Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
249/17.7JELSB.L1-9
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I.Limitando-se o recorrente a discordar do julgamento e valoração da prova efectuados pelo Tribunal, na parte que respeita à não credibilidade das suas declarações ou de testemunhas inquiridas, não cumpre o ónus de impugnação especificada.

II.Os recursos não são novos julgamentos, são, antes, remédios para corrigir erros de julgamentos efectuados por outro tribunal.

III.O princípio da livre apreciação apenas será violado, nas situações de prova legal não considerada, situações de arbitrariedade, juízos subjectivos, imotivados e nas situações em que, segundo as regras de experiência de um homem médio, da prova produzida não seja possível extrair a prova do facto dado por assente.

IV.O tráfico internacional de estupefacientes é, legalmente, considerado criminalidade altamente organizada (artigo 1º, al. m), do Código Processo Penal), desempenhando os chamados “correios de droga” um papel crucial no desenvolvimento da actividade ilícita e na disponibilidade do estupefaciente ao consumidor final.

V.Por regra nos chamados “correios de droga”, o juízo de prognose favorável para suspensão de execução da pena, colide e não acautela suficientemente as exigências das finalidades da punição, isto é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime e a confiança dos cidadãos no sistema de justiça.

VI.A defender-se uma diminuição das exigências de prevenção geral em tais situações, estava aberta a porta a uma facilitação no recrutamento de “correios de droga”, já que a ponderação entre o ganho obtido, as mais das vezes avultado, e a possibilidade de não cumprimento de pena de prisão, levaria, mais facilmente, à aceitação do transporte.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.Relatório:


Na Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 13, por acórdão de 23/11/2017, constante de fls. 408 a 415, foi a arguida,

A…, de nacionalidade brasileira, nascida a 08.01.1982, solteira, consultora de vendas de produtos cosméticos, com domicilio…, actualmente sujeita a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica na…,

Condenada, nos seguintes termos:

a)- Condenar a arguida A…, como autora material de um crime de tráfico, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com refª à Tabela I-B anexa ao mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;
b)- Não suspender a execução pena de prisão aplicada.
c)- Declarara perdida a favor do Estado a cocaína aprendida, as quantias monetárias e a mala de transporte de computador portátil com destruição desta e do produto estupefaciente.
d)- Deve ser devolvido: o telemóvel.
e)- Aplicar à arguida a sanção acessória de expulsão do território nacional pelo prazo de cinco anos.
*

Não se conformando, a arguida A…, interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 452 a 490, com as seguintes conclusões: (transcrição)
I.A Recorrente foi condenada pelo Tribunal a quo pena de quatro anos e três meses de prisão pela prática de um crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21º, nº1 do Decreto –Lei 15/93 de 22 de Janeiro, não suspensa na sua execução e na sanção acessória de expulsão de território nacional pelo prazo de cinco anos.
II.A Recorrente não pode concordar com o douto acórdão uma vez entende que no mesmo se faz uma incorrecta aplicação da lei e uma incorrecta apreciação da matéria de facto.
III.O Tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos pontos 1), 10) ,11),12) e 13) da matéria de facto dada como provada no douto Acórdão recorrido.
IV.Atenta a prova carreada para os autos e a produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (ou ausência da mesma), o Tribunal a quo deveria ter dado como não provados os factos constantes dos pontos 1), 11), 12) e 13) da matéria de facto dada como provada e como parcialmente provado o facto constante do ponto 10) da matéria de facto dada como provada.
V.Não existe nos autos qualquer prova, quer documental quer testemunhal que ateste, sem margem para dúvidas, que a arguida agiu concertadamente com indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, por forma a fazer o transporte de cocaína, do Brasil para Portugal, que a arguida sabia que, ao transportar a mala de computador, estava a transportar no seu interior, cocaína e que a arguida teria acordado no recebimento de qualquer contrapartida económica para realizar o transporte da droga de um país para o outro.
VI.O Tribunal a quo, deu como provados os factos supra descritos, fundando a sua convicção em meras suposições e presunções, o que não é de todo admissível. Apenas a arguida e a testemunha C…,, marido daquela, possuíam conhecimento directo sobre os factos em causa, sendo que nenhum deles confirmaram os factos em causa, muito pelo contrário.
VII.A Recorrente, através das suas declarações (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 16/11/2017, desde 10:02:32 a 10:45:20 por referência á acta de julgamento do dia 16 de Novembro de 2017) esclareceu o Tribunal a quo como foi abordada por um terceiro para fazer o transporte da mala de um computador do Brasil para Portugal.
VIII.A Recorrente, através das suas declarações, esclareceu de forma coerente ao Tribunal a quo que, há algum tempo atrás, havia conhecido, via rede social Facebook, um indivíduo de nome “Alex” e que esse indivíduo tendo tomado conhecimento, através das conversas via facebook que mantinha com a Recorrente, que sua a mãe da residia em Lisboa e que havia sido sujeita a uma intervenção cirúrgica com complicações, propôs àquela custear-lhe a viagem de deslocação Brasil para Portugal e regresso na condição da mesma entregar um computador com dados importantes a um seu amigo que iria ao encontro da Recorrente em Portugal, proposta esta que a mesma aceitou.
IX.A Recorrente, através das suas declarações, as quais foram prestadas de forma coesa, credível e isenta, explicou ao Tribunal que sempre pensou que estaria a transportar apenas um computador com dados importantes, nunca desconfiando da boa-fé e boa vontade daquele que julgava ser seu amigo, até porque o mesmo, quando se encontraram no Rio de Janeiro, entregou-lhe efectivamente uma mala com um computador para que a mesma trouxesse para Portugal, tendo-lhe inclusive dado a senha de acesso ao mesmo. Esse computador vinha no interior da mala e foi, inclusive, entregue á Recorrente após a sua detenção em Portugal pelas autoridades, encontrando-se o mesmo na casa da sua mãe.
X.Este facto foi corroborado e confirmado pela Testemunha B…, que, aquando da sua inquirição (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 16/11/2017, desde 10:45:21 a 10:58:52 por referência á acta de julgamento do dia 16 de Novembro de 2017) confirmou que, entre os pertences da Recorrente, se encontrava o computador portátil.
Juiz Adjunto: Por exemplo o computador ela levou?
Testemunha: Esse computador acho que deram pra ela.
Juiz Adjunto: Eu não lhe estou a perguntar se acha... eu só lhe estou a perguntar se ela levou computador quando foi para sua casa com pulseira eletrónica?
Testemunha: Ta la em casa esse computador.
Juiz Adjunto: É um computador portátil?
Testemunha: É.
Juiz Adjunto: E recorda-se se ela o trouxe da prisão com ela?
Testemunha: Não sei se ela o levou da prisão...
Juiz Adjunto: Como é que o computador apareceu em sua casa?
Testemunha: Ela levou junto com as roupas dela, junto com as coisas, sapatos, roupinha...
XI.A própria Recorrente esclareceu o Tribunal que a sua vontade em ver se a sua mãe estava bem era tanta que tal vontade “toldou-lhe os sentidos”, pelo que no momento dos factos, nunca sequer desconfiou que pudesse estar a transportar droga, sendo que se a mesma, sequer desconfiasse de tal facto, nunca a mesma teria aceite transportar o que quer que fosse. (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 16/11/2017, desde 10:02:32 a 10:45:20 por referência á acta de julgamento do dia 16 de Novembro de 2017)
(...)
Arguida: A minha intenção era só vir cuidar dela... ter a certeza que ela estava bem.
Adv: E essa preocupação fez de alguma maneira portanto e como aqui dizem os Srs. Drs. Juízes disseram e bem, vendo bem as coisas, uma mala, entregar um computador, podiam suspeitar logo que havia aqui qualquer coisa de anormal... foi essa sua debilidade emocional, essa sua vontade de ver e de estar com a sua mãe que não a fez pensar tanto nisso? Arguida: Eu nunca imaginei que estava transportando algo errado.
Adv: E se achasse que teria droga a Sra. trazia ou não trazia?
Arguida: Eu não teria tocado naquilo, eu jamais me teria aproximado daquilo, nunca tive contacto com droga, não conheço, não gosto, não tenho amigos que fazem uso de droga.
XII.As testemunhas, B…, e C…,, mãe e companheiro da Recorrente, que quando questionados, afirmaram que seria impossível a Recorrente saber que estaria a transportar droga dado que a mesma nunca teve qualquer tipo de contacto com esse tipo de  substância ao logo de toda a sua vida. (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 16/11/2017, desde 10:45:21 a 10:58:52 e 11:22:21 a 11:36:54 por referência á acta de julgamento do dia 16 de Novembro de 2017)
XIII.As declarações genuínas e credíveis prestadas pela própria arguida bem como os testemunhos de B…, e C…, revelaram que ao longo de toda a sua vida a Recorrente nunca teve qualquer contacto com drogas, pelo que seria inconcebível e impossível que a mesma, sabendo que a mala de computador que lhe foi entregue continha droga, a transportasse para Portugal.
XIV.A Recorrente foi enganada por um terceiro que a mesma considerava amigo, o qual aproveitando-se da “falsa amizade” que criou com a Recorrente através da rede social facebook criou a convicção naquela de que confiava plenamente nela e se preocupava com ela e com a saúde da sua mãe, nunca desconfiando das verdadeiras intenções dessa pessoa que passou a considerar como amigo, pelo que aceitou trazer a mala com o computador, do Brasil para Portugal, sem nunca sequer desconfiar que trazia droga no seu interior. A Recorrente só tomou conhecimento desse facto quando foi detida no aeroporto em Lisboa.
XV.A Recorrente não teve qualquer vantagem patrimonial ou económica com a situação em causa, sendo que apenas lhe ofereceram a viagem de avião do Brasil para Portugal e vice-versa.
XVI.Sobre este facto, a Recorrente é a única pessoa com conhecimento directo tendo em sede das suas declarações, sido foi perentória em esclarecer que:
(declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 16/11/2017, desde 10:02:32 a 10:45:20 por referência á acta de julgamento do dia 16 de Novembro de 2017
(...)
Juíza: Pronto e quanto é que ele lhe pagou?
Arguida: Ele nunca me ofereceu dinheiro pra trazer nada foi só a viagem.
XVII.Nenhuma outra testemunha inquirida nos autos revelou ter conhecimento sobre qualquer eventual pagamento ou entrega de qualquer vantagem económica ou financeira á Recorrente como condição para fazer o transporte em causa além do pagamento dos bilhetes de avião, tal como confirmado por ela.
XVIII.Não existe prova documental junta aos autos que comprove a obtenção por parte da Recorrente de qualquer tipo de vantagem económica ou financeira como contrapartida para a realização do transporte da mala em causa para Portugal.
XIX.Se a Recorrente soubesse de antemão que estaria a transportar droga no interior da mala de computador que lhe havia sido entregue, o que não se admite de todo, a mesma NUNCA arriscaria a sua liberdade e toda a sua estabilidade pessoal, familiar e profissional para fazer tal transporte a troco de uns míseros bilhetes de avião.
XX.As testemunhas D…, e E…, quando inquiridos sobre os factos em apreço nos autos revelaram já não se recordar da situação em concreto, nem dos pormenores do caso, sendo que as suas intervenções se cingiram á realização de diligências realizadas aquando da detenção da Recorrente no aeroporto, não tendo conhecimento sobre as circunstâncias anteriores a essa ocorrência. (declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 16/11/2017, desde 10:58:53 a 11:08:55 e 11:08:56 a 11:22:20 por referência á acta de julgamento do dia 16 de Novembro de 2017)
XXI.Apenas a Recorrente tinha conhecimento directo sobre os factos constantes dos pontos 1), 11), 12) e 13) da matéria de facto dada como provada, a qual negou de forma categórica e perentoriamente os mesmos. Nenhuma outra testemunha revelou ter tal conhecimento nem existe nos autos qualquer prova documental que contradite a versão dos factos apresentada pela Recorrente, pelo que ainda que o Tribunal a quo não queira atribuir credibilidade ás declarações da Recorrente, o que não se admite de todo, inexistem nos autos, qualquer outra prova que sustente tais factos dados como provados.
