Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | VENDA EXECUTIVA COMPROPRIEDADE SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO ANULAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/27/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Afigurando-se estarmos perante a situação factícia enunciada no nº. 4, do artº 757º, do Cód. de Processo Civil – entrega efectiva de imóvel que constitua o domicílio -, que sempre exigiria a intervenção do julgador na apreciação do solicitado, é de considerar pertinente e legalmente adequado que o Adquirente possa solicitar, justificando-o, directamente junto do Tribunal a intervenção e auxílio das autoridades policiais, sem que previamente o tenha de solicitar directamente junto do Agente de Execução ; II – tal solução não desvirtua nem compromete as funções legalmente determinadas ao Agente de Execução e Juiz de Execução, antes respeita os seus diferenciados campos de acção e intervenção ou repartição de competências, de acordo com o prescrito nos artigos 719º, 720º e 723º, todos do Cód. de Processo Civil ; III – nos termos do nº. 2, do artº. 743º, do Cód. de Processo Civil, se, em diferenciadas execuções, tiverem sido penhorados todos os quinhões do património autónomo, ou todos os direitos sobre bem indiviso, deve realizar-se uma única venda no âmbito da execução onde se tenha realizado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido, de acordo com o decidido, em cada uma das execuções, relativamente à graduação de créditos ; IV – determinando que a execução ou execuções onde posteriormente se tenham penhorado os vários quinhões ou direitos, deva(m) ser sustada(s) no(s) seu(s) posterior(es) trâmites executivos, aguardando-se pela venda a realizar naquela execução ; V – a apensação legalmente equacionada no nº. 5, do artº. 267º, do Cód. de Processo Civil, traduz-se numa mera faculdade atribuída ao julgador, e não num comando com natureza vinculativa, cujo incumprimento determine necessárias consequências para os trâmites processuais executivos ; VI - a venda executiva é anulável quando ocorra algum dos fundamentos elencados nos artigos 838º e 839º, do Cód. de Processo Civil, respeitando alguns deles a vícios nos pressupostos do ato: existência de ónus ou limitação que não tenha sido tomado em consideração e exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria ; erro sobre a coisa transmitida, por desconformidade com o que tiver sido anunciado (art. 838-1)”, enquanto que outros integram nulidades processuais, o que sucede, nomeadamente com a nulidade da própria venda (arts. 839º-1-c e 195-1) ; VII – esta anulação do acto da venda, nos termos dos artigos 195º e segs. do Cód. de Processo Civil, pode ocorrer quer por nulidade da própria venda, quer por nulidade de um acto anterior de que a venda dependa absolutamente – cf., os nºs. 1 e 2, do mesmo artº. 195º. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte 1: I – RELATÓRIO 1 – No âmbito dos autos de execução para pagamento de quantia certa, com o nº. 3391/17.0T8LRS, em que figura como Exequente LIBERTY SEGUROS, S.A., e como Executado AA, em 05/07/2023, o Adquirente BB apresentou nos autos o seguinte requerimento: “BB, Adquirente nos autos acima identificados em que é Executado AA, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte: 1. No requerimento com a Ref.: 43253701, datado de 14-09-2022, veio o Adquirente requerer ao Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 757.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, que determinasse a entrega do imóvel ao Adquirente com auxílio das forças de segurança. 2. Tal pretensão surgiu na sequência de inúmeras tentativas prosseguidas pela senhora Agente de Execução nomeada nos presentes autos de fazer a entrega do imóvel ao Adquirente, debatendo-se, em todas elas, com a firme oposição do Executado em libertar o imóvel. 3. O Executado, e as pessoas que com ele ali residem, recusa-se a libertar o imóvel alegando que não tem que sair porque todo este processo é ilegal e as vendas judicias são nulas. 4. Perante esta manifesta e infundada oposição que vem durando há quase 1 ano, o Executado e as pessoas que com ele residem ocupam uma casa sem qualquer título que os legitime para tal, privando o Aquirente de tomar posse e de usufruir plenamente do seu direito de propriedade. 5. Em resposta ao requerimento aludido no ponto 1, o Tribunal proferiu douto despacho (Ref.: 154195145), invocando, entre o mais, o disposto na alínea b) do n.º 7 do artigo 6.º E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção conferida pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, designadamente que se encontravam então suspensos os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família. 6. Sendo a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março uma lei excepcional, cuja publicação foi motivada e justificada por razões de saúde pública que justificavam a restrição de outros direitos, o Tribunal entendeu que se devia manter a suspensão das diligências de entrega do imóvel ao Adquirente. 7. Todavia, no passado dia 04-07-2023 foi publicada a Lei n.º 31/2023, de 4 de Julho que determinou, de forma expressa, a cessação de vigência de todas as leis publicadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, “em razão de caducidade, de revogação tácita anterior ou de revogação pela presente lei”. 8. Mais fixa esta lei um prazo de vacatio legis de 30 dias após a publicação no que se refere à produção de efeitos da revogação das alíneas b) a e) do n.º 7 e do n.º 8 do artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março. 9. Assim, no próximo dia 04-08-2023, cessa o motivo legal que determinou a suspensão das diligências de entrega do imóvel ao Adquirente. Pelo exposto, Sem prejuízo do prazo de vacatio legis fixado na lei, requer a V. Exa. se digne, nos termos e para os efeitos do artigo 757.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, determinar a entrega do imóvel ao Adquirente, com auxílio das forças de segurança, diligência a agendar a partir do dia 4 de Agosto de 2023”. 2 – Notificado de tal requerimento, o Executado, em 05/09/2023, veio apresentar a seguinte resposta: “AA, Executado nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do requerimento apresentado por BB, vem dizer o seguinte: 1º O bem indiviso, fracção autónoma designada pela letra “L” , correspondente ao terceiro andar esquerdo, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Rua..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o número ..., Freguesia de Alverca do Ribatejo e inscrito na matriz sob o artigo ...º, foi adquirido pelo Executado, no estado de ..., em compropriedade com CC, conforme consta da documentação junta aos autos. 2º No âmbito desta execução foi penhorada a quota parte correspondente a metade da fração autónoma. 3º A outra metade da fracção foi penhorada no âmbito da execução com o número 12676/18.8T8LRS Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Loures – Juízo Execução – Juiz ... 4º À data da venda já se encontravam penhoradas a totalidade das quotas partes da fracção. 5º O nº 2 do artigo 743º do Código de Processo Civil determina que quando, em execuções diversas, sejam penhorados todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efetuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido. 6º A norma do nº 2 do artigo 743º é imperativa. 7º A venda não foi feita pela totalidade do bem. 8º A venda foi feita pelas duas metades do imóvel, em momentos diversos, com manifesto prejuízo dos Executados. 9º A venda das quotas partes é nula. Termos em que se requer a V.Exa. que se digne declarar a nulidade da venda realizada com todas as consequências legais”. 3 – Notificado de tal requerimento, o Adquirente, em 18/09/2023, apresentou a seguinte resposta: “BB, Adquirente nos autos acima identificados, notificado do requerimento apresentado pelo Executado AA (Ref.: 46417572), vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte: 1. No requerimento com a Ref.: 46417572, datado de 05-09-2023, veio o Executado requerer ao Tribunal, nos termos do n.º 2 do artigo 743.º Código de Processo Civil (CPC), a declaração da nulidade da venda executiva. 2. Diz o n.º 2 da norma supramencionada o seguinte: “Quando, em execuções diversas, sejam penhorados todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efetuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido.”. 3. O Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 23-06-2020, Processo n.º: 1871/17.7T8CBR-B.C1 (disponível para consulta em www.dgsi.pt), pronunciou-se sobre o n.º 2 deste artigo 743.º no seguinte sentido: “Esta solução tem diversas vantagens que constituem o fim social da norma: (…) a vantagem de eliminar a situação de indivisão e, dessa forma, contribuir para a paz jurídica e social ao impedir ou eliminar os conflitos que são próprios da situação de indivisão (…)”. 4. O Adquirente é único, exclusivo e pleno proprietário da fracção autónoma identificada pela letra “L”, correspondente ao 3.º andar esquerdo, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua..., concelho de Vila Franca de Xira, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o n.º ..., freguesia de Alverca do Ribatejo e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da União das Freguesias de Alverca do Ribatejo e Sobralinho (de ora em diante “Fracção”), 5. Direito que adquiriu por via da venda judicial das duas quotas-partes pertencentes ao Executado e à senhora CC, em compropriedade. 6. O direito de propriedade titulado pelo Adquirente não coloca em causa a “paz jurídica e social” que o n.º 2 do artigo 743.º do CPC pretende preservar. 7. O direito de propriedade há muito que se encontra plenamente reunido e consolidado na esfera patrimonial do Adquirente. 8. O Acórdão supramencionado refere também, quanto ao fim social da norma “(…) a vantagem de permitir que em resultado da venda se obtenha o maior produto possível (…)”, constituindo esta vantagem “(...) um benefício para os credores que conseguem maior produto para satisfação dos seus créditos, mas também para o próprio devedor que vê o seu património mais rentabilizado, necessitando por isso de menos património para satisfazer o direito dos credores (…)”. 9. Nos presentes autos observou-se a apresentação de várias propostas na venda executiva, que teve lugar no dia 03-02-2022, para aquisição da quota-parte correspondente a 1/2 da fracção penhorada. 10. A melhor proposta registada apresentou um valor muito superior ao valor mínimo admissível, correspondendo a € 33.080,80. 11. A quantia exequenda exigida no âmbito dos presentes autos é de € 10.383,31. 12. Conclui-se, então, que o produto obtido com esta venda executiva permitiu o pagamento do crédito exequendo, e, ainda, a “rentabilização do património” do Executado em €22.697,49, preenchendo-se, assim, um dos fins sociais do n.º 2 do artigo 743.º do CPC. 13. A declaração de nulidade da venda executiva conduziria a uma instabilidade processual e substantiva com graves consequências para a esfera dos credores e do próprio Adquirente de boa fé, uma vez que, tanto os credores como o Executado teriam de restituir os montantes recebidos com o produto da venda executiva ao Adquirente e este veria frustradas as suas expectativas de pleno gozo e exercício exclusivo do direito de propriedade sobre a Fracção. 14. Por sua vez, o deferimento do requerimento levaria, ainda, à consequente nulidade da venda executiva no âmbito do processo executivo n.º 12676/18.8T8LRS que correu termos no Juiz ... – Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Comarca de Loures, Comarca de Lisboa Norte, que teve como objecto a outra quota da Fracção e, consequentemente, também à restituição do produto dessa venda ao Adquirente. 15. Por fim, ter-se-ia que realizar uma nova venda executiva que tenha como objeto a totalidade do bem indiviso, com o objetivo de se obter mesmo resultado verificado com as duas vendas. 16. Para além de que num caso ou noutro ficaria irremediavelmente prejudicada a segurança e a certeza jurídicas sobre a titularidade do direito de propriedade do imóvel, que foi consolidado com as aludidas vendas judiciais na esfera jurídica patrimonial do Adquirente. 17. A prática de todos estes atos, inerentes à declaração da nulidade da venda executiva demonstra uma verdadeira violação do Princípio da Limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do CPC, uma vez que, “(…) o que é proibido é a prática de actos (…) que (…) apenas tenham o efeito de complicar o processo, impedindo-o de rapidamente atingir o seu termo. (…)”, como refere Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, 1999, Coimbra, pág. 240. 18. É de notar, ainda, que tendo tido oportunidade para requerer a nulidade da primeira venda executiva no âmbito do processo referido no ponto 14 do presente requerimento, o Executado nada fez, e só agora, após o termo de ambos os processos executivos, e na iminência de ter de entregar o imóvel, vem alegar a nulidade da venda, demonstrando clara má-fé processual e agindo com abuso de direito, o que V. Exa. não deverá deixar de ter em conta nos termos dos artigos 542.