Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7056/04.5TVLSB.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: COOPERATIVA
DEFEITO DA OBRA
EMPREITEIRO
INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. Atenta a natureza jurídica das Cooperativas de Habitação, constantes dos artigos 2.º, 17.º, 26.º e 27º do Decreto-Lei n.º 502/99, de 19 de Novembro, diploma que reforça a natureza inerente às Cooperativas e que já tinha assento no artigo 4.º do Código Cooperativo (Decreto-Lei n.º 51/96, de 7 de Setembro, com as respectivas alterações), devemos concluir que os contratos de compra e venda pela mesma celebrados não têm as características próprias dos contratos dessa natureza, verificando-se, nomeadamente, a ausência de um preço negociável (que visa o lucro, nos contratos em geral), bem como a própria ausência de liberdade de contratação no que se refere à identificação aleatória dos sujeitos adquirentes (uma vez que os destinatários das vendas das fracções destas cooperativas estão previamente determinados pelo tipo de características inerentes à qualidade de cooperador).
II. A actuação da Cooperativa de Habitação, destinada à execução de um programa habitacional, consuma-se, assim, na transmissão desses mesmos fogos habitacionais aos cooperantes nela inscritos, a um preço de construção, o que faz através da celebração de um contrato de compra e venda que, mais não é, do que o instrumento jurídico de que se serve para pôr fim à propriedade colectiva.
III. A responsabilidade pelos eventuais defeitos de construção do imóvel e consequente reparação apenas pode ser pedida ao empreiteiro que o construiu e não à Cooperativa de Habitação, cuja constituição apenas se operou para que os seus cooperantes pudessem beneficiar do regime jurídico inerente à natureza das Cooperativas e na prossecução dos interesses próprios desses mesmos cooperantes.
IV. Não tendo os AA. reclamado o seu crédito no momento legalmente fixado para esse efeito (no prazo legalmente fixado para esse efeito na sentença de insolvência [artigo 128.º, n.º 1 do CIRE]; nos prazos previstos no artigo 146.º do CIRE]; relação de créditos apresentados pelo administrador da insolvência, nos termos do artigo 129.º do CIRE]), já não o poderá reclamar mais tarde, ainda que o mesmo tenha sido reconhecido por sentença declarativa de condenação, com trânsito em julgado, proferida em momento posterior àquele prazo – artigos 90.º e 128.º, n.º 3 do CIRE.
V. Proferida sentença de verificação e graduação de créditos na acção de insolvência, não há qualquer interesse prático na continuação de qualquer acção declarativa contra o insolvente que, como tal, deve ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

O Condomínio do Prédio sito na Rua …em Lisboa, F… e mulher P…, AJ..e mulher MI…, JM.. e mulher CM.., IM, GL e mulher ML, CJ e mulher AM, NA e JS mulher MR, intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum na forma ordinária, contra H - Cooperativa de Habitacão e Construção, CRL e A…, Lda., pedindo a condenação solidária destes, nos seguintes termos:

- a reconhecerem o direito dos AA. à reparação dos defeitos do imóvel;
- a procederem às obras necessárias no prédio, partes comuns e fracções, de forma a eliminar todos os defeitos existentes no imóvel;
- a procederem às alterações necessárias na 1.ª cave destinada a estacionamento, de forma a que os proprietários da fracção R disponham de um lugar para estacionamento que satisfaça o fim a que se destina - estacionamento de uma viatura;
- a procederem e concluírem as obras e reparações referidas num prazo não superior a seis meses;
- a indemnizarem os AA. por todos os prejuízos advenientes da verificação desses defeitos, valor esse a liquidar em execução de sentença;
- a indemnizarem os AA. pelos prejuízos não patrimoniais sofridos, em valor a fixar pelo tribunal, equitativamente,

e subsidiariamente:

- não podendo, não querendo ou não concluindo as RR. as obras, reparações ou reposições referidas, a condenação solidária das RR. no pagamento aos AA. do valor das obras que vierem a ser realizadas pelos AA., valor esse a liquidar em execução de sentença;
- não sendo possível proceder às alterações necessárias na 1.ª cave destinada a estacionamento, de forma a que os proprietários da fracção R disponham de um lugar para estacionamento que satisfaça o fim a que se destina, a condenação solidária das RR. no pagamento aos 8°s AA., a título de indemnização, de quantia a liquidar em execução de sentença.

