Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4457/2008-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ACORDO
REVOGAÇÃO
PEDIDO
DESPEJO
SUSPENSÃO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 - O requerimento executivo deve conter o pedido, de sorte que a sua falta gera a ineptidão da petição inicial, constituindo nulidade que atinge todo o processado.
2 – Ainda que o executado argua a ineptidão com fundamento na falta do pedido, o juiz não poderá julgar procedente a arguição quando se verificar que o opoente interpretou convenientemente o requerimento executivo.
3 - A suspensão da execução do despejo de prédio urbano destinado à habitação por doença pressupõe que a pessoa que se encontra na casa a desocupar sofra de doença aguda, de tal modo que ponha em risco a sua vida, no caso de ter de mudar de residência no decurso do despejo, devendo o atestado médico fundamentar o prazo durante o qual se deve suspender a execução.
4 – Para tal, é relevante tanto a doença do arrendatário, como ainda a dos familiares com ele conviventes em comunhão de mesa e de habitação ou de outras pessoas que, igualmente, residam consigo em economia comum.
5 – A expressão “doença aguda” significa doença súbita e inesperada por contraposição a doença crónica, que é de longa duração.
6 – A esquizofrenia que, desde Janeiro de 2005, obriga o filho do executado a um tratamento ambulatório, não constitui uma “doença aguda”, para efeitos do disposto no art. 930º-B, n.º 3, pelo que, tratando-se de uma doença crónica de um ocupante da casa cuja entrega se requer, mesmo que possa pôr em risco a vida do doente por uma sua ansiedade agudizante, não é justificativo da suspensão da execução para entrega de coisa imóvel arrendada.
G.F.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
[M] instaurou execução para entrega de coisa certa contra [J], alegando que ambos haviam acordado em que o segundo entregaria um imóvel, que arrendara, contra o pagamento de uma indemnização, e que, não obstante haver recebido o valor estabelecido, o agora Executado não procedera à entrega. Juntou o acordo de revogação e o contrato de arrendamento.

O Executado veio deduzir oposição, afirmando que “o requerimento executivo não apresenta qualquer pedido” e que ele, Executado, tem 91 anos, vivendo no imóvel com um filho, que sofre de esquizofrenia, e com a mulher doente cardíaca. Requereu, por isso, o diferimento da desocupação e ainda diligências no sentido do respectivo realojamento.

Notificado para juntar, como havia protestado fazer, os atestados médicos comprovativos das doenças da esposa e do filho, que invocou, apresentou apenas um relatório clínico do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Equipa Comunitária do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, relativo ao filho, indicando que este “está em tratamento nesta consulta desde Janeiro de 2005, com o diagnóstico 395.3 (ICD-9), estando em “ambulatório compulsivo”.

Considerando que os autos forneciam todos os elementos necessários para uma segura decisão, o Tribunal a quo julgou improcedente a Oposição.

Inconformado, recorreu o Executado, formulando as seguintes conclusões:
1ª – O requerimento executivo tem de formular o pedido.
2ª – O requerimento dos autos não formulou qualquer pedido.
3ª – Os requisitos impostos pelo n.º 3 do artigo 810º do CPC não estão preenchidos.
4ª – Donde o requerimento executivo deve ser recusado, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 811º do CPC.
5ª – É um facto público e notório que a esquizofrenia é uma doença que, pelas suas características, a simples possibilidade de despejo coloca o paciente numa ansiedade agudizante.
6ª – Assim sendo, é previsível que a execução de despejo ponha em risco a vida do filho do inquilino, nos termos do n.º 3 do artigo 930º CPC.
7ª – O recorrente alegou factos suficientes para o deferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas.
8ª – A desocupação imediata do locado causa um prejuízo muito superior à vantagem conferida à exequente.
9ª – A sentença recorrida violou os artigos 467º, n.º 1, alínea e), artigo 810º, n.º 1, alínea a), 930º-B e 930º-C, todos do CPC.