º do CPC e 334.º CC. 19. O Executado, ao longo de todo o processo, tem vindo a efectuar as diligências possíveis com o intuito de dificultar o seu termo, impedindo, consequentemente, o Adquirente de tomar posse e de usufruir plenamente do seu direito de propriedade sobre a Fracção. TERMOS EM QUE: a) Deverá ser indeferido o requerimento com a Ref.: 46417572, apresentado pelo Executado, E, em consequência, b) Deve ser determinada a entrega imediata do imóvel ao Adquirente com auxílio das forças de segurança, conforme já requerido pelo Adquirente em 05-07-2023 (Ref. 46059952)”. 4 – Conhecendo acerca da pretensão apresentada, em 05/10/2023, foi proferido o seguinte DESPACHO: “Requerimento de 05/09/2023 Requer o executado AA a anulação da venda, alegando que a venda não foi efetuada pela totalidade da fração, violando-se a norma imperativa prevista no artigo 743º do Código de Processo Civil. Foi observado o princípio do contraditório, cumprindo agora decidir. Nos termos do disposto no artigo 839º n.º 1 do Código de Processo Civil, a venda só fica sem efeito: a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada; b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 851.º, salvo o disposto no n.º 4 do mesmo artigo; c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º; d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono. 2 - Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer ação de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituem-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra. 3 - Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço. Enquadra-se a alínea c) do n.º 1 do artigo 839º no campo das nulidades processuais, aqui se incluindo a preterição de formalidades tidas por essenciais e que influenciem a marcha da própria execução. Ensina Lebre de Freitas [in “A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, p. 402] que a anulação do ato da venda nos termos dos artigos 195º e seguintes pode ocorrer: • Por nulidade da própria venda • Por nulidade de ato anterior de que dependa absolutamente [por exemplo: falta de audição do exequente/executados/credores reclamantes sobre a modalidade da venda e valor base dos bens] Vejamos. Dos autos resulta que: • Por auto de penhora lavrado em 06/10/2017, foi penhorado ½ da fração autónoma designada pela letra "L" correspondente ao 3º esquerdo do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua..., descrito na conservatória sob o numero ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da união de freguesias de Alverca e Sobralinho, da titularidade do executado AA. • Em 21/11/2018 o executado foi pessoalmente citado. • Em 15/06/2020 o executado foi notificado da decisão de venda. • Em 14/10/2020 o executado juntou aos autos procuração forense a constituir mandatário. • Em 24/02/2022 o executado, na pessoa do Exmo. Mandatário, foi notificado da decisão de adjudicação de ½ da fração penhorada. • Por força do disposto no artigo 6º E n.º 7 alínea b) da Lei 1-A/2020, com a redação conferida pela Lei 13-B/2021, de 5 de abril, estiveram suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família. • O adquirente, em 05/07/2023 e em 18/09/2023, veio requerer a entrega de ½ da fração adquirida. A preterição de uma formalidade que a lei prescreva apenas produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – n.º 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil. O artigo 743º do Código de Processo Civil dispõe que 1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 781.º, na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso. 2 - Quando, em execuções diversas, sejam penhorados todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efetuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido. Vista a certidão de registo predial da fração objeto da questão em apreciação, verifica-se que: • A fração “L” do descrito na conservatória sob o numero ..., foi adquirida em 2002 por AA, à data solteiro, e por CC, igualmente solteira à data (bem adquirido em regime de compropriedade). • Em 13/11/2021 foi vendida noutro processo ½ da fração, da titularidade de CC (a qual não é executada nestes autos). Do artigo 743º do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 1408º do Código Civil, resulta que não é permitida a penhora de parte especificada de bem indiviso, questão que nestes autos não se coloca, pois foi penhorada quota indivisa de ½ da fração, e não parte especificada do imóvel. No n.º 2 do preceito, determina-se que em caso de penhora de todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, em execuções diversas, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efetuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido – trata-se, naturalmente, de disposição de cariz indicativo, e não imperativo, justificado pelo princípio de economia processual, com vista igualmente a que se consiga obter melhor valor pela venda. Nem sempre a venda conjunta se mostra possível, para tanto bastando que as execuções estejam em fases processuais distintas. A primeira penhora foi efetuada nestes autos; todavia, quando a venda foi aqui efetuada, já havia sido vendido na outra execução ½ da fração (da titularidade de CC). Podia ter sido a venda concertada (conjunta) – mas não foi, nem tal facto tem, ou teve, qualquer influência na marcha desta execução. Improcede, por isso, a arguida nulidade. Notifique. * Requerimento de 18/09/2023 Requerimento para execução especial para entrega de bem adquirido na venda executiva – artigo 828º do CPC É aplicável a esta execução, com as devidas adaptações, o regime previsto no artigo 861º do Código de Processo Civil. Cumprido que esteja o disposto no artigo 861º n.º 3 do Código de Processo Civil, desde já, ao abrigo do disposto no artigo 757º, aplicável ex vi artigo 861º, ambos do Código de Processo Civil, autorizo a solicitação de auxílio das autoridades policiais e, se necessário, arrombamento da porta e substituição da fechadura, com observância do disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 757º. Notifique e comunique, devendo o AE acautelar eventual necessidade de realojamento – artigo 861º n.º 6 do Código de Processo Civil”. 5 – Inconformado com o decidido, o Executado interpôs recurso de apelação, em 02/11/2023, por referência à decisão prolatada. Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem, na íntegra): “ a. Vem o presente Recurso interposto dos despachos proferidos no dia 05-10-2023, relativamente à decisão que recaiu sobre o requerimento do Recorrente apresentado no dia 05-09-2023 e que declarou improcedente a invocada nulidade e pedido de anulação da venda e relativamente à decisão proferida no âmbito do requerimento apresentado no dia 18/09/2023, pelo Recorrido BB, que ao abrigo do disposto no artigo 757º, aplicável ex vi artigo 861º, ambos do Código de Processo Civil, autorizou a solicitação de auxílio das autoridades policiais e, se necessário, arrombamento da porta e substituição da fechadura, com observância do disposto nos nºs 5 a 7 do artº 757º, cumprido que esteja o disposto no artº 861º nº 3 do Código de Processo Civil. b. No dia 05-07-2023, o Recorrido BB, veio apresentar em juízo um requerimento a pedir a entrega do imóvel ao Adquirente, com auxílio das forças de segurança, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 757º, nºs 2 e 3 do CPC. c. Alegou o Recorrido que tal pretensão surgiu na sequência de inúmeras tentativas prosseguidas pela Senhora Agente de Execução nomeada nos presentes autos de fazer a entrega do imóvel ao Adquirente, debatendo-se em todas elas, com a firme oposição do executado em libertar o imóvel e que o Executado, e as pessoas que com ele ali residem, recusa-se a libertar o imóvel alegando que não tem que sair porque todo este processo é ilegal e as vendas judiciais são nulas. d. O Recorrido requereu a final que, nos termos e para os efeitos do artigo 757º, nºs 2 e 3 do CPC, fosse determinada a entrega do imóvel ao Adquirente, com auxílio das forças de segurança, diligência a agendar a partir do dia 04 de Agosto de 2023. e. No dia 05-09-2023, o Recorrente, no exercício do direito do contraditório, respondeu àquele requerimento, invocando que à data da venda da quota parte do Recorrente, já estavam penhoradas a totalidade das quotas, uma vez que a metade da CC tinha sido penhorada no âmbito da Execução com o número 12676/18.8T8LRS Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Execução de Loures, Juiz ..., pelo que estando penhoradas a totalidade das quotas partes da fração, a venda deveria ser feita pela totalidade das quotas, isto é, da própria fração, no âmbito do processo em que se tenha efectuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido, tudo conforme o disposto no nº 2 do artigo 743º do Código de Processo Civil. f. A norma do nº 2 do artigo 743º é imperativa, pelo que foi pedida a declaração de nulidade da venda da quota parte do Recorrente. g. No despacho proferido, o Mmo. Juiz “a quo” não se pronunciou relativamente ao requerimento do Recorrido apresentado no dia 05-07-2023, sendo certo que o requerimento do Recorrente foi a resposta a este requerimento. h. O Tribunal “a quo” fez constar do despacho proferido, que dos autos resulta que o adquirente, em 05/07/2023 e em 18/09/2023, veio requerer a entrega de ½ da fração adquirida. i. O Tribunal “a quo” considerou que o preceito do nº 2 do artigo 743º é uma disposição de cariz indicativo, e não imperativo, justificado pelo princípio de uma economia processual, com vista igualmente a que se consiga melhor valor pela venda e que nem sempre a venda conjunta se mostra possível, para tanto bastando que as execuções estejam em fases processuais distintas. j. Consta da fundamentação, que a primeira penhora foi efectuada nestes autos; Todavia, quando a venda foi aqui efectuada, já havia sido vendido na outra Execução ½ da fracção (da titularidade de CC); Que a venda podia ter sido concertada (conjunta) – mas não foi, nem tal facto tem, ou teve, qualquer influência na marcha desta execução, concluindo pela improcedência da arguida nulidade. k. O Tribunal “a quo” não emitiu qualquer pronúncia sobre o requerimento apresentado pelo recorrido no dia 05/07/2023. l. A omissão de pronúncia determina a nulidade do despacho proferido em virtude de o Juiz não se ter pronunciado sobre questões que devesse apreciar, tudo conforme o disposto no artigo 615º nº 1 al. d) do CPC, cuja declaração se requer. m. Para além de nulo, o despacho proferido está ferido do vício de erro de julgamento de direito, uma vez que a norma do nº 2 do artigo 743º é imperativa e não indicativa, sendo este o entendimento uniforme da jurisprudência. n. O despacho recorrido está também ferido do vício de erro de julgamento da matéria de facto, por considerar que, nem sempre a venda conjunta se mostra possível, para tanto bastando que as execuções estejam em fases processuais distintas. o. O que releva não é a fase em que está a execução, mas o facto de terem sido penhoradas a totalidade das quotas do bem indiviso. p. Não está em causa a questão processual da marcha do processo, mas o interesse do Exequente e dos Executados, que o bem penhorado seja vendido pelo valor mais elevado, sendo público e notório, que pela venda de um prédio correspondente a uma fração autónoma destinada à habitação, se obtém um melhor preço, do que através da venda parcial de cada uma das metades, sendo certo também que a venda pela totalidade evitará eventuais litígios, tal como está a acontecer. q. A venda deve ser declarada nula com todas as consequências legais, o que se requer. r. Conforme resulta da fundamentação de facto ínsita no despacho proferido relativamente ao requerimento de 05-09-2023, o adquirente, em 05/07/2023 e em 18/09/2023, veio requerer a entrega de metade da fração adquirida. s. O que o Requerente vem requerer é a entrega imediata do imóvel nos termos e para os efeitos do artigo 757º, nos 2 e 3 do Código de Processo Civil. t. É manifesta a contradição da fundamentação, pelo que a decisão é nula nos termos do disposto no artigo 615º , nº1 al. c) do CPP, sendo certo que pela própria natureza das coisas, não é possível a entrega de metade de uma fração autónoma. u. No seu despacho, o Tribunal “a quo” fez constar “Requerimento para execução especial para entrega de bem adquirido na venda executiva – artigo 828º do CPC”. v. O Tribunal não se pode substituir à parte relativamente ao pedido formulado, sob pena de a decisão proferida ser nula nos termos do disposto nº 1 al. d) segunda parte e al. e) do artigo 615º do CPC. w. O Tribunal “a quo” subverteu o pedido formulado pelo Recorrido, substituindo-se a este e substituindo o pedido formulado, pelo que a decisão é nula. x. O artigo 757º nºs 2 e 3 do CPC refere-se a actos praticados pelo Agente de Execução e designadamente no âmbito da tomada de posse efetiva do imóvel pelo fiel depositário. y. o Tribunal “a quo” errou ao decidir determinar a entrega do imóvel, com autorização de recurso à