Para tanto, alegaram, em síntese, que a 1.ª Ré promoveu a construção do imóvel e vendeu aos 2°s a 9°s AA. as fracções de que são proprietários e a 2.ª Ré, contratada pela 1.ª Ré, realizou a obra de construção do imóvel, apresentando o imóvel defeitos, que discriminam, nas partes comuns e fracções propriedade dos 2.ºs a 9.°s AA., defeitos esses que pretendem ver eliminados.

A 1.ª Ré contestou, por excepção e por impugnação, invocando a sua ilegitimidade e a caducidade do direito à acção, e terminou pedindo a procedência das excepções e, se assim não se entendesse, a improcedência da acção.

A 2.ª Ré contestou, por excepção e por impugnação, invocando a caducidade do direito à acção, e terminou pedindo a improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

Os AA. replicaram, pugnando pela improcedência das excepções.

Foi admitida a intervenção acessória provocada requerida pela 2.ª Ré de G&G, Lda., E…Lda., JMR, FD; S&G, Lda., CTM SA., F&F, Lda., JAM, Lda., LM e EPN.

Tendo-se mostrado inviável a citação pessoal de CTM, SA. e E…, Lda., foi dado por fim o incidente no tocante às referidas sociedades.

Os chamados G&G, Lda., FD, F&F, Lda. (entretanto declarada insolvente por decisão de 19.06.2009 - cfr. fls. 844 a 849), JAM, Lda. e LM contestaram e os AA. replicaram.

Admitida a intervenção acessória provocada de CSTH, S.A., requerida pela chamada G & G, Lda., esta contestou e os AA. replicaram.
Proferido despacho saneador, aí foi conhecida a invocada excepção de ilegitimidade passiva da 1.ª Ré e retiradas as consequências para a presente acção, da declaração de insolvência da 2.ª Ré, por sentença transitada em julgado, tendo o Tribunal de 1.ª Instância concluído pela verificação da excepção de ilegitimidade da 1.ª Ré, absolvendo-a da instância e considerado verificada a inutilidade superveniente da lide em relação à 2.ª Ré com a consequente extinção da instância.

Inconformados com o assim decidido, os AA. interpuseram recurso de Agravo no âmbito do qual formularam as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida considerou a 1.ª Recorrida parte ilegítima passiva, por ser uma Cooperativa cujo objecto é apenas a transmissão dos fogos aos cooperantes incluídos em programa habitacional, não lhe sendo aplicável o regime aplicável ao vendedor previsto no art. 913.º do C.C. e ss.

2. O contrato de compra e venda foi, na sentença recorrida, visto apenas como um expediente jurídico para operar a transmissão para os Cooperantes das fracções que constituem o prédio em causa, pondo termo à propriedade colectiva construída.

3. Os recorrentes não podem aceitar tal entendimento, porquanto não resulta do pedido formulado, ou dos elementos que constam dos autos, que a Cooperativa, agora recorrida, se tenha limitado a operar a mera transmissão dos fogos em causa.

4. Pelo contrário e conforme alegado, foi a Cooperativa que actuou como o verdadeiro dono da obra, e foi ela que promoveu o projecto, que procedeu à contratação do empreiteiro para a construção do prédio, que celebrou com este contrato de empreitada para o mesmo fim, que beneficiou de garantia bancária para defeitos da obra, que acompanhou e fiscalizou a obra, que recebeu provisoriamente a obra e que constituiu o prédio em propriedade horizontal e vendeu as fracções que o compõem nos termos do art. 874.º do CC.