A Exequente contra – alegou, defendendo a bondade da sentença recorrida.
2.
Atendendo às conclusões do apelante, as questões que importa dirimir são as seguintes:
a) – Recusa do requerimento executivo;
b) – Suspensão da execução;
c) – Diferimento da desocupação do andar em causa.
3.
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - Em 24/12/1942, [J C], na qualidade de senhorio, deu de arrendamento para habitação a [A L] o 1.º andar do Chalet, no Monte Estoril.
2º - Por óbito do primitivo arrendatário, o arrendamento transmitiu-se à sua mulher [I M] e, por morte dela, ao filho [J], ora Executado.
3º - Por sua vez, por morte do primitivo senhorio, o prédio ficou a pertencer, por partilha, a [L V], marido da Exequente.
4º - Depois, tendo falecido [L V], o prédio ficou a pertencer em comum e sem determinação de parte ou direito à Exequente e aos seus dois filhos.
5º - Em 07/02/2006, a Exequente, como cabeça-de-casal, e o Executado assinaram um acordo de revogação do contrato de arrendamento.
6º - Nesse acordo, o Executado comprometeu-se a entregar o arrendado até ao dia 2 de Maio de 2006.
7º - E a Exequente comprometeu-se a pagar ao Executado uma indemnização no montante de € 25.000, tendo, desde logo, pago € 15.000, na data da assinatura do acordo, ficando previsto que a remanescente quantia de € 10.000,00 seria paga na data da restituição do arrendado.
8º - Ficou ainda previsto no acordo que seria deduzida a quantia de € 500 por cada mês de atraso na entrega do arrendado.
9º - O Executado não fez a entrega do imóvel arrendado, a que se tinha comprometido.
10º - O Executado nasceu em 25/01/1916 e actualmente é divorciado.
11º - [N] está em tratamento na consulta de Psiquiatria e Saúde Mental da Equipa Comunitária, do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, desde Janeiro de 2005, com o diagnóstico 395.3 (ICD-9), já tendo estado internado por dois anos e meio no Telhal e estando agora em “ambulatório compulsivo”. “Trata-se de uma doença de evolução crónica e prolongada”.
12º - O Executado é reformado e foi-lhe concedido o benefício de protecção jurídica, com pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo e de remuneração do solicitador de execução.
4.
Nas primeiras quatro conclusões do recurso, o Apelante sustenta que o requerimento executivo não apresenta qualquer pedido e que, por isso, deveria ter sido recusado.

É certo que o requerimento executivo, além do mais, deve conter o pedido, isto é, o exequente deve solicitar ao tribunal a providência processual que julgue adequada para tutela duma situação jurídica ou dum interesse que afirma materialmente protegido (cfr. artigo 467º, n.º 1, alínea e), ex vi do artigo 810º, n.º 3 CPC). A falta de pedido gera ineptidão da petição inicial, constituindo nulidade que atinge todo o processado (artigo 193º, n. os 1 e 2, alínea a) CPC).

Parece-nos evidente que no requerimento executivo falta o pedido. Não aparece a conclusão, consistente na formulação do pedido.

Não obstante, apesar do executado arguir a ineptidão com fundamento na falta do pedido, o juiz não poderá julgar procedente a arguição quando se verificar que o opoente interpretou convenientemente o requerimento executivo (cfr. artigo 193º, n.º 3 CPC).

Ora, in casu, trata-se de uma “execução para entrega de coisa certa” e no requerimento executivo ficou claro que essa coisa é o imóvel que o Executado traz arrendado e onde reside.

Também não é contestável que a Exequente, como cabeça-de-casal, tem o direito de pedir a entrega da coisa e, nos termos do art. 15º, n.º 1, alínea a), do NRAU, em caso de cessação do contrato de arrendamento por revogação, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo de revogação, servem de base à execução para entrega de coisa certa.

Ora, bastaria atentar nos documentos que servem de título à execução – o contrato de arrendamento e o acordo de revogação desse contrato – para se poder interpretar convenientemente o requerimento executivo, facilmente se concluindo o que é que se pretende com a execução, como aliás interpretou o Recorrente.

Na verdade, resulta à evidência da oposição apresentada que o Recorrente bem interpretou o que se peticiona nos presentes autos executivos, ao sustentar que a entrega do arrendado deve ser diferida pelo prazo de um ano.

Improcedem, portanto, as primeiras quatro conclusões.

Seguidamente, defende o Recorrente que a execução do despejo põe em risco a vida de pessoas que se encontram no local, por razões de doença aguda e pede o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas.

Mas não lhe assiste razão.

O arrendatário, ora executado, e a exequente, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito do senhorio, acordaram na cessação do contrato de arrendamento, ou seja, na sua revogação.

Assim, por mútuo consentimento dos contraentes, o contrato extinguiu-se, em 7/02/2006 (cfr. artigo 406º, n.º 1 Código Civil).

Não obstante, acordaram as partes que o despejo não seria imediatamente executado, tendo-se o Executado comprometido a entregar o arrendado até ao dia 2 de Maio de 2006.

Por sua vez, na negociação do acordo, foi atribuída ao arrendatário uma quantia como contrapartida pela desocupação do arrendado, comprometendo-se a Exequente a pagar ao Executado uma indemnização no montante de € 25.000. E, desde logo, pagou 15.000 euros, na data da assinatura do acordo, ficando previsto que a remanescente quantia de € 10.000 seria paga na data da restituição do arrendado.

Estabeleceu-se mesmo uma cláusula penal, para a hipótese de atraso na restituição do imóvel, ao prever-se que seria deduzida a quantia de € 500 por cada mês de atraso na entrega.

O Executado não fez, porém, a entrega do imóvel arrendado, a que se tinha comprometido, na data aprazada.

Deste modo, o Executado, não tendo cumprido o contrato que celebrou, ter-se-á constituído numa situação de inadimplência.

Contra as normais consequências que seriam resultantes do incumprimento do contrato, o Executado afirma que a execução do despejo põe em risco a vida de pessoas que se encontram no local, por razões de doença aguda e pede o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas. Isto é, o Executado requer os benefícios previstos nos artigos 930º-B, nº 3, e 930º-C, nº 1, ambos do Código de Processo Civil.
As pessoas cuja vida seria posta em risco com o despejo seriam a sua “companheira” e um seu filho, que diz ser esquizofrénico.

