Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2407/2005-6
Relator: MANUEL GONÇALVES
Descritores: CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
LEGITIMIDADE
COMPRA E VENDA
CADUCIDADE
HABITAÇÃO
COOPERATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: Legitimidade - A figura do «Condomínio» não é dotada de personalidade jurídica. Delibera através de órgão colegial, que é a Assembleia dos Condóminos, sendo o «Administrador» quem executa essas deliberações e quem a representa em juízo.

A representação em juízo deve conter-se dentro das funções atribuídas por lei ao administrador e ainda à autorização da assembleia de condóminos, a qual terá de reportar-se às partes comuns do edifício. Não tem pois o «Condomínio» legitimidade, para demandar, quanto às partes «não comuns».

Caducidade – no caso de compra e venda de imóvel, o prazo de caducidade aplicável é o resultante do art. 917 CC. A redacção dada pelo DL 167/94, a este preceito, não tem aplicação retroactiva, apenas se aplicando às aquisições a partir da data de entrada em vigor (01.01.95). Para contagem do prazo de caducidade, em edifícios com várias fracções, o facto a atender será (relativamente ao edifício) a última aquisição.
Cooperativa de Habitação- A relação existente entre os condóminos a quem foi atribuído um «fogo» e a Cooperativa é a de cooperadores/cooperativa e não comprador/vendedor. Em causa não está um contrato de compra e venda, mas o de atribuição de fogos aos cooperantes, operando-se esta sob a capa da figura jurídica de «compra e venda». Tendo-se operado a transmissão dos fogos, para os cooperantes adquirentes, pelos defeitos de construção, estes apenas poderão demandar a empresa empreiteira e não a Cooperativa.

Redução do prazo de garantia - Em termos gerais, a letra da lei (art. 1225 CC) admite que por convenção seja o prazo de garantia reduzido. Quando esteja em causa o «direito do consumidor», a lei não admite a redução (art. 16 e 4º nº 3, Lei 24/96), sendo nula a convenção de redução.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

O CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO …, intentou acção sob a forma sumária contra RR…, pedindo a condenação dos RR., a: Reparar todos os defeitos de construção e de quebra de garantia de boa qualidade, reclamados pelo A., no imóvel em causa, bem como dos que venham a detectar-se no decurso do prazo de garantia ou, em alternativa a pagar-lhes todas as despesas necessárias a essa reparações; Indemnizar o A. pelos danos patrimoniais e não patrimoniais já suportados ou que venha a suportar, até efectiva reparação dos defeitos do imóvel; Nos juros moratórios devidos e na sanção pecuniária compulsória a que se refere o art. 829-A CC.
Como fundamento da sua pretensão, alega em síntese o seguinte:
O prédio é composto por 8 fracções.
A cave corresponde à fracção «X», destinando-se a estacionamento automóvel.
As fracções de habitação e da de estacionamento foram adquiridas à 1ª R.
A 2ª R. foi a construtora.
O 3º R. foi o executante dos arranjos exteriores.
Desde o início da ocupação que nas cave se vêm verificando infiltrações.
Também são visíveis fendilhações ao longo das paredes.
Os RR. Têm-se eximido a assumir a respectiva responsabilidade.

Contestou o R. …, (fol. 30) dizendo em síntese:
A R. é parte ilegítima.
A R. limitou-se a executar os arruamentos, passeios e arranjos exteriores.

Contestou também a R. …, (fol. 43) dizendo em síntese o seguinte:
A ocupação do edifício ocorreu em 17.12.94.
A notificação dos vícios de construção dos arranjos exteriores foi efectuada em 10.03.97.
A acção deu entrada em 23.04.99.
O contestante jamais se furtou a qualquer responsabilidade.
A garantia decorrente do contrato de empreitada, entre a 1ª e 2ª R, há muito decorreu, bem como a decorrente do contrato de empreitada entre a 1ª R e a 3ª R.
Não se aplica no caso vertente o DL 267/94 de 25.10, mas o regime jurídico das Empreitadas e Obras Públicas previsto no DL 235/86 e 405/93.
Os direitos que se pretende fazer valer, encontram-se prescritos.

Contestou também a …, dizendo em síntese o seguinte:
A R. é parte ilegítima.
Caducou o direito.

Respondeu a autora. (fol. 87).
Realizou-se a audiência preliminar (fol. 142)
Foi proferido despacho dispensando a fixação da base instrutória (fol. 146).
Procedeu-se a julgamento (fol. 223 e segs), com inspecção judicial ao local (fol.250).
Proferida decisão da matéria de facto (fol. 264), sobre que não recaiu qualquer reclamação, foi proferida sentença (fol. 279 e segs) em que: se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade suscitada pelos 1º e 2º RR; se julgou procedente a excepção de caducidade invocada pela 2ª R, absolvendo-se a mesma do pedido; se julgou parcialmente procedente a excepção de caducidade invocada pela 1ª R., absolvendo-se a mesma do pedido formulado pelo autor relativamente aos defeitos que se verificam na cave do prédio; Se julgou a acção improcedente, por não provada, relativamente à 3ª R., absolvendo-a do pedido; se julgou no mais a acção parcialmente procedente, quanto à 1ª R. e em consequência condenou-se a mesma a: reparar os defeitos que se enunciam em 3.2.4; a indemnizar o autor dos danos já causados ou que se venha a causar, até efectiva reparação dos defeitos do imóvel, a liquidar em execução de sentença; a pagar uma sanção pecuniária compulsória cujo valor se fixa em 50 euros por cada dia que decorrer desde o trânsito em julgado desta sentença até à eliminação dos defeitos do prédio da sua responsabilidade, não se levando em conta nesse cômputo um período de trinta dias, que é considerado adequado para a duração das obras em causa.
Inconformadas, interpuseram recurso a … (fol. 311) e a autora (fol. 317), que foram admitidos como apelação, com efeito devolutivo (fol. 318).
Nas alegações que ofereceu, formula a apelante autora as seguintes conclusões:
a) O prazo convencional de garantia de boa construção, a que alude o art. 1225 nº 1 CC, não poderá ser inferior ao legal, de cinco anos, aí também estabelecido, sob pena de constituir flagrante diminuição de garantias do terceiro adquirente a favor de quem é estabelecido e que nunca é parte no respectivo contrato de empreitada. Trata-se, além disso, de norma relativa aos direitos dos consumidores, portanto, de carácter injuntivo, conforme decorre do art. 16 da Lei 24/96 de 31/7, o qual comina com a nulidade qualquer convenção ou disposição contratual que exclua ou restrinja tais direitos.
b) Assim, também não decorre do contrato em presença que o prazo de garantia acordado fosse, taxativa e incondicionalmente, o de dois anos. Efectivamente estipulou-se, no seu art. 9º nº 2 que a obra seria aceite, em definitivo, 24 meses após a aceitação provisória, ocorrida em 18.11.94, desde que a 1ª R., considerasse a obra sem defeitos. Ora não tendo havido recepção definitiva e tendo ficado provado nos autos que, ainda em 1997 e 1998, a 1ª R., reclamava da 2ª a correcção de defeitos de construção e que esta assumia repará-los já que, nomeadamente entre 10 e 20.09.98, efectuou vistoria conjunta ao prédio, com a administração do condomínio, aqui autor e disso deu conta ao mandatário da A., com indicação das medidas correctas que visava levar a cabo para eliminar as infiltrações em causa, forçoso se torna concluir que o prazo convencionado de garantia da empreitada ainda vigorava em finais de 1998, já depois do A. ter denunciado os defeitos à 2ª R., por carta de 10.09.98.
c) De tal factualidade decorre, forçosamente, a improcedência da excepção de caducidade que levou à absolvição da 2ª R. do pedido, por ser superior o prazo de garantia aplicável e compatível com a efectivação da denúncia pelo que, tendo a sentença concluído que os defeitos existentes na cave se tratam de defeitos de construção e, por isso, imputáveis à 2ª R., (pontos 3.2.2/3 da sentença), terá esta de ser condenada a repará-los.
d) Quanto à excepção de caducidade que conduziu à absolvição da 1ª R., de parte do pedido, ocorreu, por reconhecimento, uma causa impeditiva da mesma, consubstanciada no facto, comprovado nos autos, de a 1ª R, após ter recebido a denúncia dos defeitos de infiltrações na cave, por carta de 10.03.97, ter continuado a reconhecer, expressamente o direito do condomínio à respectiva reparação, o que ainda ocorria em Outubro de 1998, tendo a acção entrado em juízo em 23.04.99.
e) Aliás, o reconhecimento inequívoco, quer da 1ª R., quer da 2ª, do direito que assistia ao condomínio, ora apelante, à reparação dos defeitos de construção, ao abrigo da competente garantia, revela-se, por ambas as RR., configurando uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, legalmente inadmissível.
f) A sentença recorrida violou, entre outras, disposições contidas nos art. 1225 nº 1, 311 nº 2 CC e 16 da Lei 24/96 de 31/7, pelo que deve ser revogada, na parte em que absolveu, integralmente, a 2ª R., do pedido e, parcelarmente, a 1ª R., na parte respeitante à reparação dos defeitos de construção na cave do edifício e substituída por outra que condene a 2ª R e subsidiariamente a 1ª, a reparar tais defeitos.