5. A recorrida Cooperativa é, pois, enquanto vendedora, responsável perante os compradores. por todos os defeitos do bem transmitido — arts. 913.º e ss. do CC.

6. Acresce que, em resultado do contrato de empreitada celebrado, só a recorrida Cooperativa — e não os recorrentes — estava em posição para acompanhar, fiscalizar e receber a obra.

7. As fracções dos recorrentes apresentaram, logo no final do ano de 2000, inúmeras anomalias provenientes de defeitos da obra, que estes reclamaram junto da recorrida Cooperativa.

8. A Cooperativa, enquanto dona da obra aceitou as reclamações dos recorrentes, prometendo que ia proceder às reparações necessárias e procedeu, de facto, a algumas alterações e reparações.

9. O vendedor de imóvel que o tenha reparado, é responsável pelos prejuízos causados a terceiros adquirentes – n.º 4 do art. 1225.º C.C.

10. Assim e tal como os Recorrentes alegaram. a Cooperativa não se limitou, sem mais, a transmitir os fogos para os cooperantes, já que deteve o poder de contratar, fiscalizar, acompanhar e receber a obra, pelo que estranho seria, e injusto, que pudesse eximir-se das suas responsabilidades, quanto a defeitos de construção.

11. A recorrida Cooperativa, tem pois, legitimidade passiva para a presente acção respondendo solidariamente com a empresa construtora, pelos defeitos da obra e sendo responsável pela reparação dos danos ou, subsidiariamente, pelo pagamento do valor das obras que vierem a ser feitas pelos Recorrentes para reparação dos mesmos defeitos.

12. Pelo que deveria a lide ter prosseguido!

Por outro lado,

13. Durante a pendência do processo foi declarada a insolvência da recorrida construtora, tendo o tribunal a quo considerado a inutilidade superveniente da lide em resultado de tal insolvência.

14. Na presente acção pretendiam os agora recorrentes, o apuramento da responsabilidade do construtor pelos defeitos do imóvel destinado, que a verificar-se, obriga a construtora a eliminar os defeitos da obra — arts. 1221.° n.°1 e 1225.° n.°1 do C.C.

15. Embora tenha sido declarada insolvente, tal declaração não extingue a segunda recorrida, apenas transfere os respectivos poderes de administração e disposição para o administrador da massa insolvente, que passa a ocupar, em substituição, a posição processual da sociedade insolvente (arts. 81.° e 85.° n° 3 do CIRE).

16. A inutilidade superveniente da lide ocorre, na pendência do processo, quando desaparece algum dos sujeitos da causa ou o seu objecto. ou então quando possa ser alcançada por outro meio fora do processo - art. 287.° al. e) CPC.

17. Os Recorrentes não poderão fazer qualquer reclamação de créditos enquanto o seu direito não lhes for reconhecido judicialmente, sob pena de não ser possível o reconhecimento do crédito na insolvência.
18. Não foi proferida decisão sobre o crédito reclamado pelos Recorrentes, nem tal consta dos autos.

19. A efectivação da responsabilidade civil da empresa construtora tem, pois, que ser determinada por sentença judicial para que os Recorrentes possam ver reconhecidos os seus direitos de crédito no processo de insolvência, sendo pertinente a utilidade da acção.

20. Deve, em consequência, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, passando a Recorrida "A...J... Lda", a ser representada pelo administrador da insolvência.

Conclui, assim, pela procedência do Agravo com a consequente revogação e substituição da sentença proferida por outra que, (i) reconhecendo a legitimidade passiva da 1.ª Ré, e (ii) não declarando a inutilidade superveniente da lide, determine o prosseguimento da acção contra o administrador da insolvência, julgue o mérito da causa, apreciando todos os pedidos formulados pelos AA.

As RR. contra-alegaram sustentando a manutenção da sentença sob recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FACTOS PROVADOS

1. O imóvel sito na Rua de, Lotes e, freguesia de, concelho de, descrito na.ª Conservatória do Registo Predial de , sob a ficha n.º … foi mandado construir pela 1.ª Ré H…- Cooperativa de Habitação e Construção, CRL;

2. A 1. ª Ré contratou a 2.ª Ré – A…, LDA -, para a realização da obra de construção do prédio referido em 1, nos termos do contrato de empreitada junto a fls. 198 a 203 dos presentes autos, e esta procedeu à construção do mesmo;

3. A 1.ª Ré vendeu aos 2.ºs a 9.º AA. as fracções de que estes são proprietários, entre os dias 20, 22 e 23 de Dezembro de 1999 e 13 de Janeiro de 2000;

4. O auto de recepção provisória da obra referida em 2 foi assinado a 23 de Dezembro de 1997;

5. Por sentença transitada em julgado em 29 de Outubro de 2009, proferida no âmbito do processo n.º 776/08.7YLSB, do 4.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, a 2.ª Ré, A…, LDA, foi declarada insolvente, foi declaro aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo de trinta dias para reclamação de créditos.

6. Os AA. não reclamaram o seu crédito no processo de isnolvência da 2.ª Ré.

7. A presente acção deu entrada em Tribunal no dia 06 de Dezembro de 2004.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Tendo presente que este Tribunal de recurso apenas se pronunciará sobre as questões suscitadas pelas partes nas suas conclusões de recurso e que foram objecto de apreciação pelo Tribunal de 1.ª Instância – salvo em relação àquelas cujo conhecimento seja oficioso -, proceder-se-á ao conhecimento solicitado.

As questões colocadas pelos Agravantes no presente recurso reportam-se à sua discordância com a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância que considerou a 1.ª Ré como parte ilegítima na acção e que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que se reporta à 2.ª Ré.

Relativamente à primeira das questões devemos ter presente que o contrato celebrado entre as 1.ª e 2.ª RR., é um contrato de empreitada para a construção de um imóvel, a preços controlados – fls. 199/ss dos autos.

Nesse contrato a 1.ª Ré actua na qualidade que lhe é inerente, ou seja, na de Cooperativa de Habitação, e em conformidade com o decido pela Direcção dessa mesma Cooperativa, em reunião de dez de Setembro de 1997 (Acta n.º 9, de 1997).

E é nessa qualidade que o contrato é celebrado, a obra recebida provisoriamente e, posteriormente, celebrados os respectivos contratos de compra e venda de cada uma das fracções a favor dos cooperantes respectivos, alguns deles, ora AA. nesta acção.

Tenha-se presente que a presente acção foi instaurada pelos AA. contra a 1.ª Ré tendo por fundamento os defeitos de construção verificados no imóvel adquirido e com base no facto de aquela 1.ª Ré figurar como vendedora nos contratos de compra e venda desse mesmo imóvel.

Ora, entendemos ser necessário, antes de mais, analisar a natureza jurídica da 1.ª Ré, para compreendermos e qualificarmos os actos pelas mesma praticados, nomeadamente, os que se reportam à celebração dos contratos de compra e venda das fracções que integram a obra realizada pela 2.ª Ré.

É inquestionável que a 1.ª Ré é uma Cooperativa de Habitação e Construção tendo, assim, “(…) por objecto principal a promoção, construção ou aquisição de fogos para habitação dos seus membros, bem como a sua manutenção, reparação ou remodelação” – artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 502/99, de 19 de Novembro, diploma que reforça a natureza inerente às Cooperativas e que já tinha assento no artigo 4.º do Código Cooperativo (Decreto-Lei n.º 51/96, de 7 de Setembro, com as respectivas alterações).

As Cooperativas funcionam, assim, como um instrumento destinado a possibilitar, “(…) através da cooperação e entreajuda dos seus membros, (…) a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles”, medida essa que é garantida, desde logo, pelo facto de as cooperativas não terem fins lucrativos – artigo 2.º do Código Cooperativo.

