
Não foi invocado nem se verificou que a Sra. Advogada F1 mantivesse arquivo profissional na sua residência, razão pela qual a busca decorreu sem a presença de Juiz ou de representante da Ordem.
Sempre seria ainda admissível que a Sra. Advogada pudesse invocar estar abrangida pelo sigilo profissional alguma da documentação apreendida em sua casa, caso em que a mesma seria selada e sujeita a apreciação Judicial, no sentido de ponderar sobre o interesse em afastar tal regime de sigilo, aplicando-se o regime previsto no art. 135º do CPP, mas também tal circunstância não foi invocada nem se detectou ou apreendeu qualquer documento relativo à prática individual da actividade de advogada.
Na busca realizada ao escritório de Lisboa da sociedade de advogados “D” foram realizados dois autos, um relativo à selecção e apreensão de documentos em suporte de papel e outro relativo à selecção, cópia e apreensão de suportes informáticos.
O Juiz que presidiu à diligência esteve presente em todas as fases de selecção e apreensão de documentos, apenas deixando ao cuidado dos peritos informáticos, autorizados a estarem presentes, a realização, necessariamente morosa, das cópias de ficheiros informáticos, comparecendo, de novo, para controlar o resultado de tal operação técnica, pelo que nenhum acto material de carácter processual foi realizado sem a sua presença.
O sigilo bancário pode ser ultrapassado quer por via da aplicação do disposto na Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, quer por via da realização de apreensões em estabelecimento bancário, art. 181º do Cod. Processo Penal, tendo, no caso dos autos, sido lançada mão de ambos os procedimentos, dirigidos no primeiro caso a situações de colaboração por parte da entidade bancária e no segundo caso a situações da existência de suspeita sobre segmentos de negócio da própria entidade bancária, casos em que se impôs a própria procura da documentação.
A realização de busca em estabelecimento bancário não tem que ser presidida por Juiz, mas tão só ser determinada a apreensão dos documentos por Juiz, o que implica a sua presença no local dos documentos, mas não exige a sua presença em sede da actividade de selecção de documentos, sempre sem prejuízo de se tratar de uma autorização de busca emitida por um Juiz.
Não foi realizada qualquer busca dirigida à actividade da entidade A4, mas apenas foram encontrados documentos relativos à actividade do A., nos segmentos de negócio com relevância para os autos, em instalações comuns entre aquela entidade e as das restantes entidades visadas, todas instalações sitas na Rua …., 604, no Porto.
A declaração emitida pelo A. constante de folhas 4689, destinou-se exclusivamente a legitimar o acesso às instalações onde se encontrava instalado um servidor informático, no qual vieram a ser feitas cópias de ficheiros por determinação e na presença de Juiz, auto de folhas 4690, não estando a mesma declaração relacionada com o levantamento do sigilo bancário, medida que já se encontrava determinada para estes casos de colaboração, nos termos da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.
Todos os documentos apreendidos foram identificados nos autos de busca em função do local onde foram encontrados e em função dos descritivos que ostentassem, de modo a que sempre pudessem ser reconhecidos e apresentados para consulta após a apreensão.
No presente recurso estão amalgamados interesses aparentemente distintos de várias sociedades, algumas das quais sem conexão, por ora, com a matéria dos autos e que, tão pouco, foram atingidas pelas medidas de recolha de prova, justificando-se a tributação do decaimento em função de cada requerente
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se apenas no sentido de acompanhar a posição expressa na resposta do MP em 1ª instância.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº2 do CPP, tendo os recorrentes reiterado a posição defendida em recurso.

2. Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
É do seguinte teor o Despacho recorrido:
“O A1., A2, B1, B2, B3, C., D., E., F. e F1, G., H., I. e J. vieram impugnar as diligências de busca realizadas no dia 20 e 24 de Outubro de 2005.
As diligências cuja validade é posta em causa são as seguintes:
Busca nas instalações do "A2", sitas na Rua …, n° 3 a 5, em Lisboa, cujos autos constam de folhas 4246 e seguinte, sendo invocadas irregularidades nos pontos 33° a 40° do requerimento;
Busca nas instalações do A, "A2" e B, sitas na Avenida …., 132, Lisboa, cujos autos constam de folhas 4250 e seguintes, sendo invocadas irregularidades nos pontos 23° a 32° do requerimento;
Busca nas instalações da "C", sitas na Av. ……, 132, em Lisboa, cujo despacho de autorização e mandado constam de folhas 4287 e 4288, sendo invocadas irregularidades nos pontos 1 a 12 do requerimento;
Busca nas instalações do escritório de Advogados "D", sito na Rua …, n° 8, 2° Esq., em Lisboa, cujos autos constam de folhas 4298, sendo invocadas irregularidades nos pontos 45 a 62 e 72 a 97 do requerimento;
Busca nas instalações do escritório de Advogados "D", sito na Avenida …., n° 236, Porto, cujo auto consta de folhas 4442, sendo invocadas irregularidades nos pontos 45 a 62 do requerimento;
Busca no domicílio da Advogada F1, sita na Via …., 231, Porto, cujos autos constam de folhas 4446, sendo invocadas irregularidades nos pontos 63 a 71 do requerimento;
Busca no domicílio de F., sita na Rua …, 5, 70 Dto., em Braga, cujos autos constam de folhas 4455, sendo invocadas de modo genérico irregularidades nos pontos 1 a 12 do requerimento;
Busca nas instalações do A3, sitas na Rua …., n° 604, no Porto, cujos autos constam de folhas 4687, sendo invocadas irregularidades nos pontos 89 e 98 e seguintes do requerimento.
O Mº Pº respondeu pugnando pela improcedência da pretensão dos requerentes.
Cumpre decidir:
Antes de mais, cumpre referir que todas as buscas foram realizadas na sequência de uma decisão judicial que as ordenou, conforme consta dos despachos judiciais e mandados de busca entregues aos buscados.
Para além disso, todas as buscas em causa foram presididas pelo JIC, com excepção dos locais em que a lei não exige essa presença. Cf. art. 180º e 181º, ambos do CPP e respectivos autos de busca.
Cumpre referir, também que, em todas as buscas os visados assistiram, tomaram conhecimento prévio do objecto da diligência e assinaram os respectivos autos de busca e ficaram com cópia dos mesmos.
Assim, e ao contrário do que se diz no artº 1º do requerimento em causa, os Magistrados Judiciais e do Ministério Público e o OPC não se introduziram nas instalações e residências dos sujeitos em causa mas entraram na sequência de uma decisão judicial, decisão essa que, por força do disposto no artº 202º e 205 nº 2 da CRP, vincula os visados.
De harmonia com o disposto no artº 118º nº 1 do CPP, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
Por sua vez o nº 2 do mesmo preceito refere que, nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.
As nulidades insanáveis são, segundo o disposto no artº 119º do CPP as que resultam expressamente da lei.
No que respeita a nulidades dependentes de arguição, a Lei Processual Penal estabelece no art. 120º nº 3 do C.P.P. que tais nulidades devem ser arguidas antes que o acto esteja terminado, tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista.
Quanto às irregularidades dispõe o art. 123º do CPP que, a mesma deve ser arguida pelo interessado no próprio acto, ou se não tiver assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo.
Tendo em conta as diligências em causa e os respectivos autos de busca, verifica-se que, algumas delas foram realizadas no dia 20-10-2005, buscas essas que, como já referimos supra, os interessados estiveram presentes ou representados e tendo alguns utilizado a faculdade prevista no art. 176º nº 1 do C.P.P., fazendo-se substituir por quadros superiores das entidades suas representadas que nada invocaram.
Assim, no que concerne às buscas realizadas no dia 20 e tendo em conta a data de entrada em juízo do requerimento (27-10-05), verifica-se que o prazo legal para a sua invocação está ultrapassado.
Como já dissemos supra, o prazo legal estabelecido para a arguição de irregularidades é no próprio acto, se os interessados a ele tiverem assistido, ou nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para algum acto nele praticado.
Mesmo que se admitisse o prazo legal de três dias, como pretendem os requerentes no seu fundamentado de ver aplicável ao caso o art. 107º nº 5 do C.P.P, esse prazo estaria sempre precludido. Com efeito, o prazo de três dias terminou no dia 23-10-2005, mas mesmo assim, o requerimento poderia ser apresentado, com multa, caso fossem satisfeitas as condições previstas no artº 107º nº 5 do C.P.P. e 145º do CPC até ao dia 26-10-2005.
Nesta conformidade e uma vez que o requerimento apenas foi apresentado em 27-10-05, o mesmo é extemporânea, em tudo o que respeita às buscas realizadas no dia 20-10-05.
Cumpre apreciar as nulidades relativas às buscas realizadas no dia 24-10-05 nas instalações do requerente A, sitas na R. … nº 604, Porto.
Falta de critério na selecção dos documentos
O art. 178º-1 do Cód. Processo Penal autoriza a apreensão dos documentos "susceptíveis de servir a prova", o que não quer dizer que, por si só constituam a prova integral dos factos.
Como já referimos no despacho que ordenou a realização das buscas em causa e constante de fls. 3481 e ss o objecto da investigação nestes autos consiste nas actividades relacionadas com infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, por vários pontos do país e ultrapassando as fronteiras nacionais, actividade essa que, se traduzia na promoção junto de particulares de esquemas de fraude fiscal, com recurso a sociedades de países terceiros da União Europeia e à emissão de facturação fictícia, e a esquemas de circulação de meios financeiros e de ocultação de patrimónios, com recurso a sociedades e a contas bancárias off-shore.
Das investigações em curso e anteriores à realização das buscas verificou-se a existência de fundadas razões que na promoção e venda desses esquemas são intervenientes vários instituições bancárias e escritórios de advogados, entre os quais os ora requerentes.
Assim, o critério que presidiu à realização das buscas foi o de encontrar documentos e outros objectos relacionados com esses esquemas, documentos esses que, uma vez conjugados com outros elementos de prova poderão contribuir para uma percepção global dos factos e para uma compreensão da real intervenção dos ora suspeitos.
Uma vez feito esse cruzamento e caso se conclua que os documentos ou alguns deles são inúteis para os autos serão os mesmos restituídos aos buscados, conforme impõe o artº 186º nº 1 do CPP.
Assim, não assiste razão ao pretendido pelos sujeitos buscados.
Da alegada falta de fundamentação da decisão judicial que ordenou as buscas.
A decisão judicial que ordenou a realização das buscas em causa encontra-se proferida no despacho de fls. 3481 e ss e dela constam os elementos de facto e de direito. Na verdade, identifica-se o objecto da investigação, infracções criminais em causa e os indícios e fonte dos mesmos para a realização das buscas.
Assim, o despacho em causa contém todos os requisitos enunciados no artº 97º nº 4 do CPP e permite a qualquer destinatário a possibilidade de reacção.
Para além disso, verifica-se, também que, o objecto das buscas encontra-se indicado nos respectivos mandados, cujas cópias foram entregues aos buscados e todos os objectos discriminados nos autos de busca e que foram encontrados durante a diligência foram, no caso concreto das presididas pelo JIC, controladas por este, apondo a sua assinatura nos respectivos autos.
Ao contrário do que pretende a defesa não existe a obrigação de indicar os indícios concretos que fundamentam a necessidade de realização das buscas nem os reais meios de prova em que esses indícios assentam o que bem se compreende para que a investigação não seja inviabilizada pela manipulação de elementos de prova.
Da alegada falta de identificação do sujeito B..
No despacho e mandado que autoriza a busca no edifício sito na Av. …, nº 132, em Lisboa de folhas 4248, encontra-se definida como objecto da busca a sociedade B..
Na execução do mandado, certificação de folhas 4249 verso, foi feito constar que o mandado foi entregue a V., que se identificou como sendo Presidente do Conselho de Administração da B. , e assinou tal certificação.
Do auto de busca respectivo, referente à B. e "C", o mesmo V. assistiu às buscas e assinou na qualidade de Administrador da B. e da "C., SA" - folhas 4295.
No decurso da busca ao escritório de advogados "D.", em Lisboa, constatou-se a existência de dois gabinetes que serviam de instalações para a sociedade "B2”.
Na sequência dessa informação e por despacho proferido no momento - folhas 4313, foi ordenada a realização de uma busca às referidas instalações, busca essa feita de imediato e na presença do técnico de contas Z. que assinou o auto.
Ainda no decurso das mesmas buscas foi, por despacho judicial proferido a fls. 4288, ordenada busca à sociedade "holding" de todo o grupo A., a designada "C”..
Assim, verifica-se que, foram identificadas todas as sociedades cujas actividades eram objecto da busca, não se verificando qualquer irregularidade.
Da alegada apreensão de documentos de terceiro:
Referem os requerentes nos pontos 27, 31 e 32 a circunstância de terem sido apreendidos documentos e ficheiros que pertencem a terceiros, eventuais clientes das sociedades visadas.
Como já dissemos supra o objecto da investigação nestes autos consiste nas actividades relacionadas com infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, por vários pontos do país e ultrapassando as fronteiras nacionais, actividade essa que, se traduzia na promoção junto de particulares de esquemas de fraude fiscal, com recurso a sociedades de países terceiros da União Europeia e à emissão de facturação fictícia, e a esquemas de circulação de meios financeiros e de ocultação de patrimónios, com recurso a sociedades e a contas bancárias offshore.
Mais resulta indiciado que, os ora requerentes são intervenientes na prestação de serviços a terceiros, serviços esses de carácter ilícito e através dos quais é concretizado o esquema tendente à evasão fiscal.
Nesta conformidade é evidente que o objecto das buscas prendia-se necessariamente com a recolha de elementos com vista à identificação do terceiros/clientes que aderiram aos esquemas ilícitos oferecidos pelas sociedades buscadas fazendo com que esses documentos tivessem de ser, como foram, apreendidos porque relacionados com os ilícitos em causa e por serem úteis à prova e à investigação.
Por fim, sempre se dirá que possibilidade de apreensão de documentos de terceiros está prevista no art. 181°-1 do Cod. Processo Penal.
Da Busca realizada na Av. .. nº 5 em Lisboa
Na Avenida …, nº 5, em Lisboa, foi realizada uma busca, na sequência da respectiva decisão e que tinha como objecto a actividade da sociedade "A2" mandado de fls. 4245 e auto de folhas 4246.
A sociedade buscada tem por objecto a gestão da rede informática que serve todo o grupo da C., visando a diligência, conforme o mandado, a recolha de dados informáticos relevantes para a prova.
Na sequência da busca verificou-se que a referida sociedade tinha a sua actividade espalhada pelos diversos pisos do edifício, existindo uma rede informática comum a todos os serviços instalados no mesmo edifício, incluindo as diferentes empresas que ali partilhavam espaços.
Mais se verificou a partilha de espaços e mesmo de funcionários pelas diferentes sociedades, sendo a busca realizada na presença de Z1, que se identificou como sendo o responsável por todas aquelas instalações.
Verificou-se assim, existirem dados informáticos relevantes para a prova num posto de trabalho, sito no piso 4° do edifício buscado, utilizado por um responsável da sociedade "C.", de nome Z2, dados esses processados e geridos pela "A2" e que se integram no tema da prova.
Tal posto de trabalho foi objecto de análise e de apreensão de dados - conforme auto de folhas 4281 e seguintes.
Mostra-se assim, que não foi realizada qualquer busca específica à sociedade "E.", conforme é invocado no ponto 33 do requerimento, sendo analisados e recolhidos dados de postos de trabalho identificados como pertencentes a outras sociedades, mas apenas na medida em que continham informação relativa à actividade das sociedades objecto da busca, A., B. e C..
Não se verifica assim, qualquer nulidade da recolha da prova uma vez que a mesma se encontrava nas instalações visadas no mandado e que versava sobre o tema da prova dos presentes autos e não se integrava no âmbito de qualquer outra sociedade estranha a estes mesmos autos.
Da apreensão de correspondência
Alegam os requerentes que nas diversas diligências de busca e apreensão foi apreendida correspondência normal e correspondência electrónica sem que tivesse sido observado o disposto no art. 179º nº 1 do CPP.
Antes de mais cumpre dizer que os especiais procedimentos exigidos no art. 179º do Cód. Processo Penal, reportam-se apenas à correspondência fechada.
Dos autos de busca resulta que alguma correspondência ainda não aberta, quer em sede de correio e fax, quer em sede electrónica, foi efectivamente retida, mas não consta que a mesma tenha sido aberta.
A abertura dessa correspondência e posterior decisão de junção ou não aos autos será feita pelo Juiz de Instrução titular dos autos conforme dispõe o citado artº 179º do CPP e mediante a elaboração do respectivo auto.
No que concerne à documentação apreendida, mesmo que integrando cópia de cartas ou impressão de e-mails foi a mesma retirada de arquivos de correspondência, não merecendo por isso qualquer tutela específica.
Assim, quantos aos documentos abertos e apreendidos não se verifica qualquer nulidade dado que não se integram no conceito de correspondência fechada.
Da alegada violação do sigilo profissional de advogado
Os requerentes referem ter sido apreendida correspondência trocada entre advogados e seus clientes, relativamente a alguns advogados que não chegaram a ser constituídos como arguidos - pontos 45 e seguintes do requerimento.
Cabe esclarecer que apenas foi visada a correspondência trocada entre os referidos advogados e os clientes B., A. e C., sociedades visadas nos autos.
Por outro lado, cumpre referir que compete ao titular da acção penal, neste caso o Ministério Público, definir quem deve ou ser constituído arguido e de acordo com os indícios existentes nos autos. Deste modo ao JIC não compete controlar essa actividade, sobretudo nesta fase processual.
Em todo caso sempre se dirá que o Ministério Público pauta a sua actividade por critérios de legalidade e objectividade e não por razões de oportunidade ou conveniência ou por esquemas para contornar a Lei, neste caso os arts. 70º e 71º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Dos autos resulta que estão constituídos como arguidos todos os Advogados que se indicia prestarem serviços para as sociedades suspeitas, em particular a B..
Dos autos de busca resulta que a correspondência apreendida diz respeito apenas às referidas sociedades clientes.
Aos advogados L. e M., (não constituídos arguidos), no auto de folhas 4298 e seguintes, constam como apreendidos:
um conjunto de onze folhas agrafadas relativas a fichas de análise de sociedades comerciais e a diligências jurídicas em modelos da B. ;
treze folhas com o timbre IPG Grupo, dirigidas à Dra. G., do Gabinete Jurídico, tendo por assunto parecer X1;
disco rígido de computador da marca IBM, de equipamento portátil;
três folhas com listagens de certificados de admissibilidade, com referência a "pasta 2" e outras três folhas com referência a "pasta 3";
dossier contendo pastas plásticas com documentos da "Eight Six Eight Corporation";
dossier da B. com minutas de contratos;
dossier da X2, contendo diversos documentos da referida empresa, designadamente serviços prestados pela B. e troca de e-mails com a intervenção do Advogado H..
