Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1510/2007-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
PRESCRIÇÃO
DEVERES DO TRABALHADOR
AVISO PRÉVIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I- O tribunal do trabalho é materialmente competente para conhecer do pedido de pagamento de indemnização por violação de um pacto de não concorrência se o mesmo pacto surgir necessariamente na sequência e materialmente integrado no contrato de trabalho celebrado entre as partes.
II- É aplicável à prescrição do pedido de pagamento de uma quantia a título de indemnização por violação do dever de confidencialidade o disposto no artº 381º, nº 1, do CT, que é expresso quanto às partes que têm o direito de accionar a prescrição a seu favor, aplicando-se quer à entidade patronal quer ao trabalhador, estando, assim, definitivamente, afastada a possibilidade de serem accionados dispositivos na lei civil.
III- Rescindindo o trabalhador o contrato com aviso prévio com efeitos a partir de determinada data, mas deixando, por sua iniciativa, de exercer as suas funções em momento anterior, o prazo de prescrição dos créditos laborais só se inicia no dia seguinte à data do final do período de pré-aviso.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
M…, Lda. instaurou, em 21 de Outubro de 2005, acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra P… pedindo que o réu seja condenado a pagar as seguintes quantias:
a) € 24.939,89, a título de indemnização por violação do dever de confidencialidade, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;
b) € 15.635,10, a título de indemnização por violação do dever de não concorrência, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
(…)
O réu foi citado para a acção no dia 26 de Outubro de 2005 (fls. 117).
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação do réu para contestar, o que ele fez por excepção – incompetência do Tribunal do Trabalho para apreciar os pedidos formulados e prescrição dos créditos da autora porque o contrato de trabalho cessou efectivamente em 15 de Outubro de 2004, data em que o réu deixou de exercer funções ao serviço da autora – e por impugnação, concluindo pela procedência da excepção de incompetência do Tribunal do Trabalho, com a sua absolvição da instância, ou caso assim se não entenda, pela procedência da excepção de prescrição com a sua absolvição do pedido e, sem conceder, pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido devendo ainda ser considerada anulada a cláusula de não concorrência constante do contrato de trabalho e, ainda sem conceder, pela redução dos valores constantes da cláusulas 8ª e 10ª nos termos e para os efeitos do disposto no art. 812º do Cód. Civil.
Na resposta a autora pronunciou-se pela improcedência das excepções e pediu a condenação do réu como litigante de má fé.
Findos os articulados foi proferido saneador-sentença que julgou o tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido no que concerne ao pagamento da quantia enunciada na alínea b), absolvendo o réu da instância e julgou procedente a excepção de prescrição no que respeita ao pagamento da quantia enunciada na alínea a), absolvendo o réu do pedido.
Inconformada, a autora veio interpor recurso de apelação dessa decisão, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)
No requerimento de interposição de recurso a autora arguiu a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
O réu na sua contra-alegação pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
O Ex.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer a fls. 241 no sentido de ser confirmada a decisão recorrida e negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
As questões colocadas no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684º, nº 3, 690º, nº 1 e 713º, nº 2 do Cód. Proc. Civil – são as seguintes:
– saber se a sentença recorrida incorreu na nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do art. 668.º do Cód. Proc. Civil – omissão de pronúncia;
– saber se o Tribunal do Trabalho é materialmente competente para conhecer do pedido de pagamento da quantia enunciada na alínea b) - € 15.635,10, a título de indemnização por violação do dever de não concorrência, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;
– saber se não se verifica a excepção de prescrição no que concerne ao pagamento da quantia enunciada na alínea a) - € 24.939,89, a título de indemnização por violação do dever de confidencialidade, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
Fundamentação de facto
A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 4 de Junho de 2001 a autora e o réu celebraram o acordo consubstanciado no documento junto a fls. 42 a 48 dos autos clausulando conforme consta do mesmo e, nomeadamente, que:
- a autora (aí identificada por primeiro outorgante) admite ao seu serviço o réu (aí identificado por segundo outorgante), para exercer, sob a sua autoridade e direcção com a categoria de Técnico de Recursos Humanos, “todas as funções inerentes à sua categoria” (cláusula 1º);
- “Confidencialidade:
8.1 O Segundo Outorgante obriga-se a, durante a vigência do contrato de trabalho e após a sua cessação, manter confidencialidade de todos os dossiers, arquivos, documentos, dados e informações obtidos em virtude da sua relação com a Primeira Outorgante, relativos a esta (incluindo os seus colaboradores), ou a outras sociedades associadas, ou aos seus clientes, nomeadamente sobre a sua organização, actividade ou negócio, preços, serviços prestados e qualquer outro dado de natureza comercial e/ou técnica, não podendo, designadamente, extrair cópias, divulgá-los ou comunicá-los a terceiros.