Este princípio é novamente espelhado nos artigos 26.º e 27.º do diploma que regula as Cooperativas de Habitação quando ali se afirma que “o preço dos fogos não poderá exceder o respectivo custo, determinado nos termos do artigo 17.º do presente diploma”, devendo o “(…) direito de propriedade” ser transmitido “pela cooperativa aos cooperantes mediante um contrato de compra e venda”, isto no que se reporta ao regime de propriedade individual dos fogos, situação que é aquela a que se reportam os presentes autos.
Do exposto resulta claramente, tal como foi salientado pela sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, que estamos perante um contrato de compra e venda que não tem as características próprias dos contratos dessa natureza, verificando-se, nomeadamente, a ausência de um preço negociável (que visa o lucro, nos contratos em geral), conforme acima foi já expresso, bem como a própria ausência de liberdade de contratação no que se refere à identificação aleatória dos sujeitos adquirentes (uma vez que os destinatários das vendas das fracções destas cooperativas estão previamente determinados pelo tipo de características inerentes à qualidade de cooperador).

No fundo, a actuação da Cooperativa de Habitação, destinada à execução de um programa habitacional, consuma-se na transmissão desses mesmos fogos habitacionais aos cooperantes nela inscritos, a um preço de construção, o que faz através da celebração de um contrato de compra e venda que, mais não é, do que o instrumento jurídico de que se serve para pôr fim à propriedade colectiva. Neste sentido, e relativamente à natureza jurídica das Cooperativas, veja-se RUI NAMORADO, Introdução ao Direito Cooperativo – Para uma expressão jurídica da Cooperatividade, 2000, Almedina).

Também a jurisprudência foi já, por várias vezes e ao longo do tempo, chamada a pronunciar-se sobre esta questão, concluindo no mesmo sentido do acima expresso. Assim, entre outros, podemos encontrar a mesma ideia centralizadora quanto ao papel da Cooperativa: “A entidade que aparece como vendedora, é constituída pelos futuros adquirentes, que para o efeito se associaram e em cuja formação de vontade participam” (neste sentido, Ac. da Relação de Lisboa, de 01.Out.2010, Proc. 57/2001.L1-6, in www.dgsi.pt/jtrl); “A Cooperativa para habitação não comercializa fogos, apenas os transmite aos cooperantes incluídos no programa habitacional, através da compra e venda a qual funciona, assim, como um expediente jurídico para pôr fim à propriedade colectiva construída” (Ac. do STJ, de 16.Dez.1999, Proc. 99B999, in www.dgsi.pt/jstj); “A relação existente entre os condóminos a quem foi atribuído o “fogo” e a Cooperativa é a de cooperadores/cooperativa e não comprador/vendedor. Em causa não está um contrato de compra e venda, mas o de atribuição de fogos aos cooperantes, operando-se esta sob a capa da figura jurídica de “compra e venda. Tendo-se operado a transmissão dos fogos, para os cooperantes adquirentes, pelos defeitos da construção, estes apenas poderão demandar a empresa empreiteira e não a Cooperativa” (Ac. da Relação de Lisboa, de 02.Fev.2006, Proc. 2407/2005-6, in www.dgsi.pt/jtrl).

Do que se conclui, assim, que a responsabilidade pelos eventuais defeitos de construção do imóvel e consequente reparação apenas pode ser pedida ao empreiteiro que o construiu, no caso, à 2.ª Ré, e não à Cooperativa de Habitação, aqui demandada, cuja constituição apenas se operou para que os seus cooperantes pudessem beneficiar do regime jurídico inerente à natureza das Cooperativas e na prossecução dos interesses próprios desses mesmos cooperantes.

Conclui-se, assim, que não há qualquer reparo a fazer ao decidido pelo Tribunal de 1.ª Instância que concluiu pela ilegitimidade da 1.ª Ré, decisão esta que se mantém.