Quanto à companheira, não juntou qualquer prova, embora tenha sido convidado a fazê-lo.

Quanto ao filho, o documento que juntou evidencia que ele está em tratamento na consulta de Psiquiatria e Saúde Mental da Equipa Comunitária, do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, desde Janeiro de 2005, com o diagnóstico 395.3 (ICD-9), já tendo estado internado por dois anos e meio no Telhal e estando agora em “ambulatório compulsivo”.

Ora, acontece que, não obstante essa doença, o Executado em 07/02/2006 deu como findo o arrendamento e comprometeu-se a deixar o imóvel até 02/05/2006, contra o pagamento da supra - referida indemnização, parcialmente satisfeita.

Assim a doença do filho não foi considerada pelo próprio Executado como obstativa da cessação do contrato.

Ademais, a suspensão da execução do despejo de prédio urbano destinado à habitação por doença pressupõe que a pessoa que se encontra na casa a desocupar sofra de doença aguda, de tal modo que ponha em risco a sua vida, no caso de ter de mudar de residência no decurso do despejo, devendo o atestado médico fundamentar o prazo durante o qual se deve suspender a execução (cfr. artigo 930º-B, n.º 3, CPC).

Segundo a aludida norma, é relevante tanto a doença do arrendatário, como ainda a dos familiares com ele conviventes em comunhão de mesa e de habitação e de outras pessoas que, igualmente, residam consigo em economia comum.

A expressão “doença aguda”, inserta na aludida norma, está empregue com o significado comum de doença ou estado de doença agudizada ou em crise que possa pôr em risco a vida das pessoas a desalojar.
Diz-se aguda a doença súbita e inesperada por contraposição a doença crónica, que é de longa duração.

Daí que a doença crónica do ocupante de uma casa, mesmo que possa pôr em risco a vida do doente por uma sua ansiedade agudizante, não é justificativo da suspensão da execução para entrega de coisa imóvel arrendada.

Não se vê, pois, como é que uma esquizofrenia que, desde Janeiro de 2005, obriga a um tratamento ambulatório, possa constituir uma “doença aguda”, para efeitos do disposto no art. 930º-B, n.º 3. Aliás, o documento médico afirma mesmo que “trata-se de uma doença de evolução crónica e prolongada”, pelo que, com tal fundamento, não se pode suspender a presente execução.

Quanto ao pedido de diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas (art. 930º-C, n.º 1), ele somente poderia ter um dos três fundamentos referidos no nº 2 do mesmo preceito. Deles, o único que se poderia conjecturar como tendo aplicação no caso sub judice seria o da alínea a), ou seja, “que a desocupação imediata do local causa ao executado um prejuízo muito superior à vantagem conferida ao exequente”.

Ora, o Executado nem sequer invocou qualquer facto pelo qual se pudesse inferir, caso viesse a ser provado, esse “prejuízo muito superior”.

Independentemente disso, como já se deixou dito, as razões sociais ora invocadas pelo Recorrente já se verificavam na data em que este assinou o acordo de revogação do contrato, o que não foi impeditivo para assumir, nessa altura, o compromisso de entregar o arrendado, mediante a entrega imediata da quantia de 15.000 euros, de que a exequente se encontra desapossada.

Improcedem, pois, as restantes conclusões.

Concluindo:
1 - O requerimento executivo deve conter o pedido, de sorte que a sua falta gera a ineptidão da petição inicial, constituindo nulidade que atinge todo o processado.
2 – Ainda que o executado argua a ineptidão com fundamento na falta do pedido, o juiz não poderá julgar procedente a arguição quando se verificar que o opoente interpretou convenientemente o requerimento executivo.
3 - A suspensão da execução do despejo de prédio urbano destinado à habitação por doença pressupõe que a pessoa que se encontra na casa a desocupar sofra de doença aguda, de tal modo que ponha em risco a sua vida, no caso de ter de mudar de residência no decurso do despejo, devendo o atestado médico fundamentar o prazo durante o qual se deve suspender a execução.
4 – Para tal, é relevante tanto a doença do arrendatário, como ainda a dos familiares com ele conviventes em comunhão de mesa e de habitação ou de outras pessoas que, igualmente, residam consigo em economia comum.
5 – A expressão “doença aguda” significa doença súbita e inesperada por contraposição a doença crónica, que é de longa duração.
6 – A esquizofrenia que, desde Janeiro de 2005, obriga o filho do executado a um tratamento ambulatório, não constitui uma “doença aguda”, para efeitos do disposto no art. 930º-B, n.º 3, pelo que, tratando-se de uma doença crónica de um ocupante da casa cuja entrega se requer, mesmo que possa pôr em risco a vida do doente por uma sua ansiedade agudizante, não é justificativo da suspensão da execução para entrega de coisa imóvel arrendada.
5.
Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 12 de Junho de 2008.
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira