Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
646/14.0TBFUN-A.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGIME COMUNITÁRIO
DIREITOS REAIS SOBRE IMÓVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A competência dos tribunais portugueses é exclusiva quando a ordem jurídica portuguesa não admite a privação de competência por pacto de jurisdição nem reconhece decisões proferidas por tribunais estrangeiros que se tenham considerado competentes.
Na ordem jurídica portuguesa vigoram dois regimes gerais de competência legal exclusiva: o regime comunitário e o regime interno. O regime interno só é aplicável quando a acção não for abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente superior.
O regime comunitário é definido pelo Regulamento (CE) n.° 44/2001 de 16/01, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, sendo os critérios de competência legal exclusiva contidos no Regulamento em matéria civil e comercial, directamente aplicáveis sempre que o respectivo elemento de conexão aponte para um Estado-Membro vinculado pelo Regulamento e que o litígio emirja de uma relação transnacional.
De acordo com o disposto no artº 22 Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 16/01, o tribunal de cada estado-membro tem competência exclusiva para acções que versam sobre direitos reais sobre imóveis e em matéria de inscrições em registos públicos.
Tal entendimento não é afastado pelo disposto no Reg. (CE) nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio de 2000 que rege sobre a competência, reconhecimento e direitos aplicáveis no domínio do processo de insolvência, tendo em conta o disposto nos seus considerandos 11, 12, 24 e 25 e o disposto no seu artº 5.
Nos termos do Reg. (CE) nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio de 2000, a validade e o alcance dum direito real devem ser geralmente determinados pela lei do Estado em que o mesmo tiver sido constituído e que não pode ser afectado pela abertura dum processo de insolvência noutro Estado-Membro.
O Tribunal Português é internacionalmente incompetente para a acção de nulidade de garantia hipotecária constituída e registada sobre imóvel sito em Espanha.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


C... Ldª, matriculada sob o nº ..., com sede ..., intentou acção declarativa contra ... BANK, Sociedade de Direito Holandês, com sede ..., matriculada na ..., peticionando que sejam declarados nulos:
“a) A prestação de garantia hipotecária;
b) A prestação do aval;
c) E todas as eventuais garantias prestadas que extravasem o objecto social da Autora, ou que violem as Leis aplicáveis, incluindo Directivas Comunitárias, e que por esse meio, lhe causem prejuízos graves e sérios;
d) Requerendo-se por último que, em consequência da declaração de nulidade acima peticionada, seja ordenado o cancelamento dos ónus que incidem sobre o bem imóvel constituído terreno sito no Sector URP-NG – 3, Las Brisas, Urbanizacion Altos Reales, Parcela P-8, Município de Marbella, Provincia de Málaga, Espanha, descrita na Conservatória do Registo de La Propriedade “Marbella 3”, Sección “Marbella 3” nº finca 363172;
e) Sendo a Ré, condenada nas custas que se vierem a apurar a final.”

Alega, para tanto, que foi constituída hipoteca sobre um bem imóvel sito em Espanha de que a A. é proprietária, hipoteca que se encontra em execução em Espanha, sendo esta garantia hipotecária nula por ter sido constituída em benefício de terceiro e sem vantagens ou qualquer benefício para a sociedade, não tendo o objecto da sociedade Autora qualquer relação com o objecto da sociedade beneficiária do mútuo garantido.

Alega ainda que o procurador da A. não detinha poderes para a constituição da garantia hipotecária e que o aval e fiança prestados são nulos pelas mesmas razões.

Relativamente à competência do tribunal, alega estar em processo de Insolvência, pelo que, atento o disposto no Regulamento (CE) nº 1346/2000 de 29/05/2000, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos, é a lei do Estado – Membro em cujo território foi aberto o processo, o que decorre também do artº 271 do CIRE.

Citada veio a R. apresentar contestação suscitando, no que ao caso importa, a incompetência internacional do presente Tribunal para decisão da presente acção, alegando ter domicílio nos Países Baixos, sendo aplicável a jurisdição Neerlandesa, escolhida pelas partes como exclusiva para a resolução de conflitos, alegando ainda que o imóvel hipotecado situa-se em Espanha, pelo que, considerando o disposto nos art.ºs 4/1, 7/1/a) e 25/1 do Regulamento 1215/2012 de 12 de Dezembro os tribunais portugueses não dispõem de competência para decidir sobre o pretendido quanto à Garantia.

Mais alega que, atento o disposto no artigo 24.º, n,º1 do Reg 1215/2012, os tribunais Portugueses não dispõem de competência para decidir sobre o pretendido quanto à hipoteca, não sendo obstativo deste entendimento o processo de insolvência da A., tendo em conta o disposto nos artigos 5.º, n.º1 e 5.º, n.º2, al.a) do regulamento referido, sendo competente o Tribunal de localização do imóvel.

Notificada para o efeito, veio a Autora pronunciar-se pela competência do Tribunal nacional para decidir a presente acção, alegando ter o Tribunal Português competência exclusiva na acção de nulidade da garantia e do aval prestado pela Autora por força do Regulamento 44/2001 de 22.12.2000 e Reg. 1346/2000 e do disposto nos artigos 120º e 121º do CIRE, que permite a anulação de negócios jurídicos prejudiciais aos credores da insolvente, a correr por apenso ao processo de insolvência, defendendo ainda que, a competência exclusiva dos Tribunais da situação do bem relativamente a um direito real, não impede, de acordo com o capítulo 4 do artigo 5º do Regulamento 1346/2000, o julgamento das acções de nulidade contempladas na alínea m) do capítulo 2 do artigo 4º do citado Regulamento.

Após, pelo tribunal recorrido, foi proferida a seguinte decisão:
“A infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, salvo quando haja mera violação de um pacto privativo de jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal.
Para a fixação da competência internacional dos tribunais portugueses deve ter-se em conta que os instrumentos internacionais prevalecem sobre as normas de direito interno, nos termos do artigo 8º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
Regula o art.º 59.º do Cód. Proc. Civil que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.”
Por sua vez, nos termos do disposto no art.º 62.º do aludido diploma, “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.”
Por outro lado, a lei atribui competência exclusiva aos Tribunais Portugueses nas seguintes situações:
“a)- Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território português; todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado membro da União Europeia onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado membro;
b)- Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas colectivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos; para determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado;
c)- Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal;
d)- Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português;
e)- Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português.”
Através da presente acção pretende a Autora obter a declaração de nulidade (i) da garantia hipotecária prestada pela Autora; (ii) da prestação do aval e de todas as garantias prestadas que extravasem o objecto social da Autora ou violem as Leis aplicáveis; (iii) e, bem assim que, em consequência, seja ordenado o cancelamento dos ónus que incidem sobre o bem imóvel constituído pelo terreno sito no Sector URP-NG – 3, Las Brisas, Urbanizacion Altos Reales, Parcela P-8, Município de Marbella, Província de Málaga, Espanha, descrita na Conservatória do Registo de La Propriedade “Marbella 3”, Sección “Marbella 3” nº finca 363172.
Da alegação contida na petição inicial apresentada pela Autora resulta que a garantia prestada por esta através de hipoteca incidiu sobre o imóvel vindo de identificar, outrora pertencente à Autora e sito em Marbella. Ora, considerando de forma isolada os pedidos em causa na presente acção, logo se concluiria que o presente Tribunal não detém competência para a apreciação e julgamento da mesma atentos os elementos de conexão com outros estados membros.
Realça-se contudo, a relevante particularidade de a Autora se encontrar Insolvente, e ser este Tribunal o competente para a tramitação da Insolvência, considerando a circunstância de ser uma empresa sediada na Zona Franca da Madeira.
A questão que se suscita insere-se na problemática geral do regime processual a que devem ser sujeitas acções declarativas em que uma das partes foi declarada insolvente.
No plano interno, regula o n.º1 do art.º 85.º do CIRE que, “1 - Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo. 2 …”
Considerando que o litígio a que se reportam os presentes autos tem conexão com as ordens jurídicas portuguesa, espanhola e holandesa, impõe-se o recurso à aplicação dos Regulamentos da União Europeia.
Os Regulamentos Europeus aplicam-se, consoante a matéria, aos litígios Internacionais ou transfronteiriços, ou seja, sempre que a questão a apreciar possua algum elemento externo, seja qual for esse elemento. Considerando tal circunstância e o facto de a Autora se encontrar insolvente, impõe-se chamar à colação o Regulamento 1346/2000 de 29 de Maio de 2000.
O regulamento vindo de convocar apenas intervém no que diz respeito às disposições que regulam a competência em matéria de abertura de processos de insolvência e de decisões directamente decorrentes de processos de insolvência e com eles estreitamente relacionados, reconhecimento dessas decisões e direito aplicável (considerando 6)
Com relevo para a decisão a proferir, regula o art.º 4.º do aludido diploma, que a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos, é a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo, a qual determina, nomeadamente, as regras referentes à nulidade ou à impugnação dos actos prejudiciais aos credores.
Por outro lado, nos termos do art.º 5.º do regulamento em causa a abertura do processo de insolvência não afecta os direitos reais de credores ou de terceiros sobre bens corpóreos, pertencentes ao devedor e que, no momento da abertura do processo, se encontrem no território de outro Estado-Membro. Continua a norma vinda de referir que os direitos referidos são, nomeadamente, o direito de liquidar ou de exigir a liquidação de um bem e de ser pago com o respectivo produto ou rendimentos, em especial por força de um penhor ou hipoteca. Acrescenta ainda que, o vindo de referir não obsta às acções de nulidade, de anulação ou de impugnação referidas no n.º2, alínea m), do artigo 4.º.
Das normas em análise extrai-se, em nosso entender, que os direitos reais de terceiros relativamente a bens imóveis pertencentes ao devedor e que se encontrem em território de outro estado membro, não são afectados pela abertura de um processo de insolvência, podendo assim ser exercidos como se não existisse esse processo.
Por outro lado, cremos também que a norma contida no art.º 4.º, al. m) se refere às acções decorrentes directamente do processo de insolvência e com ele estreitamente relacionadas, como sejam aquelas que no nosso ordenamento jurídico se encontram previstas nos art.º 120 e 121 do CIRE. Ora, a presente acção não se integra no tipo de acções previstas nas normas referidas, por não integrarem os requisitos aí exigidos. De resto, em nosso entender, nem outra interpretação faria sentido, sob pena de poder colidir com o disposto no já referido art.º 5.º do Regulamento. Por outro lado, o referido vai ao encontro do espírito da norma contida no art.º 3.º, n.º 2, que permite a instauração de um segundo processo de insolvência em outro estado membro, desde que o devedor possua aí um estabelecimento, o qual fica limitado aos bens do devedor que se encontrem nesse território.
A tudo o exposto não podemos deixar de salientar a relevância da norma contida no art.º 11 do Regulamento em causa, nos termos da qual, os efeitos de um processo de insolvência nos direitos do devedor, relativos a um imóvel, com inscrição obrigatória no registo público, regem-se pela Lei do Estado Membro sob cuja autoridade é mantido esse registo.
Revertendo à situação que apreciamos, resulta claro que o Réu tem domicílio na Holanda. O contrato que a Autora coloca em causa, encontra-se sujeito à Lei Holandesa, por atribuição das partes. As partes acordaram como jurisdição exclusiva para a resolução de conflitos relativos ao contrato em causa a Holandesa.
Acresce que, o imóvel objecto da hipoteca constituída ao abrigo do contrato celebrado com o Ré e cuja nulidade se pretende, situa-se em Espanha.
Por último se dirá que, a presente acção visa, como fim último, impedir a execução hipotecária de um bem situado em Espanha.
Ora, sem perder de vista, os factos e considerandos vindos de expor, e não decorrendo esta acção directamente do processo de insolvência (pois não configura nenhuma das acções previstas nos art.º 120 e 121, ou sequer uma impugnação pauliana), nem se encontra com ele estreitamente relacionado, apresentando-se antes, como uma acção paralela ao processo de insolvência, cujo desfecho poderá relevar na massa insolvente, somos a entender que o presente Tribunal é internacionalmente incompetente para decidir a presente acção.
No seguimento do raciocínio exposto, e considerando-se a presente acção como autónoma ao processo de insolvência, a competência internacional para a apreciação da mesma deverá ser aferida pela aplicação do Regulamento EU 1215/2012, com aplicação a partir de 10.01.2015, o qual através dos seus art.º 7.º, n.º1 a), 24.º e 25.º e por referência às questões decidendas nesta acção, afasta a competência internacional dos Tribunais Portugueses para o conhecimento da mesma.
A incompetência é uma excepção dilatória (art.577º, al. a) do Cód. Proc. Civil), obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e, in casu, determina a absolvição do Réu da instância (art.º 576.º, n.º1 e 2 do Cód. Proc. Civil).
Decisão
Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas, declaro este Tribunal internacionalmente incompetente para a tramitação e apreciação dos presentes autos e em consequência, absolvo o Réu da instância.
Custas pela Autora.
Notifique.”

Não se conformando com a decisão, dela apelou a A. ora recorrente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
“IA presente acção deu entrada em Tribunal em 30/5/2014;
II Encontrava-se em vigor o Regulamento da EU nº 1436/2000;
IIIEste veio a ser revogado em Maio de 2015, pelo Regulamento 848/2015;
IVA sentença ora recorrida defende a aplicação do Regulamento 1215/2012 que entrou em vigor em 10/1/2015, (alterado actualmente pelo Regulamento 848/2015) aos presentes autos;
V–De acordo com o artigo 66º deste Regulamento, o mesmo só se aplica às acções entradas em Tribunal após a sua entrada em vigor;
VIÀ competência internacional dos Tribunais Portugueses, em sede de direito comunitário, aplica-se o Regulamento nº44/2001 de 22/12/2000;
VIIEste Regulamento, no seu artigo 22º sob a epígrafe: Têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio: “…….,2 - Em matéria de validade, de nulidade ou de dissolução das sociedades ou outras pessoas colectivas que tenham a sua sede no território de um Estado-Membro, ou de validade ou nulidade das decisões dos seus órgãos, os Tribunais desse Estado-Membro. Para determinar essa sede, o tribunal aplicará as regras do seu direito internacional privado.”;
VIIIDe acordo com o artigo 33º do Código Civil Português: “1.A pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração;
IX“2. À lei pessoal compete especialmente regular: a capacidade da pessoa colectiva; a constituição, funcionamento e competência dos seus órgãos; os modos de aquisição e perda da qualidade de associado e os correspondentes direitos e deveres; a responsabilidade da pessoa colectiva, bem como a dos respectivos órgãos e membros, perante terceiros; a transformação, dissolução e extinção da pessoa colectiva.”
XA lei pessoal da recorrente é a lei Portuguesa;
XINos termos do disposto no artigo 63º do C.P.C., “Os tribunais portugueses são exclusivamente competentes: alínea b) Em matéria de validade da constituição ou da dissolução de sociedades ou de outras pessoas colectivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos; para determinar essa sede o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado.”;
XIIConjugando estes artigos com o artigo 22º nº 2 e 23º nº 5 do Regulamento 44/2001, que se encontrava em vigor, à data da propositura da presente acção, verificamos que o Tribunal Português é o competente exclusivamente para dirimir este conflito;
XIIIDiz-nos o artigo 22º nº 2 do aludido Regulamento:
“ 2. Em matéria de validade, de nulidade ou de dissolução das sociedades ou outras pessoas colectivas que tenham a sua sede no território de um Estado-Membro, ou de validade ou nulidade das decisões dos seus órgãos, os tribunais desse Estado-Membro. Para determinar essa sede, o tribunal aplicará as regras do seu direito internacional privado;”
XIV O artigo 23º nº 5 do referido Regulamento CE, na Secção 7, sob a epígrafe Extensão de competência: escreve-se: “5.Os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares de actos constitutivos de “trust” não produzirão efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 13º, 17º e 21º, ou se os tribunais cuja competência exclusiva pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 22º”.
XV–A alegação da existência de pacto de jurisdição não pode afastar a competência exclusiva dos tribunais portugueses;
XVIDiz-nos o artigo 7º do CIRE: “1. É competente para o processo de insolvência, o tribunal da sede ou domicílio do devedor….” 2. É igualmente competente o tribunal em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros…..”
XVIIO Regulamento 1346/2000 de 29 de Maio de 2000, o qual se encontrava em vigor à data da propositura da acção, diz-nos no seu artigo: 3º sob a epígrafe: Competência Internacional: “Os órgãos jurisdicionais do Estado- Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor, são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume-se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas colectivas é o local da respectiva sede estatutária.;
XVIIIDe acordo com o disposto no artigo 4º deste mesmo regulamento: “1. Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo, a seguir designado por “Estado de abertura do processo”.;
XIXO artigo 4º do Regulamento, define no seu nº 2: “ A Lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e enceramento do processo de insolvência. A lei do estado de abertura do processo determina, nomeadamente: “……e): “Os efeitos do processo de insolvência nos contratos em vigor nos quais o devedor seja parte…..m) as regras referentes à nulidade, à anulação ou à impugnação dos actos prejudiciais aos credores.”;
XXO Tribunal Português tem competência exclusiva na acção de nulidade da garantia e do aval prestados pela ora recorrente;
XXIA competência exclusiva dos Tribunais da situação do bem relativamente a um direito real como é a hipoteca, não impede, de acordo com o capítulo 4 do artigo 5º do Regulamento 1346/2000, o julgamento das acções de nulidade contempladas na alínea m) do capitulo 2 do artigo 4º do aludido Regulamento;
XXIIA declaração de nulidade requerida ao Tribunal, não obsta a que, de acordo com o disposto no artigo 4 nº 2 alínea m) do regulamento 1346/2000, a Lei Portuguesa seja competente para determinar as normas relativas à nulidade de actos prejudiciais aos credores.;
XXIIIA sentença de que ora se recorre, ignora por completo a existência do Regulamento 44/2001 e faz uma errada interpretação do Regulamento 1346/2000, em vigor à data dos factos;
XXIVDefende, inclusive, a aplicabilidade de um Regulamento que não estava em vigor;
XXVNo artigo 4º nº 2 alínea m) do referido regulamento, atribui-se competência ao Estado-Membro onde corre a insolvência, na matéria objecto dos presentes autos: “m) As regras referentes à nulidade, à anulação ou à impugnação dos actos prejudiciais aos credores.”;
XXVIA sentença recorrida, refere-se à aplicabilidade do artigo 5º deste Regulamento, no que toca à protecção de terceiros credores com garantia real;
XXVIIRetira uma conclusão contrária, ao interpretar o nº 4 do mesmo artigo 5º, onde se escreve: “O nº 1 não obsta às acçoes de nulidade, de anulação ou de impugnação referidas no nº 2, alínea m), do artigo 4º” ;
XXVIII–Donde se conclui que o Tribunal do Estado-Membro onde corre a insolvência, tem competência para dirimir conflitos emergentes de acções de nulidade, anulação e impugnação de actos prejudicais aos credores;
XXVIXO artigo 5º nº 1 do mesmo regulamento, contém uma protecção dos credores titulares de direito real.;
XXXO nº 4 do mesmo artigo estabelece a excepção a essa regra;
XXXIPor outro lado, entende a juíz “a quo” que: “….a norma contida no nº 4 alínea m) se refere às acções decorrentes directamente do processo de insolvência e com ele estreitamente relacionadas….”
XXXIIA lei aplicável à insolvência da devedora, é a sua pelo pessoal, a Portuguesa;
XXXIIIA lei Portuguesa fere de nulidade a constituição da hipoteca, nos termos em que foi realizada;
XXXIVA nulidade pode ser invocada a qualquer momento.
XXXVAs nulidades invocadas pela recorrente têm dois fundamentos: A incapacidade da recorrente se vincular no negócio jurídico quer da hipoteca quer do aval, por falta ou irregularidade insanável do mandato conferido aos procuradores da Sociedade Autora, ora insolvente;
XXXVIA submissão do Aval à Lei Holandesa e a Hipoteca à Lei Espanhola, não invalidam a falta de capacidade jurídica da recorrente para a prática de tais actos;
XXXVIIQuer a Lei Holandesa, quer a Lei Espanhola, determinam que a capacidade das partes é aferida pela sua lei pessoal;
XXXVIIINo Direito espanhol, a lei reguladora da capacidade contratual, remete para a lei pessoal da pessoa física, e a sua capacidade contratual é igualmente determinada pela lei pessoal. Vidé artigos 9 nº 1 e 9.II.I do Código Civil Espanhol;
XXXVIXOs efeitos jurídicos da falta de capacidade para contratar, regem-se pela lei que determina a capacidade do sujeito;
XXXXDecidindo, como decidiu, a sentença ora recorrida, violou o disposto nos artigos: 33º do Código Civil; 63º do C.P.C., 7º do CIRE e ainda os regulamentos 44/2001 e 1346/2000, ao aplicar direito não vigente, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por outra, que considere o Tribunal Português internacionalmente competente para o julgamento dos presentes autos, só assim se fazendo justiça”