No que se refere à segunda das questões colocadas há que ter presente que a 2.ª Ré foi declarada insolvente por decisão transitada em julgado em 29 de Outubro de 2009 e que os pedidos contra a mesma formulados nesta acção baseiam-se na sua responsabilidade enquanto construtora do imóvel, visando a sua condenação na eliminação dos defeitos de construção indicados e/ou a sua reparação em dinheiro e respectiva indemnização pelos prejuízos sofridos.

Ora, os dados acima referidos permitem-nos desde logo afirmar que qualquer eventual decisão condenatória proferida no âmbito deste processo sempre constituiria uma decisão inexequível em relação a esta segunda Ré.
Com efeito, podemos constatar que, não tendo os AA. reclamado o seu crédito no momento legalmente fixado para esse efeito (no prazo legalmente fixado para esse efeito na sentença de insolvência [artigo 128.º, n.º 1 do CIRE]; nos prazos previstos no artigo 146.º do CIRE]; relação de créditos apresentados pelo administrador da insolvência, nos termos do artigo 129.º do CIRE]), já não o poderá reclamar mais tarde, ainda que o mesmo tenha sido reconhecido por sentença declarativa de condenação, com trânsito em julgado, proferida em momento posterior àquele prazo – artigos 90.º e 128.º, n.º 3 do CIRE.

O que podemos verificar no presente caso é que os AA. não reclamaram o seu eventual crédito na insolvência da 2.ª Ré e, como tal, já não mais o poderão fazer uma vez que apenas poderiam obter o pagamento do seu crédito no âmbito do processo de insolvência.

Aliás, conforme é reforçado pelo disposto no artigo 88.º, n.º 1 do CIRE, “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (…)”, sendo certo que, no que se reporta às acções declarativas, como é o caso dos autos, não tendo os AA. observado quaisquer dos procedimentos constantes do artigo 85.º do CIRE ou procedido à reclamação do seu crédito nos termos do artigo 128.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, torna-se inútil a continuação dessa mesma acção declarativa por já não ser mais possível o pagamento de tais créditos.

De uma forma muito linear e de fácil compreensão, podemos encontrar o desenvolvimento processual desta questão [no que se reporta à relevância da reclamação de créditos na acção de insolvência sempre que esteja a correr termos acção declarativa de condenação contra o insolvente, sem que haja ainda decisão condenatória no momento em que deve ser proferida sentença de verificação de créditos na insolvência], no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 02.Março.2010, Proc. 6092/06.1TBVFR.P1, in www.dgsi.pt/jtrp em que se refere: “(…) Desta forma, os credores que pretendam obter o pagamento dos seus créditos, terão que proceder à respectiva reclamação no processo de insolvência e terão que fazer aí a prova do seu crédito, sendo irrelevante o facto de se encontrar pendente uma acção declarativa onde esse crédito está a ser apreciado. E, uma vez proferida a sentença de verificação de créditos no processo de insolvência, a acção declarativa perderá toda a sua utilidade já que os pagamentos a efectuar no processo de insolvência são feitos em conformidade com a sentença de verificação e graduação de créditos – cfr. artigo 173.º - e não em conformidade com a sentença que viesse a ser proferida na acção declarativa”.

Concluindo, uma vez proferida sentença de verificação e graduação de créditos na acção de insolvência, não há qualquer interesse prático na continuação de qualquer acção declarativa contra o insolvente. Neste mesmo sentido pode ver-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22.Setembro.2009, Proc. 413/08.0TBSTS-F.P1, in www.dgsi.pt/jtrp

De sorte que o tribunal de 1.ª Instância decidiu, e bem, que ainda que a presente acção viesse a obter provimento declarativo, certo é que não poderia obter provimento executivo e/ou ser contemplado na distribuição do produto da liquidação da massa insolvente concluindo, assim, pela inutilidade superveniente da lide relativamente a esta 2.ª Ré.


IV. DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao Agravo, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Custas pelos Agravantes.

Lisboa, 20 de Setembro de 2011

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
José Gouveia Barros