Nas alegações que ofereceu a apelante …, mostram-se formuladas as seguintes conclusões:
1- A sentença recorrida não se pronunciou sobre a ilegitimidade do Condomínio A., para reclamar a reparação dos defeitos de construção nas fracções individualizadas, não comuns do prédio, bem como para reclamar o pagamento de todas as despesas necessárias a essas reparações; para pedir indemnização pelos danos patrimoniais já suportados ou a suportar, até efectiva reparação dos defeitos referentes às partes individualizadas das aludidas fracções e ainda para peticionar quaisquer juros devidos com referência às partes individualizadas, como se lhe impunha.
2- Com este acto de omissão, violou a douta sentença os art. 1430, 1436, 1437 CC e 495, 494 e) e 26, 659, 664, 668 CPC.
3- A sentença fez errada interpretação de alguns factos e da subsunção ao direito, nomeadamente, ao dar como provado o art. 10º da contestação da recorrente, isto é, «que os proprietários integrantes do condomínio são também cooperadores da Cooperativa» e não lhe dar qualquer relevância na apreciação das relações entre estes e a Cooperativa/recorrente, quer em termos de facto quer em termos do direito aplicável, a ao dar como não provado os artigos 16º, 17º, 18º, 19º, 20º da petição e decidir em contrário, violou assim, os art. 659 e 668 CPC.
4- Os depoimentos testemunhais foram objecto de gravação, carecendo os mesmos de ser devidamente reapreciados, nomeadamente, os das testemunhas Sr. Eng. … e Sr. … .
5- Bem como deve ser reapreciada a prova documental junta aos autos, nomeadamente, Acta junta com a petição inicial e documentos de fol. 233, 237, 238, 239, 240 e 241.
6- Dar como provado o art. 2º da contestação da recorrente, isto é, «que a ocupação do edifício ocorreu em 17.12.94».
7- Reapreciada a matéria de facto, dar como provado que os Condóminos/cooperadores, que integram o condomínio A., tiveram conhecimento dos defeitos peticionados, na altura da ocupação do edifício, finais de 1994, princípios de 1995.
8- Aplicar-se ao caso sub judice a legislação em vigor à data da ocupação ou seja em 17.12.94 e não como defende a douta sentença o regime previsto no DL 267/94.
9- Considerar que os defeitos cuja reparação se peticiona são conhecidos dos condóminos/cooperadores que integram o condomínio A., desde há mais de 3 anos antes da propositura da presente acção, que se verificou em 23.04.99.
10- Em consequência, considerar que à data da entrada da presente acção em Tribunal, já há muito tinha caducado o direito que o A., pretende fazer valer.
11- E consequentemente, não ser a ora recorrente responsável por quaisquer danos já causados ou a causar em virtude de quaisquer defeitos no imóvel.
12- E não ter lugar ao pagamento de qualquer sanção pecuniária.

Contra-alegou a apelante autora (fol. 391 e segs)
Contra-alegou a apelada «Cormafex» (fol. 410).
Contra-alegou a «Cooplar» (fol. 423).

Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS.
É a seguinte, a matéria de facto considerada assente em sede de sentença:
1- O prédio sito …, na freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Lisboa, encontra-se constituído em propriedade horizontal e é composto por dois blocos, denominados por «A» e «B», com seis pisos cada bloco. (1º p.i.)
2- Tal prédio encontra-se descrito na 8ª Conservatória do Reg. Predial de Lisboa, sob o nº 01332/900712 e, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais, sob o art. 3541, e integra vinte e duas fracções autónomas, inscritas a favor dos respectivos proprietários. (2º p. i.)
3- A cave do referido imóvel, correspondente à fracção «X» destina-se a estacionamento automóvel e está dividida em 15 parcelas (lugares de estacionamento) de 1/15 avos cada. (3º p. i.)
4- Quer as fracções de habitação, quer as parcelas de estacionamento, foram adquiridas à 1ª R., sendo certo que esta continua a ser proprietária de 2/15 da fracção autónoma designada pela letra «X» (dois lugares de estacionamento). (4º p. i.)
5- A 2ª R. foi construtora do imóvel e a 3ª R a executante dos denominados arranjos exteriores. (5º p. i.)
6- Desde o início da ocupação do edifício, vêm-se verificando, na cave do mesmo, infiltrações de água. (6º p. i.)
7- As infiltrações referidas em 6) afectam a utilização que os respectivos condóminos fazem dos lugares de estacionamento situados na cave do prédio. (7º p. i.)
8- Os condóminos têm procurado junto das RR. solução para as anomalias referidas em 6) e 7). (8º p. i.)
9- As RR., cada uma de per si, têm-se eximido a assumir a respectiva responsabilidade, imputando-a, por seu lado às demais. (9º p. i.)
10- A 1ª R., dona da obra, e vendedora do imóvel, remete para a 2ª R., construtora do edifício, a reparação de todos os defeitos de construção que ao mesmo respeitem; esta, por seu lado, rejeita que os defeitos, cuja reparação ora se reclama, radiquem em deficiências de construção por si realizada, imputando-as à 3ª R que, por seu lado, as devolve àquela, atribuindo-os a isolamentos deficientes das paredes do edifício em causa. (10º p. i.)
11- Na cave do prédio, que constitui a fracção autónoma designada pela letra «X», em determinados locais do tecto e parede traseira (virada a sul), são patentes formações calcárias, conhecidas por estalactites, provenientes da sedimentação associada a tais infiltrações (12 p. i.)
12- Existem também infiltrações noutros locais do prédio, o qual exibe fendilhações diversas, quer verticais, quer horizontais, ao longo das suas paredes exteriores, designadamente junto a cantarias de janelas e ao longo da junção com o imóvel confinante, a norte (13 p.i.).
13- Ao nível dos quartos andares, dos Blocos A e B do Lote 14, existem fendas nas paredes exteriores e manchas em algumas das paredes interiores, com infiltrações de águas pluviais, designadamente através da parede norte; esclarece-se que actualmente não existem tais deficiências no quarto andar esquerdo do Bloco B;
No rés-do-chão direito do Bloco B verificam-se infiltrações na parede da sala virada a sul, nos termos que são visíveis nas fotografias de fol. 213 e 214; existem infiltrações no eixo da floreira; na cozinha e casa de banho o estuque encontra-se fendido;
No rés-do-chão esquerdo do Bloco B verificam-se infiltrações na parede da sala virada a sul, com empolamento do estuque e respectiva pintura (nessa parede) numa extensão, no sentido vertical, de cerca de 1,90 m;
No 1º andar direito do Bloco A, na cozinha, junto à entrada desta, existem duas fendas na parede, perto do tecto, com uma configuração horizontal; no hall destra fracção existe na parede uma pequena fenda, de configuração oblíqua;
No 2º andar direito do Bloco A existem manchas no pavimento do corredor, que são provenientes de infiltrações, e já existem desde o início da ocupação desta fracção; na casa de banho junto à torneira de água quente da banheira, está um azulejo partido, também desde o início; na cozinha deste andar existe pigmentação na parede virada a norte, por coma da caixa de estores (14 p.i.)
14-prédio urbano em presença, é por natureza um imóvel destinado a longa duração (15 p.i.).
15- Não foi a 3ª R., que construiu ou vendeu o prédio que é objecto da presente acção, nem celebrou qualquer contrato de empreitada com o Autor (2 contestação da 3ª R.).
16- A 3ª R. recebeu do Autor a carta de 10.03.97. (doc. nº 3 junto com a p.i.), à qual de imediato respondeu por carta de 12.03.97 (doc. nº 6 junto com a p.i.)
17- A 3ª R., limitou-se a executar os arruamentos, passeios e arranjos exteriores da urbanização constituída pelo Lotes 10 a 16 da … (doc. nº 1 junto com a contestação da 3ª R.).
18- Trabalhos esses efectuados conforme o contrato de empreitada celebrado entre a R. e as três Cooperativas de Habitação que eram proprietárias dos edifícios implantados nesses lotes.
19- A co-ré Cooplar era uma dessas cooperativas, sendo proprietária do edifício construído nos Lotes 14-A e B.
20- Tais obras levadas a efeito pela 3ª R, …, tiveram por projecto as zonas envolventes (intra-estruturas e arranjos exteriores) dos edifícios implantados nesses lotes.
21- As obras efectuadas pela 3ª R., de harmonia com o contrato de empreitada (doc nº 1 junto a fol. 34 a 41)celebrado com a três cooperativas identificadas em 18, foram em 04.12.98 objecto de auto de recepção definitiva da obra, nos termos constantes do doc nº 2 junto a fol. 42.
22- A ocupação do edifício iniciou-se em 17.12.94 e foi seguida das respectivas escrituras, as quais tiveram lugar nas datas referidas no doc. nº 2, junto pela 1ª R na audiência de 04.07.2003 (intitulada de relação de adquirentes) (2º contestação da 1ª R.)
23- A 1ª R. …, celebrou em 02.04.92, um contrato de empreitada (junto como doc. nº 1 de fol. 53 a 61) com a 2ª R. …, tendo por objecto a construção em regime de preços controlados de 40 fogos, financiados pelo Instituto Nacional de Habitação, parqueamento e lojas financiadas pela …, freguesia de Santa Maria dos Olivais, em Lisboa, (3º contestação da 1ª R.)
24- Na cláusula 9ª do contrato referido em 23, estipulou-se que: 9.1 – Depois da comunicação escrita do empreiteiro, a obra será aceite provisoriamente após completa realização dos trabalhos, levantamento do estaleiro e remoção total de todos os materiais, entulhos e desde que a fiscalização da obra não encontre quaisquer defeitos à data: 9.2- A obra será aceite em definitivo 24 (vinte e quatro) meses após a aceitação provisória, desde que o dono da obra entenda a obra sem defeitos. A dona da obra responsabiliza-se, nos 120 dias que antecedem o tempo do prazo da garantia a indicar ao empreiteiro, os defeitos da obra; 9.3- Quaisquer deficiências encontradas dentro do prazo da garantia, serão imediatamente resolvidos pelo empreiteiro.
25- O auto de recepção provisória da obra referida em 23 (resposta ao art. 3º da contestação da 1ª R) foi lavrado em 18 de Novembro de 1994, nos termos constantes do documento junto a fol. 62 (doc 2 da contestação da 1ª R.)
26- A 1ª R. … celebrou com a 3ª R., o contrato de empreitada já referido e, 18 e 19 (doc nº 1 junto de fol. 34 a 42 e repetido de fol. 63 a 70) – doc nº 3 da contestação da 1ª R.) que teve por objecto a execução das infra-estruturas e arranjos exteriores da 2ª fase de construção da …, Lotes 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16.
27- O auto de vistoria para efeitos de recepção provisória, da obra (relativa às infra-estruturas e arranjos exteriores) foi lavrado em 02. de Outubro de 1996, nos termos constantes do documento junto a fol. 82.
28- O Condomínio Autor, enviou à 1ª R., a carta junta a fol. 8 como doc nº 1, datada de 10 de Março de 1997, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
29- A presente acção deu entrada na secretaria deste tribunal em 23 de Abril de 1999 (art. 8 da contestação da 1ª R).
30- Os proprietários integrantes do condomínio Autor são também cooperadores da Cooperativa R., e adquiriram as fracções respectivas nessa qualidade de cooperadores, beneficiando de preços reduzidos, dado tratar-se de uma construção realizada em regime de preços controlados, subsidiada pelo INH (art. 10º da contestação da 1ª R).
31- A 1ª R., enviou à 2ª R., a carta de que existe cópia a fol. 16, cujo teor se dá por reproduzido (12 da contestação da 1ª R).
32- Na cláusula 9ª do contrato referido em 26 (art. 5º da contestação da 1ª R) fez-se constar que: 9.1 Depois da comunicação escrita do empreiteiro, a obra será aceite provisoriamente após a completa realização dos trabalhos, levantamento do estaleiro e remoção total de todos os materiais, entulhos e desde que a fiscalização da obra não encontre quaisquer defeitos à data; 9.2- Da recepção provisória será lavrado o respectivo auto, que deverá ser assinado pelo empreiteiro e dono da obra; 9.3 – A obra será aceite em definitivo 2 anos após a aceitação provisória, desde que o dono da obra entenda a obra sem defeitos. O empreiteiro nos 120 dias que antecederam a recepção definitiva comunicará à dona da obra por escrito, caso esta tenha alguma reclamação a apresentar, que terá o prazo de 10 dias para o fazer, a fim da reparação estar concluída com o final das garantias; 9.4 – Quaisquer deficiências encontradas dentro do prazo da garantia, serão imediatamente resolvidos pelo empreiteiro (resposta ao art. 19º da contestação da 1ª R).
33- A obra levada a cabo pela 2ª R. ficou concluída antes de 1 de Janeiro de 1995 (resposta aos art. 3º e 4º da contestação da 2ª R).
34- O Condomínio Autor, através do seu então mandatário, enviou à 2ª R., a carta junta a fol. 11 como doc. nº 4 datada de 11 de Setembro de 1998, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
35- A 2ª R. recebeu a carta junta a fol. 11 como doc nº 4, datada de 11 de Setembro de 1998, e que enviou ao Ex.mo mandatário do Autor a carta junta a fol. 17 (doc nº 8) cujo teor aqui se dá por reproduzido (resposta ao art. 22 da contestação da 2ª R).
36- A R. recebeu a carta referida em 31 (resposta ao art. 12º da contestação da 2ª R.)
37- Quanto à fracção «X» - estacionamento na cave, as parcelas que a compõem foram adquiridas entre 23.05.1995 e 03.02.1998.

O DIREITO.
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações dos recorrentes, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC. Assim, só das questões postas nessas conclusões há que conhecer.
Atento o teor das conclusões formuladas, há que conhecer das seguintes questões:
I- Recurso interposto pela R. …
a) Alteração da decisão da matéria de facto;
b) Nulidade, por omissão de pronúncia quanto à arguida ilegitimidade da A., para demandar quanto às partes não comuns do prédio;
c) Nulidade por contradição (art. 668 nº 1 alíneas c) CPC);
d) Lei aplicável;
e) Caducidade – mérito do recurso.
II- Recurso da apelante autora
a) Prazo de garantia aplicável;
b) Caducidade.
1) Alteração da matéria de facto
Nesta parte pretende o apelante que se altere a resposta dada ao art. 2º da sua contestação, que deverá ser considerado «Provado».
Dispõe o art. 712 CPC que a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Embora a lei faculte em termos gerais, que as partes peticionem a modificação da decisão da matéria de facto, exige no entanto que observem o ónus da discriminação fáctica e probatória – art. 690-A e o ónus conclusivo – art. 684 nº 3 e 690 nº 4 CPC.
Dispõe o art. 690-A CPC que quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida.
No caso presente, foram gravados os depoimentos das testemunhas.
Convém observar que, o que está em causa não é a simples reavaliação da prova produzida e prolação de decisão com base na convicção então formada, como se de primeira «decisão» se tratasse. Em causa está a alteração de uma «decisão anterior», que foi fundada na livre convicção de quem a proferiu, o que aconteceu com a clara vantagem de ter acompanhado e dirigido, a produção da prova, numa relação de imediação que a gravação sonora não consente. Assim, uma eventual alteração só deverá ocorrer se houver elementos que a «imponham muito claramente», não bastando que a apreciação da prova disponível sugira respostas diferentes.
Esta ideia ressalta das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 712 ao condicionarem a modificação a decisão de facto proferida em 1ª instância à existência de elementos que, por si só, imponham decisão diversa da proferida.
Quando o julgamento tiver por base, fundamentalmente prova testemunhal, o critério de exigência no que respeita à ponderação da possibilidade de alteração, deverá ser idêntico, tanto mais que o autor da decisão em apreciação teve uma percepção directa das provas produzidas, ou de parte delas. Com efeito, não deverá sofrer dúvidas a afirmação de que o sistema de gravação sonora dos meios de prova produzidos oralmente, não fixa todos os elementos relevantes para a respectiva valoração em termos probatórios, todos os elementos susceptíveis de condicionar e alicerçar a convicção do julgador.
Como refere Abrantes Geraldes (Temas de Reforma do Processo Civil, Vol. II, pag. 271) «comportamentos ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá apreciar o modo como o primeiro se formou a convicção dos julgadores».
Não deverá pois ser uma divergência qualquer, em relação à valoração da prova produzida, ou ao critério das respostas dadas à matéria de facto que justifica uma alteração dessas respostas. Essa alteração apenas deverá ter lugar se a reavaliação da prova o impuser.
O artigo 2º da contestação em causa (fol. 44), tem a seguinte redacção: «A ocupação do edifício ocorreu em 17.12.94 e foi seguida da celebração das respectivas escrituras». Após produção de prova, respondeu o tribunal de 1ª instância da seguinte maneira: «Provado que a ocupação do edifício iniciou-se em 17.12.94 e foi seguida das respectivas escrituras, as quais tiveram lugar nas datas referias no documento nº 2 junto pela primeira R., na audiência de 04.07.2003 (intitulado de «relação de adquirentes»)».
À referida matéria foram ouvidas diversas testemunhas, nomeadamente as indicadas pela apelante, depoimentos que, conforme resulta da fundamentação constante dos autos, foram conjugados com os documentos juntos. Ora ouvidos os depoimentos mencionados pela recorrente, não se vê razão para se alterar a resposta dada. Com efeito, o que se retira dos mesmos depoimentos, é que «alguns cooperantes», passaram a habitar as suas fracções ainda antes do auto de entrega provisória, altura em que utilizavam a água e energia eléctrica da obra.
Não merece pois censura a decisão da 1º instância, ao responder como respondeu, não havendo qualquer outro elemento de prova de «imponha» decisão diversa.
O recurso não merece nesta parte provimento.

2) Nulidade por «omissão de pronúncia».
Nesta parte sustenta a apelante que o tribunal não se pronunciou quanto à «ilegitimidade da A.», suscitada pelo 3º R., para reclamar a reparação dos defeitos nas partes não comuns, o que constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso.
O conhecimento das excepções dilatórias, deve ocorrer no despacho saneador, art. 510 CPC. No caso presente, foi designado dia para a audiência preliminar, em que apenas se tentou conciliar as partes, sem êxito (fol. 142). Posteriormente procedeu-se a julgamento, com dispensa da fixação da base instrutória, sem que se tenha proferido «despacho saneador», o qual acabou por ser proferido apenas em sede de sentença final, sem que qualquer das partes tenha reagido quanto a essa omissão. O recurso pode pois ter por objecto a mencionada nulidade, atento o disposto no art. 668 nº 3 CPC.
No caso presente, não se pronunciou especificamente o tribunal de 1ª instância, sobre a questão suscitada (ilegitimidade para demandar as RR. quanto às partes não comuns), nem em sede de decisão propriamente dita foi tal questão conhecida, acabando por se condenar também na reparação de danos verificados nas partes não comuns. Verifica-se pois a invocada nulidade, o que não impede que se conheça do objecto da apelação, art. 715 nº 1 e 2 CPC.
Já se referiu, que as excepções dilatórias devem ser conhecidas no despacho saneador, (art. 510 CPC) e quando procedentes, dão lugar à absolvição da instância (art. 493 nº 2 CPC).
No caso presente, dispõe este tribunal de todos os elementos, para conhecer da questão suscitada.
Nos termos do disposto no art. 26 CPC, o autor é parte legítima, quando tem interesse directo em demandar, exprimindo-se este pela utilidade derivada da procedência da acção.
Nos termos do art., 26 CPC nº 3, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
No caso presente é autor «o Condomínio …, representado pelos seus administradores, conforme resulta da procuração de fol. 7.
A questão da legitimidade «é um problema de posição das partes perante a relação jurídica controvertida (tal como o autor a configura) e não da procedência do pedido» (Ac STJ de 22.11.68 BMJ 181, 256), «não se podendo confundir legitimidade com a procedência...» (Ac STJ de 11.06.69 BMJ, 188, 101; Ac STJ de 30.04.76 BMJ, 256, 112 e Rev. Trib. 94, 363).
O «Condomínio», na propriedade horizontal, é formado pelo conjunto dos condóminos. A tal figura, não atribui a lei «personalidade jurídica» (Ac. STJ de 16.12.99, BMJ 492, 406). «Apesar de o condomínio não ser uma pessoa jurídica, tem uma vontade própria, que é formada, manifestada e actuada por órgãos próprios» (Sandra Passinhas – A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal – 2ª edc. Pag177). Como órgãos do «Condomínio» temos a «assembleia de condóminos» (órgão deliberativo) e o «Administrador» (órgão executivo).
«Os poderes do órgão deliberativo estão circunscritos à esfera das relações respeitantes ao uso e gozo das coisas e serviços comuns. Este princípio é inderrogável: a assembleia não pode invadir a esfera da propriedade individual, em que a regulação está reservada à regulamentação convencional dos condóminos» (Sandra Passinhas obra citada pag. 268).
A propósito da questão em apreço, diz Aragão Seia (Propriedade Horizontal – 2ª edc., pag. 159): «É à assembleia, órgão colegial composto por todos os condóminos, que compete decidir sobre os problemas do condomínio, que se refiram às partes comuns.... Nunca é demais repetir que a assembleia dos condóminos só pode pronunciar-se sobre matérias que respeitem às partes comuns do edifício não podendo de modo algum interferir com a administração que cada condómino faça da sua fracção, nem tem que se pronunciar sobre quaisquer iniciativas do respectivo titular em defesa dos direitos que lhe cabem... O administrador (Aragão Seia, obra citada, pag. 215 e segs) como órgão executivo da administração das partes comuns do edifício e das deliberações da assembleia de condóminos –nº 1 do art. 1430 – está legitimado por direito próprio, que lhe não pode ser retirado pela assembleia de condóminos, para agir em juízo em representação do condomínio... no que respeita às partes comuns do edifício e à prestação de serviços de interesse comum –art. 1436... O administrador ainda assegura a representação dos condóminos em juízo, quando é incumbido pela assembleia de agir judicialmente quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, em matérias que excedam o âmbito da gestão corrente, como é o caso de pedir indemnização por danos causados em parte comum do edifício... O administrador não pode porém, representar os condóminos nas acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns... E não pode, por incumbência da assembleia, propor acções contra um condómino e o arrendatário de uma fracção a que foi dado destino diferente do constante no título constitutivo, por esta violação não constituir uma ofensa ao uso das partes comuns, mas sim ao direito de propriedade das fracções autónomas, exorbitando, portanto, do âmbito da competência da assembleia de condóminos e do administrador. Pela mesma razão, se alguma das fracções autónomas apresentar deficiências de construção, é o condómino seu proprietário que tem legitimidade para solicitar à empresa construtora as respectivas reparações e não o administrador».
Como se refere no Ac do Tr. R. Lx, (de 10.05.90, CJ 90, 3, 116) «A autorização dada pela assembleia de condóminos ao administrador, para agir em juízo só pode ter lugar em matéria de competência da assembleia, que são as partes comuns do prédio».
Concluindo: A figura «Condomínio», não é dotada de personalidade jurídica. Delibera através do órgão colegial, que é a assembleia de condóminos, sendo no entanto o «administrador», que executa essas deliberações e quem a representa em juízo (art. 1436 e 1437 CC). A representação e actuação em juízo, deve conter-se dentro das funções atribuídas por lei ao administrador e ainda à autorização da assembleia de condóminos, a qual terá que reportar-se às partes comuns do edifício.
A lei atribui «personalidade judiciária» ao condomínio (art. 6 e) e 231 nº 1 CPC), no respeitante a acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
No caso presente, da forma como o autor configura o seu direito, resulta que em causa estão defeitos de construção, cuja reparação se pretende, em partes comuns e fracções autónomas do edifício. Dessa configuração, e atento o supra referido, resulta que não tem o autor, quanto às partes «não comuns», interesse directo em demandar, não sendo pois, quanto a este pedido, parte legítima.
Deverá pois proceder a excepção dilatória de ilegitimidade deduzida, quanto ao pedido relativo às partes não comuns do edifício, com a absolvição dos RR., (nesta parte) da instância.

3) Nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão – art. 668 nº 1 c) CPC.
Nesta parte, alega a apelante (Coopelar) que a resposta dada aos factos 10 da contestação da recorrente e artigos 16, 17, 18, 19 e 20, da petição, impunham decisão diversa, da constante da sentença.
Dispõe o art. 668 nº 1 c) CPC, que é nula a sentença, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Como refere Alberto dos Reis (C. P. C. Anotado Vol. V, pag. 141) esta nulidade verifica-se quando «a sentença enferma de vício lógico que a compromete...» quando «a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto».
A nulidade assinalada nada tem a ver com «erro de julgamento» ou «injustiça da decisão», que podem ser fundamento de recurso autónomo.
Refere a propósito José Lebre de Feitas (C. P. C. Anotado Vol. 2º, pag. 670): «entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade... A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a acuas de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial».
Em 10 da contestação diz-se: «os proprietários integrantes do condomínio A., são também cooperadores da Cooperativa R., e adquiriram as fracções respectivas nessa qualidade de cooperadores, beneficiando de preços reduzidos, dado tratar-se de uma construção realizada em regime de preços controlados, subsidiada pelo INH». A esta matéria, respondeu o tribunal «Provado».
Os artigos da petição inicial, referidos têm a seguinte redacção:
No art. 16: «As deficiências do imóvel acima descritas radicam numa construção negligente e desrespeitadora das legis artis, bem como dos requisitos regulamentares que emanam do RGEU».
Art. 17: «Determina o DL 267/94 de 25/10, no seu preambular e, a propósito da transacção de imóveis que, numa perspectiva de bem estar social (o cidadão adquirente, enquanto consumidor) tem direito a exigir o reconhecimento da qualidade do bem que compra, assim, como em situações adversas, a responsabilidade dos vários intervenientes no sector em causa».
Art. 18 : «Assim, a 1ª R., como vendedora do imóvel em causa (responsável em 1ª linha) a 2ª, como construtora e a 3ª, executante dos arranjos exteriores (responsáveis subsidiárias, em função da responsabilidade a apurar) respondem perante o A., pelos prejuízos causados, decorrentes dos defeitos de construção, bem como pela eliminação de tais defeitos, nos termos dos art. 1225 e 1221 CC».
Art. 19: «Sendo que, as condicionantes temporais para o exercício de tal direito se mostram preenchidas in casu, v. g., o prazo de 5 anos a contar da entrega do imóvel a que alude o art. 1225 nº 1 CC».
Art. 20 : «Tem assim, o A., direito a exigir das RR, quer a indemnização pelos prejuízos já suportados e os que venham a suportar, decorrentes dos defeitos de construção e da quebra de garantia de boa qualidade do imóvel que adquiriram, quer a eliminação dos referidos defeitos».
A tal matéria respondeu o tribunal, respectivamente o seguinte:
- Não se responde por se tratar de matéria de natureza valorativa e de direito (art. 16);
- Não se responde por se tratar de matéria de direito (art. 17, 18, 19 e 20).
As respostas referidas que não foram postas em causa, não merecem qualquer censura e atento o que supra se referiu, quanto à nulidade invocada, não é manifestamente o caso presente, não se podendo afirmar que entre os fundamentos expressos na decisão e a respostas dada aos artigos mencionados e esta (decisão) exista qualquer oposição.
Também nesta parte não merece provimento o recurso.

4) Caducidade e Lei aplicável.
Na parte relativa à venda de coisa defeituosa, dispunha o art. 916 CC o seguinte: « nº 1 - O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo. Nº 2 – A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa». Este artigo, sofreu alterações resultante da publicação do DL 267/94 de 25.10, sendo-lhe aditado o nº 3, com a seguinte redacção: «Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel».
O art. 917 CC, dispõe que «a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no nº 2 do art. 287».
O art. 1225 CC, tinha a seguinte redacção: «Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219 e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ruir, total ou parcialmente, ou apresentar defeitos graves ou perigo de ruína, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo para com o dono da obra. A denúncia, neste caso, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia».
O mesmo diploma (DL 267/94), introduziu alterações neste preceito, que passou a ter a seguinte redacção: «Sem prejuízo do disposto no art. 1219 e segs., se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir, total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao domo da obra ou a terceiro adquirente. (nº 2) A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia. (nº 3) Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previsto no art. 1221. (nº 4) O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado».
Questiona-se no caso presente, qual das redacções haverá que aplicar. Na sentença entendeu-se ser de atender à redacção actual. Por sua vez, pretende a apelante R. (Cooplar ) ser aplicável a redacção anterior.
O regime resultante do DL 267/94, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995.
Como se refere no Ac do STJ de 05.03.2004 (Relator Ribeiro de Almeida – proc- nº 04ª554, consultável na internet), «o nº 3 do art. 916 introduzido pelo DL 267/94 é norma inovadora e por isso não é de aplicação retroactiva. O nº 4 do art. 1225 introduzido pelo mesmo Decreto Lei é norma interpretativa e por isso se aplica ao momento da verificação dos factos».
Antes da vigência do DL 267/94, dividia-se a jurisprudência quanto ao regime a aplicar, na parte relativa ao período de garantia, quando estivesse em causa a aquisição de imóveis. Eram no essencial três as correntes: para uns o prazo de caducidade, no silêncio da lei deveria ser o resultante do art. 917, devendo afastar-se o regime previsto para a empreitada; para outros, o prazo de caducidade deveria ser o resultante do art. 309 CC; finalmente para outros, deveria recorrer-se ao regime do art. 1225 CC. Pondo fim a esta controvérsia, foi publicado o DL 267/94, que no essencial e na parte que nos ocupa, estipula para a compra e venda de coisa defeituosa, no caso de imóveis de longa duração, um prazo de caducidade semelhante ao previsto para a empreitada.
Entretanto, pondo fim a divergências suscitadas, quanto ao prazo (de caducidade) aplicável, no caso de compra e venda de imóvel com defeitos, saiu o Assento 2/97 de 4 de Dezembro de 1996 (publicado no DR nº 25/97 I Série-A de 30 de Janeiro de 1997), uniformizador de jurisprudência, no sentido de que «a acção destinada a exigir a reparação de defeitos da coisa imóvel vendida, no regime anterior ao DL 267/94 de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no art. 917 do CC».
Do que fica dito retira-se que no caso de compra e venda de imóvel, o prazo de caducidade aplicável é o resultante do art. 917 CC. Mais ocorre que a redacção dada ao mencionado preceito, pelo DL 267/94, não é de aplicação retroactiva, apenas se aplicando às aquisições efectuadas a partir da data em que entrou em vigor (01.01.1995) (Veja-se Ac STJ de 05.03.2004, Relator Ribeiro de Almeida – proc- nº 04A554, consultável na internet).
Não se esgota aqui a questão em apreço. Com efeito, o DL 267/94, veio consagrar, nesta matéria, prazos mais longos que os anteriormente previstos. Questiona-se pois qual será o prazo a considerar, no caso de os prazos anteriores se encontrarem em curso. Dispõe o art. 297 nº 2 CC, que «a lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial».
Revertendo ao caso concreto, e não questionando para já se estamos ou não perante um verdadeiro contrato de compra e venda, temos o seguinte quadro factual:
a) Em causa está prédio construído pela 2ª R., e cuja ocupação (pelos condóminos) se iniciou em 17.12.94 (22);
b) As escrituras de compra e venda, (com excepção de uma realizada em 28.12.94) ocorreram em data posterior a 01.01.1995 (22).
Ao caso é pois aplicável o novo regime, ou seja o resultante do DL 267/94. Com efeito, como se sustenta na sentença recorrida, (conhece-se posição jurisprudencial diversa), o facto a atender, será a última aquisição. Este entendimento, é o que se revela não só mais equilibrado, como é o que acautela os demais adquirentes, de eventual negligência de adquirente anterior.
Sendo aplicável o regime resultante do DL 267/94, os prazos previstos no art. 917 CC, são de respectivamente um ano e cinco anos.

5- Caducidade.
O ónus da prova, quanto aos factos de onde resulte ter-se verificado a «caducidade», recai sobre o réu. No caso presente, alega a apelante que a autora teve conhecimento dos defeitos em cuja reparação foi condenada, (excluídos os verificados na cave em que foi já julgada procedente a excepção) desde a data da ocupação do imóvel, pelo que também quanto a estes deverá operar a caducidade, uma vez que a acção foi intentada em 23.04.1999.
Como se refere na sentença sob recurso, quanto a estes defeitos, não pode concluir-se nos termos alegados pela apelante, sendo certo que aos mesmos não há qualquer referência na carta constante de fol. 8 (esta apenas se refere à cave), nem da matéria de facto assente, constante de 6 e 7, isso resulta.

6- Mérito do recurso da apelante … .
Nesta parte, alega a apelante que não foi devidamente apreciada a matéria relativa à relação jurídica existente entre a autora e a recorrente … .
Em causa está, saber-se se no caso presente, responde a apelante …, na qualidade de vendedora das fracções em causa, pelos eventuais defeitos de construção.
Dispõe o art. 913 CC, que se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á o prescrito na secção precedente (art. 905 CC e segs), em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. Dispõe o art. 914 CC, que o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela.
No caso presente temos, nesta parte, com relevo para a decisão o seguinte factualismo:
a) A apelante, … é uma «cooperativa de habitação» (18 e 19), e tem por objecto a construção em regime de preços controlados, de 40 fogos, financiados pelo Instituto Nacional de Habitação (23;
b) Os proprietários que integram o Condomínio, autor, são «cooperadores da R. apelante e adquiriram as fracções em causa, nessa qualidade (30);
c) O contrato de empreitada para a construção dos blocos em causa, foi celebrado entre a Cooperativa … apelante e a 2ª R. (1, 2, 3, 5, 23) em 02.04.1992;
d) Em 18.11.1994, ocorreu a recepção provisória do edifício (25), tendo-se a conclusão do mesmo verificado antes de 01.01.1995 (33).
Do que fica referido, resulta que a relação existente entre os condóminos que integram o condomínio autor e a R. … apelante é a de cooperadores/cooperativa. As cooperativas (art. 2º Código Cooperativo – Lei nº 51/96 de 7 de Setembro, que revogou o anterior, que nesta parte não apresente diferenças significativas) são pessoas colectivas... que através da cooperação e entreajuda dos seus membros, visam sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles. As cooperativas, na prossecução dos seus objectivos, podem realizar operações com terceiros, sem prejuízo de eventuais limites fixados pelas leis próprias de cada ramo (art. 2 nº 2 Cod. Coop.). No art. 3, do mesmo diploma, consagram-se os princípios cooperativos que são os mesmos adoptados pela Aliança Cooperativa Internacional.
Nos termos consagrados pela Aliança Cooperativa Internacional, em 1995 (em Manchester), definia-se da seguinte forma a cooperativa: «Uma cooperativa é uma associação de pessoas que se unem, voluntariamente para satisfazer aspirações e necessidades económicas, sociais e culturais comuns, através de uma empresa de propriedade comum e democraticamente controlada».
No art. 4º do Código Cooperativo, expressamente se consagram os ramos do sector cooperativo, entre os quais, se inclui (nº 1 alínea e) o de habitação e construção). Com o registo da sua constituição, a cooperativa adquire personalidade jurídica (art. 16).
A cópia dos Estatutos da Cooperativa (Ré apelante), mostra-se junta aos autos (fol. 233 e segs.). Deles resulta no essencial, o seguinte:
a) Tem por objecto (a cooperativa) promover a construção ou a aquisição de fogos para habitação dos seus membros (art. 5º);
b) Da mesma podem ser membros apenas as pessoas que residam ou trabalhem no concelho de Loures e não possuam casa própria com condições de habitabilidade na área de actuação da Cooperativa (art. 21º);
c) As reservas da cooperativa são: reserva legal, reserva para educação..., reserva social, reserva de cooperação, reserva de conservação e reparação, reserva para construção (art. 11º);
d) A reserva de cooperação destina-se a suprir a falta de recursos dos cooperadores ...(art. 15º);
e) A reserva para conservação e reparação destina-se a cobrir as despesas com a reparação, conservação e limpeza de todos os fogos atribuídos pela Cooperativa...(art. 16º);
f) A cooperativa adoptará para os seus programas habitacionais o regime de propriedade individual (art. 54º);
g) A atribuição de fogos será feita nos termos de um regulamento específico a aprovar pela assembleia geral (art. 56º);
h) Na 1ª atribuição, as habitações são cedidas aos cooperadores pelo valor correspondente ao seu custo total, o qual corresponde à soma das seguintes parcelas- custo do terreno, custo dos estudos e projectos, custo da construção, encargos administrativos com a execução da obra, encargos financeiros com a execução da obra, montante das licenças.., reserva para construção (art. 57º);
i) O direito de propriedade dos fogos é transmitido aos cooperadores pela Cooperativa mediante um contrato de compra e venda (art. 58º);
j)A Cooperativa celebrará com o cooperadores adquirentes um contrato de compra e venda, quando da atribuição do fogo donde deverão constar: O preço...; Que a Cooperativa terá direito de preferência na alienação do fogo pelo prazo de 30 anos contados a partir da data da primeira entrega do fogo; Que a preferência se exercerá pelo preço que corresponder ao valor do fogo em função de um coeficiente a fixar anualmente por portaria do Ministério da tutela; A obrigação do adquirente conservar a qualidade de cooperador (art. 59º).
Estamos no domínio do «sector cooperativo», a que o sistema jurídico português deu particular importância, por forma a poder dizer-se que existe entre nós uma constituição cooperativa». «No caso português, podemos mesmo falar numa constituição cooperativa, como um dos elementos da constituição económica, o que o texto constitucional português contém, para nos referirmos ao conjunto dos seus preceitos que incidem sobre matéria cooperativa», diz Rui Namorado (Cooperatividade e Direito Cooperativo, pag. 68).
A Constituição da República Portuguesa, refere-se ao sector cooperativo, desde logo no art. 61 nº 2, quanto dispõe que «a todos é reconhecido o direito à livre constituição de cooperativas, desde que observados os princípios cooperativos». No art. 65 (CRP), além de se consagrar o direito a uma habitação adequada..., dispõe-se (nº 2) que para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: Programar e executar uma política de habitação (alínea a); Promover... a construção de habitações económicas e sociais (alínea b); Fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução (alínea d). Prosseguindo com a incursão na Lei fundamental, nota-se que no art. 80 CRP, se consagra o princípio fundamental, de que «a organização económico-social assenta nos seguintes princípios: (...) b) Coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção (...)». No art. 82 CRP, uma vez mais se consagra que «é garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção. No nº 4 do mesmo preceito, dispõe-se que «O sector cooperativo e social compreende especificamente: a) Os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos (...). No art. 85 CRP, dispõe-se que: (nº 1) O Estado estimula e apoia a criação e a actividade de cooperativas; (nº 2) A lei definirá os benefícios fiscais e financeiros das cooperativas, bem como condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico.
Os preceitos constitucionais citados, traduzem o relevo que o sistema jurídico português dá ao sector cooperativos em geral e às cooperativas em particular. Como refere Rui Namorado (obra citada, pag.82) «a área cooperativa não sendo, como é óbvio, pública, também não é encarada pela CRP como se fosse simplesmente privada. Nestes termos, o que é cooperativo em Portugal situa-se num território jurídico, constitucionalmente autonomizado, perante tudo o que é encarado como realmente privado. A heterogeneidade do tecido económico-social não é pois adequadamente expressa pelo clássico dualismo público/privado».
A breve incursão feita no regime legal das Cooperativas e em particular da cooperativa em questão é suficiente para se concluir que em causa não está um vulgar contrato de compra e venda. Em causa não está um vendedor de imóveis. Não há intuito lucrativo. Não há como nos contratos em geral, plena liberdade contratual, quer quanto aos sujeitos, preço e até disposição (após a atribuição) da coisa. A entidade que aparece como vendedora, é constituída pelos futuros adquirentes, que para o efeito se associaram e em cuja formação de vontade participam.
O «Condomínio, constituído pelos cooperadores, demandam a «Cooperativa» no seguimento da atribuição que lhes foi feita de fogos, em que assinalam a existência de defeitos de construção. É a relação Cooperador-Cooperativa que está em causa, ou seja o que se pode designar de «Acto cooperativo». Por se revestir de interesse, nesta parte, voltamos a citar Rui Namorado (Cooperatividade e Direito Cooperativo- pag.98/99). «Entre os vários entendimentos sobre qual deve ser o âmbito do acto cooperativo, há uma amplitude mínima, a qual abrange os actos realizados entre as cooperativas e os seus cooperadores, bem como entre cooperativas associadas entre si, para a prossecução do respectivo objecto social (...). Como mais um contributo clarificador, vale a pena lembrar que a especificidade do acto cooperativo tem uma multiplicidade de raízes. Uma delas traduz-se no facto de as cooperativas se destinarem a operar com os seus membros, no âmbito da actividade em cada caso cooperativizada, dirigindo-se nesse campo, em primeira mão, a eles e não ao mercado. (...) Deve ainda salientar-se que o acto gerador da cooperativa implica que os cooperadores nela deleguem um conjunto de poderes necessários à prossecução dos seus objectivos. Ou seja, a cooperativa opera em seu próprio nome, prestando um certo tipo de serviços aos cooperadores, próprio do ramo, usando para isso uma delegação de poderes que é indissociável da própria decisão assumida pelos fundadores, quando a constituíram. Por isso, nenhuma cooperativa pratica a intermediação no âmbito da sua actividade cooperativizada, já que as suas operações, que s traduzem em actos cooperativos, são internas. Por exemplo, uma cooperativa de consumo, realmente, não compra para vender aos seus cooperadores, na medida em que, de facto, distribui entre os seus membros (internamente) o que em deles adquiriu (externamente). Nesta perspectiva, compreende-se que os excedentes das cooperativas, correspondentes às suas operações com os cooperadores, as quais constituem o seu escopo, não sejam lucros, mas sim excedentes».
Como refere o STJ (ac. De 16.12.99, relator Dionísio Correia, proc. 99B993, consultável na internet), «A cooperativa para habitação não comercializa fogos, apenas os transmite aos cooperantes incluídos no programa habitacional, através da compra e venda a qual funciona, assim, como um expediente jurídico para pôr termo à propriedade colectiva construída. Responsável pelos defeitos da obra é a empresa empreiteira e perante o dono da obra, a cooperativa ou os cooperantes, após a transmissão. Se a administração da cooperativa, quando era dona da obra, não reclamou do empreiteiro poderão os cooperantes pedir à cooperativa a indemnização pelos danos decorrentes dessa omissão».
Do que fica referido resulta que em causa não está propriamente um contrato de compra e venda, mas apenas a atribuição por parte da Cooperativa de fogos aos seus cooperantes, na prossecução do seu objecto, operando-se esta (atribuição) sob a capa da figura jurídica da «compra e venda». Tendo-se operado a transmissão dos fogos para os cooperantes adquirentes, pelos defeitos de construção, estes apenas poderão demandar a empresa empreiteira e não a Cooperativa.
O recurso deverá proceder nesta parte, devendo a R. Cooperativa ser absolvida do pedido.