Pela recorrida foram interpostas contra alegações com as seguintes conclusões:
“I Pelo exposto, improcedem todas as alegações do recurso:.
Detalhando,
II Improcedem as conclusões II, III, IV, V, VI, XXIII e XXIV do recurso, porquanto, como se exibiu acima, não existe qualquer divergência entre o teor normativo das disposições do Regulamento 1215/2012 e do Regulamento 44/2001. Todas as normas citadas pela sentença recorrida existem no Regulamento 44/2001, bastando apenas fazer a correspondência que acima se explanou e não existe qualquer norma neste último diploma que dite solução diversa daquela sufragada pela sentença.
III Improcedem as conclusões VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV e XV porquanto a acção, tal qual a Autora a configura - uma acção cujo pedido é o de nulidade de uma hipoteca constituída em Espanha sobre imóvel aí localizado e garantia adjacente, gizada em torno de uma cogitação de falta de “justificado interesse próprio” da sociedade nesses actos, baseada no artigo 6º nº 4 do CSC (e não obstante as frustradas tentativas pela recorrente d metamorfose, temporária e parcial, da acção em algo que não é – uma acção de invalidade de deliberação social) – é da competência exclusiva de tribunais estrangeiros, pontuando as regras aplicadas, e bem, pela sentença recorrida e que são:
a regra geral de competência do tribunal do domicílio do Réu (nos artigos 2.1. e 3.1, que corresponde ao artigo 4.1 e 5.1. do Regulamento 1215/2012);
as regras sobre competência exclusiva, incluindo aquela que estabelece a regra forum rei sitae aplicável a hipotecas (no artigo 22, que corresponde ao artigo 24 do Regulamento 1215/2012);
as regras sobre competência em matéria contratual, incluindo a da validade dos pactos de jurisdição (nos artigos 5.1. e 23.1, que correspondem aos artigos 7.1. e 25.1. do Regulamento 44/2001).
IV Improcedem as conclusões XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII, XXV, XVI, XXVII, XXVIII, XXIX (“XXVIX” será seguramente lapso), XXX e XXXI porquanto, conforme supra explanado, o Distinto Tribunal recorrido concluiu, e bem, que as normas de natureza falimentar contidas no CIRE e no Regulamento 1346/2000 não atribuem qualquer competência aos tribunais Portugueses, sendo que, aliás, a norma do artigo 5º nºs 1 a 3 desse Regulamento, expressamente impeditivo dessa competência e a excepção contemplada no seu número 4 não se aplica manifestamente ao caso.
V Improcedem as conclusões XXXII, XXXIII, XXXIV, XXXV, XXXVI, XXXVII, XXXVIII, XXXIX (“XXXVIX” será seguramente lapso) e XL (“XXXX”, será seguramente lapso) porquanto, ou são irrelevantes para a análise do thema decidendum e/ou correspondem a afirmações de facto sobre conteúdo de lei estrangeira cujo alcance para a decisão que a autora pretende extrair, em concatenação com as normas que já se analisaram, é destituído de fundamento.
PELO EXPOSTO, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E A SENTENÇA RECORRIDA DEVE SER MANTIDA POR ESSA SER A DECISÃO CONFORME AO DIREITO E AQUELA QUE NO CASO FARÁ JUSTIÇA!”

QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, a única questão a decidir consiste na
a) atribuição de competência internacional aos Tribunais Portugueses para a acção de nulidade de garantia hipotecária (incluindo avais prestados) incidindo sobre imóvel sito em Espanha e cancelamento do respectivo registo da hipoteca.
Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A matéria de facto a considerar para decisão, pese embora não lavrada pelo tribunal recorrido, é a seguinte:
1 A Autora é uma sociedade comercial por quotas, sedeada na Madeira, Zona Franca, cuja titularidade do capital social pertence a duas outras sociedades:
a)- “N... INC”, com sede no Panamá, República do Panamá, representada em Portugal por Dr. F..., com domicílio profissional ...;
b)- “W... SA”, com sede no Panamá, representada em Portugal por Dr. F..., com domicilio profissional ....
2 A Autora, foi constituída por escritura pública lavrada no Cartório Notarial Privativo da Zona Franca da Madeira, em 14 de Junho de 2000.
3 Foram outorgantes da referida escritura, o Dr. F... , em representação da sócia da ora Autora N... INC.
4 Outorgou a mesma escritura, em representação da segunda sócia W... SA, a Drª S....
5 Nos termos da cláusula segunda do contrato de sociedade, a sociedade tinha como objecto: “…a prestação de serviços nas áreas contabilística, económica, da informática, da engenharia civil, da arquitectura, construção, promoção e comercialização de empreendimentos imobiliários, turísticos e hoteleiros; consultoria nas referidas áreas e na criação e desenvolvimento de empresas de âmbito internacional; importação e exportação, por grosso ou a retalho, de géneros alimentícios, de artigos eléctricos e electrónicos, de equipamentos de escritório, decoração, de têxteis em bruto ou trabalhados; comissões e consignações; prospecção de mercados, serviços de promoção e marketing; aquisição, exploração e transferência de patentes, marcas e direitos de autor; compra de imóveis para revenda; gestão de carteira de títulos próprios”.
6 Por decisão proferida nos autos a este apenso, foi a ora Autora declarada insolvente e nomeado Administrador de Insolvência o Dr. Emanuel Gamelas.
7 A autora, ora insolvente, é proprietária de um bem imóvel, constituído por terreno com área de 7.735,00 m2, sito no Sector URP-NG-3, las Brisas Urbanización Altos Reales, Parcela P-8, Município de Marbella, Provincia de Málaga, Espanha, descrita na Conservatória do Registo de La Propriedade “Marbella 3”, Sección “Marbella 3” nº finca 36372.
8 Em 9 de Julho de 2007, na sede da ora Autora, reuniram em Assembleia Geral, os sócios da C... Ldª.
9 Na referida Assembleia Geral, as sócias da Autora, foram representadas pelo Dr. F..., na qualidade de seu procurador, com poderes deliberativos.
10 Deliberou a Assembleia Geral, por unanimidade, conferir procuração ao Dr. R..., de Nacionalidade Espanhola, àquela data, residente ...
11 A procuração conferida destinava-se a “ …constituir uma hipoteca nas propriedades espanholas detidas pela mandante em benefício da sociedade holandesa “... BANK, N.V.”, com sede em ..., como garantia do empréstimo concedido pela sucursal em Malta em ..., à sociedade G... S.A., com sede em ...”.

12 Em 18 de Julho de 2007, em nova Assembleia Geral realizada na sede da Autora, o procurador das sócias, deliberou, em sua representação e por unanimidade, o seguinte:
“Aprovar e ratificar uma garantia assinada pela sociedade, datada de dois de Julho de 2007.
Atentas as relações comerciais entre as partes e atento o interesse deste contrato para o exercício da actividade comercial da sociedade, por unanimidade foi deliberado aprovar e ratificar uma garantia assinada pelo gerente da sociedade C... Ldª, a dois de Julho do corrente ano pela qual esta sociedade garantiu de forma irrevogável e incondicional o pagamento do empréstimo no valor de 8.700.000,00 (oito milhões e setecentos mil euros) concedido pelo … BANK N.V., através da sua sucursal em Malta, à sociedade G... SA, sociedade com sede ...”.

13 A Autora, era, à data, representada pelo seu Gerente, Dr. F....
14 No dia 10 de Julho de 2007, a Autora, através do aludido gerente, Dr. F..., outorgou procuração com poderes especiais, a mandatário, a quem conferiu poderes para representar a Autora na escritura pública de constituição de hipoteca.
15 A Ré tem domicílio nos Países Baixos.
16 Em 2 de Julho de 2007, no exercício da sua actividade bancária, a Ré celebrou com a sociedade denominada G... S.A. (“G... S.A.”), sociedade constituída de acordo com o direito das Ilhas Virgens Britânicas, registada sob o nº 376759, com sede ..., um contrato de empréstimo por via do qual mutuou à G... S.A. a quantia de EUR 8.700.000,00 (oito milhões e setecentos mil euros).
17 O Contrato foi celebrado ao abrigo da legislação holandesa, tendo a Ré e a G... S.A. designado essa lei como a aplicável a essa mesma relação contratual – cfr. Cláusula 22. do Contrato.
18 O referido Contrato foi objecto de dois aditamentos, o primeiro em 13.05.2010 e o segundo em 26.11.2010.

19 Nos termos das disposições ajustadas entre as Partes do Contrato e respectivos aditamentos, o mútuo em questão vencia juros remuneratórios calculados às taxas infra referidas:
- Até 31.01.2010 – taxa EURIBOR a um ano acrescida de 3,5%
- Entre 01.02.2010 e 31.12.2010 – 5,5%
- Desde 01.01.2011 – taxa EURIBOR a três meses acrescida de 3,5% Cfr. cláusulas 4. do Contrato e do Aditamento 1.

20 Estipularam ainda as Partes no mencionado Contrato que, em caso de mora, às taxas referidas no artigo anterior acrescem ainda:
- Até 31.01.2010, uma sobre taxa de 2%
- Desde 01.02.2010, uma sobre taxa de 6%
Cfr. cláusulas 4. do Contrato e do Aditamento 1.

21 O reembolso das quantias mutuadas deveria ser efetuado em 31 de Julho de 2011 –
cfr. Cláusula 5. do Contrato.

22 Em 9 de Agosto de 2007, foi realizada escritura pública outorgada em Madrid, no Cartório Notarial do Notário Antonio Domínguez Mena, mediante a qual constituiu a favor da Ré hipoteca voluntária, como garantia do bom e integral cumprimento do Contrato, incluindo
a)- € 2.754.248,70, a título de capital,
b)- € 440.679,79, a título de juros remuneratórios;
c)- € 550.849,74, a título de juros moratórios;
d)- € 315.545,83, a título de despesas e demais encargos,
abrangendo todas as construções e benfeitorias, edificadas ou a edificar, sobre o prédio da sua propriedade a seguir indicado:
Urbano – Parcela P-8. – Parcela de terreno denominada P-8, no Projecto de Compensação do Sector URP-NG-3, Las Brisas, Polígono Único da Urbanização Alto Reales, com uma superfície de 6883 m2, registado sob o nº 36.172, folio 43, do tomo 1.503, do Livro 477 do Município de Marbella, ao qual foi atribuída a referência cadastral nº 9034101UF2493S0001EZ.