XXII.Perante a inexistência de qualquer outro elemento de prova, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito por opinião diversa, não pode para dar os mesmos como provados, sustentar-se nas regras de experiência comum, pelo que deveria ter dado como não provados os factos constantes dos pontos 1), 11), 12) e 13) da matéria de facto dada como provada.
XXIII.O Tribunal a quo no Acórdão recorrido, no ponto 10) da matéria de facto dada como provada, deu como provado que: “ As quantias apreendidas destinavam-se a fazer face ás despesas da viagem para transporte de produto estupefaciente”, quando, atenta a prova produzida nos autos.
XXIV.Não existe prova nos autos de que a viagem realizada pela Recorrente se destinava ao transporte de estupefaciente. Perante a inexistência de qualquer outro tipo de prova, o Tribunal a quo deu como provado este facto com base em meras convicções pessoais e presunções, bem sabendo que tal não é admissível legalmente.
XXV.Sobre tal facto, apenas a Recorrente tinha conhecimento directo, tendo a mesma esclarecido que aquando da sua detenção apenas tinha na sua posse a quantia de 60,00€, quantia essa que foi apreendida áquela e que se destinava a ar as despesas de transporte do aeroporto para a residência da sua mãe
(...)
Arguida: Tanto que quando eu fui presa aqui mesmo aqui no aeroporto o dinheiro que eu tinha no meu bolso era 60€, era o dinheiro que eu pegar o ónibus até à casa da minha mãe.
(...)
Adv: Portanto o dinheiro que tinha, os 60€ que foram apreendidos quando vinha para Portugal e alguns reais, esse dinheiro era seu ou foi a pessoa que lhe deu?
Arguida: Era meu.
XXVI.Não há prova junta aos autos que permita ao Tribunal a quo dar como provado que a quantia de 60,00€ apreendida á Recorrente se destinasse a fazer face a despesas com transporte de estupefacientes, pelo que o Tribunal a quo, não pode para dar tal facto como provado sustentando-se apenas nas regras de experiencia comum, motivo pelo qual deveria ter dado o facto constante do ponto 10) da matéria de facto dada como provada APENAS como parcialmente provado no sentido de: “As quantias apreendidas destinavam-se a fazer face ás despesas da viagem.”.
XXVII.Perante esta situação urge colocar-se as seguintes questões:
-Existe ou poderá existir, perante a factualidade descrita, o mínimo de certeza de que a arguida A…, aqui Recorrente, praticou os factos de que vem acusado?
-Poderá o Tribunal a quo, perante a factualidade descrita, afirmar que formou a convicção de que a arguida, nas circunstancias de tempo e lugar, praticou o crime de tráfico da qual vem condenada, sem qualquer réstia de dúvida quanto a isso? Com o devido respeito por opinião diversa, a resposta a tais questões tem que ser clara e indubitavelmente NEGATIVA.
XXVIII.A prova produzida em julgamento é manifestamente insuficiente para condenar a arguida, aqui Recorrente do crime de que vinha acusada, pelo que deveria o Tribunal a quo ter absolvido a Recorrente dos factos em apreço e consequentemente não deveria ter aplicado á Recorrente a sanção acessória de expulsão de território nacional pelo período de 5 anos.
XXIX.Da prova carreada para os autos nada resulta de que a Recorrente tinha conhecimento prévio de que a referida mala de computador que lhe haviam pedido para trazer para Portugal trazia droga/ cocaína e muito menos se provou que a mesma, teria anuído em trazer a referida mala com droga a troco de obtenção de qualquer vantagem patrimonial ou económica.
XXX.A única coisa que ficou demonstrada em Tribunal é que, independentemente do grau de escolaridade da arguida (12º ano), a mesma foi, no caso concreto, uma pessoa ingénua o que lhe possibilitou ser enganada por terceiros. A Recorrente foi ingénua, sim...mas isso não faz dela criminosa!!!
XXXI.Para a verificação do tipo de crime em causa é necessário o preenchimento de determinados elementos subjectivos do ilícito em causa: o dolo e a intenção de praticar o crime. A Recorrente nem actuou com dolo nem teve a intenção de praticar o crime de que vem acusada.
XXXII.A Recorrente é casada, trabalha, possui três filhos, não possui antecedentes criminais e encontra-se social, familiar e profissionalmente inserida na comunidade, pelo que não tinha qualquer motivo para praticar o crime de que vem acusada.
XXXIII.A Recorrente apenas se iludiu com uma falsa amizade e por conta dessa ilusão viu-se envolvida na situação em apreço, sem consciência alguma de que estaria a incorrer em qualquer prática ilícita.
XXXIV.Perante a inexistência nos autos de prova em contrário e ainda que o Tribunal a quo tivesse dúvidas quanto á prática pelo Recorrente dos factos de que vinha acusado, o mesmo deveria ter aplicado o “princípio in dúbio pro reo” uma vez que face à prova produzida em audiência ou ausência desta, forçoso seria de concluir pela impossibilidade de subsunção da conduta da arguida a qualquer ilícito penal, pelo que, nesta medida deveria a aqui Recorrente ser absolvida do crime pelo qual foi condenada.
XXXV.Ao não decidir nesse sentido, o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova e incorrecta aplicação do direito, violando entre outros o princípio in dúbio pro reo e o princípio da presunção de inocência plasmado no artigo 32º da CRP.
XXXVI.Ainda que os Venerandos Desembargadores, entendam não assistir razão à Recorrente nos argumentos anteriormente invocados, o que não se admite de todo e apenas por mera hipótese teórica se coloca, sempre se considerará que a pena de prisão a que a arguida foi condenada nos presentes autos deveria ter sido suspensa na sua execução.
XXXVII.O Tribunal a quo decidiu condenar a Recorrente, pelo crime de tráfico de droga, na pena de 4 anos e três meses de prisão, não suspensa na sua execução.
XXXVIII.O Tribunal a quo, desvalorizou, por completo, factores de grande relevo, como a situação económica e familiar, a ausência de antecedentes criminais e a inserção profissional e familiar da Recorrente, factores esses que o próprio Tribunal deu como provados e que sustentaram e serviram de fundamento para que o mesmo Tribunal aplicasse á Recorrente a sanção acessória de expulsão de território nacional pelo prazo de 5 (cinco) anos.
XXXIX.O artigo 50º do Código Penal estabelece a possibilidade de se suspender a execução da pena de prisão, desde que a pena de prisão aplicada não seja superior a 5 anos e se concluir que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
XL.A Recorrente não tem antecedentes criminais, tem hábitos de trabalho e encontra-se social, familiar e profissionalmente inserida.
XLI.A Recorrente tem três filhos que com ela residem e que dela carecem para sobreviver, tendo toda uma vida estabilizada no Brasil.
XLII.A não suspensão da pena de prisão a que foi condenada irá fazer com que a Recorrente perca o seu emprego, bem como afastará a Recorrente, pelo período de 4 anos e três meses, não só do seu país, mas do seu marido e dos seus filhos.
XLIII.Venerandos Desembargadores, não será um este “um preço demasiado gravoso” a impor á Recorrente? Não se estará com esta pena de prisão efectiva a provocar uma dessocialização da Recorrente, que é exactamente o oposto do objectivo das finalidades da penas? Cremos que sim
XLIV.O Tribunal a quo ao não suspender a execução da pena aplicada á Recorrente está a agir em contradição com tudo aquilo que tem sido a doutrina e a jurisprudência maioritária neste tipo de situações.
XLV.No caso concreto, resulta provado que a Recorrente sempre foi uma pessoa trabalhadora, possuindo o suporte e apoio dos filhos e do seu marido.
XLVI.A Recorrente não tem no seu passado qualquer registo da prática de qualquer actividade criminosa e nada faz crer ou prever que a mesma assuma qualquer comportamento ilícito no futuro.
XLVII.Á Recorrente foi aplicada a sanção acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 anos, o que significa que, pelo menos nesse período de tempo, a mesma está impossibilitada de “entrar e permanecer” em Portugal.
XLVIII.Perante todas a situação da Recorrente, é possível fazer um juízo de prognose favorável da Recorrente, pois a sua personalidade e a sua conduta revelam que será suficiente a mera censura e a ameaça de execução  de pena. A Recorrente sabe que tem “em jogo” TODA A SUA VIDA.
XLIX.Venerandos Desembargadores, perante a situação concreta da Recorrente e atendendo á sua personalidade, ás suas condições pessoais, familiares e profissionais, urge-nos colocar a seguinte questões: - Será que a um qualquer cidadão nacional, colocado na mesma situação da Recorrente, com as mesmas condições pessoais, sociais, familiares e profissionais da Recorrente não seria concedida a possibilidade de ver a pena a que foi condenado suspensa na sua execução? É convicção da Recorrente que, se a mesma fosse cidadã portuguesa, a mesma veria a pena de prisão a que foi condenada suspensa na sua execução.
L.Resulta do disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa a consagração do Principio da Igualdade que estabelece que: 1- “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2:
Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.”
LI.No caso concreto, não se vislumbram quaisquer razões ou factos para que tal opção não tivesse sido tomada, nem na fundamentação do Acórdão recorrido resulta suficiente justificação em sentido contrário, mostrando-se a pena de prisão suspensa na sua execução adequada e suficiente à realização das finalidades da punição., condicionando-a, se assim o entendesse, ao cumprimento de certos deveres ou obrigações.
LII.Ao não decidir no sentido das conclusões anteriores, o douto Acórdão recorrido viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e necessidade das penas criminais, o princípio “ In dúbio pro reo”, o principio da igualdade consagrado nos artigos 13° e 32° da Constituição da Republica Portuguesa, os artigos 43°, 50°, 51° e 70° do Código Penal, o artigo 21°, n°1 do Decreto –lei n° 15/93 de 22 de Janeiro e os artigos 127° e 410°, n°2 alíneas a), b) e c) do C. P. Penal
TERMOS EM QUE,

Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão impugnada, sendo substituída por outra, em conformidade com a pretensão da recorrente, fazendo, assim, V. Exªs. a habitual Justiça. (fim da transcrição)
*

A Exma. Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso nos termos constantes da motivação de fls. 498 a 510, não apresentando conclusões, mas manifestando-se pela improcedência do mesmo.
*

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls. 518 e 519, acompanhando a resposta do Ministério Público na primeira instância e manifestando-se, igualmente, pela improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº2 do Código de Processo Penal, não tendo havido resposta.
*

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

II.Fundamentação.

1.É pacífica a jurisprudência do STJ  no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.

Da leitura dessas conclusões a recorrente requer a este Tribunal de Recurso que aprecie as seguintes questões:

Erro de Julgamento no que respeita aos pontos 1, 11, 12 e 13 dos factos provados os quais deviam ter sido dados como não provados e ao ponto 10, o qual devia ter sido dado, apenas, como parcialmente provado;

Violação do princípio in dúbio pro reo;

A pena em que a arguida foi condenada deve ser suspensa na sua execução.

Para uma correcta análise da questão e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados e qual a fundamentação efectuada sobre a factualidade dada por provada.

2.O Tribunal a quo deu como provados, os seguintes factos: (transcrição)

1.Cerca de um mês anterior a 15.06.2017, a arguida A…, foi abordada por indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, que lhe propôs que transportasse por via aérea, do Brasil para Portugal, cocaína que lhe seria entregue naquele país, para o que receberia contrapartida, no valor não concretamente apurado, para além do pagamento das viagens.
2.No dia 13.06.2017, a arguida viajou de Teresina para o Rio de Janeiro, onde se alojou e recebeu do referido indivíduo uma mala de transporte de computador com o mesmo e ocultando embalagens de cocaína no forro das divisórias.
3.A arguida deveria transportar consigo na viagem a referida mala, entregando-a no local de destino.
4.Em execução do plano acordado, em 15.06.2017 a arguida viajou do Rio de Janeiro para Natal, no voo 032098, transportando a referida mala.
5.E, prosseguindo o referido plano, no dia 16.06.2017 embarcou no voo TP004, com partida de Natal-Brasil, e destino a Lisboa.
6.A arguida chegou ao Aeroporto Internacional de Lisboa no dia 16.06.2017, pelas 12h10.
7.Após desembarque, apresentou-se no "canal verde" - nada a declarar, e foi selecionada e sujeita a revista pessoal e controlo de bagagem.
8.Nessas circunstâncias, a arguida A…, trazia consigo uma mala de transporte de computador de marca Aoking, de cor preta, com computador e quatro divisórias, que ocultavam, no interior dos forros das divisórias, três embalagens rectangulares contendo cocaína (cloridrato), com peso líquido total de 820,00 gramas, apresentando um grau de pureza de 35,1%, suficiente para a elaboração de 1439 doses médias individuais.
9.Na mesma ocasião, a arguida C...O... tinha também consigo:
- a quantia de €60,00 (sessenta euros) em numerário;
- a quantia de R$15 (quinze reais) em numerário;
- um telemóvel Smartphone Dual SIM de marca Samsung, modelo Galaxy
Grand Duo Prime, SM-G530H, com os IMEIs 359935060811811/01 e 359936060811819/01, com cartão SIM da operadora móvel TIM;
- um "print" de bilhete electrónico emitido pela San Diego Câmbio e Turismo, em nome de A…, para os percursos aéreos Rio de Janeiro-Natal (em 15.06.2017); Natal - Lisboa (em 16.06.2017); Lisboa - Natal (em 29.06.2017) e Natal- Rio de Janeiro (em 30.06.2017);
- um recibo de embarque, em nome de I…, para o voo G3 2005, para o percurso Teresina - Rio de Janeiro, em 13.06.2017;
- um cartão de embarque, em nome de I…, para o voo G3 1095, para o percurso Rio de Janeiro - S. Paulo, datado de 13.06.2017;
- um recibo de embarque, em nome de H…, para o voo G3 2098, para o percurso Rio de Janeiro- Natal, em 15.06.2017;
- um recibo de embarque, em nome de A…, para o voo TP004, para o percurso Natal- Lisboa, em 16.06.2017;
- um comprovativo de transferência de dinheiro datado de 14.06.2017, com remetente F…, de Madrid, e destinatária G…,.

10.As quantias apreendidas destinavam-se a fazer face às despesas da viagem para transporte de produto estupefaciente.
11.A arguida conhecia a natureza e características estupefacientes do produto que transportava consigo.
12.Agiu em comunhão de esforços e vontades com indivíduos não identificados, de acordo com plano a que aderiu, para a aquisição e transporte desse produto para Portugal, sabendo-o destinado à venda a terceiros, o que fez mediante contrapartida económica não apurada.
13.Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e criminalmente punível.
14.B…,, mãe da arguida foi objecto de intervenção cirúrgica em 28 de Abril de 2017 com uma situação de hemorróidas internas com complicações.

Condições pessoais:
A arguida A…, nasceu no Brasil, possui nacionalidade brasileira e residia nesse pais, com o companheiro e filho do casal, aí mantendo à data dos factos actividade profissional.
Não possui residência ou actividade profissional em território português.
Apenas a mãe da arguida, que esta visitava ocasionalmente, reside em Portugal.
A viagem e permanência da arguida em Portugal teve como principal finalidade o transporte de cocaína, destinada à venda a terceiros.
A arguida é brasileira.
Tem o equivalente ao 12º ano de escolaridade.
Interrompeu os estudos em virtude de ter tido um filho com 13 anos de idade.
Mais tarde veio a retomar os estudos.
Tem três filhos.
Tem hábitos de trabalho.
O companheiro também desenvolve actividade profissional de soldador e ambos privilegiam o ambiente familiar e detrimento da actividade social.
Tem revelado uma capacidade satisfatória para cumprir a regras de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Apresenta sinais de sofrimento em virtude de estar afastada do seu país e dos filhos e ter que se adaptar ao agregado familiar da progenitora.
Em virtude da situação referida o seu companheiro veio para Portugal.
Tem a sua vida organizada no Brasil onde sempre viveu e onde residem os filhos. (fim de transcrição)

3.Factos não provados: (transcrição)
a.- Que o telemóvel se destinasse aos contactos entre a arguida e suspeitos não identificados, para facultar instruções para o transporte e entrega de produto estupefaciente.
b.- Que a arguida tivesse vindo a Portugal com o único propósito de cuidar da mãe que se encontrava doente. (fim de transcrição)

4.Argumentação expendida no que respeita à motivação da factualidade provada e não provada: (transcrição)
Nos termos do disposto no artº 374º, nº 2, do C.P.Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação das provas que serviram para formar a sua convicção.
Em sede de valoração da prova, a regra primacial é a constante do artº 127º, do mesmo código, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”.
Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que “o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas”.

Assim, quanto aos factos provados, a decisão teve por base a análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência, apreciada segundo as regras da experiência, designadamente:
Análise crítica das declarações da arguida que confirmou o transporte, embora desconhecesse que a mala do computador trazia “droga” e, nessa conformidade, foi enganada por terceiros.
Referiu que conheceu uma pessoa nas redes sociais, mais propriamente no facebook e que se começaram a relacionar por esta via como amigos. Sabe, apenas, que essa pessoa se chamava J…,. Que este mesmo J…., também era amigo do seu companheiro pela mesma via do facebook. Ora, questionado o seu companheiro, a testemunha L…, este referiu que desconhecia o referido J…,só sabendo da sua existência através da arguida.
A arguida mencionou, ainda, que este J…,lhe referiu ter negócios em Portugal quando viu fotografias publicadas pela arguida da cidade de Lisboa na sua página de facebook.
Que este lhe ofereceu a viagem porque sabia, pela mesma via, que a mãe da arguida se encontrava doente. Em troca a arguida só tinha que lhe trazer para Lisboa um computador com dados pessoais e programas muito caros.
Esse tal de J…, segundo referiu a arguida, necessitava de alguém de confiança para trazer o computador com aqueles dados para Portugal.
Esta argumentação não convenceu o Tribunal. Primeiro porque se tinha negócios em Portugal e precisava que o computador fosse entregue em Lisboa a um amigo parece-nos lógico que bastaria pagar essa mesma viagem a este amigo para ir buscar o computador e não a uma pessoa - como a arguida - que só conhecia através de uma rede social. Segundo, porque se necessitava de alguém de confiança não escolheria certamente alguém que nunca tinha visto até ao momento da entrega do dito computador e que apenas manteve contato através do meio referido. Ainda assim, a arguida referiu que ficou com a password do computador para aceder á internet no aeroporto e que através deste acesso iria chegar á pessoa que vinha buscar o computador, o que se estranha uma vez que a arguida trazia consigo um telemóvel que lhe permitiria de forma mais ágil fazer o contato.
A arguida começou por referir que nesta altura tinha dificuldades financeiras para pagar as viagens no total de 5400 Reais e que seria o J…, a custear a viagem. Confrontada com o documento de transferência em seu nome constante de fls. 21 dos autos – uma quantia de 2700 reais, proveniente de Madrid para Copacabana Rio – efectuada no dia 14 de Junho deste ano e contemporâneo do referido transporte refere que nunca viu este dinheiro e que foi fazer este levantamento acompanhada do tal de Alex para custear a viagem mas, confrontada com o montante referiu, então, que era só para custear parte da viagem depois de hesitações e referencias contrárias e que nunca tinha ouvido falar nem conhecia o autor da transferência M…,.
Sobre o motivo da viagem referiu a cirurgia da mãe que estava a necessitar de apoio.
Ouvida a mãe da arguida B…, esta referiu que tinha sido operada em Abril do corrente ano e que afinal foi no pós operatório (hemorróidas) que se sentiu mal.
Confrontada com outras duas viagens a Portugal nos dois anos anteriores referiu que sempre foram custeadas por si uma vez que ela e o companheiro sempre trabalharam e ganhavam bem e que, afinal, não existiam as dificuldades financeiras. Apenas não podia pagar esta última viagem porque o casal estava a poupar para fazer obras em casa - que não eram urgentes - admitindo que podia ter adiado as obras para vir visitar a mãe.
Se era tanta a necessidade de estar com a mãe e se tinha a quantia monetária para os bilhetes de avião mais uma vez não se percebe porque recorreu ao meio proposto enfrentando o risco de fazer um transporte para uma pessoa que não conhecia.
A arguida durante o seu depoimento nunca mencionou que vinha fazer uma surpresa à mãe o que, veremos, tem importância pois a mãe só se apercebeu que a arguida estava em Portugal uma semana depois de esta ter sido detida o que, em nosso entender, contraria a versão da arguida de que era muito próxima da mãe e que lhe estava sempre a telefonar.

Acabou por afirmar que tinha conhecido (através da referida via) o tal de Alex um mês antes da proposta para fazer o transporte do computador para um amigo daquele que estaria em Lisboa.
Só o viu pessoalmente no dia da viagem quando este lhe fez a entrega do computador com dados pessoais e programas “ muito importantes”.

Por último, a ingenuidade da arguida não colheu uma vez que tem o 12º ano de escolaridade e experiência de vida, conforme se pode colher no seu relatório social.

Assim a argumentação da arguida, por falta de lógica coerente pelas manifestas contradições e afirmação de desconhecimento de situações que qualquer pessoa com as suas habilitações teria obrigação de conhecer, não foi minimamente convincente.