De tal documentação, apenas assume a natureza de correspondência a parte em que intervêm os advogados G. e H. e estes dois constituídos como arguidos nos presentes autos - folhas 4319 e 4327.
Quanto ao suporte informático apreendido o mesmo terá que ser sujeito a apreciação judicial, com vista a verificar o seu conteúdo e posteriormente devolvidos os ficheiros e "prints" que se refiram a correspondência exclusivamente com os referidos senhores advogados.
Realça-se que, qualquer destes dois Srs. Advogados, L. e M., esteve presente na diligência, estando presente representante da Ordem dos Advogados, tendo ambos assinado os auto sem suscitar qualquer objecção, nomeadamente nenhum deles apresentou reclamação a que alude o art. 72º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Relativamente ao apreendido à N., advogada e também não constituída como arguida, foi apreendido, folhas 4298 :
procuração traduzi a X3;
procuração da X4..
Mais uma vez se verifica que não estamos perante qualquer tipo de correspondência.
Quanto ao escritório dos mesmos Srs. Advogados no Porto, cujo auto consta a folhas 4442 e seguintes, verifica-se que a busca foi acompanhada e o auto assinado pela Dra. F1.
Mais se verifica que não foi apreendida qualquer correspondência ou "prints" de e-mails, mas sim documentos relativos a sociedades e sempre com a intervenção da B..
Quanto aos suportes informáticos os conteúdos terão que ser submetidos a apreciação judicial, para efeito de apreciar da sua natureza de correspondência e interesse em subsistir nos autos.
Não se verifica a violação do disposto no art. 71º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na medida em que não se apreendeu correspondência exclusiva de advogados não constituídos como arguidos nem que fosse relativa a outros clientes que não os relativos à B., A. e C..
Da alegada nulidade da busca à residência de F1.
Alegam os requerentes que na busca realizada à casa da senhora advogada em causa deveria ter sido feita com as formalidades previstas 177º nº 3 do CPP
Nos termos do art. 70° do Estatuto da Ordem dos Advogados merecem especial protecção em sede dos trâmites de diligências de busca a realizar os escritórios de advogados e os locais onde o advogado faça arquivo.
No caso concreto a busca do auto de folhas 4446, foi realizada na presença da Sra. Advogada buscada e dirigida à sua residência.
A morada da Sra. Advogada em causa não coincide com a do seu escritório de advogada.
Por outro lado, estando presente na morada buscada, a Sra. Advogada não referiu, como poderia e deveria ter feito, que mantivesse um arquivo profissional na sua residência como não apresentou a reclamação a que alude o artº 72º do EAO.
Ora, o local de constituição de arquivo não é sujeito a qualquer necessidade de prévio registo e indicação, como se passa com o escritório, cuja morada tem que ser comunicada à Ordem.
Porém, é obviamente necessário que a existência de arquivo seja invocada, uma vez que a simples existência de documentos profissionais no domicílio da advogada não quer dizer que ali exista arquivo.
Pelo exposto, não se verifica qualquer dos pressupostos previstos para que a busca no domicílio da Sra. Advogada tivesse que obedecer aos trâmites previstos no art. 180° e 177°-3 e 4 do Cod. Processo Penal.
A busca foi assim, realizada na presença da Sra. Advogada com obediência aos trâmites exigidos legalmente para as buscas domiciliárias não se verificando qualquer nulidade.
Da alegada apreensão irregular
No ponto 72 e seguintes do requerimento é referida a apreensão de um conjunto de documentos, existentes no escritório da Dra. G. , que se reportariam a um cliente, Z3, que não estaria relacionado com o objecto das buscas - auto de busca a escritório de advogados de folhas 4298 e seguintes.
Como já dissemos supra, as buscas tiveram como objecto a recolha de elementos que permitissem a identificação dos clientes aderentes aos esquemas de fraude promovidos pelas entidades buscadas.
Por outro lado, não compete aos buscados definir quais os elementos objecto das buscas nem definir o que é que interessa ou não para investigação ou para a prova.
No caso em apreço a apreensão do documento resultou das informações constantes dos autos, nomeadamente de fls. 4176 e ss e de onde resulta que o referido Sr. Z3, é cliente do A. e que recorreu aos serviços prestados pela B., designadamente através do referido escritório de advogados, razão pela qual a documentação em causa tem interesse para a prova.
Da alegada ausência de Juiz em buscas em escritórios de advogados e estabelecimentos bancários
No ponto 80 e seguintes do articulado alegam os requerentes que o JIC e a Sra. Procuradora da República se ausentaram do escritório de advogados da "D.", em Lisboa, cerca das 18HOO e só regressaram por volta das 22HOO, para encerrar o auto de apreensão tendo a busca prosseguido entretanto.
Antes de mais cumpre referir que essa busca teve a presidência da minha pessoa na qualidade de JIC titular destes autos e a afirmação em causa só se admite por lapso ou então por manifesta má-fé uma vez que a mesma não corresponde à verdade.
O que se passou ficou consignado em auto devidamente assinado pelos intervenientes entre os quais os ora requerentes.
A busca em causa teve início às 10.58h e foi concluída quanto à documentação em papel cerca das 16H33, tendo sido lavrado auto que foi assinado por todos - auto de folhas 4298 -4310.
Nesse momento, na sequência de definição judicial dos ficheiros informáticos relevantes para a prova, encontrava-se em curso uma operação de transferência dos ficheiros seleccionados para um outro suporte informático que seria o objecto da apreensão.
Procedeu-se assim, à separação dos conteúdos buscados, sendo lavrado um auto relativamente aos documentos em papel e um outro auto quanto aos ficheiros em suporte informático que foram recolhidos do sistema informáticos do escritório.
A operação de transferência de dados decorreu desde cerca das 15HOO até às 21H55, hora a que, depois de concluída, se procedeu à elaboração de novo auto, onde se indicam e conferem por todos os ficheiros copiados - auto de folhas 4316 e seguintes.
Assim, só após ter sido decidido todo o conteúdo dos objectos a buscar é que saí do local buscado, uma vez que a operação em curso era meramente técnica e não justificava a minha presença. De seguida e uma vez concluída essa operação de carácter técnico regressei ao local afim de verificar e controlar os ficheiros copiados e elaborar o respectivo auto que foi assinado pelos intervenientes.
Como se vê e ao contrário do que alegam os requerentes os senhores técnicos informáticos não substituíram o JIC e nem copiaram e nem apreenderam o que entenderam mas limitaram-se a cumprir o que lhes foi determinado.
Verifica-se assim que entre o encerramento do primeiro auto e a conclusão da cópia de ficheiros não decorreu qualquer actividade de procura ou selecção de documentos pelo que não era necessária a presença do JIC nas instalações em causa.
A mesma situação ocorreu quanto à busca nas instalações do A3 e da B., sitas na Rua …, 604, no Porto - auto de folhas 4450.
A Sra. Juiz de Instrução por se encontrar impedida noutras diligências, transmitiu aos OPCs para procederem a diligências de preservação da prova e mesmo de localização da documentação com interesse para a prova, no local que viria a ser objecto de busca - diligências ao abrigo do art. 249º do Cod. Processo Penal.
Tais diligências de iniciaram-se por volta das 11.00h, com a entrega do próprio mandado de busca, conforme folhas 4449 verso, tendo se iniciado os procedimentos de localização da documentação a apreender.
A apreensão dos documentos encontrados só foi efectuada, após selecção e decisão, com a chegada da Sra. Juiz de Instrução.
Tal forma de proceder está conforme com o disposto no art. 181º-1 e 2 do CPP, porquanto tal dispositivo não exige que a diligência de busca em estabelecimento bancário seja presidida por Juiz de Instrução, mas tão só que a efectiva apreensão seja realizada com a presença e a decisão do Magistrado Judicial.
Realça-se assim, a diferença entre aquele preceito e o disposto no art. 177º-3 do CPP, onde expressamente se prevê a "presidência pessoal pelo juiz" quanto a buscas em escritórios médicos e de advogados, ao passo que no art. 181º-1 se prevê apenas ser o juiz a proceder à apreensão".
Tal preservação e procura da prova ocorreu relativamente a todo o edifício para o qual existia mandado de busca, precisamente porque competia à entidade que presidia à diligência, a Sra. Juiz de Instrução Criminal, definir quais os critérios de selecção e apreensão dos documentos.
Neste sentido, mais uma vez, não corresponde à verdade que tenha existido uma busca dirigida à actividade da A4, mas tão só que as instalações da mesma que são partilhadas com as das restantes entidades buscadas, designadamente com o departamento de A3, existindo documentos das entidades visadas em áreas de trabalho de outros serviços ou entidades.
Não se verificam assim, as nulidades invocadas de realização de buscas sem a presença de JIC e de apreensão em estabelecimento bancário sem intervenção de Juiz de Instrução bem como de realização de buscas sem mandado prévio para o local onde se realizou a diligência.
Da alegada violação do sigilo bancário
No dia 24 de Outubro foi realizada uma busca nas instalações do A, sitas na Avenida …, no Porto, onde se verificou não existirem quaisquer documentos com interesse para a prova dos autos, mas onde foi fornecida a informação de que os dados informáticos pretendidos se encontravam num "server" instalado no edifício da Av. ….
Face a tal informação foi manifestado o interesse em voltar àquelas instalações, que já haviam sido buscadas, mas com objectivo diverso.
Nessa sequência, os responsáveis do A. acederam a que os dados disponíveis no referido "server" fossem consultados e do mesmo fosse copiada a informação necessária e julgada útil - declaração de folhas 4689 , que legitimou a diligência de auto a folhas 4690.