8.2 O dever de confidencialidade abrange a reprodução da informação em qualquer suporte informático, ou outro, salvo se essa informação for estritamente necessária para a realização das funções inerentes ao cargo exercido pelo Segundo Outorgante.
8.3 No caso de cessação por qualquer motivo do contrato de trabalho, o Segundo Outorgante deverá devolver imediatamente à Primeira Outorgante todos os originais e/ou cópias dos dossiers, correspondência, arquivos, memorandos e outros documentos e informações que se encontrem em seu poder.
8.4 A violação, pelo Segundo Outorgante, das obrigações previstas na presente cláusula fá-lo-á incorrer na obrigação de pagar à Primeira Outorgante uma indemnização por todos os prejuízos causados, mas nunca de valor inferior a Esc. 5.000.000$00 e, caso a violação ocorra durante a vigência do contrato de trabalho, constituirá justa causa de despedimento” (cláusula 8ª);
- “Actividades não permitidas:
9.1. Durante a vigência do contrato de trabalho o Segundo Outorgante não poderá:
a) prestar trabalho por conta própria ou alheia ou mediante qualquer forma de intermediação directa ou indirecta em empresas que se dediquem a actividade igual ou similar à prosseguida pela Primeira Outorgante, salvo autorização expressa por escrito desta;
b) exercer durante o seu tempo de trabalho qualquer outra actividade profissional, remunerada ou não;
c) deter, de forma directa ou indirecta, qualquer participação social em sociedades que estabeleçam relações comerciais com a Primeira Outorgante e/ou a receber dessas sociedades qualquer contrapartida, em numerário ou espécie, seja a que título for;
A violação, pelo Segundo Outorgante, da obrigação prevista na presente cláusula, fá-lo-á incorrer na obrigação de pagar à Primeira Outorgante uma indemnização por todos os prejuízos causados, mas nunca de valor inferior a Esc. 5.000.000$00 e, caso a violação ocorra durante a vigência do contrato de trabalho, constituirá justa causa de despedimento” (cláusula 9ª)
- “Actividades após a cessação do contrato:
10.1 Durante os doze meses posteriores à cessação por qualquer motivo do contrato de trabalho, o Segundo Outorgante obriga-se a, no âmbito territorial de Portugal e de Espanha, não prestar trabalho por conta própria ou alheia ou mediante qualquer forma de intermediação directa ou indirecta em empresas que se dediquem a actividade igual ou similar à prosseguida pela Primeira Outorgante, bem como na área de selecção e recrutamento de pessoal.
10.2 Durante os doze meses posteriores à cessação por qualquer motivo do contrato de trabalho e sem quaisquer limitações geográficas, o Segundo Outorgante obriga-se a:
a) não contactar e/ou contratar, directa ou indirectamente, os clientes que hajam contratado com a Primeira Outorgante nos dois anos anteriores à data da cessação do contrato de trabalho;
b) não contactar e/ou contratar, directa ou indirectamente, os candidatos constantes da base de dados da Primeira Outorgante, ou que tenham sido incluídos nessa base de dados no período de 2 anos anterior à data da cessação do contrato de trabalho;
c) não contactar para fins profissionais e/ou contratar, directa ou indirectamente, os colaboradores – antigos, actuais ou futuros – da Primeira Outorgante” (cfr. cláusula 10ª - doc. n.º 1).
10.3 À primeira outorgante assiste a faculdade de, a todo o tempo, optar por reduzir ou eliminar o período de duração das obrigações previstas na presente cláusula, caso em que a compensação prevista no ponto 10.4 será correspondentemente reduzida ou eliminada.
10.4 Em contrapartida das obrigações previstas na presente cláusula, o Segundo Outorgante terá direito a uma compensação em montante correspondente a 25% da última remuneração-base mensal por cada mês em que se verificar o cumprimento dessas obrigações. O pagamento dessa compensação será feito integralmente no termo do período de duração das obrigações e sujeito ao cumprimento integral destas.