Pelo que ficamos convictos que quem como a arguida transporta uma mala nos termos em que esta o fez – de indivíduo desconhecido e mediante contrapartida que tinha que a fazer duvidar do seu conteúdo e nos termos explanados supra tem que saber que transporta produto estupefaciente.

Prova testemunhal:
B…, mãe da arguida que referiu a sua doença, bem como, a data da operação, transmitindo ao Tribunal que só soube da viagem da filha a Portugal uma semana depois de esta ser detida (tendo mostrado o entendimento que a filha lhe viria fazer uma surpresa com a sua visita) o que, em nosso entender, contraria a lógica de serem muito próximas e com contactos frequentes.
A depoente referiu que está em Portugal desde 2002 e a filha só a visitou outras duas vezes em anos imediatamente anteriores.
Reforçou, ainda, no seu depoimento que a filha vivia bem e sem necessidades económicas.
Tanto a arguida, como a testemunha, afirmaram que lhe foi entregue o computador em causa, pese embora não esteja mencionado nos autos. No entanto esta versão não foi contrariada pelo depoimento de E…, inspector da Policia Judiciária que não soube esclarecer se a arguida trazia, ou não, um computador consigo admitindo que pudesse ter sido feito um juízo que tal objecto não interessava para investigação e que podia ser entregue, embora estranhasse a falta de menção nos autos da entrega.
A testemunha D…, técnico verificador na sala de controlo de passageiros e bagagens do aeroporto de Lisboa nada pode adiantar quanto á situação em causa para além do que constava do auto de noticia, uma vez que não procedeu à verificação. Quando procedeu à abertura da mala para retirar o produto estupefaciente já esta estava sem o computador, embora estranhasse o facto de o computador não estar descrito nada mais adiantou.
A testemunha C…, companheiro da arguida, demonstrou não conhecer bem os contornos da viagem da arguida a Portugal.
Referiu que sempre trabalharam e que tinham possibilidade de custear as viagens. Contrariando o depoimento da arguida, referiu que apenas tinha ouvido falar do Alex pela própria que lhe transmitiu que este iria custear a viagem em troca do transporte do computador. Mais referiu que não tinham problemas financeiros e que se encontravam a amealhar dinheiro para fazerem obras em casa. Pelo que a arguida poderia vir com este dinheiro para Portugal. Para além do referido não soube explicar por que motivo o Alex iria custear a viagem. Por outro lado, só soube que a companheira vinha a Portugal uma semana antes da deslocação da mesma e referiu-lhe para levar o dinheiro que tinham amealhado para pagar os bilhetes. Entrou em contradição no seu depoimento. Primeiro referiu que só soube que era o J…, que tinha pago a viagem depois de a arguida ter sido detida. Depois referiu que, afinal, soube antes e que achou estranha a versão do transporte do computador tendo demonstrado desconhecimento acerca das viagens efectuadas pela arguida.
No mais, as testemunhas trazidas pela arguida referiram que esta vinha visitar a mãe, refutaram que esta conhecesse que transportava droga e que no seu entendimento foi enganada versão não convincente para o Tribunal atento o que se expos supra.
Relatório
de exame pericial de toxicologia de fls. 239.
- O auto de apreensão de fls. 13;
- Elementos fotográficos de fls. 15 a 17 referentes ao modo como o produto estupefaciente vinha acondicionado.
- Documentos de fls. 18 e ss. referentes aos bilhetes de avião.
- Documento de fls. 21 que titula a transferência em nome da arguida de 2700 reais, remessa proveniente de Madrid para o Brasil e levantado em Copacabana – Rio de Janeiro- em 14 de Junho de 2017 em momento imediatamente anterior á realização do transporte.
Relativamente ao problema de saúde da mãe da arguida documento de fls. 385 emitido em 28 de Abril de 2017.
No que respeita às condições pessoais da arguida o Tribunal teve em consideração as declarações por si prestadas e corroboradas pela mãe e pelo companheiro, bem como, o relatório social de fls. 396 e ss. e C.R.C. de fls. 390. (fim transcrição)

5.Vejamos se assiste razão à recorrente.

5.1Erro de Julgamento

Erro de Julgamento no que respeita aos pontos 1, 11, 12 e 13 dos factos provados os quais deviam ter sido dados como não provados e ao ponto 10, o qual devia ter sido dado, apenas, como parcialmente provado.

A recorrente para impugnar a matéria de facto, em sede de erro de julgamento, tem que especificar os concretos pontos de facto que considera deficientemente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, nos termos do artigo 412º, nºs 1 e 2, als. a) e b) do Código de Processo Penal e, em função da gravação da audiência, as especificações no caso da al. b) do preceito, fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, nos termos do nº4 do mesmo preceito.

No caso em apreço a recorrente, ainda que transcreva uma parte dos depoimentos prestados em audiência, limita-se a discordar do julgamento e valoração da prova efectuados pelo Tribunal a quo, na parte que respeita à não credibilidade das suas declarações, dos depoimentos do seu companheiro e da sua mãe, em relação ao seu desconhecimento de que o computador continha no seu interior a droga que lhe foi apreendida.

Ora, não é esta exigência do legislador no que respeita ao ónus de impugnação especificada.

A recorrente tem de especificar quais são os factos que considera incorrectamente julgados (o que a recorrente faz) e indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (o que a recorrente não faz). O que a recorrente faz, nesta parte, é discordar da valoração efectuada pelo Tribunal recorrido, tendo na base a sua interpretação da credibilidade dos depoimentos prestados.

A recorrente o que pretende, verdadeiramente, é que este tribunal de recurso proceda a um novo julgamento global da matéria de facto.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2010, “A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.”

Não podemos esquecer que os recursos não são novos julgamentos, são, antes, remédios para corrigir erros de julgamentos efectuados por outro tribunal. 

Como se referia no Preâmbulo do Dec. Lei 39/95 de 15 de Fevereiro, que alterou o Código de Processo Civil, “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.a instância, manifestando genérica discordância com o decidido.

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.”

No erro de julgamento o que está em causa, não é uma diferente valoração da prova.

Como escrevemos no processo Proc. Nº 23/14.2PCOER.L1, desta mesma secção, em que fomos relator, o “(…) erro de julgamento da matéria de facto, tal como resulta do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, reporta-se, normalmente, a situações como as seguintes:
- o Tribunal a quo dar como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha e a mesma nada declarou sobre o facto;
- ausência de qualquer prova sobre o facto dado por provado;
- prova de um facto com base em depoimento de testemunha sem razão de ciência da mesma que permita a prova do mesmo;
- prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova;
- e todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso e resulta da audição do registo áudio, se permite concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas.” 

Ora, nenhuma destas situações se verifica no caso presente.

O que a recorrente não concorda é com a valoração da prova efectuada pelo Tribunal a quo.

Não tem, porém, razão a recorrente.

O Tribunal a quo, no seu douto acórdão, em sede de fundamentação da matéria de facto e da análise crítica da prova, específica de forma coerente, lógica, razoável e consentânea com as regras de experiência comum, os motivos porque não valorou o depoimento da arguida, no que respeita ao desconhecimento de que transportava droga.

Não podemos esquecer que a prova, salvo quando a lei dispuser diferentemente, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, como resulta do artigo 127º do Código de Processo Penal, que consagra o princípio da livre apreciação da prova.

Este princípio, fora do contexto do erro de julgamento ou dos vícios legalmente previstos, afasta todas as situações de valoração diferente de prova, como fundamento para se concluir pela errada apreciação da mesma. 

Importa salientar que no processo de formação da convicção do juiz, “(…) desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”. A este propósito, escreveu-se no sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 6/12/200, «O Tribunal superior só em casos de excepção poderá afastar o juízo valorativo das provas feito pelo tribunal a quo, pois a análise do valor daquelas depende de atributos (carácter; probidade moral) só verdadeiramente apreensíveis pelo julgador de 1ª instância». 

Como dizem A. Varela, Miguel Bezerra e S. Nora, “(…) existem no julgamento da matéria de facto operações de carácter racional e psicológico, em que se baseia a convicção do julgador, que são, pela sua própria natureza, insindicáveis pelo tribunal de recurso.
E o dito princípio da livre apreciação da prova, que, por isso mesmo, não pode ser, pelo menos na totalidade, posto em crise, pela possibilidade de sindicância do julgamento da matéria de facto, através da gravação dos depoimentos, implica que as provas sejam valoradas livremente pelo julgador (quer sejam testemunhais, periciais, depoimentos de parte, etc.), sem que exista qualquer hierarquização entre elas”. 

No mesmo sentido vai a opinião de Germano Marques da Silva, o qual refere, sobre tal componente, “(…) implica a imediação da produção da prova e a decisão pelos próprios juízes que constituíram o tribunal na audiência e essa componente não é, pelo menos em grande parte, sindicável pelo recurso, onde falta a imediação”.

Perante estes ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais, resulta que o princípio da livre apreciação apenas será violado, nas situações de prova legal não considerada, situações de arbitrariedade, juízos subjectivos, imotivados e nas situações em que, segundo as regras de experiência de um homem médio, da prova produzida não seja possível extrair a prova do facto dado por assente.

No caso em apreço o recorrente não concorda e está no seu direito, é com a valoração da prova efectuada pelo Tribunal a quo e pretende substituir essa valoração pela sua própria ou pela deste Tribunal de recurso, solução que a lei não permite nem suporta.

Na verdade, para além do que se refere no douto acórdão sobre a não credibilidade das declarações da arguida, em relação ao seu desconhecimento de que o computador trazia droga, diremos ainda, o seguinte:
- a arguida viajou de avião de …, no Piauí, para o Rio de Janeiro, no dia 13/06/2017 (talão de embarque em seu nome);
- nesse mesmo dia viajou de avião do Rio de Janeiro para S. Paulo, (talão de embarque em seu nome);
- viajou, em transporte não apurado, de novo do Rio de Janeiro para S. Paulo entre o dia 14/06/2017 e o dia 15/06/2017, (talão de embarque em seu nome para o percurso Rio de Janeiro-Natal nesse mesmo dia 15);
- no dia 16/06/2017 viajou de Natal para Lisboa, vindo a ser detida.
- no dia 14/06/2017 foi efectuada uma transferência para a conta bancária da arguida efectuada por um tal J...,.
Perante estas provas materiais existentes nos autos, associadas às demais provas materiais relativas à apreensão da droga, como podem as declarações da arguida ser consideradas credíveis? Não podem, porque são violadoras das regras da experiência comum.
A arguida declarou que conheceu um tal J…, via Facebook e que o mesmo lhe referiu ter negócios em Portugal e que precisava que alguém de confiança lhe levasse um computador com dados pessoais e programas muito caros para Portugal. Para tanto pediu à arguida para trazer tal computador e ele pagava a viagem.
Mas que viagem pagava o tal J…,? Natal/ Lisboa? Pagava também todas as outras que precederam essa?
Se assim foi, como pode alguém que vive no Rio de Janeiro (já que a arguida foi com ele à agência bancária por causa da transferência e foi aí que ele lhe entregou o computador), ter tanta despesa para enviar um computador para Lisboa?
Não verdade, não é razoável e contraria as regras da experiência, pagar uma viagem a outrem desde o Piauí para o Rio de Janeiro (atravessando quase todo o Brasil), do Rio para S. Paulo e depois voltar para o Natal, isto é, voltar a um ponto próximo da partida, para o simples transporte de um computador entre o Brasil e Portugal. Esta versão da arguida, para além das incongruências assinaladas no acórdão, contraria as regras da experiência.
Acresce, ainda que a arguida não logrou justificar a transferência efectuada por um desconhecido desde Madrid para uma conta sua no Rio de Janeiro, no exacto dia em que ela se encontrava no Rio de Janeiro (14/06/2017).
Perante estas provas materiais e simples leitura da decisão recorrida, na parte respeitante à fundamentação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo, permite, sem margem para qualquer dúvida, concluir pela sem razão da recorrente.
Na fundamentação o Tribunal recorrido explica, doutamente, os motivos pelos quais não valorou o depoimento da arguida sobre o desconhecimento do conteúdo do computador, esmiuçando esse mesmo depoimento e analisando-o à luz das regras da experiência comum, as quais nenhuma censura merecem a este tribunal.
Assim, não tendo o recorrente dado cumprimento ao referido ónus de impugnação especificada, já que o mesmo o que pretende é apenas uma diferente valoração da prova, está este Tribunal de recurso impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal a quo (artigo 431.º do CPP), a não ser no âmbito dos vícios a que alude o n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que a recorrente não invoca e inexistem, e cujo conhecimento é, aliás, oficioso como resulta do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 7/95 de 19/10/1995. 
           
Improcede assim esta conclusão da recorrente.
           
5.2Violação do princípio in dúbio pro reo.

A recorrente alega, associado ao erro de julgamento, a violação do princípio de presunção de inocência ou in dúbio pro reo.
O princípio de presunção de inocência condensado na fórmula latina in dúbio, impõe que, em caso de dúvida na valoração da prova, a decisão seja pro reo, isto é, decidida a favor do réu. Pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. Trata-se de um princípio de prova de aplicação geral.  
Este princípio decorre, desde logo, do princípio da presunção de inocência estabelecido no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, bem como da inexistência de um ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido.
Como se vê dos pressupostos e da natureza do princípio, o mesmo, para ter aplicação, pressupõe que o Tribunal de julgamento tenha ficado com dúvidas sobre determinado facto. Não tendo o Tribunal a quo ficado com dúvidas em relação aos factos provados, não faz qualquer sentido lançar mão do princípio in dúbio pro reo.
Onde o Tribunal ficou com dúvida em função da prova produzida deu os factos como não provados.
O que a recorrente pretendia pela aplicação do princípio era, uma vez mais, colocar em causa a valoração efectuada pelo Tribunal recorrido.
Improcede assim também esta conclusão da recorrente.

5.3A pena em que a arguida foi condenada deve ser suspensa na sua execução.

A recorrente não questionando a medida da pena, pretende a sua suspensão na execução, nos termos do artigo 50º do Código Penal.

Vejamos.

O artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, estatui que: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Como temos vindo a dizer nos acórdãos em que fomos relator, o preceito exige, «para a sua aplicação os seguintes pressupostos formais e materiais:
Pena de prisão em medida não superior a cinco (5) anos (pressuposto formal);
Personalidade do agente, as suas condições de vida, condutor posterior e anterior ao crime e as circunstâncias deste permitam ao Tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (pressupostos materiais).
O preceito, verificado o pressuposto formal, exige, pois, um juízo de prognose favorável numa dupla vertente. Por um lado, em relação ao próprio arguido, tendo em conta a sua personalidade, condições de vida, bem como das circunstâncias do crime, criam no Tribunal a expectativa fundada de que o mesmo sentirá a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir reintegrando-se na sociedade. Por outro lado, impõe-se também que esse juízo de prognose favorável acautele as exigências das finalidades da punição, isto é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime e a confiança dos cidadãos no sistema de justiça.
Como refere, em relação à substância do instituto da suspensão de execução da pena, o Prof. Figueiredo Dias - «estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa».
 
A dupla vertente da prognose não pode colidir com os fins das penas, seja por um lado na perspectiva da prevenção especial “prevenção especial de socialização” - reinserção social do condenado -, ou seja, é na “prevenção da reincidência” que se traduz o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização – seja, por outro lado, na perspectiva de prevenção geral - “ (...) aqui sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção integração, indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização”. 

Para que se possa suspender a execução da pena “é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição”. Esta prognose favorável ao comportamento futuro do arguido tem de assentar numa “expectativa razoável” e resultar da factualidade dada por provada.»

Tendo em conta o que ficou dito sobre a natureza do instituto de suspensão de execução da pena, impõe-se analisar os factos dados como provados no que respeita ao crime e às circunstâncias pessoais da arguida, para se poder aferir do duplo juízo de prognose favorável que a arguida reclama.

Mas, vejamos, antes de mais, o que considerou o douto tribunal recorrido. Escreveu-se na decisão a este propósito: (transcrição)
«A pena aplicada não deverá suspensa na sua execução (artº 50º do C.P.), uma vez que estamos na presença do vulgarmente designado por Correio de Droga que contribuem de forma consistente para a sua disseminação o que desaconselha em termos de prevenção geral o recurso ao Instituto da suspensão de execução da pena. Com efeito, conforme se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa, processo 1742/08 – de 1/04/2008 cujo sumário se reproduz na íntegra por corresponder ao nosso entendimento “ O chamado “correio de droga” é uma peça importante no mercado de estupefacientes. É através dele que, a determinado nível claro está, se processa a circulação dos estupefacientes sendo, por conseguinte, peça relevante no acesso às drogas pela generalidade dos consumidores. É ele que assume um papel intermédio no circuito de distribuição contribuindo de forma determinante para a difusão alargada de drogas tal como hoje ela se faz. Os chamados “grande e médio traficante” precisam de montar o seu circuito de distribuição para levar a cabo o seu objetivo e dele fazem parte, não sendo dispensáveis, tanto os “correios” como os “dealers de rua”.

2Sem embargo de, no domínio da culpa, a sua posição poder ser muito mais diversificada, ao nível da ilicitude não se afigura correta a ideia que se pretende ver aceite pelo chamado senso comum de que o “correio” ou mesmo o “dealer de rua” são sempre figuras secundárias no negócio dos estupefacientes.

3A suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.”» (fim de transcrição)

Tem inteira razão o douto tribunal. Senão, vejamos.

Da factualidade dada por provada, resulta que a arguida trabalha no Brasil, tem o 12º ano de escolaridade ou equivalente, tem três filhos e hábitos de trabalho, não lhe sendo conhecidos antecedentes criminais, estando bem inserida socialmente.
Estes factos e os demais factos pessoais constantes da decisão, apontariam, numa primeira leitura, como aliás a recorrente faz no seu recurso, para uma prognose favorável. 
 
Porém, para além de a arguida não ter assumido os factos, não podemos esquecer que o tráfico internacional de estupefacientes é, legalmente, considerado criminalidade altamente organizada (artigo 1º, al. m), do Código Processo Penal), desempenhando os chamados “correios de droga” um papel crucial no desenvolvimento da actividade ilícita e na disponibilidade do estupefaciente ao consumidor final.

A circunstância de os “correios de droga” actuarem movidos, as mais das vezes, por razões económicas, o que não foi o caso da arguida, não afasta, por si só, as exigências especiais de prevenção geral existentes neste tipo de crime. A defender-se uma diminuição das exigências de prevenção geral em tais situações, estava aberta a porta a uma facilitação no recrutamento de “correios de droga”, já que a ponderação entre o ganho obtido, as mais das vezes avultado, e a possibilidade de não cumprimento de pena de prisão, levaria, mais facilmente, à aceitação do transporte.

Não se trata aqui de a arguida ser cidadã Brasileira ou Portuguesa, nem está em causa a violação de qualquer preceito constitucional.

O que está em causa em todas estas situações, é que o juízo de prognose favorável, na sua segunda dimensão, não acautela suficientemente as exigências das finalidades da punição, isto é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime e a confiança dos cidadãos no sistema de justiça.

No caso sub judice, inexistindo diminuição das exigências de prevenção geral em casos como os dos autos e não estando na suspensão de execução da pena razões da culpa, mas apenas considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, não parece que seja possível fazer esse juízo de prognose favorável que permita suspender na sua execução a pena em que a arguida foi condenada.

Improcede assim a pretensão da recorrente no que respeita à pretendida suspensão de execução da pena.

Assim, sem mais considerandos, por desnecessários, nenhuma censura nos merece o acórdão recorrido, que se confirma na íntegra, improcedendo o presente recurso.

III.Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pela arguida A…, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s - artigo 513.º, n.º 1, do CPP.
Notifique nos termos legais.



Lisboa, 03 de Maio de 2018.



(Antero Luís) (o presente acórdão, integrado por trinta e uma páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)

(João Abrunhosa)