Alegam os requerentes que «as autoridades visaram e obtiveram esse consentimento mediante as pressões que se imaginam» sem referir que pressões foram essas, quem as proferiu (JIC, Ministério Público, OPC) e sem extrair as consequências dessa afirmação. A este propósito cumpre referir que o consentimento em causa foi prestado por dois administradores do A. (cf. fls. 4689), o que nos leva a crer que serão pessoas, pela função que desempenham, não susceptíveis de ceder a pressões de quer que seja.
Para além disso, resulta de fls. 3705 o despacho proferido ao abrigo da lei 5/2002, de 11-1 a ordenar a quebra do sigilo quanto aos funcionários do A..
Assim, improcede, também a alegada nulidade.
Da alegada irregularidade na redacção dos autos
Alegam os requerentes que os autos não espelham correctamente o decurso das diligências de busca, citando o caso das buscas no escritório de advogados da "D." e no A. da Av. … no Porto, nos quais não consta a hora do início da diligência.
Sendo verdade que tal hora de início não consta expressamente, constando, no entanto, a hora da entrega do mandado ao buscado, certo é que o disposto no art. 94°-6 do CPP apenas impõe a referência à hora de início e de termo da diligência nos casos em que estejam em causa "liberdades fundamentais das pessoas".
No caso das buscas a estabelecimentos bancários, não se prevê limite de horários de execução nem estão em causa liberdades fundamentais, razão pela qual a menção à hora de início da diligência não é imposta por Lei.
Refere ainda a Defesa a confusão de locais de apreensão de documentos, citando o caso das buscas na Av. …. 132 e no edifício da Rua …., nº 5, aliás sito nas traseiras do primeiro.
Também não assiste razão aos requerentes, pois está em causa o auto de folhas 4280 a 4284, que se reporta exclusivamente a suportes informáticos e que foi elaborado pela mesma equipa de OPCs e de peritos que realizaram as duas diligências referidas.
Certo é que, no referido auto, estão claramente discriminados os locais onde foram recolhidos os dados informáticos, quer ao nível do endereço do edifício, quer ao nível do piso onde foram encontrados os equipamentos.
Improcedem, assim, as alegadas irregularidades.
Custas pelo incidente a que deram azo todos os requerentes que se fixam em 3 UC para cada requerente art. 84º do CCJ.
Notifique entregando cópia do despacho de fls. 3481 e 3482 bem como da promoção de fls. 3461 a 3464 e do despacho de fls. 3705”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. AC. STJ 16-11-1995, 31-01-96 e 24-03-99 BMJ 451-279, 453-338 e CJ VII-I-247, e arts. 403º e 421º, nº1 do CPP), as questões a decidir são as seguintes:
- Arguição de irregularidades do art. 123º do CPP: representação do interessado e contagem do respectivo prazo de arguição;
Impugnam os recorrentes decisão judicial que julgou improcedentes as nulidades e as irregularidades pelos mesmos arguidas no processo, começando, porém, por atacar a decisão na parte em que não conheceu da arguição das irregularidades relativas às buscas efectuadas em 20-10-2005, por a considerar extemporânea.
Os factos relevantes para a decisão são os seguintes: 20/10 é a data da prática dos actos pretensamente irregulares; 27/10, a data da arguição da pretensa “violação da legalidade”.
Cumpre saber se o foi em tempo.
Segundo o regime do art. 123º do CPP, a irregularidade deve ser arguida pelos interessados no próprio acto, se a ele tiverem assistido.
Vêm os recorrentes defender que estão em tempo, mesmo que se admita que os interessados se encontravam presentes no próprio acto.
Da leitura de todos os autos das buscas ocorridas no dia 20/10, e que constituem fls. 216 a 312 deste apenso de recurso, resulta que todas elas foram legalmente presenciadas por quem se apresentou ou surgiu como interessado.
Admitamos, pois, a presença do “interessado”, já que só subsidiariamente é levantada a questão da representatividade/qualidade das pessoas que se encontravam nos locais buscados.
A lei pretende que o interessado reaja imediatamente, perante irregularidade a cuja prática assista.
Trata-se de uma reacção jurídica, que pressupõe necessariamente conhecimentos técnico-jurídicos; ou seja, é necessário conhecer o direito e a legalidade, para poder reagir na hora contra a ilegalidade.
A possibilidade de reacção efectiva não se reduz a uma aparência de possibilidade de reacção. Só o buscado acompanhado de advogado que o represente no processo, reúne as condições para poder reagir no próprio acto; só a assistência de profissional/técnico competente investe o buscado da plena capacidade de exercício dos seus direitos processuais, nos quais se incluem sem qualquer dúvida o direito de arguição de irregularidade.
À mesma solução conduzem os valores ou princípios do “fair trial”, do processo transparente, leal e justo; do processo que deve constituir um espaço de segurança e de justiça.
Por tudo se conclui que, tendo decorrido as buscas na presença das pessoas referidas nos arts 176º e 177º do CPP, mesmo que se entenda que tais pessoas presentes são os “interessados” do art. 123º do CPP, devem beneficiar do prazo dos três dias neste previsto, quando se encontrem desacompanhadas do seu mandatário/defensor (cuja presença não é, no entanto, legalmente obrigatória).
Assim, não constando dos autos de busca de fls. 216 a 312 que os buscados se encontrassem acompanhados por pessoa expressamente mandatada para o exercício dos direitos de defesa, tem de considerar-se que deverão beneficiar do prazo legal de reacção dos três dias.
Tendo o acto sido praticado a 20/10, e sendo o dia 22, um Sábado e o dia 23, um Domingo, o terceiro dia do prazo (de três dias) previsto no art. 123º do CPP transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (2ªfeira – 24), por força dos arts 279º CPC e 104º do CPP, podendo o acto ser ainda praticado com multa até ao dia 27/10, nos termos e condições dos arts. 107º, nº5 do CPP e 145º do CPC.
Pelo exposto, impõe-se a revogação da decisão recorrida na parte em que não conheceu das irregularidades respeitantes às buscas efectuadas no dia 20/10, por considerar extemporânea tal arguição.
Deve esta decisão ser substituída por outra, que delas conheça, uma vez satisfeito o prévio pagamento das multas devidas.
- Legalidade das apreensões, critério de selecção, sua relacionação com o objecto do processo e com a investigação:
Questionam os recorrentes, globalmente, a legalidade das apreensões de documentos e de suportes informáticos efectuadas - em estabelecimentos bancários, escritórios de advogados e residência de advogada – desde logo por ter subjacente uma ideia de investigação e não apenas de obtenção e de conservação de prova; por a prévia avaliação da pertinência da apreensão não ter sido feita pelo Juiz de Instrução, tudo, segundo eles, com violação dos arts. 178º, 181º, nº1 e 180º, nº1 do CPP e 32º e 18º da CRP.
Antes de avançarmos na solução das questões propostas (destas e das restantes que a seu tempo enunciaremos), convém relembrar o quadro legal em que nos situamos e algumas ideias e princípios que se encontram relativamente sedimentados na doutrina e na jurisprudência.
Assim, nunca é de mais começar por repetir que o regime das proibições de prova tem subjacente a “crença na existência de limites intransponíveis à prossecução da verdade em processo penal” (C. Andrade, Sobre as Proibições de Prova em PP, p. 117).
E assim o art. 126º do CPP, sob a epígrafe “Métodos Proibidos de Prova”, contempla um regime de proibição de procedimentos apenas proibidos quando obtidos sem o consentimento do titular, e um regime de invalidade de outros meios de obtenção de prova, mesmo quando obtida com o consentimento do titular.
Nos seus nºs 1 e 2 prevêem-se meios de prova proibidos em termos absolutos e no nº3 métodos proibidos sem o consentimento dos seus titulares. A proibição absoluta tem na base uma indisponibilidade dos direitos; a proibição relativa tem na base a disponibilidade dos direitos, que permite a utilização dos meios de prova havendo consentimento válido para tal.
É desta que aqui e sempre se trata, no presente recurso.
Assim, no campo das proibições relativas, a lei prevê ainda casos de (lícita) obtenção de prova na ausência do consentimento do titular dos direitos (disponíveis) protegidos.
O nº 3 do mesmo preceito legal, cominando de nulidade as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, ressalva os casos previstos na lei.
E “os casos previstos na lei” são todos aqueles que conduzem à entrada lícita no domicílio alheio, na vida privada, na correspondência e nas comunicações, na ausência desse consentimento.
As provas são um dos elementos do processo, indispensáveis à realização do próprio processo.
Devem, por regra, buscar-se onde quer que se encontrem, desde que essa procura se processe de forma legalmente conformada.
E a procura das provas implica, muitas vezes, a busca.
O poder de disposição real, que incide sobre coisas, compreende assim a faculdade de apreensão de coisas e de objectos necessários à instrução (em sentido lato) do processo.
E, sempre que haja indícios de que alguém oculta em lugar reservado ou não livremente acessível ao público quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada busca (art. 174º, nº2 do CPP).
O art. 178º, nº1 legitima a apreensão de quaisquer objectos susceptíveis de servir a prova.
Os autos encontram-se em fase de inquérito.
E o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (art. 262º, nº1 do CPP).
A sua direcção cabe ao Ministério público, assistido pelos órgãos de polícia criminal (art. 263º, nº1 do CPP).
O inquérito é pois um procedimento da esfera do M.P. e não do juiz, competindo àquele, e não a este, a selecção e recolha da prova.
É incontroverso que o M.P: é o “dominus” da investigação criminal durante o inquérito, competindo no entanto ao juiz de instrução, por imperativo constitucional, a prática dos actos que se prendam directamente com os direitos fundamentais.
“A intervenção do juiz de instrução na fase de inquérito justifica-se ou em razão da natureza dos actos – actos materialmente jurisdicionais – ou em razão da sua gravidade, representando a intervenção do juiz uma garantia das pessoas – actos formalmente jurisdicionais” (Germano Marques da Silva, CursoPP, III, 157)
Assim, sendo o Juiz de instrução, o juiz das liberdades e das garantias, compete-lhe “apenas” assegurar, no que ora interessa, que a recolha de provas – cuja selecção, repete-se, é da competência do M.P. - se processa de forma legalmente (e constitucionalmente) conformada.
Não assiste qualquer razão aos recorrentes quando defendem que “compete exclusivamente ao juiz de instrução proceder à indagação da pertinência da apreensão e a sua subsequente determinação”, sendo precisamente outra a solução a que conduz a estrutura acusatória do processo penal, como se viu.
Destituídos de razão continuam quando defendem que o juiz deve aferir, previamente à apreensão, da utilidade do objecto para efeitos probatórios; bem como quando defendem que os objectos apreendidos se destinam a comprovar factos já processualmente “conhecidos” ou já em investigação, e não à descoberta de novos factos.
Recorde-se que o objecto do processo só se fixa com a acusação (com as possíveis mutações que decorram posteriormente de uma eventual decisão instrutória); que o tema da prova se circunscreve e delimita apenas após a acusação, fazendo sentido falar no princípio da vinculação temática apenas em fases posteriores do processo.
Assim, é passível de apreensão todo o objecto susceptível de servir a prova, a prova dos crimes que são alvo da investigação, sendo a selecção dos documentos feita “segundo critérios que são dominados pela investigação”.
Para aferir da razoabilidade da relação das “coisas” apreendidas com o “crime” em investigação, nada melhor do que transcrever a exposição do próprio titular do inquérito, que constitui intróito da resposta ao recurso feita pelo MP.
E transcrevemos:
“O presente Inquérito teve início em suspeitas suscitadas por ocasião de inspecções tributárias realizadas a diversas empresas nacionais.
A coincidência constatada era que as empresas portuguesas registavam a compra de serviços a diferentes sociedades inglesas, aparentemente com os mesmos endereços de sede em Inglaterra.
Verificou-se que tais serviços eram efectivamente pagos pelas entidades nacionais e que as fornecedoras estrangeiras, aproveitando a existência de um acordo de dupla tributação entre Portugal e o Reino Unido, actuavam a possibilidade de serem tributadas no seu país de origem.
A similitude de facturas e de empresas prestadoras dos serviços e a natureza desnecessária dos serviços facturados, conduziu à suspeita de estarmos perante facturação falsa, produzida sob a capa de empresas sedeadas no Reino Unido.
Se assim era, como explicar então a existência de pagamentos integrais das facturas apresentadas?
É então que a investigação veio permitir identificar um esquema de fraude tributária e ao capital das empresas portuguesas, uma vez que se verificou que os montantes pagos por transferência para Inglaterra eram depois objecto de um circuito de retorno.
Tal circuito de retorno tinha por destinatário contas sedeadas no estrangeiro, Suíça ou em sistemas bancários offshore, por sua vez tituladas por sociedades também registadas em jurisdições offshore.
A primeira surpresa trazida pela investigação foi que essa sociedade offshore, titular da conta beneficiária do retorno de cerca de 95% do valor das facturas de cuja veracidade acima suspeitámos, era afinal controlada, a título pessoal, pelos sócios da sociedade portuguesa pagadora dos pretensos serviços.
Deste modo, os meios financeiros que no início estavam na esfera da empresa portuguesa, terminam por irem parar a contas bancárias controladas pelos sócios da empresa, ocorrendo uma descapitalização da entidade nacional.
Mas uma segunda grande surpresa surgiu posteriormente, quando se constatou que todo este esquema, incluindo a utilização de uma sociedade em Inglaterra, a criação de uma sociedade e a abertura de uma conta offshore, para além do mecanismo de produção de facturas e a disponibilização do dinheiro de retorno em Portugal, eram produtos oferecidos, num só pacote, por entidades financeiras e de planeamento fiscal domiciliados em Portugal.
O esquema de fraude, tal como supra concebido, sofre depois diversas variações conforme a finalidade última a que se dirija, e que vai desde a venda de serviços, à venda de mercadorias, ocultação de patrimónios (em particular de imóveis) e montagem de financiamentos.
Compreendido o esquema de fraude e identificados os seus promotores, todos com uma componente financeira (Banco), fiscal (em sede de IRS e IRC) e jurídica (serviços prestados por escritórios de advogados), importava então completar a recolha de prova tendo objectivos bem definidos, a saber:
- identificar os procedimentos de angariação de clientes;
- identificar os clientes aderentes e em que modalidade;
- caracterizar o circuito financeiro de retorno ;
- caracterizar o circuito de criação de sociedades offshore;
- caracterizar o procedimento de criação de facturas e de montagem de outros negócios a favor dos clientes aderentes .
Para alcançar tais objectivos de recolha de prova mostra-se evidente a necessidade de localizar e apreender toda a documentação relativa à actividade das sociedades envolvidas, desde clientes a prestadoras de serviços, passando por empresas de contabilidade e sociedades financeiras associadas.
Com efeito, a tendência para a especialização e para a criação de empresas paralelas apenas para a prestação de um segmento do serviço tem aqui prosperado, permitindo aliás uma ampla teia de facturação cruzada entre as empresas prestadoras do serviço de planeamento/fraude fiscal.
Por esse motivo, foram executas, no âmbito destes autos, cerca de 80 (oitenta) buscas, ao longo de seis dias úteis, em diferentes pontos do país, em particular Lisboa, Porto e Funchal.
Das diligências realizadas, aquelas cuja validade é agora posta em causa são as seguintes, com indicação das folhas dos respectivos autos:
- Busca nas instalações do “A1", sitas na Rua …, nº 3 a 5, em Lisboa, cujos autos constam de folhas 4246 e seguinte, (busca a que os recorrentes de forma pouco leal apelidam de “fantasma”);

- Busca nas instalações do A., “A2" e B., sitas na Avenida …., 132, Lisboa, cujos autos constam de folhas 4250 e seguintes;
- Busca nas instalações da “C.”, sitas na Av. …, 132, em Lisboa, cujo despacho de autorização e mandado constam de folhas 4287 e 4288;
- Busca nas instalações do escritório de Advogados “D.”, sito na Rua…, nº 8, 2º Esq., em Lisboa, cujos autos constam de folhas 4298;
- Busca nas instalações do escritório de Advogados “D.”, sito na Avenida…, nº 236, Porto, cujo auto consta de folhas 4442;
- Busca no domicílio da Advogada F1., sita na Via …, 231, Porto, cujos autos constam de folhas 4446;
- Busca no domicílio de F., sita na Rua …., 5, 7º dto, em Braga, cujos autos constam de folhas 4455;
- Busca nas instalações do A3, sitas na Rua …, nº 604, no Porto, cujos autos constam de folhas 4687”
Por tudo o que fica dito, e tendo em conta o tracejamento dos factos e/ou dos crimes em investigação, resulta claro não ter sido cometida qualquer ilegalidade no que respeita à selecção/escolha das coisas (documentos e suportes informáticos) a apreender e efectivamente apreendidos, consignando-se a conformidade constitucional e legal dos procedimentos.
- Ausência de prévia entrega aos buscados de cópia integral do despacho que ordenou as buscas:
Convém previamente consignar o que resulta do presente apenso de recurso no que à efectivação das buscas se refere, bem como das formalidades/vicissitudes processuais que as precederam.
Assim, o pedido do MP consubstanciado na promoção de fls. 238 a 239, mereceu decisão judicial de deferimento de fls. 241 a 242, da qual resulta que pelo Senhor Juiz de Instrução foi avaliada a indiciação dos crimes de Fraude Fiscal Qualificada dos arts. 103º e 104º do RGIT, de associação criminosa do art. 89º do mesmo diploma e Branqueamento do art. 368º A do Cód. Penal; foram ainda avaliadas as razões, que se consideraram sérias, para crer que as instituições bancárias, entre as quais o recorrente A., possuíam “informações processadas informaticamente que suportam as operações de fraude, nomeadamente documentos relativos a sociedades comerciais criadas em nome de clientes angariados e facturação fraudulenta, informações essas importantes para servirem como meio de prova dos factos em investigação”, o mesmo se passando relativamente “às pessoas identificadas na promoção que antecede” (que ocultam documentos e suportes informáticos relacionados com os crimes em investigação), e “aos escritórios de advogados também identificados na promoção”.
Nessa sequência, ou com esse fundamento, foi ordenada a realização das buscas e emitidos os mandados.
Insurgem-se os recorrentes contra o facto do despacho que ordenou a busca não ter sido integralmente entregue, em momento prévio, aos visados, tendo-o sido apenas de forma “truncada”.
Tais despachos “truncados” instruem também o presente apenso.
Refere-se, a este propósito, na decisão recorrida, que “o despacho em causa contém todos os requisitos enunciados no art. 97º nº 4 do CPP e permite a qualquer destinatário a possibilidade de reacção (…) verifica-se, também que, o objecto das buscas encontra-se indicado nos respectivos mandados, cujas cópias foram entregues aos buscados e todos os objectos discriminados nos autos de busca e que foram encontrados durante a diligência foram, no caso concreto das presididas pelo JIC, controladas por este, apondo a sua assinatura nos respectivos autos.
Ao contrário do que pretende a defesa não existe a obrigação de indicar os indícios concretos que fundamentam a necessidade de realização das buscas nem os reais meios de prova em que esses indícios assentam o que bem se compreende para que a investigação não seja inviabilizada pela manipulação de elementos de prova”.
E tem razão o senhor Juiz de Instrução.
Com efeito, obriga o art. 176º, nº1 do CPP a entrega prévia de cópia do despacho que ordenou a busca, a quem tiver a disponibilidade do lugar, na qual se faz menção de que pode assistir à diligência (…).
A obrigatoriedade de entrega de cópia do despacho determinativo da busca visa, no que ora interessa, dar conhecimento das razões e dos fundamentos que a justificaram.
Considera-se, lidas as cópias, que se encontra satisfeita a legal e necessária comunicação – das razões e fundamentos das buscas - não tendo ocorrido a pretensa irregularidade.
- Apreensão de documentos de “terceiros” e incumprimento do disposto nos arts. 181º e 183º do CPP; ausência de prévia avaliação da pertinência e necessidade das apreensões e da sua utilidade para a prova; preterição de formalidades na apreensão de correspondência e suportes informáticos;
Vejamos, previamente e em resumo, o que mais resulta do apenso de recurso (para além do que já se deixou supra consignado) no que respeita ao desenrolar das buscas em causa e, após, como se justificou esta apreensão na decisão recorrida. Assim, disse-se já, porque tal resulta claramente dos autos, que a imperatividade/necessidade de realização das buscas foi submetida a apreciação judicial tendo sido todas elas ordenadas pelo Sr. Juiz de Instrução (fls. 3481 e 3482).
Considerou-se assim que no momento processual em causa havia indícios/suspeitas suficientemente fortes para crer que o recorrente A. (entre outras instituições bancárias), possuía informação processada informaticamente relativa a operações de fraude, “documentos relativos a sociedades comerciais criadas em nome de clientes angariados e facturação fraudulenta”, o que faz todo o sentido que seja considerado relevante para “instrução” do processo e investigação/prova dos factos e crimes em causa.
Resulta, pois, do processo que as buscas foram ordenadas (e os respectivos mandados emitidos) no estrito cumprimento do disposto nos art.º 174º n.º 2, 181º e 268º nº 1 al. c) , do CPP.
Igual correcção de procedimentos se verificou no que respeita à busca domiciliária e às realizadas em escritório de advogado.
Assim, quer as apreensões efectuadas nos estabelecimentos bancários do recorrente A., quer as buscas realizadas nos escritórios dos advogados recorrentes foram ordenadas e presididas por um Juiz de Instrução (e veremos adiante mais detalhadamente, em que moldes, a par dos pontos directamente questionados pelos recorrentes).
Assim, na sequência do já exposto e ainda de folhas 4687, quanto á busca efectuada nas instalações do A3, sitas na …, Porto, presidida pela Juiza Drª …; 4287 e 4288 quanto ás buscas efectuadas à, C. e B1, sitas na Av. … nº 132, presididas pela Juiza …; 4246 e ss, quanto ás buscas efectuada às instalações do A2.., sitas na R. Dr. … nº 3 a 5 presididas pela Juíza …; 4250 e 4265, 4295 respeitante ás buscas efectuadas nas instalações do A.- sede, e 3º Piso e 6o Piso deste edifício, ocupado pelo A1 e A. , B. e C., todas sitas na Av. António … nº 132, presididas pela Juíza ….; 4442 e 4298, referentes ás buscas efectuadas aos escritórios da D, sitos R. … 2º Esq., em Lisboa e na Av. … 236, no Porto, presididas, respectivamente, pelos Juízes … e …, resulta que as buscas em causa, como bem equaciona o MP na sua resposta ao recurso,
“a) Foram ordenadas no âmbito de um processo de inquérito;
b) Foram executadas na sequência de prévio despacho judicial do Juiz de Instrução, que apreciou a necessidade de realização das buscas;
c) Foram executadas por autoridades judiciárias, coadjuvadas por OPC, em cumprimento de mandados de busca regularmente emitidos pela autoridade judiciária competente.
d) Foram presididas por um Juiz de Instrução, nos casos em que a Lei impunha tal exigência (as apreensões realizadas em instalações bancários e as buscas em escritórios de advogados).
e) Foram presididas por um Juiz de Instrução e tiveram a presença de delegados da OA, (apenas as buscas efectuadas em escritórios de Advogados) “
Decorrendo já, do que se disse, o respeito pela legalidade (processual e constitucional), veja-se com maior detalhe as restantes “nulidades” especificamente arguidas em recurso.
Defendem os recorrentes que a apreensão de documentos de terceiros (não arguidos) pressupõe a prévia justificação da relação destes com os crimes em investigação, justificação que, segundo pretendem, deverá constar do respectivo auto de apreensão.
Disse-se já que, por regra, são apreensíveis quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou seja, a faculdade de apreensão de coisas e de objectos necessários à “instrução” do processo cobre tanto as coisas em poder de/pertencentes ao suspeito ou indiciado, como as coisas em poder de, ou mesmo pertencentes a, terceiros.
E, sempre que haja indícios de que alguém (ou seja, qualquer um, incluindo terceiros) oculta essas coisas – que possam servir a prova - em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca (art. 174º, nº2 do CPP).
Do art. 178º, nº1 resulta a legitimação da apreensão de quaisquer objectos susceptíveis de servir a prova.
A este propósito, consignou-se na decisão recorrida:
”Como já dissemos supra o objecto da investigação nestes autos consiste nas actividades relacionadas com infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, por vários pontos do país e ultrapassando as fronteiras nacionais, actividade essa que, se traduzia na promoção junto de particulares de esquemas de fraude fiscal, com recurso a sociedades de países terceiros da União Europeia e à emissão de facturação fictícia, e a esquemas de circulação de meios financeiros e de ocultação de patrimónios, com recurso a sociedades e a contas bancárias offshore.
Mais resulta indiciado que, os ora requerentes são intervenientes na prestação de serviços a terceiros, serviços esses de carácter ilícito e através dos quais é concretizado o esquema tendente à evasão fiscal.
Nesta conformidade é evidente que o objecto das buscas prendia-se necessariamente com a recolha de elementos com vista à identificação do terceiros/clientes que aderiram aos esquemas ilícitos oferecidos pelas sociedades buscadas fazendo com que esses documentos tivessem de ser, como foram, apreendidos porque relacionados com os ilícitos em causa e por serem úteis à prova e à investigação.
Por fim, sempre se dirá que possibilidade de apreensão de documentos de terceiros está prevista no art. 181°-1 do Cód. Processo Penal
Dispõe precisamente este que o juiz procede à apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de documentos, títulos, valores quantias e quaisquer outros objectos, mesmo que em cofres individuais, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova, mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam depositados em seu nome.
A decisão judicial justifica e fundamenta a apreensão.
Essa fundamentação não tem que constar do próprio auto de apreensão, já que nada na lei o impõe. Os “autos” contêm apenas a “menção dos elementos essenciais e da data e lugar da prática do acto a que respeitem” (art.163º do CPC, ex vi art. 4º do CPP). Nada justifica a deslocação da decisão (que “decide” da apreensão) para o auto de apreensão (que relata o cumprimento daquela decisão).
Têm, sim, os “terceiros”, direito a cópia do auto de apreensão (art. 183º, nº2 do CPP), o que não resulta do processo não ter sido cumprido. Tal falta constituiria irregularidade, a sanar com a imediata entrega das cópias eventualmente (e se) em falta (o que, repete-se, não resulta do apenso ter ocorrido).
Problema diferente que se pode vir a colocar, é o da tutela dos direitos de terceiro no que respeita à sua privacidade; ou seja, o problema de factos pessoais desse terceiro, divulgáveis (ou cognoscíveis) através do documento apreendido, que poderão/deveriam estar cobertos por algum “segredo”.
Caso tal questão se venha a colocar no processo (e ainda não se encontra equacionada), sempre se poderá resolver compatibilizando os vários interesses em conflito – da administração da justiça, por um lado, e da tutela dos direitos de terceiro, e da reserva da sua privacidade, pelo outro.
Essa compatibilização poderá passar (no que aos direitos de terceiros se refere) pela utilização de tais documentos como prova, “apagando”destes, ou de qualquer outro modo ocultando, todos os elementos que respeitem a essa privacidade (v.g., a identidade pessoal do terceiro).
Tal triagem competirá, mais uma vez, ao juiz de instrução, já que quanto a ele não há “segredo”, como se verá mais em detalhe, a propósito da questão dos sigilos bancário e profissional do advogado.
- A presença do Juiz de Instrução no local da busca; a sua ausência pontual nos casos em que essa presença é obrigatória; realização de buscas sem mandado prévio.
Nos termos dos arts 177º nº 3, 180º nº 1 e 181º, todos do CPP, nas buscas efectuadas em estabelecimentos bancários e escritórios de advogados, é obrigatória a presença de um Juiz, sob pena de nulidade
Nas buscas realizadas em escritórios de advogados a lei processual penal para além de exigir a presença de um Juiz, impõe ainda, sob pena de nulidade, que o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados seja previamente avisado para que o mesmo ou um seu delegado, possa estar presente aquando da realização da busca.