23 A A. emitiu ainda uma garantia a favor da R., em 2 de Julho de 2007 que, de acordo com o estipulado pelas Partes outorgantes da mesma, se rege pela lei Holandesa – cfr. Cláusula 1, assumindo a Autora de forma irrevogável e incondicional o pagamento, à primeira solicitação, de todos os valores devidos pela G... S.A. à Ré, incluindo, mas não se limitando, ao valor do capital mutuado, respectivos juros remuneratórios, penalidades, honorários, comissões, taxas e quaisquer outras quantias que sejam devidas pela mutuária G... S.A., nos termos e condições previstos no Contrato.
24 Corre termos nos tribunais Espanhóis acção com vista à execução da garantia hipotecária.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Insurge-se o recorrente da decisão que absolveu a recorrida da instância por incompetência, com os seguintes fundamentos:
à competência internacional dos Tribunais Portugueses, em sede de direito comunitário, aplica-se o Regulamento nº44/2001 de 22/12/2000, dispondo este no seu artigo 22º nº 2 que “Em matéria de validade, de nulidade ou de dissolução das sociedades ou outras pessoas colectivas que tenham a sua sede no território de um Estado-Membro, ou de validade ou nulidade das decisões dos seus órgãos, os Tribunais desse Estado-Membro. Para determinar essa sede, o tribunal aplicará as regras do seu direito internacional privado.”.
dos disposto nos artºs 33 do C.C. e 63 nº1 b) do C.P.C. decorre que o tribunal português tem competência exclusiva nesta matéria;
conjugando estes artigos com o artigo 22º nº 2 e 23º nº 5 do Regulamento 44/2001, que se encontrava em vigor, à data da propositura da presente acção, verificamos que o Tribunal Português é o competente exclusivamente para dirimir este conflito;
do disposto nos artigos 3 e 4 do Regulamento 1346/2000 de 29 de Maio de 2000, decorre que o Tribunal Português tem competência exclusiva na acção de nulidade da garantia e do aval prestados pela ora recorrente;
a competência exclusiva dos Tribunais da situação do bem relativamente a um direito real como é a hipoteca, não impede, de acordo com o capítulo 4 do artigo 5º do Regulamento 1346/2000, o julgamento das acções de nulidade contempladas na alínea m) do capítulo 2 do artigo 4º do aludido Regulamento, que correm por apenso à acção de insolvência.
            Decidindo
a) da atribuição de competência internacional aos Tribunais Portugueses para a acção de nulidade de garantia hipotecária (incluindo avais prestados), incidindo sobre um imóvel sito em Espanha e cancelamento do respectivo registo constitutivo da hipoteca.

A competência do Tribunal constitui um pressuposto processual essencial para que um determinado tribunal se possa pronunciar sobre um determinado litígio, a qual tem de ser aferida em face da relação material controvertida e do pedido formulado pela autora na petição inicial.

Assim, são normas definidoras de competência internacional, aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado, o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.

Conforme refere Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição revista, Coimbra Editora, 1985, página 198, “A competência internacional designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras.”

Do disposto no artº 37 nº2 da Lei 62/2013 de 26/08, decorre que “A lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais.”, decorrendo do disposto no artº 38 da supra referida Lei, que esta se fixa no momento em que a acção é proposta, sendo irrelevantes as modificações de facto, salvo nos casos especialmente previstos na lei, ou de direito ocorridas na pendência da acção, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.

Nestes termos, o artº 59 do C.P.C. dispõe que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas nos artºs 62 e 63º, ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do artº 94º, sem prejuízo do que se achar estabelecido em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais.

Assim, “A competência dos tribunais portugueses é exclusiva quando a ordem jurídica portuguesa não admite a privação de competência por pacto de jurisdição nem reconhece decisões proferidas por tribunais estrangeiros que se tenham considerado competentes.

 A competência exclusiva contrapõe-se à competência concorrente, que é aquela que pode ser afastada por um pacto de jurisdição e que não obsta ao reconhecimento de decisões proferidas por tribunais estrangeiros.

Na ordem jurídica portuguesa vigoram dois regimes gerais de competência legal exclusiva: o regime comunitário e o regime interno. O regime interno só é aplicável quando a acção não for abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente superior (2).

O regime comunitário é definido pelo Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 16/01 Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial.

Os critérios de competência legal exclusiva contidos no Regulamento em matéria civil e comercial são directamente aplicáveis sempre que o respectivo elemento de conexão aponte para um Estado-Membro vinculado pelo Regulamento e que o litígio emirja de uma relação transnacional (proémio do art. 22.°). Não se verificando um dos casos de competência (legal ou convencional) exclusiva previstos no Regulamento, a competência internacional dos tribunais dos Estados-Membros é regulada pelas regras de competência legal não exclusiva contidas no Regulamento se o réu tiver domicílio num Estado-Membro (art. 3.°).

Por conseguinte, o regime interno de competência internacional exclusiva só é aplicável quando não se verifique um dos casos de competência (legal ou convencional) exclusiva previstos no Regulamento e o réu não tenha domicílio num Estado-Membro (art. 4.°/1 do Regulamento).” –Luís de Lima Pinheiro in A Competência Internacional Exclusiva dos Tribunais Portugueses, Revista da O.A. nº 65, (Dez.2005), Vol.III.

Inexistindo qualquer um destes instrumentos, aplicam-se os critérios de atribuição de competência previstos nas alíneas a) a c), do referido artº 62º do C.P.C., a saber:
  dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
  ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
  não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

Por outro lado, dispõe o artº 63 do mesmo diploma legal que a competência dos tribunais portugueses é exclusiva, nos seguintes casos:
a) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território português; todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado membro da União Europeia onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado membro;
b) Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas coletivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos; para determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado;
c) Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal;
d) Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português;
e) Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português.”

De acordo com o artigo 96 do CPC, a infracção das regras da competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal, excepção dilatória de conhecimento oficioso, que implica a absolvição da instância – artºs 99º, 576 nº2 e 577 a), todos do CPC.

Volvendo às regras de atribuição de competência, decorre do disposto no artº 62 do C.P.C., que basta a verificação de alguma das descritas circunstâncias ou factores (princípio da autonomia ou da independência) para que ao tribunal português seja atribuída a competência, sendo certo que esta se fixa no momento em que a acção se propõe. (Acórdão do STJ de 25-11-2004, relatado pelo Consº Araújo de Barros, que mantém a sua plena aplicação no âmbito do novo regime processual civil).

Por outro lado, “A competência internacional dos tribunais portugueses deve ser aferida em função do pedido e causa de pedir invocados pelo autor, importando, no entanto, distinguir, para a delimitação da causa de pedir, a indicação do título (facto jurídico) em que se baseia o autor (artº 498º, nº 4, do CPC) do alcance jurídico do título indicado (artº 664º, do CPC). “mais do que a partir da prova dos factos alegados e do seu efeito jurídico – em função do modo como o autor estruturou o seu pedido e a respectiva causa de pedir. (Acórdão do STJ de 30-01-2013, relatado pelo Consº Salazar Casanova; Acórdão da Relação do Porto, de 20-09-2012, relatora Maria Amália Santos, na CJ, ano XXXVII, Tomo IV/2012, página 148; ac. do T.R.Porto de 28/02/2013, proferido no Proc. nº 182/11.6TVPRT-A.P1, www.dgsi.pt))

No dizer de Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, página 90) “São vários esses elementos também chamados índices de competência (CALAMANDREI). Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção — seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina REDENTI (1), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes.”

Posto isto, a solução a dar ao caso que se nos apresenta, depende, não do nosso direito interno, mas antes de acordo com o disposto em legislação comunitária, in casu o disposto no Regulamento CE n.º 44/2001 de 16/01, normas que prevalecem sobre as normas de processo civil, respeitantes à competência internacional dos tribunais portugueses.

É este o regime aplicável, conforme refere o recorrente (e o aceita o recorrido), tendo em conta que o Regulamento 1215/2012, citado na decisão recorrida, entrou em vigor/aplicação a partir de 10/01/2015 e que o litígio em apreço, apresenta elementos de estraneidade, juridicamente relevantes, tais como a natureza do direito que se pretende ver anulado, o local onde se situa o imóvel, a sede da recorrida e a lei aplicável à garantia em apreço.

Posto isto, ao contrário do defendido pelo recorrente, a questão não se prende com a validade, nulidade ou dissolução das sociedades ou outras pessoas colectivas, não tendo aplicação a este litígio o disposto no artº 63 b) do C.P.C., sendo certo que a competência do tribunal nacional para apreciar a insolvência da A. não é posta em causa.

O cerne desta questão prende-se com a validade de garantia hipotecária e aval, incidindo a hipoteca sobre imóvel sito em Espanha e objecto de execução, também em Espanha.

Assim em matéria de competência exclusiva do tribunal de cada Estado-Membro, rege o disposto no artº 22 do Reg. CE 44/2001 de 16/01, o qual dispõe no seu nº 1 e 3 que “Tem competência exclusiva qualquer que seja o domicílio:
1. Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, os tribunais do Estado-Membro onde o imóvel se encontre situado (…)
3. Em matéria de validade de inscrições em registos públicos, os tribunais do Estado-Membro em cujo território esses registos estejam conservados;”, norma consentânea com a prevista no artº 63 a) e c) do C.P.C.
Ora, a competência exclusiva dos tribunais de um Estado-Membro afasta o critério geral do domicílio do réu e os critérios especiais de competência legal. A competência exclusiva também não pode ser derrogada nem por um pacto atributivo de competência nem por uma extensão tácita de competência (arts. 23.°/5 e 24.° do referido Re. CE).
Ou seja, a regra é que o tribunal de cada estado-membro tem competência exclusiva para acções que versam sobre direitos reais sobre imóveis e em matéria de inscrições em registos públicos, certo que as decisões proferidas em cada Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo (artº 33 do referido Reg.)
Em matéria de direitos reais sobre imóveis e em matéria de validade de inscrições em registos públicos, incluindo o predial, têm competência exclusiva os tribunais do Estado-Membro onde o imóvel se encontre situado, ou seja Espanha.
Esta competência exclusiva do tribunal do Estado-Membro onde se situe o imóvel e onde se mostra registada a hipoteca, não é posta em causa pela insolvência da A., nem é afastada pelas regras aplicáveis à insolvência, citadas pelo recorrente.
Com efeito, conforme refere a decisão recorrida, as normas sobre a competência, reconhecimento e direitos aplicáveis no domínio do processo de insolvência, constam do Reg. (CE) nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio de 2000, de cujo art. 3.º/1 resulta que “os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presum[indo-se], até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas colectivas é o local da respectiva sede estatutária”
À semelhança do já disposto no artº 33 do Reg. CE 44/2001, o artº 16 nº1 deste diploma legal (Reg. CE 1346/2000), dispõe que "qualquer decisão que determine a abertura de um processo de insolvência, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro competente por força do art.º 3.º, é reconhecida em todos os outros Estados – Membros logo que produza efeitos no Estado de abertura do processo", salvo “disposição em contrário do presente regulamento (artº 17).
É também assente que “salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado-Membro em cujo território é aberto o processo, a seguir designado Estado de abertura do processo”. (artº 4 do referido regulamento).

Assim, “o Regulamento nº 1346/2000 assenta nos seguintes princípios:
a) O princípio de que o processo de insolvência seja aberto no Estado-Membro em que se situa o centro de interesses principais do devedor, visando abarcar todo o património do devedor – artigo 3.º e considerando (12);
b) O princípio do reconhecimento imediato e automático por todos os Estados-Membros das decisões relativas a abertura, tramitação e encerramento dos processos de insolvência abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, bem como de decisões proferidas em conexão directa com esses processos. Assim sendo, o reconhecimento automático deve conduzir a que os efeitos conferidos pela lei do processo pela lei do Estado de abertura se estendam a todos os outros Estados – Membros – (artigos 16.2 e 17.2 do Regulamento e considerando (22);
c) O princípio de que deve aplicar-se a lei do Estado – Membro de abertura do processo (lex concursus) que determina todos os efeitos processuais e materiais dos processos de insolvência sobre as pessoas e relações jurídicas em causa, regulando todas as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência"- artigo 4.ª e considerando (23)” - (neste sentido TRC de 17/12/2014, relator Barateiro Martins, Proc. nº 624/10.8TBCBR.C1, disponível para consulta in www.dgsi.pt)
Destas disposições resulta que o tribunal competente para a declaração da insolvência da A. é o nacional, que a lei aplicável ao referido processo e seus efeitos é a nacional e que os efeitos da decisão de insolvência são reconhecidos nos demais Estados-Membros, nomeadamente em Espanha onde foi constituída a garantia hipotecária, onde se localiza o imóvel e registada está a hipoteca.
Posto isto, tendo em atenção que a hipoteca constitui um direito real de garantia, entende a recorrente que visando a presente acção a anulação da referida garantia e aval prestados, o Tribunal do Estado-Membro onde corre a insolvência, tem competência para dirimir conflitos emergentes de acções de nulidade, anulação e impugnação de actos prejudicais aos credores (incluído nestes o aval e a hipoteca).
Decorre efectivamente do disposto no artº 4.º do Regulamento nº 1346/2000 que os efeitos processuais e materiais do processo de insolvência são os que constam da lei do Estado-Membro – que é a “Lei Aplicável”, como consta da epígrafe do art. 4.º – em que foi aberto o processo de insolvência, ou seja o Estado Português.

Esta regra geral cede no entanto perante as regras constantes dos artºs 5 a 15 deste mesmo regulamento, mormente em casos relativos a direitos reais, conforme decorre do disposto nos considerando do referido regulamento, a seguir transcritos:
“11 - O presente regulamento reconhece que não é praticável instituir um processo de insolvência de alcance universal em toda a Comunidade, tendo em conta a grande variedade de legislações de natureza substantiva existentes. Nestas circunstâncias, a aplicabilidade exclusiva do direito do Estado de abertura do processo levantaria frequentemente dificuldades. Tal vale, por exemplo, para a grande diversidade das legislações sobre as garantias vigentes na Comunidade. Além disso, os privilégios creditórios de alguns credores no processo de insolvência são, muitas vezes, extremamente diferentes. O presente regulamento pretende ter essas circunstâncias em conta de dois modos diferentes: por um lado, devem ser previstas normas específicas em matéria de legislação aplicável no caso de direitos e relações jurídicas particularmente significativos (por exemplo, direitos reais e contratos de trabalho) e, por outro, deve igualmente admitir-se, a par de um processo de insolvência principal de alcance universal, processos nacionais que incidam apenas sobre os bens situados no território do Estado de abertura do processo.
12 - O presente regulamento permite que o processo de insolvência principal seja aberto no Estado-Membro em que se situa o centro dos interesses principais do devedor. O processo tem alcance universal, visando abarcar todo o património do devedor. Para proteger a diversidade dos interesses, o presente regulamento permite que os processos secundários eventualmente instaurados corram paralelamente ao processo principal. Pode-se instaurar um processo secundário no Estado-Membro em que o devedor tenha um estabelecimento. Os efeitos dos processos secundários limitar-se-ão aos activos situados no território desse Estado. A necessidade de manter a unidade dentro da Comunidade é garantida por normas imperativas de coordenação com o processo principal.

23 O presente regulamento deve estabelecer, quanto às matérias por ele abrangidas, normas uniformes sobre o conflito de leis que substituam, dentro do respectivo âmbito de aplicação, as normas internas de direito internacional privado. Salvo disposição em contrário do presente regulamento, deve aplicar-se a lei do Estado-Membro de abertura do processo (lex concursus). Esta norma de conflito de leis deve aplicar-se tanto aos processos principais como aos processos locais. A lex concursus determina todos os efeitos processuais e materiais dos processos de insolvência sobre as pessoas e relações jurídicas em causa, regulando todas as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência.
24 O reconhecimento automático de um processo de insolvência ao qual é geralmente aplicável a lei do Estado de abertura pode interferir com as normas a que obedece o comércio jurídico noutros Estados-Membros. Para proteger as expectativas legítimas e a segurança do comércio jurídico nos Estados-Membros que nos Estados--Membros que não o de abertura, deve prever-se uma série de derrogações à regra geral.
25 No caso dos direitos reais, sente-se uma particular necessidade de estabelecer um vínculo especial diverso do da lei do Estado de abertura, uma vez que esses direitos se revestem de substancial importância para o reconhecimento de créditos. Por conseguinte, o fundamento, a validade e o alcance de um direito real devem ser geralmente determinados pela lei do Estado em que tiver sido constituído o direito e não ser afectados pela abertura do processo de insolvência. O titular do direito real deve, pois, poder continuar a fazer valer esse direito à restituição ou liquidação do bem em causa. Quando haja bens que sejam objecto de direitos reais constituídos ao abrigo da legislação de um Estado-Membro, correndo, porém, o processo principal noutro Estado-Membro, o síndico deste processo pode requerer a abertura de um processo secundário na jurisdição em que foram constituídos os direitos reais, se o devedor aí tiver um estabelecimento (…)” (negrito e sublinhado nosso)
Assim, dispõe o artº 5 nº1 deste Reg. que “1. A abertura do processo de insolvência não afecta os direitos reais de credores ou de terceiros sobre bens corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, quer sejam bens específicos, quer sejam conjuntos de bens indeterminados como um todo, cuja composição pode sofrer alterações ao longo do tempo, pertencentes ao devedor e que, no momento da abertura do processo, se encontrem no território de outro Estado-Membro.”

Mais dispõe no nº2 deste preceito que estes direitos são, nomeadamente:
“a) O direito de liquidar ou de exigir a liquidação de um bem e de ser pago com o respectivo produto ou rendimentos, em especial por força de um penhor ou hipoteca;”
Excepciona o seu nº 4, igualmente citado pelo recorrente (e pela decisão recorrida) que
“O nº 1 não obsta às acções de nulidade, de anulação ou de impugnação referidas no nº 2, alínea m), do artigo 4º.” ou seja “as regras referentes à nulidade, à anulação ou à impugnação dos actos prejudiciais aos credores.”

Este artigo 5 está correlacionado com o considerando 25 acima transcrito e com as razões nele elencadas, sem prejuízo da validade destas garantias poder ser posta em causa, de forma a obstar a estes direitos dos credores sobre o bem.

O que não significa que a competência para estas acções seja deferida ao Tribunal do Estado-Membro onde corre o processo de insolvência, como pretende o recorrente, nem tal faria sentido face aos considerandos acima citados é à regra da competência exclusiva dos tribunais de cada Estado-Membro sobre direitos reais incidentes sobre imóveis e registos públicos.

Aliás, nem se vê como poderia o tribunal português determinar o cancelamento de um registo público, predial, lavrado em Espanha de acordo com a legislação espanhola que a este respeito é soberana.  

Conforme referido no supra citado Ac. do TRC de 17/12/2014, “a vertente normalizadora e harmonizadora do Regulamento CE 1346/2000 ter cedido perante as expectativas legítimas e a segurança do comércio jurídico no caso dos direitos reais, estabelecendo-se, neste domínio, que a validade e o alcance dum direito real devem ser geralmente determinados pela lei do Estado em que o mesmo tiver sido constituído e que não pode ser afectado pela abertura dum processo de insolvência noutro Estado-Membro.”

Conclui-se pois pela incompetência internacional dos tribunais nacionais para o conhecimento desta acção, pelo que a apelação improcede no seu todo.

DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante, por ter decaído na totalidade do recurso.


                       
Lisboa 18 de Janeiro de 2018



Cristina Neves                                 
Manuel Rodrigues                                  
Ana Paula A.A. Carvalho



[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.

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