10.5 No caso de qualquer violação, ainda que parcial e sob qualquer forma, pelo Segundo Outorgante, das suas obrigações previstas na presente cláusula, a Primeira Outorgante terá direito a uma indemnização correspondente a dez vezes o valor da última remuneração-base” (Cláusula 10º);
2. O réu foi contratado pela autora para exercer as funções de Consultor, com a aludida categoria.
3. O réu enviou à autora a carta datada de 29 de Setembro de 2004, que a autora recebeu, cuja cópia consta de fls. 49 dos autos, comunicando à autora “a rescisão” do contrato referido, “com efeitos a partir do próximo dia 31 de Outubro de 2004”.
4. Está matriculada na C.R.C. de Lisboa, com o nº…de ….2004, a sociedade J…, Lda., com sede na Avenida… , 4º andar, sendo o réu um dos seus sócios, conforme documento de fls. 50 a 52 dos autos.
5. Tal sociedade tem por objecto a actividade de “consultoria em recursos humanos, nomeadamente pesquisa, recrutamento e selecção de quadros executivos, estudos de recursos humanos, estudos salariais, avaliações de competências, estratégia de desenvolvimento de talento, consultadoria organizacional, formação, recrutamento por anúncio e consultadoria de gestão”, conforme o mesmo documento.
6. O Réu exerceu as referidas funções, para a autora, até 15 de Outubro de 2004.
7. A autora, para efeitos de determinação das importâncias devidas ao réu, pela cessação do contrato de trabalho, procedeu ao desconto, na respectiva remuneração, da importância de 833,87 Euros, correspondente à falta de aviso prévio relativo à rescisão do contrato, por 16 dias, nos termos que resultam do documento junto a fls. 140 dos autos.
8. Tendo pago ao réu as quantias indicadas nesse recibo, relativo a Outubro de 2004, nomeadamente a quantia ilíquida de € 866.45, com base em 14 dias de trabalho.
9. E, de acordo com esse procedimento, relativamente ao trabalho prestado pelo réu em Outubro de 2004, a autora apenas efectuou o pagamento da contribuição para a Segurança Social correspondente a 14 dias, conforme documento junto a fls. 144 dos autos.
Resulta ainda provado que:
10. O réu foi citado para a acção no dia 26 de Outubro de 2005 (fls. 117).
Fundamentação de direito
Quanto à 1ª questão:
(…)
Improcede, pois, a nulidade arguida.
Quanto à 2ª questão:
Na decisão recorrida entendeu-se que o Tribunal do Trabalho é materialmente incompetente para conhecer do pedido de pagamento da quantia de € 15.635,10, a título de indemnização por violação do dever de não concorrência, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento, por tal indemnização surgir à margem do contrato de trabalho, destinando-se a cláusula 10ª daquele contrato, invocada pela apelante para fundamentar a obrigação do apelado, a regular as relações entre as partes com referência a um período de tempo em que o contrato de trabalho não está em execução, inexistindo qualquer vínculo de subordinação entre trabalhador e entidade patronal.
A apelante insurge-se contra este entendimento, argumentando que a competência do Tribunal do Trabalho para a aferição da violação de um pacto de não concorrência pós-contratual do trabalhador, resulta do disposto na alínea b) do art. 85.° da LOFTJ, bem como do mesmo pacto surgir necessariamente na sequência e materialmente integrado no contrato de trabalho celebrado entre as partes, decorrendo a sua celebração de normas jurídicas hoje inseridas no Cód. Trab. e radicando o seu fundamento e justificação material na celebração de um vínculo jurídico laboral. Acrescenta ainda que a abrangência material de competência dos tribunais de trabalho na mesma situação jurídica é confirmada pelo disposto na alínea f) do mesmo art. 85.° da LOFTJ.
Vejamos, então, de que lado está a razão.
Quer a doutrina quer a jurisprudência têm entendido que a competência dos tribunais se afere dos termos em que a acção é proposta, determinando-se, pois, pelo pedido do autor (Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, ed. 1979, pág. 91 e, entre outros, os Acs. do STJ de 6.06.78, BMJ nº 278, pág. 122 e de 05.02.02, CJ/STJ, Ano X, T. I, pág. 68, da RE Évora de 9.02.84, CJ, Ano IX, T. I, pág. 292, desta Relação de 06.11.02, CJ, Ano XXVII, T. V, pág. 146 e da RG CJ, Ano XXIX, T. V, pág. 286).