autoridade e eventualmente arrombamento, com base no artigo 828º do CPC, conjugado com o artigo 861º do CPC. z. Na presente execução, é executado apenas AA, que foi titular de metade da fração, que foi vendida nos presentes autos, sendo que a outra metade da titularidade de CC foi vendida no processo 1276/18.8T8LRS – Juiz... do Juízo de Execução de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, tal como resulta dos autos e do despacho anterior proferido sobre o requerimento do Exequente de 05/09/2023. aa. Não sendo a CC parte nos presentes autos e sendo determinada a entrega do imóvel como foi e nos termos que foi, designadamente com a autorização de solicitação das autoridades policiais e, se necessário arrombamento da porta e substituição da fechadura, com observância do disposto nos nºs 5 a 7 do artigo 757º a decisão é nula por violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º do CPC. bb. o Recorrido não alegou que tenha sido dado cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 861º do CPC, sendo certo que as diligências judiciais requeridas pelo Recorrido junto do Tribunal, deveriam ser pedidas ao Agente de Execução e este, se as considerasse legalmente adequadas, deveria pedir ao Tribunal se as mesmas extravasassem a sua competência. cc. Parece ser manifestamente evidente que tendo em consideração os termos e condições em que foi realizada a venda, apenas a quota parte de metade da fração no âmbito dos presentes autos, não é admissível lançar mão do artigo 757º, nºs 2 e 3, nem do disposto no artigo 828º, conjugado com o artigo 861º do CPC, para requerer a entrega do imóvel. dd. O Recorrido terá de exercer o seu invocado direito por outra via, através da qual seja dado conhecimento aos titulares de cada uma das metades da fração que foram vendidas, podendo estes exercer o respectivo direito do contraditório”. Conclui, no sentido do provimento do recurso, devendo ser proferido Acórdão que, reconhecendo os vícios invocados, revogue os despachos recorridos. 6 – O Recorrido Adquirente apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES: A. “O recurso a que ora se responde vem interposto do douto despacho proferido no dia 05/10/2023 (Ref.: 158186482) pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Execução de Loures – Juiz ..., que indeferiu a nulidade arguida pelo Recorrente, ao mesmo tempo que autorizou a solicitação do auxílio das forças de segurança, se necessário com arrombamento da porta e substituição da fechadura, para efectivar a entrega do bem adquirido na venda executiva pelo Recorrido, nos termos dos artigos 828.º e 757.º aplicável ex vi artigo 861.º do CPC; B. O Recorrente considera que deve ser declarada a nulidade da venda executiva, com fundamento na violação da natureza imperativa da norma do n.º 2 do artigo 743.º do CPC; C. Por esse motivo, a venda dos direitos a metade indivisa do imóvel pertencentes ao Executado e à senhora CC, deveria ter sido feita conjuntamente e não de forma separada em cada uma das acções executivas em que tais direitos foram penhorados; D. O Recorrente considera ainda nulo o despacho recorrido, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pois o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerimento que o Recorrente atravessou nos autos no dia 05/07/2023 (Ref.: 46059952) e no qual requereu a entrega do imóvel com auxílio das forças de segurança (de acordo com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 757.º do CPC); E. Por fim, o Recorrente considera que só o Agente de Execução é que pode lançar mão do disposto no artigo 757.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CPC e requerer a entrega do imóvel com auxílio das forças policiais e por isso o despacho do Tribunal a quo é nulo nos termos do disposto na segunda parte da alínea d) e na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC; F. O n.º 3 do artigo 743.º do CPC estabelece que “Quando, em execuções diversas, sejam penhorados todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efectuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido”; G. A norma citada tem como finalidade dar uma indicação sobre os termos a prosseguir em relação à venda judicial quando sejam penhorados em acções executivas diversos direitos sobre o mesmo bem indiviso, assinalando que, neste caso, deve realizar-se uma única venda no processo em que se tenha efectuado a primeira penhora; H. Do texto da norma não se conclui sobre a sua natureza imperativa, até porque são possíveis outras soluções (e.g. a venda em separado), pois que a venda conjunta só seria admissível se se encontrassem na mesma fase ambos os processos onde foram penhorados os direitos sobre o bem indiviso; I. As acções executivas onde foram penhorados os direitos a metade indivisa do imóvel, encontram-se em fases distintas: o processo n.º 12676/18.8T8LRS, que correu termos no Juízo de Execução de Loures – Juiz ..., onde foi penhorado o direito a metade indivisa do imóvel que pertencia à senhora CC, terminou com a venda judicial e adjudicação do direito ao Recorrido; J. Já nos presentes autos, o direito a metade indivisa do imóvel que pertencia ao Recorrente também foi vendido e adjudicado ao Recorrido. Porém, o Recorrido recusa entregar o imóvel ao Recorrente; K. Assim, a norma do n.º 2 do artigo 743.º do CPC não impõe obrigatoriamente a venda conjunta nem era possível nos presentes autos, uma vez que as acções executivas se encontravam em fases distintas; L. Sem conceder, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 839.º do CPC a venda fica sem efeito se o acto da venda for anulado nos termos do artigo 195.º do CPC; M. A venda executiva apenas pode ser considerada nula quando a lei o declare ou quando a irregularidade verificada tenha influência significativa no exame ou na decisão da causa (n.º 1 do artigo 195.º do CPC); N. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar que o facto de a venda executiva não ter sido realizada nos termos do n.º 2 do artigo 743.º do CPC não teve qualquer influência significativa no exame ou na decisão da causa; O. Noutro prisma, a confirmação da tese sustentada pelo Recorrente sobre a natureza imperativa n.º 2 do artigo 743.º do CPC iria necessariamente provocar uma instabilidade processual para todos os intervenientes; P. Ao declarar-se nula a venda executiva fundada na inobservância do n.º 2 do artigo 743.º do CPC – o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, sem conceder – tal situação conduziria à prática de vários actos com vista à obtenção do mesmo resultado, violando, assim, o princípio da economia processual e princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do CPC; Q. Não resulta da lei que a realização de vendas executivas separadas dos direitos a metade indivisa do imóvel penhorados em execuções diversas, constitua fundamento de anulação dessas mesmas vendas; R. O Recorrente também considera que o douto despacho proferido no dia 05/10/2023 (Ref.: 158186482) pelo Tribunal a quo é nulo nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, uma vez que não se pronunciou sobre o requerimento apresentado pelo Recorrido no dia 05/07/2023 (Ref.: 46059952) no qual este peticionou a entrega efectiva do imóvel com auxílio das forças de segurança nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 757.º do CPC; S. É Doutrina e Jurisprudência assente que a declaração de nulidade do despacho por omissão de pronúncia apenas tem lugar quando o tribunal não elenca os fundamentos de facto e de direito que o levaram a proferir a decisão; T. Verifica-se omissão de pronúncia quando o juiz viola o dever de fundamentação das decisões (previsto no n.º 1 do artigo 154.º do CPC e constitucionalmente consagrado no artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa), não indicando os motivos que o levaram a considerar determinado pedido procedente ou improcedente; U. No seguimento do requerimento apresentado pelo Recorrido em 18/09/2023 (Ref.: 46529060), no qual este renovou o pedido outrora formulado em 05/07/2023 (Ref.: 46417572), o Tribunal a quo autorizou a solicitação das forças de segurança com recurso, se necessário, ao arrombamento e substituição da fechadura, fundamentando as suas motivações, de facto e de direito, no dito despacho; V. Assim, ao contrário do que defende o Recorrente, não se verifica a alegada omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo por apenas ter feito referência ao requerimento para execução especial para entrega de bem adquirido na venda executiva de 18/09/2023 (Ref.: 46529060); e não ao de 05/07/2023 (Ref.: 46417572) – até por que aquele requerimento constitui uma renovação do que foi requerido neste; W. O Recorrente considera ainda que o Recorrido não tem legitimidade para requerer ao Tribunal a quo a entrega do imóvel nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 757.º CPC, ou seja, com recurso ao auxílio das forças de segurança, entendendo que tal possibilidade se encontra no âmbito das competências do Agente de Execução; X. Resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 757.º do CPC que, em regra, compete ao Agente de Execução solicitar a entrega efectiva do bem com auxílio das forças de segurança. Contudo, o n.º 4 da mesma norma prevê que nos casos em que esteja em causa a entrega de imóvel que constitui “domicílio” do Executado, a sua entrega tem de ser previamente decretada por despacho judicial; Y. Tanto a Doutrina como a Jurisprudência entendem que o adquirente do bem, em sede de venda executiva, tem legitimidade para requerer a entrega com base no título de transmissão em que foi investido; Z. Logo, improcede toda a argumentação do Recorrente quanto ao facto do Recorrido não ter legitimidade para solicitar a entrega do imóvel nos presentes autos; AA. Ainda no que concerne à entrega efectiva do imóvel, o Recorrente entende que foi violado o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º do CPC, porquanto a senhora CC, anterior titular do direito sobre metade indivisa do imóvel, não é parte nos autos, não tendo, por isso, sido devidamente notificada; BB. O objectivo do contraditório é facultar às partes o direito de resposta sobre todos os actos que tenham sido praticados contra um direito que se encontre na sua esfera jurídica; CC. O processo em que a senhora CC era parte e no qual foi penhorado e se determinou a venda do seu direito a metade indivisa do imóvel encontra-se findo, não lhe assistindo, por este motivo, direito de resposta relativamente à determinação da entrega do imóvel dado que esta actuação nada influi na sua esfera jurídica, uma vez que já nem sequer é comproprietária do imóvel; DD. Não houve violação do princípio do contraditório”. Conclui, no sentido da improcedência do recurso. 7 – O recurso foi admitido como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo. 8 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. ** II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo Recorrente Apelante, delimitado pelo teor das conclusões expostas, fazendo-se um esforço para tentar apreender acerca do solicitado, atenta a mistura e ausência de devida ordenação operada em sede recursória entre as várias nulidades e demais fundamentos de apelação, podemos enunciar as seguintes questões conhecendas: A. Da nulidade do despacho por omissão de pronúncia relativamente ao requerimento do Adquirente de 05/07/2023 – artº. 615º, nº. 1, alín. d), ex vi do artº. 613º, nº. 3, ambos do Cód. de Processo Civil ; B. Da nulidade do despacho por contradição da fundamentação, por excesso de pronúncia e por subversão do pedido formulado – artº. 615º, nº. 1, alíneas c), d), 2ª parte e e), ex vi do nº. 3, do artº. 613º, ambos do Cód. de Processo Civil ; C. Da nulidade do despacho por violação do princípio do contraditório, inscrito no artº. 3º, do Cód. de Processo Civil ; D. Da falta de legitimidade do Adquirente para requerer a entrega efectiva do imóvel, com recurso ao auxílio das forças de segurança, nos termos do artº. 757º, do Cód. de Processo Civil ; E. Da nulidade da venda por preterição da norma imperativa inscrita no nº. 2, do artº. 743º, do Cód. de Processo Civil. ** III - FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A matéria factual a ter em consideração é a que resulta do iter descrito no relatório supra. A que acresce, com base na consulta operada no processo electrónico, a seguinte matéria de facto consideranda: a. Nos autos de execução nº. 3391/17.0T8LRS, foi lavrado auto de penhora editável, datado de 06/10/2017, em que se procedeu à penhora do seguinte bem: “penhora de ½ da fracção autónoma designada pela letra «L» correspondente ao 3º Esquerdo do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua... ..., Sobralinho, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na conservatória sob o número ..., fracção «L» da freguesia de Alverca do Ribatejo e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da união de freguesias de Alverca e Sobralinho, tendo o valor patrimonial de 54.800,00” ; b. Conforme decisão da Sra. Agente de Execução, de 15/06/2020, e após