Da leitura do processo resulta claro ter sido dado cumprimento a esta exigência legal, tendo-se feito a Ordem dos Advogados representar nas buscas efectuadas a escritórios de advogados (a Sra. Dr.ª … assistiu à busca efectuada ao escritório dos advogados D., sitos na Av. … 236 no Porto - auto de fls. 4442; a Sra. Dr.ª … assistiu à busca efectuada ao escritório da D., sitos na R. … nº 8 2º Esq., em Lisboa - auto de fls. 4298).
Demonstrada, e não questionada aliás, a observação das formalidades legais, no que a este aspecto se refere, argúem no entanto os recorrentes a nulidade decorrente de pontuais ausências do Juiz de Instrução no decurso de buscas de assistência pessoal (do juiz de instrução) obrigatória.
Fazem-no, em duas vertentes:
Referem que, relativamente à busca ocorrida no escritório de advogados D. e Associados, “não é admissível que o Magistrado Judicial que preside a uma diligência de busca e apreensão num escritório de advogados se ausente da mesma e que para esse efeito proceda a uma qualquer definição judicial de ficheiros relevantes para a prova, encarregando técnicos de transferir esses mesmos ficheiros”.
Referem ainda que, relativamente à busca ocorrida nas instalações do PA3, sitas na Rua …, 604, “os OPC´s iniciaram a busca pelas 10h20m, recolheram todo o material em sacos de plástico, tendo a Senhora JIC comparecido no local pelas 15h00 para validar a apreensão”.
O art. 268º do CPP, sob a epígrafe “Actos a praticar pelo juiz de instrução”, define na sua al. c), como competência do JIC, proceder a buscas e apreensões em escritórios de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário, nos termos dos arts. 177º, nº3, 180º, nº1 e 181º do CPP;
Enumera (exemplificativamente) este preceito legal um conjunto de actos que, no decurso do inquérito, são da exclusiva competência do juiz de instrução, sujeitos por isso à sua intervenção pessoal e insusceptíveis de delegação.
Tais actos têm a ver, conforme já dissemos, com a salvaguarda e garantia dos direitos do cidadão, e decorrem dos princípios constitucionais consagrados nos arts 202º e 203º da CRP.
A referida al. c), por seu turno, aglutina três “locais” cuja entrada beneficia de um especial reforço de garantias, traduzido na presença pessoal obrigatória do juiz.
O escritório de advogado, o consultório médico e o estabelecimento bancário, terão em comum a susceptibilidade de guarda de segredos “profissionais” ou decorrentes do exercício de determinadas funções.
Assim, a entrada em qualquer um destes locais poderá dar acesso a informação protegida pelos referidos sigilos. A especial protecção visa sem dúvida a salvaguarda do respectivo segredo profissional.
O Art. 70º da Lei 15/2005 (EOA) reforça e completa as formalidades da busca, sempre em obediência aos mesmos princípios.
Vejamos com justificou a senhor juiz de instrução a legalidade dos procedimentos que tiveram lugar:
“… alegam os requerentes que o JIC e a Sra. Procuradora da República se ausentaram do escritório de advogados da "D.", em Lisboa, cerca das 18HOO e só regressaram por volta das 22HOO, para encerrar o auto de apreensão tendo a busca prosseguido entretanto. Antes de mais cumpre referir que essa busca teve a presidência da minha pessoa na qualidade de JIC titular destes autos e a afirmação em causa só se admite por lapso ou então por manifesta má-fé uma vez que a mesma não corresponde à verdade. O que se passou ficou consignado em auto devidamente assinado pelos intervenientes entre os quais os ora requerentes. A busca em causa teve início às 10.58h e foi concluída quanto à documentação em papel cerca das 16H33, tendo sido lavrado auto que foi assinado por todos - auto de folhas 4298 -4310. Nesse momento, na sequência de definição judicial dos ficheiros informáticos relevantes para a prova, encontrava-se em curso uma operação de transferência dos ficheiros seleccionados para um outro suporte informático que seria o objecto da apreensão. Procedeu-se assim, à separação dos conteúdos buscados, sendo lavrado um auto relativamente aos documentos em papel e um outro auto quanto aos ficheiros em suporte informático que foram recolhidos do sistema informáticos do escritório. A operação de transferência de dados decorreu desde cerca das 15HOO até às 21H55, hora a que, depois de concluída, se procedeu à elaboração de novo auto, onde se indicam e conferem por todos os ficheiros copiados - auto de folhas 4316 e seguintes. Assim, só após ter sido decidido todo o conteúdo dos objectos a buscar é que saí do local buscado, uma vez que a operação em curso era meramente técnica e não justificava a minha presença. De seguida e uma vez concluída essa operação de carácter técnico regressei ao local afim de verificar e controlar os ficheiros copiados e elaborar o respectivo auto que foi assinado pelos intervenientes. Como se vê e ao contrário do que alegam os requerentes os senhores técnicos informáticos não substituíram o JIC e nem copiaram e nem apreenderam o que entenderam mas limitaram-se a cumprir o que lhes foi determinado. Verifica-se assim que entre o encerramento do primeiro auto e a conclusão da cópia de ficheiros não decorreu qualquer actividade de procura ou selecção de documentos pelo que não era necessária a presença do JIC nas instalações em causa.”
Começa por se consignar que não consideramos de “boa prática” a ausência, mesmo que momentânea, do juiz de instrução, do local onde decorra diligência a que deva presidir pessoalmente.
E se tal diligência é morosa e complexa (como o terá sido in casu), deverá comportar as pausas e suspensões que se imponham; as pausas de todos, sempre que o senhor juiz de instrução não está (pessoalmente no local da busca).
Resulta do apenso de recurso, e concretamente dos autos de busca e da decisão recorrida, não resultando aliás o contrário do processo, que o juiz de instrução esteve presente, dirigiu e acompanhou pessoalmente as buscas em causa.
Ausentou-se, no entanto, do local buscado “após ter sido decidido todo o conteúdo dos objectos a buscar” regressando “uma vez concluída essa operação de carácter meramente técnico, afim de verificar e controlar os ficheiros copiados e elaborar o respectivo auto que foi assinado pelos intervenientes”.
Adiantamos que esta “má prática”, nas circunstâncias de tempo e modo referidas no despacho (e outra coisa, repete-se, não resulta do processo), não passa disso mesmo, de uma má prática, não integrando no entanto nulidade processual.
Isto porque se deve considerar que, in casu, a busca foi pessoalmente assistida pelo juiz de instrução; que ele esteve pessoalmente presente; que ele se ausentou momentaneamente apenas e enquanto decorriam procedimentos meramente materiais, na sequência de algo que ele já decidira antes.
Por outras palavras, não resulta que a sua saída do local buscado tenha prejudicado, em concreto, a função de garantia do juiz de instrução, cuja presença pode não se revelar necessária no momento da execução.
Pelas mesmas razões (por estas que acabamos de referir, e não exactamente por aquelas que resultam da decisão recorrida na parte que ora segue), se valida também a outra situação questionada em recurso.
Continua-se no despacho atacado:
“A mesma situação ocorreu quanto à busca nas instalações do A3 da B., sitas na Rua …, 604, no Porto - auto de folhas 4450. A Sra. Juiza de Instrução por se encontrar impedida noutras diligências, transmitiu aos OPCs para procederem a diligências de preservação da prova e mesmo de localização da documentação com interesse para a prova, no local que viria a ser objecto de busca - diligências ao abrigo do art. 249º do Cod. Processo Penal. Tais diligências de iniciaram-se por volta das 11.00h, com a entrega do próprio mandado de busca, conforme folhas 4449 verso, tendo se iniciado os procedimentos de localização da documentação a apreender. A apreensão dos documentos encontrados só foi efectuada, após selecção e decisão, com a chegada da Sra. Juiz de Instrução. Tal forma de proceder está conforme com o disposto no art. 181º-1 e 2 do CPP, porquanto tal dispositivo não exige que a diligência de busca em estabelecimento bancário seja presidida por Juiz de Instrução, mas tão só que a efectiva apreensão seja realizada com a presença e a decisão do Magistrado Judicial. Realça-se assim, a diferença entre aquele preceito e o disposto no art. 177º-3 do CPP, onde expressamente se prevê a "presidência pessoal pelo juiz" quanto a buscas em escritórios médicos e de advogados, ao passo que no art. 181º-1 se prevê apenas ser o juiz a proceder à apreensão".
Considerando, como nos parece correcto, que a exigência da presença pessoal do juiz na execução do mandado de busca, nos três casos legalmente agrupados na al. c) do art. 268ª do CPP, tem por fundamento a garantia de especial protecção dos segredos profissionais, não pode ser feita a leitura “permissiva” que o despacho traduz.
Assim, deve entender-se que a lei impõe a presença do juiz nas buscas efectuadas em qualquer um desses três “locais”, e não apenas no momento da apreensão da coisa buscanda.
Mas, à semelhança do que ocorreu nas buscas em escritório de advogado, também aqui é lícito considerar-se que foi pessoalmente assistida pelo juiz de instrução; que ele esteve pessoalmente presente, já que essa ausência ocorreu quando decorriam procedimentos meramente materiais, e não aquando prolação de qualquer decisão (de apreensão ou qualquer outra decisão judicial).
Por outras palavras, também não resulta aqui, mais uma vez, que a ausência (ou não presença permanentemente) do local buscado tenha prejudicado, em concreto, a função de garantia do juiz de instrução, cuja presença pode não se revelar necessária no momento meramente executivo da decisão.
O que tem de resultar claro – e resulta, in casu – é que a ausência física do juiz ocorre apenas no momento da mera execução material duma decisão de garantia em que ele (juiz) pessoalmente participou.
Relativamente à questão de efectivação de buscas sem mandado de busca, não resulta do processo que tal situação tenha ocorrido.
Consigna-se na decisão recorrida que “a preservação e procura da prova ocorreu relativamente a todo o edifício para o qual existia mandado de busca, precisamente porque competia à entidade que presidia à diligência, a Sra. Juiz de Instrução Criminal, definir quais os critérios de selecção e apreensão dos documentos (…) mais uma vez, não corresponde à verdade que tenha existido uma busca dirigida à actividade da A4, mas tão só que as instalações da mesma que são partilhadas com as das restantes entidades buscadas, designadamente com o departamento de A3, existindo documentos das entidades visadas em áreas de trabalho de outros serviços ou entidades. Não se verificam assim, as nulidades invocadas de realização de buscas sem a presença de JIC e de apreensão em estabelecimento bancário sem intervenção de Juiz de Instrução bem como de realização de buscas sem mandado prévio para o local onde se realizou a diligência.”
- O problema dos sigilos: bancário e profissional (do advogado); a constituição do advogado como arguido; apreensões em escritório de advogado; conceito de “arquivo”:
Consta dos autos de busca a apreensão de coisas (documentos, correspondência fechada, correspondência electrónica, ficheiros e informação electrónica) em escritório de advogado e em instituição bancária.
Insurgem-se, globalmente, os recorrentes contra a violação dos sigilos (profissional do advogado e bancário).
Dispõe o art. 180° do Código de Processo Penal:
"1- À apreensão operada em escritório de advogado ou em consultório médico é correspondentemente aplicável o disposto no art. 177º nºs 3 e 4.
2- Nos casos referidos no número anterior não é permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, ou abrangidos pelo segredo profissional médico, salvo se eles mesmo constituírem objecto ou elemento do crime. E, por seu turno, o art. 182°, na parte que ora releva:
"1- As pessoas indicadas nos arts 135° a 137° apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem por escrito, segredo profissional ou de funcionário ou segredo de Estado.
2- Se a recusa se fundar em segredo profissional ou de funcionário, é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 135°, n°s. 2 e 3, e 136°, n.° 2."
O art. 71° do Estatuto da O.A. veda a apreensão de correspondência, que respeite ao exercício da profissão (n.° 1), salvo se respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido (n.º 4).
O art. 72° preceitua:
"1- No decurso das diligências previstas nos artigos anteriores, pode o advogado interessado ou, na sua falta, qualquer dos familiares ou empregados presentes, bem como o representante da Ordem dos Advogados, apresentar qualquer reclamação.
2- Destinando-se a apresentação da reclamação a garantir a preservação do segredo profissional, o juiz deve logo sobrestar na diligência relativamente aos documentos ou objectos que forem postos em causa, fazendo-os acondicionar, sem os ler ou examinar, em volume selados no mesmo momento.
3- A fundamentação das reclamações é feita no prazo de cinco dias e entregue no tribunal onde corre o processo, devendo o juiz remetê-las, em igual prazo, ao presidente da Relação com o seu parecer e, sendo caso disso, com o volume a que se refere o número anterior.
4- 0 Presidente da Relação pode, com reserva de segredo, proceder à desselagem do mesmo volume, devolvendo-o novamente selado com a sua decisão.”
Por sua vez o art. 181º do CPP, sob a epígrafe de “Apreensão em estabelecimento bancário” estatui:
“1. O juiz procede à apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de documentos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros objectos, mesmo que em cofres individuais, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova, mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam depositados em seu nome.
2. O juiz pode examinar a correspondência e qualquer documentação bancárias para descoberta dos objectos a apreender nos termos do número anterior. O exame é feito pessoalmente pelo juiz, coadjuvado, quando necessário, por órgãos de polícia criminal e por técnicos qualificados, ficando ligados por dever de segredo relativamente a tudo aquilo de que tiverem tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova”.
Relativamente às questões também suscitadas nesta sede a propósito das apreensões e critérios de selecção das “coisas” a apreender e apreendidas nas diligências de busca ora em causa, remete-se para as considerações efectuadas (supra) em sede própria, ou seja, aquando da questão “legalidade das apreensões, critério de selecção, sua relacionação com o objecto do processo e com a investigação”.
Assim, no que respeita às buscas efectuadas em escritórios de advogados- arguidos e em estabelecimento bancário, face à disciplina legal, há apenas que acrescentar o seguinte:
É legalmente reconhecido “o interesse comunitário de confiança na discrição e reserva de determinados grupos profissionais, como condição do seu desempenho eficaz”, que a doutrina germânica maioritária considera como sendo o bem jurídico pelo tipo legal de crime de violação de segredo (Costa Andrade, Coment Conimb. art. 195º).
Mas, continua aquele Comentador, na base daquele tipo legal de crime, está o dever de confidencialidade, em que se pretende proteger para lá do simples interesse comunitário da confiança na discrição e reserva, a privacidade em sentido material, a privacidade no seu círculo mais extenso, abrangendo não só a esfera da intimidade como a esfera da privacidade stricto sensu. A privacidade é aqui protegida na medida em que seja mediatizada por um segredo.
O art. 135º do CPP concede um direito ao silêncio de todas as pessoas a quem a lei impuser ou permitir que guardem segredo sobre certas informações. A quebre do sigilo só pode ocorrer quando “se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante” (nº3). O que significa que, ainda segundo Costa Andrade, “a realização da justiça penal, só por si e sem mais (despido do peso específico dos crimes a perseguir) não figura como interesse legítimo bastante para justificar a imposição da quebra do segredo”.
Acrescentaríamos ainda que a tutela legal do segredo, que rodeia a prova pessoal (por depoimento ou por declaração), deve cobrir igualmente a produção da prova real (coisas em sentido lato: documentos, suportes informáticos, correspondência…), sob pena de se conseguir por uma via, aquilo que a lei proíbe pela outra.
E estas questões poder-se-ão colocar - e ir-se-ão colocar, certamente, com maior ou menor acuidade, consoante os casos e as situações – no momento da revelação dos documentos e demais coisas apreendidos.
Mas esse momento processual, não é ainda este.
Por outras palavras, a aquisição da prova para o processo, e sua respectiva incorporação, pressupõe dois momentos distintos:
- o momento da apreensão da prova (real, porque é desta de que in casu se trata);
- o momento da revelação da prova.
A apreensão precede a revelação dos conteúdos. E é só neste segundo momento, que ainda não ocorreu processualmente, que a questão dos segredos se poderá colocar.
É que para o juiz de instrução não existe “segredo”, na medida em que ele também está coberto pelo segredo.
Assim, em resumo, e voltando ao início das questões suscitadas no recurso, compete ao M.P. decidir, num primeiro momento - o do inquérito –, segundo a sua perspectiva (de titular do inquérito), o que pode/deve ser apreendido, o que se revela com interesse para a prova; compete, por seu turno, ao juiz de instrução, controlar/garantir a regularidade das apreensões.
E foi isto que sucedeu aquando da efectivação das buscas em causa, não tendo ocorrido, as nulidades suscitadas pelos recorrentes.
Não podem porém vir os recorrentes suscitar questões ainda não resolvidas no processo, na medida em que não se chegou ainda (processualmente) ao momento da revelação formal dos conteúdos, não se sabendo sequer que ou quais documentos irão efectivamente servir a prova.
- Condenação em custas:
Recorrem também os recorrentes da sua condenação em custas.
Concluem nesta parte, em síntese, que dever-lhes-ia ter sido fixada a taxa máxima de 5 UC em função da complexidade do processo, a suportar no entanto em partes iguais por cada um dos requerentes, à semelhança do regime das custas cíveis em que haja diversas partes vencidas.
Conforme melhor resulta do despacho recorrido, o Senhor JIC, ao abrigo Art. 84.º do CCJ, fixou em 3 UC por requerente a taxa de justiça.
Defendem os recorrentes que “subjacente ao critério da fixação da taxa, está o conceito de custo de oportunidade da actuação judicial e da máquina judiciária; em termos de custo de oportunidade e no caso em apreço, o facto de ter sido feito apenas um requerimento subscrito por todos os requerente faz com que o custo de oportunidade seja precisamente o mesmo que acarretaria a apresentação do requerimento apenas por um dos requerentes”.
Pretendem, como reconhecem, que sejam “tributados” de acordo com o que se passa “no regime das custas cíveis em que haja diversas partes vencidas”.
Só que as normas do processo civil aplicam-se em processo penal apenas nos casos omissos – art. 4º CPP, ou quando o processo penal para elas especialmente remeta.
E o CPP regulamenta expressamente a situação em causa, no seu art. 513º (especificamente o nºº3: “a condenação em taxa de justiça é sempre individual”) e ainda no art. 520º, al.b).
Não tem, pois, qualquer suporte legal a pretensão defendida em recurso, sendo correcta, a decisão quanto a custas.

4. Termos em que acordam os juízes da 9ª secção em:
- Conceder parcial provimento ao recurso;
- Revogando-se a decisão recorrida apenas na parte em que não conheceu de irregularidades por ter considerado extemporânea a sua arguição;
- Confirmando-a em toda a parte restante, embora nem sempre pelos mesmos fundamentos.
Custas pelos recorrentes, fixando-se em 6UCC a taxa de justiça devida por cada um deles.

Lisboa, 18 de Maio de 2006

(Ana Maria Barata de Brito)
(Francisco António de Figueiredo Caramelo)
(Fernando Correia Estrela)