Para decidir qual dos elementos determinativos da competência, também chamados índices de competência, é decisivo para o efeito, tem de atender-se aos termos em que a acção é proposta, seja quanto aos elementos objectivos (natureza da providência solicitada, facto de onde teria resultado o direito para o qual se pretende a tutela judiciária, etc.) seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes).
Segundo Manuel de Andrade (ob. e loc. cit.), a competência do Tribunal afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor.
A competência do tribunal não depende, portanto, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. Trata-se de questão a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor (considerando aí os respectivos fundamentos), não importando indagar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.
Na petição inicial, a autora, aqui apelante, invoca como causa de pedir a existência de um contrato de trabalho com o réu, aqui apelado e pede a condenação deste no pagamento da quantia de € 24.939,89, a título de indemnização por violação do dever de confidencialidade – alínea a) -, bem como da quantia de € 15.635,10, a título de indemnização por violação do dever de não concorrência – alínea b) -, tudo acrescido de juros de mora, estruturando a acção como uma acção de responsabilidade civil por danos emergentes de incumprimento contratual – cláusulas 8ª e 10ª, respectivamente, do contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Segundo o disposto no art. 85.º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível:
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
(...)
o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente;
(...)
Ora, face à causa de pedir invocada dúvidas não restam que o foro laboral, que conhece das questões emergentes de relações de trabalho subordinado, é competente para conhecer da acção, nos termos do disposto no art. 85.º, alínea b) da LOFTJ, radicando a tese defendida na sentença recorrida, numa impensável decomposição das diversas cláusulas do contrato de trabalho celebrado entre as partes e numa distinção - que a lei não faz - entre litígios surgidos durante a vigência da relação laboral e outros que só surgem depois de extinta essa relação.
De resto, mesmo que se admitisse que o contrato de trabalho celebrado entre as partes não é um todo e que se entendesse que a citada alínea b) apenas abrange litígios surgidos durante a vigência da relação laboral, sempre teríamos de concluir, contrariamente ao que se entendeu na decisão recorrida, que estamos perante uma relação conexa com a relação laboral por acessoriedade que justifica o recurso à jurisdição laboral nos termos do disposto na transcrita alínea o) do art. 85.º da LOFTJ, declarado que está que o pedido aqui em causa se cumula com outro para o qual o tribunal é directamente competente.
É que essa conexão não se compadece com a análise simplista que dela é feita na decisão recorrida.
Efectivamente, quanto ao que seja a conexão referida, Soveral Martins, depois de esclarecer que a relação a conexionar não tem, assim, autonomia constitutiva, pressupondo necessariamente a constituição da relação de trabalho escreve o seguinte (“A Organização dos Tribunais Judiciais Portugueses” vol. I, pág. 233):
Na conexão por acessoriedade a relação conexa constitui-se com a relação principal do trabalho ou no seu desenvolvimento, nela se integrando embora como elemento meramente acessório e, portanto, não essencial à determinação da relação principal.
No caso em apreço, não há dúvida de que o pacto de não concorrência contido na cláusula 10ª do contrato de trabalho é absolutamente dependente da relação laboral. Se esta não existisse, aquele não tinha justificação. Verifica-se, por outro lado, que esse pacto é objectivamente conexo e dependente da relação laboral tendo por finalidade garantir obrigações derivadas daquela.
Procedem, pois, nesta parte, as conclusões do recurso.
Quanto à 3ª questão:
Vejamos, agora se, contrariamente ao que se entendeu na decisão recorrida, não se verifica a excepção de prescrição no que concerne ao pagamento da quantia enunciada na alínea a) - € 24.939,89, a título de indemnização por violação do dever de confidencialidade, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
A este respeito sustenta a apelante que:
- ao caso não é inaplicável o n° 1 do art. 381.° do Cód. Trab., aplicável antes sendo o disposto no art. 309° do Cód. Civil;
- ainda que o disposto no n° 1 do art. 381.° do Cód. Trab. fosse aplicável a prescrição da obrigação pós-contratual de sigilo, por aplicação do disposto nos n.°s 1 e 2 do art. 306.° do Código Civil, apenas ocorreria um ano após o efectivo incumprimento das mesmas obrigações e não aquando da mera cessação do contrato de trabalho celebrado entre as partes;
- a sentença recorrida funda o completar do prazo prescricional numa suposta antecipação do momento de cessação da relação jurídica laboral entre as partes de 31 de Outubro de 2004, para 15 de Outubro do mesmo ano, o que não está correcto.
Contrariamente ao que a apelante defende ao caso é aplicável ao disposto no art. 381.°, nº 1 do Cód. Trab. segundo o qual: Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Efectivamente, aquele preceito à semelhança do art. 38.º, nº 1 do RJCIT aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 é expresso quanto às partes que têm o direito de accionar a prescrição a seu favor, aplicando-se quer à entidade patronal quer ao trabalhador, estando, assim, definitivamente, afastada a possibilidade de serem accionados dispositivos na lei civil (Pinto dos Santos “A Prescrição de Créditos Emergentes do Contrato de Trabalho” Almedina, 1982, pág. 28 e Acs do STJ de 11.07.80, BMJ nº 299, pág. 204 e desta Relação de 2.12.93, CJ, Ano XVIII, T. V, pág. 191).
E será que o crédito em causa se encontrava prescrito à luz do citado art. 381.°, nº 1 do Cód. Trab..
Recorde-se que, como ficou provado, o apelado enviou à apelante a carta datada de 29 de Setembro de 2004, que a apelante recebeu, comunicando a esta a rescisão do contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 31 de Outubro de 2004 mas que apenas exerceu as funções para que estava contratado até ao dia 15 de Outubro de 2004 e que a apelante para efeitos de determinação das importâncias devidas ao apelado, pela cessação do contrato de trabalho, procedeu ao desconto, na respectiva remuneração, da importância de € 833,87, correspondente à falta de aviso prévio relativo à rescisão do contrato, por 16 dias, tendo pago ao apelado as quantias indicadas no recibo, relativo a Outubro de 2004, nomeadamente a quantia ilíquida de € 866.45, com base em 14 dias de trabalho (factos provados 3., 6., 7. e 8).
O aviso prévio destina-se a levar ao conhecimento da parte contrária o propósito de denunciar o contrato e tem eficácia quanto a este e à sua vigência diferida no tempo para o termo do pré-aviso, de modo que, enquanto aquele momento não chegar, o contrato produz os seus efeitos iniciais, pois só foi modificado quanto à sua duração.
Assim os deveres e obrigações das partes continuaram inalterados, no período de pré-aviso, como se este não fora dado e nem o facto de o apelado, por sua iniciativa, ter deixado de prestar serviço à apelante a partir do dia 15 de Outubro de 2004, inviabilizou o efeito do pré-aviso, pois ainda que se discutisse a eventual irregularidade da atitude do apelado, traduzida em ausências ao serviço a partir daquela data, essa atitude, por si só não determinava a sua desvinculação.
No sentido acabado de expor podem ver-se os Acs. da RC de 3.06.93 e de 16.10.97 (BTE, 2ª Série nºs 4-5-6/96, pág. 449 e CJ, Ano XXII, T. IV, pág. 72, respectivamente).
Por conseguinte, o prazo de prescrição dos créditos laborais teve como termo a quo o dia seguinte à data do final do período de pré-aviso - 31 de Outubro de 2004 -, ou seja, o dia 1 de Novembro de 2004.
Uma vez que a acção foi instaurada no dia 21 de Outubro de 2005 e que o réu foi citado para a acção no dia 25 de Outubro de 2005, facto este que interrompe a prescrição – art. 323º, nº 1 do Cód. Civil -, forçoso é, concluir, também, nesta parte pela procedência das conclusões do recurso.
Impõe-se, assim, a revogação da decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que julgue improcedente, quer a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal do Trabalho para conhecer do pedido de pagamento da quantia enunciada na alínea b) - € 15.635,10, a título de indemnização por violação do dever de não concorrência, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento -, quer a excepção peremptória de prescrição no que concerne ao pagamento da quantia enunciada na alínea a) - € 24.939,89, a título de indemnização por violação do dever de confidencialidade, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento, seguindo-se ulteriores termos até final.
Decisão
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento à apelação, revogando a sentença recorrida, julgando improcedentes as excepções e determinando que os autos prossigam ulteriores termos.
Custas da apelação pelo vencido, a final.
Lisboa, 2 de Maio de 2007
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas
Leopoldo Soares