audição das partes, foi decidido proceder à venda de tal bem (1/2 do imóvel), na modalidade e venda por leilão electrónico, sendo aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor base, ou seja, 37.400,00 €, sendo o valor a anunciar de 31.790,00 € ; c. Tal decisão foi notificada ao Executado, bem como à comproprietária do mesmo bem, CC, em 15/06/2020 ; d. Por comunicação de 07/02/2022, a Sra. Agente de Execução notificou DD, “na qualidade de proponente para, no prazo de 15 (quinze) dias, efectuar o pagamento do preço (….), do valor de 33.080,80 Euros, correspondente à totalidade do preço, do bem adjudicado a V. Exa., nos termos do disposto no nº. 2 do artigo 824º do código de processo civil (…)” ; e. Tendo enviado no dia seguinte – 09/02/2022 – nova carta ao mesmo Proponente, informando-o que o “sr. BB pretende exercer o direito de preferência, como tal não deverá Va Exa proceder ao depósito do preço conforme notificação que lhe foi enviada” ; f. Por comunicação de 09/02/2022, a Sra. Agente de Execução notificou BB, “na qualidade de comproprietário, que exerceu o seu direito de preferência na aquisição do bem em venda para, no prazo de 15 (quinze) dias, efectuar o pagamento do preço (….), do valor de 33.080,80 Euros, correspondente à totalidade do preço, do bem vendido (…)” ; g. Em 24/02/2022, a Sra. Agente de Execução adjudicou a BB o bem penhorado, em virtude de ter exercido, enquanto comproprietário, o direito de preferência, após depósito do preço e junção aos autos dos comprovativos do pagamento dos impostos ; h. A penhora realizada nos presentes autos foi registada mediante a Ap. ... de ...2017, tendo como data da sua realização 2017/07/27 ; i. Mediante a AP. ..., de ...2019, foi registada penhora da mesma data, no âmbito do Processo Executivo nº. 12676/18.8T8LRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Loures, Juízo de Execução, Juiz ..., tendo como sujeito activo Caixa Geral de Depósitos, S.A., e como sujeitos passivos CC e AA ; j. Relativamente ao mesmo Processo Executivo nº. 12676/18.8T8LRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Loures, Juízo de Execução, Juiz ..., foi registada, pela AP. ... de ...2021, aquisição, por compra em processo de execução, de ½ do imóvel, tendo como sujeito activo BB, por referência á quota parte pertencente a CC. ** B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I. Das NULIDADES de SENTENÇA (DESPACHO) Da omissão de pronúncia – artº. 615º, nº. 1, alín. d), 1ª parte, do Cód. de Processo Civil Da pronúncia sobre questões que não poderia conhecer (excesso de pronúncia) - artº. 615º, nº. 1, alín. d), 2ª parte, do Cód. de Processo Civil Da contradição da fundamentação - artº. 615º, nº. 1, alín. c), do Cód. de Processo Civil Da condenação em objecto diverso do pedido - artº. 615º, nº. 1, alín. e), do Cód. de Processo Civil Apreciando: Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescrevem as alíneas c), d) e e), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando: c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível ; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido” (sublinhado nosso). Por sua vez, o nº. 2, do artº. 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Estipulando acerca dos limites da condenação, referencia o nº. 1, do artº. 609º, igualmente do Cód. de Processo Civil, que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”. No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” 2 3. Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” 4. A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada. A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” 5. As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”. – DA NULIDADE DO DESPACHO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA Referencia o Recorrente que no despacho recorrido o Tribunal a quo não se pronunciou acerca do requerimento do Recorrido apresentado em 05/07/2023, no qual requereu a entrega do imóvel com auxílio das forças de segurança, nos termos dos nºs. 2 e 3, do artº. 757º, do Cód. de Processo Civil, apesar do ora Recorrente se ter pronunciado acerca do mesmo, em 05/09/2023, no exercício do direito do contraditório relativamente àquele requerimento. Pelo que, consequentemente, entende ter existido omissão de pronúncia, o que inquina de nulo o despacho recorrido, nos termos da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, ex vi do nº. 3, do artº. 613º, ambos do Cód. de Processo Civil. Na resposta apresentada, alega o Recorrido Adquirente ter o Tribunal a quo emitido pronúncia acerca de tal requerimento, ao deferir o seu pedido, “que constituía uma renovação do que outrora requereu em 05/04/2023 (…..) no que se refere à entrega efectiva do bem adquirido na venda executiva, autorizando a solicitação das forças der segurança, com recurso a arrombamento, se necessário, e substituição da fechadura, fundamentando tal despacho no sentido de que se encontravam preenchidos os requisitos necessários, entre eles o nº. 3 do artigo 861º do CPC, para aplicar o regime previsto no artigo 757º do CPC”. Assim, conclui, no sentido do Tribunal Apelado ter apreciado no dito despacho “o pedido formulado pelo Recorrido em 05/07/2023, renovado em 18/09/2023, fundamentando as razões de facto e de direito que sustentaram a sua decisão sobre tal pedido”. Relativamente à presente causa de nulidade, como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, reportando-se o primeiro, que figura no segmento parcial inicial, à omissão de pronúncia. O nº. 2, do artº. 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Nesta tipologia de nulidade, em correspondência com este normativo, “deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”. Assim, “integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes” (sublinhado nosso) 6. Na omissão de pronúncia, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro 7, está em equação a vinculação do tribunal em “emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº. 3, e 608º, nº. 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto. A omissão de pronúncia sobre um facto essencial gera a nulidade da sentença. Esta nulidade, presente na fundamentação da decisão final da causa, mas que se reporta à decisão de facto, deve ser arguida pela parte interessada, salvo quando impossibilite a reapreciação da causa pelo tribunal superior, sendo aqui de conhecimento oficioso (art. 662º, nº. 2, al. c))”. Ora, permita-se-nos afirmar, desde já, termos dificuldade em perceber o fundamento ou razão de ser da mácula processual imputada. Com efeito, o teor do requerido ou solicitado pelo Adquirente (ora Recorrido) mediante o requerimento de 05/07/2023 – ponto 1 do relatório -, após resposta do Executado de 05/09/2023 – ponto 2 do relatório -, foi conhecido no despacho ora sob sindicância, após renovação ou reiteração do solicitado mediante o requerimento de 18/09/2023 – ponto 3 do relatório. Donde decorre, inapelavelmente, não ter ocorrido qualquer omissão no conhecimento de qualquer pretensão ou pedido deduzido, nem de qualquer excepção invocada ou questão controversa colocada perante o julgador que este, de forma indevida, tenha descurado ou omitido o devido conhecimento. O que determina, sem necessidade de ulterior argumentação, juízo de inverificação da invocada nulidade, decaindo, nesta parte, a pretensão recursória suscitada. – DA NULIDADE DO DESPACHO POR EXCESSO DE PRONÚNCIA Referencia o Apelante que o Adquirente, através dos requerimentos de 05/07/2023 e 18/09/2023, veio requerer a entrega de metade da fracção adquirida. Todavia, aduz, o que o Adquirente veio requerer foi “a entrega imediata do imóvel nos termos e para os efeitos do artigo 757º, nºs. 2 e 3 do Código de Processo Civil”, considerando, assim, ter-se verificado excesso de pronúncia no decidido. Igualmente como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o segundo atinente ao excesso de pronúncia. Neste, em correspondência com o citado 2º segmento, do nº. 2 do artº. 608º, “encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de excepções que não sejam do seu conhecimento oficioso” 8. No excesso de pronúncia, e a nulidade daí resultante de excesso de pronúncia de facto, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro 9, “não é de conhecimento oficioso, só podendo o tribunal que proferiu a decisão anular (parcialmente) a sentença com esse fundamento, sobre requerimento da parte (art. 196º). Embora este vício seja impressivo, por representar uma ostensiva violação do matricial princípio dispositivo, é por esta mesma razão que não se justifica o seu conhecimento oficioso. Se o vencido renuncia a invocar a inadmissibilidade da pronúncia sobre o facto essencial – o que está na sua disponibilidade (art. 264º) -, sujeita-se á sua consideração pelo tribunal ad quem na base factual do julgamento de direito”. Analisada a decisão apelada, e de forma liminar, não se constata, minimamente, que a mesma tenha incorrido no aludido excesso de pronúncia. Com efeito, nos presentes autos procedeu-se á alienação do direito a ½ sobre o identificado imóvel, cuja entrega veio ser solicitada pelo Adquirente. Ora, ainda que este fosse apenas mero comproprietário do mesmo, tal pretensão sempre teria substantiva pertinência, nos termos em que a posição dos comproprietários é tutelada pelo artº. 1405º, do Cód. Civil, pois estes “exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular”, podendo cada consorte “reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro”. Todavia, in casu, o Adquirente Requerente, apesar de na presente execução ter adquirido o direito a ½ sobre o identificado imóvel, já era inclusive titular do direito da demais ½, tendo-o feito inclusive ao abrigo do direito de preferência de que gozava enquanto comproprietário do mesmo – cf., factos provados e) a g). Pelo que, a pretensão de entrega da totalidade do imóvel, analisando qualquer das posições referenciadas, surge devidamente justificada e adequada, inexistindo qualquer excesso de pronúncia no decidido na decisão sob apelo. O que determina, consequentemente, juízo de falência da invocada causa de nulidade, improcedendo, igualmente nesta vertente, a pretensão recursória. – DA NULIDADE DO DESPACHO POR CONTRADIÇÃO NA FUNDAMENTAÇÃO Equacionando idêntica contradição entre o que é pedido e aquilo que foi deferido, invoca, ainda, o Recorrente existir contradição na fundamentação, “sendo certo que pela própria natureza das coisas não é possível a entrega de metade de uma fracção autónoma”. Relativamente à presente causa de nulidade – equacionada na transcrita alínea c) -, referencia Ferreira de Almeida 10 tratar-se na mesma de “uma «construção viciosa», ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão ; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”. Por outro lado, acrescenta, a sentença padece de ambiguidade “quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão”, sendo que este fundamento de nulidade da 2ª parte da alínea c) apenas ocorre “se tais vícios tornarem a «decisão ininteligível» ou incompreensível”. Na presente causa de nulidade da sentença não está em equação “um problema de viciação da pronúncia de facto”, mas antes “uma contradição entre o segmento decisório final e a fundamentação – podendo esta ser, incluindo a decisão de facto, intrinsecamente coerente. A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível”. Pelo que “o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença”, sendo que o “vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão” 11. Também no quer concerne ao presente vício, enquanto fundamento de nulidade, analisada a decisão apelada, e de forma liminar, não se constata, minimamente, que a mesma seja contraditória entre os fundamentos e a decisão, ou seja, que exista uma construção viciosa ou um vício lógico de raciocínio, capaz de a inquinar. Aliás, para além daquela enunciação geral e abstracta, o Apelante não concretiza minimamente o vício em equação, nem se vislumbra qualquer ponta de pertinência na invocação em causa, que surge, assim, destituída de qualquer fundamento jurídico. Com efeito, o que consta da fundamentação aduzida, independentemente do seu acerto, tem reflexos e adequação de raciocínio no teor do posteriormente decidido, sem que se vislumbre qualquer distonia ou contradição, ou que de alguma forma o dispositivo decisório se revele ininteligível, decorrente da natureza ambígua, obscura, inconsequente ou enovoada do decidido, de forma a maculá-la com o apontado vício. Donde, conclui-se pelo não reconhecimento do vício em equação, o que determina, nesta vertente, improcedência das enunciadas conclusões recursórias. – DA NULIDADE DO DESPACHO POR CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO Argumenta, ainda, o Recorrente não se poder o Tribunal substituir à parte relativamente ao pedido formulado, sob pena de nulidade, tendo o Tribunal a quo subvertido “o pedido formulado pelo Recorrido, substituindo-se a este e substituindo o pedido formulado”. Na pronúncia ultra petitum enunciada na transcrita alínea e), do nº. 1, do artº. 615º, ocorre violação do “princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância”, ao não serem observados “os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido” 12. Não pode, deste modo, o juiz, “ultrapassar na sentença os limites do pedido (ou dos pedidos deduzidos), em violação do princípio dispositivo. É que lhe impõe o nº. 1 do artº. 609º ; a condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido, ex-vi da al. e) do nº. 1 do artº 615º”. Assim, não pode o juiz, “sob pena de nulidade, condenar ultra-petitum, ou seja, em quantidade superior ou em objecto (qualidade) diversos dos constantes do pedido”, sendo exemplo de condenação em objecto diverso o caso do “autor pedir a restituição da coisa comodatada e a sentença condenar o réu a entregar-lhe uma outra coisa em substituição daquela ou a prestar um outro facto que não o da entrega da coisa”. Bem como o exemplo de que “tendo o autor pedido o reconhecimento do seu direito de propriedade por ter adquirido, por compra, certo prédio, não pode o juiz, na sentença, reconhecer esse direito com fundamento em que o ter adquirido por sucessão, ainda que os factos em que se baseie tenham sido alegados, a outro título, no processo” 13. Ora, este “balizamento cognitivo (…) é operado pelo objeto do processo (pedido e causa de pedir) tal como definido (a título principal) pelo autor na petição inicial”. O mesmo autor, sustentado no entendimento de Miguel Mesquita 14, advoga, no que á presente causa de nulidade concerne, o que apelida de “flexibilização do princípio do pedido”, tendo por base a necessidade de ponderação “do princípio da efectividade (eficiência/eficácia)”, bem como tendo “sempre presente o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da justa medida e da proibição do excesso”. Tal adopção determina que “seja de reconhecer ao juiz a faculdade de «sugerir (ex-officio) uma modificação do pedido» e em que, por tal, «o princípio do pedido deva ser suavizado ou mitigado» quando o autor requeira unicamente certa providência que os factos alegados e provados demonstrem revestir-se de um carácter demasiado drástico ou oneroso”. Ora, um dos campos de intervenção do julgador situa-se ao nível dos “poderes/deveres do juiz com vista ao aperfeiçoamento dos articulados (artº 591º, nº. 1, al. c)) ou mesmo os seus poderes instrutórios dimanados do princípio do inquisitório (artº 411º)”. Todavia, conclui-se, “«qualquer desvio, na sentença, relativamente ao pedido exigirá sempre o prévio respeito pelos princípios da cooperação, do contraditório e do dispositivo e da igualdade das partes»”, devendo sempre o tribunal “«trabalhar com base nos factos alegados, não abrindo a porta a novos factos sob pena de violação do princípio do dispositivo»” 15 16. Deste modo, “o juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes ; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes”. Pelo que “não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa ; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto ; se o pedido respeita á entrega duma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu ; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)” 17. Ora, no que respeita ao enquadramento no vício inscrito na alínea e), ora em apreciação, resulta evidente e apodítico inexistir qualquer decisão ou condenação (que nem sequer se equaciona) que extravase o quantum do pedido deduzido, ou que tenha incidido sobre objecto diferenciado do contido no mesmo pedido. Pelo que, não se pode aludir, com razão, que a decisão apelada tenha conhecido de questão ou objecto diferenciado do pedido. Com efeito, no requerimento de 05/07/2023, o requerente Adquirente pugna pela determinação da entrega do imóvel, com auxílio das forças de segurança, concluindo pelo agendamento de tal diligência. Por sua vez, o mesmo Adquirente, no requerimento de 18/09/2023, para além de responder à invocada nulidade da venda por parte do Executado, reitera o anteriormente solicitado, no sentido de ser-lhe determinada a entrega imediata do imóvel, com auxílio das forças de segurança. Ora, independentemente da posição do Adquirente enquanto mero comproprietário, ou de pleno proprietário da totalidade do imóvel (e não do direito a ½), em virtude de já lhe ter sido anteriormente adjudicada a demais ½, nos termos que já referenciámos, tal pedido é perfeitamente correspondente ao que foi objecto de decisão, sem que se evidencie que esta destoou do requerido. O que determina, sem ulteriores delongas, concluir-se no sentido da decisão recorrida não estar igualmente maculada por esta causa de nulidade, com legal inscrição na alínea e), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, assim improcedendo a sua invocação e, consequentemente, neste segmento, reconhecimento da inviabilidade das conclusões recursórias apresentadas. II. Da NULIDADE por VIOLAÇÃO do PRINCÍPIO do CONTRADITÓRIO Referencia o Recorrente que não sendo a antecedente demais comproprietária “CC parte nos presentes autos e sendo determinada a entrega do imóvel como foi e nos termos que foi, designadamente com a autorização de solicitação das autoridades policiais e, se necessário arrombamento da porta e substituição da fechadura, com observância do disposto nos nºs 5 a 7 do artigo 757º a decisão é nula por violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º do CPC”. Acrescenta ser manifestamente evidente “que tendo em consideração os termos e condições em que foi realizada a venda, apenas a quota parte de metade da fração no âmbito dos presentes autos, não é admissível lançar mão do artigo 757º, nºs 2 e 3, nem do disposto no artigo 828º, conjugado com o artigo 861º do CPC, para requerer a entrega do imóvel”. Pelo que, conclui, deverá o Adquirente, ora Recorrido, “exercer o seu invocado direito por outra via, através da qual seja dado conhecimento aos titulares de cada uma das metades da fração que foram vendidas, podendo estes exercer o respectivo direito do contraditório”. Na resposta contra-alegacional, referencia o Apelado ser objectivo do contraditório “facultar às partes o direito de resposta sobre todos os actos que tenham sido praticados contra um direito que se encontre na sua esfera jurídica”. Ora, aduz, o processo em que a referenciada CC era parte, e no qual foi penhorado e se determinou a venda do seu direito a metade indivisa do imóvel, “encontra-se findo, não lhe assistindo, por este motivo, direito de resposta relativamente à determinação da entrega do imóvel dado que esta actuação nada influi na sua esfera jurídica, uma vez que já nem sequer é comproprietária do imóvel”, pelo que inexistiu qualquer violação do princípio do contraditório. Vejamos Estatui o artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, prevendo acerca da necessidade do pedido e da contradição, que: “1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. 2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. 3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”. Ajuizando acerca do princípio do contraditório, refere Lebre de Freitas 18 vigorar no presente uma noção lata de contraditoriedade, “entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. Pelo que, o desiderato ou escopo principal de tal princípio “deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo”. E, concretizando a operacionalidade de tal princípio no plano das questões de direito, acrescenta ser exigível que, “antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie”. Acrescenta que a “proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade (art. 3-3)”. Especificando e concretizando, entende ser necessário tal convite, exemplificativamente, na situação em que o Tribunal, ainda que concordando com a qualificação jurídica que as partes atribuíram a um contrato, “se propuser aplicar uma norma jurídica, específica ou genérica, do respectivo regime (…) que as partes durante o processo não tiveram em conta”. E, a falta de tal convite, quando deva ter lugar, determina ou gera nulidade, nos quadros do artigo 195º, do Cód. de Processo Civil. Deste forma, não basta, para o assegurar do cumprimento desta vertente do contraditório, que “às partes, em igualdade, seja dada a possibilidade de, antes da decisão, alegarem de direito (…)”, sendo ainda exigível que “mesmo depois desta alegação, possam fazê-lo ainda quanto a questões de direito novas, isto é, ainda não discutidas no processo” 19 20. Subjaz, deste modo, ao princípio do contraditório a ideia “de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas á revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham”. Com efeito, “a liberdade de aplicação das regras do direito (art. 5º, nº 3) ou a oficiosidade no conhecimento de determinadas exceções sem outras condicionantes potenciariam decisões que, em divergência com as posições jurídicas assumidas pelas partes, constituiriam verdadeiras decisões-surpresa”, pretendendo-se, assim, com a regra enunciada no nº. 3, “impedir que, a coberto desse princípio, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objecto de qualquer discussão” (sublinhado nosso). Por outro lado, a legal solução “propicia ao juiz melhores condições para uma ponderação serena dos argumentos”, pelo que a audição das partes apenas “pode ser dispensada em casos de «manifesta desnecessidade» (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma perspectiva objectiva), de indeferimento de nulidades (art. 201º) e sempre que as partes não possam, objectivamente e de boa-fé, alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respectivas consequências” 21. A dispensa da observância do princípio do contraditório tem, deste modo, natureza excepcional, apenas se justificando “quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final”. Donde, estando-se perante uma diferenciada qualificação jurídica dos factos, legítima de acordo com o nº. 3, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil, não está dispensada “a necessidade de o juiz auscultar as partes, na medida em que uma diversa qualificação jurídica pode contender com a posição que cada uma delas adotou no processo, interferindo na tutela dos respectivos interesses” 22. Jurisprudencialmente, em termos exemplificativos, afiramos o juízo expedido no douto Acórdão do STJ de 19/12/2018 - Relator: Roque Nogueira, Processo nº. 543/05.0TBNZR.C1.S1, in www.dgsi.pt -, do qual consta que “o que se quis impedir, com o aludido preceito, foi, precisamente, que a coberto do princípio «jus novit curia», emergente do art.5º, nº3, e do princípio da oficiosidade no conhecimento da generalidade das excepções dilatórias e das excepções peremptórias, constantes dos arts.578º e 579º, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas, por não terem sido objecto de discussão no processo”. Acrescenta, citando Abrantes Geraldes - Temas da Reforma do Processo Civil, 1º vol., 2ª ed., pág.77 -, que “a liberdade de aplicação das regras de direito adequadas ao caso e a oficiosidade no conhecimento de excepções, conduziam, com alguma frequência, a decisões que, embora tecnicamente correctas, surgiam contra a corrente do processo, à revelia das posições jurídicas que cada uma das partes tomara nos articulados ou nas alegações de recurso. Eram as chamadas «decisões-surpresa» legitimadas pelo regime jurídico-processual anterior, que nenhumas limitações colocava ao poder imediato de integração da matéria de facto nas normas aplicáveis” (sublinhado nosso). Por sua vez, o douto aresto do mesmo Alto Tribunal de 12/07/2018 - Relator: Hélder Roque, Processo nº. 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, in www.dgsi.pt - defende decorrer do princípio do contraditório a “a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar”. Todavia, acrescenta, ressalvando e balizando a amplitude da aplicabilidade de tal princípio, que “a decisão-surpresa que a lei pretende afastar, afoitamente, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar e não com os fundamentos não expectáveis de decisões que já eram previsíveis, não se confundindo a decisão-surpresa com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento” (sublinhado nosso). Por fim, analisando o princípio contraditório em termos constitucionais, pode referenciar-se o douto aresto do Tribunal Constitucional nº. 330/2001 - Relator: Conselheiro Messias Bento, Processo nº. 102/2001, Jurisprudência do Tribunal Constitucional, in www.dgsi.pt -, no qual se menciona que “o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório [cf. o acórdão n.º 86/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 11º, páginas 741 e seguintes)]. Tal como se sublinhou no acórdão n.º 358/98 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no acórdão n.º 249/97 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Maio de 1997), o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que "a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos"”. Acrescenta, então, que “a ideia de que, no Estado de Direito, a resolução judicial dos litígios tem que fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no acórdão n.º 404/87 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 10º, páginas 391 e seguintes). E, no acórdão n.º 62/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 18º, páginas 153 e seguintes) sublinhou-se que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório "possuem dignidade constitucional, por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de Direito". As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas "mediante um processo equitativo" (cf. o n.º 4 do artigo 20º da Constituição), o que – tal como se sublinhou no acórdão n.º 1193/96 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35º, pagina 529 e seguintes) – exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência), como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a sentença só por acaso será justa. O processo civil tem uma estrutura dialéctica ou polémica: ele reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), sendo o juiz uma instância passiva. Nele – insiste-se –, o juiz não pode tomar qualquer providência contra determinada pessoa, sem que ela seja ouvida. E mais: essa audição tem, em regra, que preceder o decretamento da providência. Só excepcionalmente, quando haja razões de eficácia e de celeridade que imponham o seu diferimento e que este não limite ou restrinja, de forma intolerável, o direito de defesa, ela pode ser diferida para momento ulterior, pois só então se justifica que a audição da parte não seja prévia”. E, no que concerne ao alcance do contraditório exigível no campo das decisões surpresa, consignou-se no douto aresto do Tribunal Constitucional de 10/07/2019 – nº. 426/19, Relatora: Joana Fernandes Costa – que “têm sido repetidamente assinaladas na jurisprudência constitucional, as condições para que assim seja. Nas palavras do Acórdão n.º 173/2016, na linha de muitos outros: «Como o Tribunal Constitucional vem reiteradamente decidindo, «recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica (…)». Cabe-lhes, assim, «a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas» (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, janeiro de 2010, pp. 81-82)”. Cotejados os expostos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais, articulemo-los com o caso sub júdice. No que concerne à efectiva entrega do imóvel, entende o Apelante ter sido violado o princípio do contraditório, previsto no transcrito artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, em virtude da referenciada CC, anterior titular do direito sobre metade indivisa do imóvel, não ter sido devidamente notificada. Ora, conforme resulta dos factos provados b) e c), a decisão da Sra. Agente de Execução, datada de 15/06/2020, em proceder à venda do bem penhorado (1/2 do imóvel), com indicação da modalidade de venda e valores a publicitar e alvo de aceitação, foi igualmente notificada, em 15/06/2020, à comproprietária do mesmo imóvel, ou seja, a CC. Também resulta da mesma factualidade, e do teor do relatório supra, que a aquisição efectuada nos presentes autos pelo Adquirente ocorreu mediante exercício do direito de preferência que era concedido pela qualidade de comproprietário. Qualidade que havia obtido quando adquiriu a demais ½ do mesmo imóvel na execução que correu autonomamente termos contra a indicada CC (sob o nº. 1276/18.8T8LRS). Assim, quando, nos presentes autos, são requeridas e determinadas as diligências conducentes à efectiva entrega do imóvel, relativamente ao qual se procedeu à transmissão do direito a ½, já a indicada CC não detinha qualquer direito sob o mesmo, pois já não era comproprietária e, como tal, em nada tal actuação influía na sua esfera jurídica. Concretizando, para além de não ser parte na presente execução, a indicada antecedente comproprietária não era titular de qualquer posição jurídica substantiva que impusesse a sua audição nos presentes autos executivos, ou seja, que se impusesse uma qualquer tutela ou salvaguarda dos seus interesses nos presentes autos a demandarem a sua prévia audição e participação relativamente às diligências realizandas para efectivação da entrega do bem alienado ao seu concreto adquirente. Donde, conclui-se, inapelavelmente, pela inexistência de qualquer violação do princípio do contraditório, capaz de macular a decisão recorrida do vício da nulidade, assim improcedente, neste segmento, as conclusões recursórias. III. Da FALTA de LEGITIMIDADE do ADQUIRENTE PARA REQUERER a EFECTIVA ENTREGA do IMÓVEL Argumenta, ainda, o Apelante referir-se o artº. 757º, nºs. 2 e 3, do Cód. de Processo Civil aos actos praticados pelo Agente de Execução, designadamente no âmbito da tomada de posse efectiva do imóvel pelo fiel depositário, mas que o Tribunal a quo substituiu-se ao Adquirente e errou ao decidir determinar a entrega do imóvel, “com autorização de recurso à autoridade e eventualmente arrombamento, com base no artigo 828º do CPC, conjugado com o artigo 861º do CPC”. Acrescenta que “o Recorrido não alegou que tenha sido dado cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 861º do CPC, sendo certo que as diligências judiciais requeridas pelo Recorrido junto do Tribunal, deveriam ser pedidas ao Agente de Execução e este, se as considerasse legalmente adequadas, deveria pedir ao Tribunal se as mesmas extravasassem a sua competência”. Assim, entende que considerando “os termos e condições em que foi realizada a venda, apenas a quota parte de metade da fração no âmbito dos presentes autos, não é admissível lançar mão do artigo 757º, nºs 2 e 3, nem do disposto no artigo 828º, conjugado com o artigo 861º do CPC, para requerer a entrega do imóvel”. Em sede contra-alegacional, reagindo ao argumento de que o Adquirente não tem legitimidade para requerer ao Tribunal a quo a entrega do imóvel nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 757.º CPC, ou seja, com recurso ao auxílio das forças de segurança, entendendo que tal possibilidade se encontra no âmbito das competências do Agente de Execução, aduz o Apelado resultar “dos n.ºs 2 e 3 do artigo 757.º do CPC que, em regra, compete ao Agente de Execução solicitar a entrega efectiva do bem com auxílio das forças de segurança”. Todavia, ressalva, “o n.º 4 da mesma norma prevê que nos casos em que esteja em causa a entrega de imóvel que constitui “domicílio” do Executado, a sua entrega tem de ser previamente decretada por despacho judicial”, constituindo entendimento doutrinário e jurisprudencial “que o adquirente do bem, em sede de venda executiva, tem legitimidade para requerer a entrega com base no título de transmissão em que foi investido”. Pelo que, consequentemente, “improcede toda a argumentação do Recorrente quanto ao facto do Recorrido não ter legitimidade para solicitar a entrega do imóvel nos presentes autos”. Apreciando: Sob a epígrafe entrega de bens, estatui o artº. 828º, do Cód. de Processo Civil, que “o adquirente pode, com base no título de transmissão a que se refere o artigo anterior, requerer contra o detentor, na própria execução, a entrega dos bens, nos termos prescritos no artigo 861.º, devidamente adaptados”. Por sua vez, este artº. 861º, sob a epígrafe entrega da coisa, prescreve nos nºs. 3 e 4, que: “3 - Tratando-se de imóveis, o agente de execução investe o exequente na posse, entregando-lhe os documentos e as chaves, se os houver, e notifica o executado, os arrendatários e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito do exequente. 4 - Pertencendo a coisa em compropriedade a outros interessados, o exequente é investido na posse da sua quota-parte”. Acresce o estatuído nos nºs. 2 a 4, do artº. 757º, do mesmo diploma, referente à entrega efectiva de imóvel, consignando que: “2 - Quando seja oposta alguma resistência, ou haja receio justificado de oposição de resistência, o agente de execução pode solicitar diretamente o auxílio das autoridades policiais. 3 - O agente de execução pode, ainda, solicitar diretamente o auxílio das autoridades policiais nos casos em que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efetivar a posse do imóvel, lavrando-se auto da ocorrência. 4 - Nos casos previstos nos n.os 2 e 3, quando se trate de domicílio, a solicitação de auxílio das autoridades policiais carece de prévio despacho judicial”. Perante este quadro legal, argumenta o Executado Apelante ter existido subversão do regime legal consignado, ao ter vindo o Adquirente, por si, requerer a entrega efectiva do imóvel, com recurso ao auxílio das forças de segurança, nos termos do artº. 757º, do Cód. de Processo Civil, carecendo de legitimidade para tal. Ou seja, e explicitando, no entendimento do Recorrente, o Adquirente, em vez de ter vindo solicitar directamente ao Tribunal o auxílio das autoridades policiais para a concreta e efectiva entrega do imóvel, deveria tê-lo solicitado à Sra. Agente de Execução e, deveria ser esta, caso o entendesse justificado, a recorrer a tal solicitação. Parece ser incontroverso que, tendo-lhe sido adjudicado o direito a ½ do imóvel na presente execução, com consequente emissão do título de transmissão, e sendo já anteriormente comproprietário da demais ½ sob o mesmo imóvel, possui o Adquirente plena legitimidade para requerer a entrega do imóvel. Ademais, in casu, afigurando-se estarmos perante a situação factícia enunciada no transcrito nº. 4, do artº 757º, do CPC, que sempre exigiria a intervenção do julgador na apreciação do solicitado, considerar que o Adquirente pode directamente solicitar junto do Tribunal a intervenção e auxílio das autoridades policiais é solução que consideramos acertada e pertinente, com perfeito cabimento legal. Efectivamente, esta solução não desvirtua nem compromete as funções legalmente determinadas ao Agente de Execução e Juiz de Execução, antes respeita os seus diferenciados campos de acção e intervenção ou repartição de competências, de acordo com o prescrito nos artigos 719º, 720º e 723º, todos do Cód. de Processo Civil. Donde, sem necessidade de ulteriores considerações, improcede a aludida falta de legitimidade do Adquirente para requerer a entrega efectiva do imóvel, com recurso ao auxílio das forças de segurança, o que, imaculando o decidido nessa matéria, determina falência, nesta vertente, da pretensão recursória. IV. Da NULIDADE da VENDA por PRETERIÇÃO da NORMA IMPERATIVA INSCRITA no nº. 2, do ARTº. 743º, do CÓD. de PROCESSO CIVIL O Recorrente afirma, ainda, ter invocado “que à data da venda da quota parte do Recorrente, já estavam penhoradas a totalidade das quotas, uma vez que a metade da CC tinha sido penhorada no âmbito da Execução com o número 12676/18.8T8LRS Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Execução de Loures, Juiz ..., pelo que estando penhoradas a totalidade das quotas partes da fração, a venda deveria ser feita pela totalidade das quotas, isto é, da própria fração, no âmbito do processo em que se tenha efectuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido, tudo conforme o disposto no nº 2 do artigo 743º do Código de Processo Civil”. Acrescenta que esta norma é imperativa (de acordo com o entendimento uniforme da jurisprudência), e não uma disposição de cariz indicativo, como o entendeu a decisão sob apelo, justificando-o “pelo princípio de uma economia processual, com vista igualmente a que se consiga melhor valor pela venda e que nem sempre a venda conjunta se mostra possível, para tanto bastando que as execuções estejam em fases processuais distintas”. Todavia, aduz, o que releva “não é a fase em que está a execução, mas o facto de terem sido penhoradas a totalidade das quotas do bem indiviso”, urgindo salvaguardar “o interesse do Exequente e dos Executados, que o bem penhorado seja vendido pelo valor mais elevado, sendo público e notório, que pela venda de um prédio correspondente a uma fração autónoma destinada à habitação, se obtém um melhor preço, do que através da venda parcial de cada uma das metades, sendo certo também que a venda pela totalidade evitará eventuais litígios, tal como está a acontecer”. Donde, conclui, deverá ser a venda “declarada nula com todas as consequências legais”. Em sede contra-alegacional, aduz o Apelado Adquirente não se concluir do texto da norma sobre a sua natureza imperativa, “até porque são possíveis outras soluções (e.g. a venda em separado), pois que a venda conjunta só seria admissível se se encontrassem na mesma fase ambos os processos onde foram penhorados os direitos sobre o bem indiviso”. Assim, as acções executivas onde forma penhorados os direitos a metade indivisa do imóvel “encontram-se em fases distintas: o processo n.º 12676/18.8T8LRS, que correu termos no Juízo de Execução de Loures – Juiz ..., onde foi penhorado o direito a metade indivisa do imóvel que pertencia à senhora CC, terminou com a venda judicial e adjudicação do direito ao Recorrido”, enquanto que, nos presentes autos, “o direito a metade indivisa do imóvel que pertencia ao Recorrente também foi vendido e adjudicado ao Recorrido”. Desta forma, prossegue, aquele normativo “não impõe obrigatoriamente a venda conjunta nem era possível nos presentes autos, uma vez que as acções executivas se encontravam em fases distintas”. Ademais, “de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 839.º do CPC a venda fica sem efeito se o acto da venda for anulado nos termos do artigo 195.º do CPC; A venda executiva apenas pode ser considerada nula quando a lei o declare ou quando a irregularidade verificada tenha influência significativa no exame ou na decisão da causa (n.º 1 do artigo 195.º do CPC); Andou bem o Tribunal a quo ao considerar que o facto de a venda executiva não ter sido realizada nos termos do n.º 2 do artigo 743.º do CPC não teve qualquer influência significativa no exame ou na decisão da causa”. Noutra vertente de análise, “a confirmação da tese sustentada pelo Recorrente sobre a natureza imperativa n.º 2 do artigo 743.º do CPC iria necessariamente provocar uma instabilidade processual para todos os intervenientes”. Com efeito, ao declarar-se nula “a venda executiva fundada na inobservância do n.º 2 do artigo 743.º do CPC – o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, sem conceder – tal situação conduziria à prática de vários actos com vista à obtenção do mesmo resultado, violando, assim, o princípio da economia processual e princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do CPC”. Não resulta, assim, da lei que “a realização de vendas executivas separadas dos direitos a metade indivisa do imóvel penhorados em execuções diversas, constitua fundamento de anulação dessas mesmas vendas”. Relativamente à presente arguição, a decisão apelada raciocinou nos seguintes termos: - invocando o disposto no artº. 839º, do Cód. de Processo Civil, referenciou que o disposto na alínea c), do nº. 1, enquadra-se no campo das nulidades processuais, “aqui se incluindo a preterição de formalidades tidas por essenciais e que influenciem a marcha da própria execução” ; - a anulação do acto da venda, nos termos dos artigos 195º e segs., do Cód. de Processo Civil, pode ocorrer: • Por nulidade da própria venda ; • Por nulidade de acto anterior de que dependa absolutamente (exemplificativamente, a falta de audição dos exequentes/executados/credores reclamantes sobre a modalidade da venda e valor base dos bens) ; - todavia, conforme dispõe o nº. 1, do citado artº. 195º, a preterição de uma formalidade que a lei prescreva apenas determina nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa ; - a previsão legal do nº. 2, do artº. 743º, do Cód. de Processo Civil, tem “cariz indicativo, e não imperativo, justificado pelo princípio de economia processual, com vista igualmente a que se consiga obter melhor valor pela venda” ; - todavia, “nem sempre a venda conjunta se mostra possível, para tanto bastando que as execuções estejam em fases processuais distintas” ; - ora, se a primeira penhora foi a efectuada nos presentes autos, quando a venda é concretizada “já havia sido vendido na outra execução ½ da fração (da titularidade de CC)” ; - assim, não foi concertada a venda conjunta, sendo que este facto não “tem, ou teve, qualquer influência na marcha desta execução”, o que determina improcedência da arguida nulidade. Apreciando: sob a epígrafe penhora em caso de comunhão ou compropriedade, estatui o nº. 2, do artº. 743º, do Cód. de Processo Civil, que “quando, em execuções diversas, sejam penhorados todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efetuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido”. Em consonância com tal normativo, dispõe o nº. 2, do artº. 752º, do mesmo diploma, relativamente a bens onerados com garantia real e bens indivisos, que “quando a penhora de quinhão em património autónomo ou de direito sobre bem indiviso permita a utilização do mecanismo do n.º 2 do artigo 743.º e tal for conveniente para os fins da execução, a penhora começa por esse bem”. Referenciam João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa – Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL, 2022, pág. 918 -, que a venda enunciada no transcrito nº. 2, do artº. 743º, que apelidam de venda conjunta, “não pressupõe nenhuma apensação de execuções, embora, naturalmente, também não esteja excluído que o juiz do processo onde se realizou a primeira penhora possa ordenar essa apensação (art. 267º, nº. 5)”. Acrescentam José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre – Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, 3ª Edição, Almedina, pág. 539 – proporcionar este nº. 2, “quanto à transmissão dos bens, solução idêntica à da execução movida contra todos os contitulares do direito, quando os vários quinhões ou quotas-partes no direito são objeto de penhoras em execuções diversas. A venda ou adjudicação tem então lugar no âmbito do processo em que o primeiro quinhão ou quota tenha sido penhorado, no mesmo processo se fazendo a posterior divisão do produto obtido. Se o juiz julgar conveniente, pode ordenar a apensação das execuções (art. 267-4)” (sublinhado nosso). Por sua vez, referenciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa – Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, pág. 119 -, reiterando o já exposto, que, se, “em diversas execuções, tiverem sido penhorados todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, deve realizar-se uma única venda na execução mais antiga, com posterior divisão do produto obtido (nº. 2), segundo a graduação de créditos de cada execução. A realização de tais penhoras é facilitada pela admissibilidade de litisconsórcio ou coligação de credores (art. 56º, nº. 1, al. c)), podendo o juiz ordenar a apensação de execuções (art. 267º, nº. 5)” (sublinhado nosso). Por fim, aduz Rui Pinto – A Ação Executiva, 2020, Reimpressão, AAFDL, pág. 874 e 875 -, que a “Reforma da ação executiva de 2003 pretendeu tornar comercialmente mais atraente a venda de bens em comunhão de direitos reais ou em património autónomos, mediante a venda da totalidade do património autónomo ou do bem indiviso”. Assim, “o nº. 2 do artigo 743º determina a realização de uma única venda, que será feita «no âmbito do processo em que se tenha efetuado a primeira penhora». Há aqui uma espécie de remessa das vendas para a execução mais antiga”. Acrescenta que “uma vez efetuada a penhora do quinhão, é imperativo o funcionamento do regime do artigo 743º nº. 2, pois não parece que ele possa ser afastado por razões de inconveniência”. Pelo que, de acordo com o legalmente estatuído, “do produto da venda far-se-á a «posterior divisão», ou seja, a quantia apurada será distribuída pelas várias execuções na medida de cada quota-parte ou direito. Depois, esse produto será distribuído segundo a graduação de créditos realizada em cada execução” (sublinhado nosso). Aqui chegados, anotemos o seguinte: - a primeira penhora do direito sobre o identificado imóvel foi efectuada nos presentes autos, relativamente ao direito de que era titular o Executado ; - posteriormente, foi efectuada penhora sob o direito de que era titular a demais comproprietária do mesmo, no âmbito do Processo Executivo nº. 12676/18.8T8LRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Loures, Juízo de Execução, Juiz ... ; - pelo que, tendo-se penhorado a integralidade dos direitos sobre o identificado imóvel, que pertencia, em compropriedade, ao ora Executado e a CC, e tendo sido este o processo em que havia sido operada a primeira penhora, deveria ter sido nos presentes autos de execução que se deveria ter procedido à venda única do imóvel em equação ; - e, posteriormente, apurado o valor da venda, proceder-se à divisão do produto obtido para pagamento dos credores em concurso ; - o quer implicava que naquele Processo Executivo nº. 12676/18.8T8LRS, onde ocorreu a segunda penhora, constatando-se que nesta execução havia sido registada penhora antecedente sobre o direito a ½ sobre o mesmo imóvel, dever-se-ia ter sustado os posteriores trâmites executivos, aguardando-se pela venda a realizar nestes autos ; - todavia, tal não foi determinado naqueles autos, os quais prosseguiram os seus termos, tendo-se vindo a proceder á venda do direito a ½ sobre o identificado imóvel, pertencente à ali executada CC (que não figura como executada na presente execução) ; - não se procedendo, naquele processo, à venda do direito a ½ sobre o mesmo imóvel, da titularidade do ora Executado AA, certamente por já existir registada antecedente penhora sobre tal direito, nomeadamente a efectivada e registada por referência aos presentes autos de execução ; - ora, assim sendo, competia ao ora Executado, que figurava igualmente como Executado naqueles autos, pugnar por tal sustação, sabendo, como não poderia deixar de saber, que o seu direito sobre o mesmo imóvel havia sido antecedentemente penhorado no âmbito da presente execução ; - bem como competiria ao ora Executado Recorrente, que, reitera-se, também figurava como Executado naqueles autos executivos, reagir, impugnando, a venda judicial ali operada do direito a ½ do imóvel de que era comproprietário, argumentando que tal venda deveria ser efectuada como única nos presentes autos, onde havia sido realizada a primeira penhora ; - todavia, não consta que o ora Executado Apelante tenha reagido contra a mesma, aceitando que se operasse e validasse a venda realizada naquela execução, com consequente transmissão a BB, que veio a exercer preferência na subsequente venda da demais ½ sob o imóvel, realizada nos presentes autos ; - donde, atenta a inércia do ora Executado Recorrente, a quem se impunha uma activa conduta naqueles autos de execução, entende-se ter ocorrido preclusão na invocação da alegada irregularidade ora invocada, apenas suscitada após a concretização da venda judicial operada nos presentes autos ; - poder-se-ia argumentar que o julgador do identificado Processo Executivo nº. 12676/18.8T8LRS deveria ter ordenado a apensação daqueles autos de execução aos presentes, nos quadros do nº. 5, do artº. 267º, do Cód. de Processo Civil ; - todavia, conforme decorre do legalmente consignado, estamos perante uma mera faculdade legalmente atribuída, e não perante um comando vinculativo, cujo incumprimento determine necessárias consequências para os trâmites processuais executivos ; - para além de que tal apensação, podendo ser oficiosamente determinada, também admite ser impulsionada por requerimento das partes, o que não se mostra efectivado, nomeadamente pelo ora Apelante Executado, que ali figurava com o Executado e, como tal, sabia da consequente penhora ali efectivada sobre o demais direito sob o imóvel. Porém, ainda que assim não se considerasse, urge ponderar acerca da eventual relevância do apontado vício, desconformidade ou irregularidade, o que nos conduz a um juízo aferidor relativo ao regime da invalidade da venda, nomeadamente no que concerne à anulação da venda prevista no artº. 838º, e aos casos em que a venda fica sem efeito, segundo o prescrito no artº. 839º, ambos do Cód. de Processo Civil. Prevendo acerca da anulação da venda, estatui o nº. 1, do artº. 838º que “se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906.º do Código Civil”. Por sua vez, tipificando caso em que a venda fica sem efeito, aduz a alínea c), do nº. 1, do artº. 839º, que “além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito: c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º”. Referencia Lebre de Freitas 23 que sendo anulável a venda executiva quando ocorra algum dos fundamentos elencados nos artigos 838º e 839º, destes, “alguns respeitam a vícios nos pressupostos do ato: existência de ónus ou limitação que não tenha sido tomado em consideração e exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria ; erro sobre a coisa transmitida, por desconformidade com o que tiver sido anunciado (art. 838-1)”, enquanto que “outros integram nulidades processuais: (….) nulidade da própria venda (arts. 839º-1-c e 195-1)”, sendo que ainda “outros ainda têm a ver com a irregular constituição, originária ou superveniente, do processo executivo, por falta de pressupostos ou inexistência da obrigação exequenda (…)”. Acrescenta que os dois primeiros fundamentos enunciados no artº. 838º – existência de ónus ou limitação não considerado e erro sobre a coisa transmitida -, “visam a tutela do comprador e por isso estão na sua exclusiva disponibilidade. Integram situações de erro acerca do objecto jurídico (ónus ou limitação) ou material (identidade ou qualidade da coisa transmitida) da venda, mas têm a caracterizá-los, quando comparado o seu regime com o regime geral da anulação do negócio jurídico por erro (arts. 257 CC e 251 CC), a dispensa dos requisitos de que a lei a faz depender, designadamente a essencialidade para o declarante e o seu conhecimento ou cognoscibilidade pelo declaratário ; basta por isso que o ónus ou limitação não tenha sido tomado em consideração ou que a identidade ou as qualidades do bem vendido divirjam das que tiverem sido anunciadas”. Todavia, ressalva-se, tal ónus ou limitação deve, em qualquer caso, “exceder os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria”, estando, exemplificativamente, “dentro dos limites normais as limitações legais ao direito de propriedade (limitações gerais, restrições provenientes de providências administrativas gerais e abstractas, ónus resultante de plano de urbanização, etc) e as servidões legais ainda não constituídas”. Por outro lado, constitui “caso de desconformidade com o que foi anunciado o do bem anunciado como livre, mas na realidade objecto litigioso duma ação pendente (….), o caso do bem cuja penhora é objecto de embargos de terceiro, já pendentes à data da venda, mas que só vêm a ser recebidos depois dela”, bem como o “caso em que, nos editais e anúncios dos arts. 817-4 e 836-2 ou no ato de venda dos arts. 833-5 e 834-3, se omita a declaração da pendência do recurso ou da oposição”. Por fim, acrescenta, como tutela de uma das partes no processo executivo, que “a anulação do ato da venda nos termos dos arts. 195 e ss. pode ocorrer, quer por nulidade da própria venda (nº. 1), quer por nulidade do ato anterior de que dependa absolutamente (nº. 2)”. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa 24 referenciam que, após a sua realização, pode o comprador, no próprio processo de execução, pedir “a anulação da venda, desde que ocorra uma situação de erro sobre o objecto jurídico ou sobre o objecto material da venda (identidade e qualidade). Não se exige a essencialidade para o declarante/comprador do elemento sobre que incidiu o erro e o seu conhecimento ou cognoscibilidade para o declaratário, bastando que a identidade ou as qualidades do bem vendido divirjam das que tiverem sido anunciadas”. Enunciam situações de erro sobre o objecto jurídico, tais como “a existência de arrendamento anterior à penhora, desconhecido na execução ; pendência de ação judicial sobre o imóvel vendido, sendo omitida tal situação aquando da venda e da publicidade prévia ; incumprimento do disposto no nº. 4 do art. 817º ; venda do prédio como rústico quando já é urbano”. Por sua vez, exemplo de situações de erro sobre a identidade ou qualidade da coisa traduzem-se na “discrepância relevante entre a área ou a composição do prédio anunciadas e as áreas e composições reais (…), a não correspondência física entre o prédio mostrado ao adquirente pelo encarregado de venda e o prédio vendido”. Relativamente à situação em que a venda fica sem efeito por invalidade processual, inscrita na alínea c), do nº. 1, do artº. 839º - anulação do acto da venda, nos termos do artº. 195º -, tal ocorre, designadamente, pela “verificação dos seguintes vícios: omissão da notificação da decisão do agente de execução sobre a venda (art. 812º, nº. 6) ; omissão da publicitação da venda ou publicitação sem a antecedência devida ; ausência do juiz na abertura das propostas (art. 820º, nº. 1) ; omissão da notificação do credor reclamante do despacho que fixa o dia e hora para venda por propostas em carta fechada (….)”. No âmbito da anulação da venda executiva, nos termos do nº. 1, do artº. 838º, nomeadamente por reconhecimento de ónus ou limitação excedente dos limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria (erro sobre o objecto jurídico), enuncia Marco Carvalho Gonçalves 25, de forma exemplificativa, constituir “fundamento de anulação da venda o facto de um bem imóvel, anteriormente à penhora, ao arresto ou à garantia, se encontrar onerado com um arrendamento, com um direito de superfície ou com uma servidão, não obstante ter sido publicitado para venda como se encontrando livre de qualquer ónus ou encargo, ou a circunstância de não possuir licença de habitabilidade”. E, no que concerne à situação em que a venda fica sem efeito, nos termos expostos na alínea c), do nº. 1, do artº. 839º, tal ocorre, para além do mais, “quando se verifique a omissão de formalidades essenciais no âmbito do processo de venda, tais como a falta de publicidade do bem a ser vendido ou a omissão de qualquer formalidade legal nesse acto, em violação do disposto no art. 817º (por exemplo, falta de observância do prazo mínimo de dez dias de antecedência em relação à data da venda, falta de afixação de edital anunciando a venda ou falta de publicitação do valor base, da data da abertura das propostas ou do tribunal onde corre o processo)” 26. Acrescenta Marco Carvalho Gonçalves – ob. cit., pág. 500 e 501 -, relativamente à anulação do acto da venda, nos termos do artº. 195º, do Cód. de Processo Civil, equacionada na citada alínea c), do nº. 1, do artº. 839º, do mesmo diploma, conducente a que a venda executiva fique sem efeito, enquadrarem-se neste âmbito, por exemplo, “os casos em que se verifique a falta de notificação das partes ou de um terceiro interessado para a venda executiva”. Acrescenta que, do mesmo modo, “a venda executiva deve ficar sem efeito nos casos em que o bem tenha sido previamente penhorado numa outra ação executiva, sem que se tenha determinado a sustação da execução em que a penhora se verificou em segundo lugar, nas situações em que o bem tenha sido vendido em execução sustada em virtude de penhora anterior, assim como quando se verifique a omissão de formalidades essenciais no âmbito do processo de venda, tais como a falta de publicidade do bem a ser vendido ou a omissão de alguma formalidade legal nesse ato, em violação do disposto no art. 817º (por exemplo, falta de observância do prazo mínimo de dez dias de antecedência em relação à data da venda, falta de afixação de edital anunciando a venda ou falta de publicitação do valor base, da data da abertura das propostas ou do tribunal onde corre o processo)”. Por fim, ressalva e enfatiza que, “verificando-se a prática ou a omissão de um ato que impliquem a nulidade da venda executiva, essa nulidade fica sujeita ao regime geral previsto no Código de Processo Civil, devendo ser arguida, de forma tempestiva, pelo interessado «na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato»” (sublinhado nosso). Ora, de retorno ao caso concreto, decorre do mencionado nº. 1, do art.º. 195º, do Cód. de Processo Civil, prevendo acerca da nulidade secundária, que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve, apenas são susceptíveis de determinar nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. In casu, atentos os desenvolvimentos que se haviam operado nos autos executivos nº. 12676/18.8T8LRS, em que se procedeu à venda da quota-parte do imóvel pertença da ali Executada CC, por decisão devidamente transitada e assente, a venda nos presentes autos só poderia mesmo incidir sob a quota-parte restante do mesmo imóvel, pertença do aqui Executado comproprietário. Ou seja, na presente execução, não poderia o Tribunal a quo proceder de modo diferenciado, restando-lhe proceder à alienação do direito do Executado sob o imóvel, pois, para além do mais, não possuía capacidade, legitimação ou competência para afectar a venda realizada naqueles autos executivos nº. 12676/18.8T8LRS. Efectivamente, seria neste – Processo de Execução nº. 12676/18.8T8LRS - que o ora Executado Recorrente deveria, caso assim o entendesse, questionar a venda efectuada, e eventualmente impugná-la, com a argumentação que aduziu nos presentes autos, o que, nitidamente, não logrou fazer. Donde, logo decorre, com evidência, não ter o Tribunal a quo, por acção ou omissão, praticado ou deixado de praticar, qualquer irregularidade, nos termos equacionados no citado nº. 1, do artº. 195º, do Cód. de Processo Civil. E, mesmo a entender-se de forma diferenciada, a putativa irregularidade, alegadamente transmutada em nulidade, não foi tempestivamente arguida pelo ora Recorrente, pois, apesar de devidamente notificado para a venda que iria efectivar-se nos presentes autos, nos moldes em que foi determinada e publicitada, nada objectou ou questionou, em total contradição com a regra geral sobre o prazo de arguição enunciada no nº. 1, do artº. 199º, do mesmo Cód. de Processo Civil. Por fim, sempre a arguição de tal pretensa nulidade se deveria considerar vedada ao ora Recorrente Executado. Com efeito, conforme estatui o nº. 2, do artº. 197º, do mesmo diploma, “não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição”. Ora, nos presentes autos executivos, o Executado, ora Apelante, apesar de devidamente notificado da decisão de venda, em 15/06/2020, tendo por objecto o seu direito a ½ do imóvel, nada referiu ou alegou – cf., factos b) e c) provados. Por outro lado, o mesmo Recorrente Executado, que igualmente figurou com o executado no Processo de Execução nº. 12676/18.8T8LRS, onde se procedeu à venda judicial da demais quota-parte (1/2) sob o mesmo imóvel, pertencente à comproprietária CC, nada questionou ou impugnou, pelo que a mesma acabou por efectivar-se. Decorrendo, assim, da sua antecedente posição processualmente assumida, tácita renúncia à arguição da pretensa e putativa nulidade, o que surge como efectiva vedação ou impedimento à sua posterior arguição. Donde, igualmente no que concerne à presente vertente, improcedem as conclusões recursórias, conducente a juízo de total improcedência da apelação, com consequente confirmação das decisões recorridas/apeladas. * Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo decaído o Executado/Recorrente/Apelante no recurso interposto, as custas da presente apelação são por si suportadas. *** IV. DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em: a. Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Recorrente/Executado AA, em que surge como Apelado/Recorrido/Adquirente BB ; b. Consequentemente, confirmam-se as decisões recorridas/apeladas ; c. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo decaído o Executado/Recorrente/Apelante no recurso interposto, as custas da presente apelação são por si suportadas. -------- Lisboa, 27 de Março de 2025 Arlindo Crua Pedro Martins António Moreira _______________________________________________________ 1. A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. 2. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599. 3. Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368. 4. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102. 5. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601. 6. Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 368 a 370. 7. Ob. cit., pág. 606 e 607. 8. Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372. 9. Ob. cit., pág. 606. 10. Ob. cit., pág. 370 e 371. 11. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 604 e 605. 12. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 737. 13. Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372. 14. RLJ, Ano 143º, Novembro-Dezembro de 2013, nº. 3983, pág. 129 a 151. 15. Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372 a 375. 16. Acerca da disponibilidade da tutela jurisdicional a operar pelo princípio do dispositivo, através das modificações objectivas da instância, por alteração do pedido e da causa de pedir, nos termos dos artigos 264º e 265º, ambos do Cód. de Processo Civil, cf., José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., Vol. 1º, 4ª Edição, pág. 40. 17. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 67 e 68. 18. Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 4ª Edição, Gestlegal, 2017, pág. 126 e 127. 19. Idem, pág. 135 a 137. 20. Referem, ainda, o mesmo Autor e obra – fls. 138, nota 27 -, que os tribunais franceses vêm recusando a aplicação do princípio do contraditório “nos casos em que o tribunal se limita a retificar a qualificação feita pelas partes”. Acrescenta, porém, que tal só é de aceitar na medida em que “não acarrete a aplicação duma norma jurídica diversa ou, acarretando-a, os efeitos desta norma não sejam substancialmente diversos dos da norma precedentemente considerada, caso em que é indiscutível que nos encontramos perante uma nova questão de direito” (sublinhado nosso). 21. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 19 e 20. 22. Idem, pág. 20. 23. A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, Gestlegal, 2017, pág. 397 a 402. 24. Ob. cit., pág. 257 a 260. 25. Lições de Processo Civil Executivo, 3ª Edição, Almedina, 2019, pág. 496. 26. Em conformidade, sumariou-se no douto aresto desta Relação de 19/02/2019 – Relatora: Micaela Sousa, Processo nº. 104/09.4TCSNT-C.L1-7, in www.dgsi.pt -, que: “I– O acto de venda pode ser anulado, nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil, ou seja, quer por nulidade da própria venda, quer por nulidade de acto anterior de que dependa absolutamente, conforme estatuído no artigo 839º, n.º 1, c) daquele diploma legal. II– Constituem casos de anulação do acto de venda, entre outros, a falta de audição do exequente, do executado e dos credores com garantia sobre os bens a vender sobre a modalidade e o valor base dos bens, a falta de notificação ao executado do despacho que ordene a venda, a falta de notificação das partes ou de um terceiro interessado para a venda executiva, a omissão de formalidades essenciais no âmbito do processo de venda, tais como a falta de publicidade do bem a ser vendido ou a omissão de alguma formalidade legal nesse acto, como a não observância do prazo mínimo de dez dias de antecedência em relação à data da venda, falta de afixação de edital ou de publicitação do valor base”. |