7- (Recurso da apelante Autora) – Caducidade (redução do prazo de garantia e prazo aplicável).
O recurso da apelante autora, atento o que supra se decidiu quanto à 1ª R. (Cooplar), mostra-se parcialmente prejudicado. Com efeito, como se viu, a relação existente entre o «Condomínio (cooperadores)» e a …, não é da de comprador- vendedor, pelo que não assiste àquela o direito de, nos termos do art. 913 e segs. CC, exigir desta a eliminação dos defeitos de que a coisa padece. A questão que ora subsiste, tem a ver com a responsabilidade da 2ª R. (construtora), perante os condóminos (adquirentes das várias fracções). Também já ficou decidido, que em causa estão apenas os defeitos de construção existentes nas partes comuns do edifício. A responsabilidade da 2ª R., tem como fonte o facto de ter sido a construtora do edifício, e nessa qualidade ter celebrado um contrato de empreitada com a 1ª R, sendo esse contrato pelo qual há que averiguar, das características do edifício em causa e eventuais defeitos de construção.
Antes de se abordar a questão suscitada pela apelante, quanto à validade de cláusula limitativa do prazo de garantia, por via convencional, há que averiguar qual o prazo aplicável, na ausência de convenção.
Nesta parte, temos com relevo o seguinte factualismo:
a) O contrato de empreitada foi celebrado em 02.04.1992 (23);
b) A ocupação do edifício iniciou-se em 17.12.1994, sendo seguida das escrituras (22);
c) Em 18.11.94, foi lavrado o auto de recepção provisória (25);
d) A obra levada a cabo pela 2ª R., ficou concluída antes de 1 de Janeiro de 1995 (33).
Os factos que se acaba de reproduzir, ocorreram todos antes da entrada em vigor do DL 267/94, que entrou em vigor em 01.01.1995. O regime legal em vigor ao tempo, era o seguinte:
Art. 1225 CC: nº 1 «Sem prejuízo do disposto nos art. 1219 e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção... de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção...ruir, total ou parcialmente, ou apresentar defeitos graves ou perigo de ruína, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo para com o dono da obra»; Nº 2 «A denúncia, neste caso, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia».
No preceito citado prevêem-se três prazos: um ano para se fazer a denúncia dos defeitos, contado da data do conhecimento deles; um ano para propor a acção, contado da data da denúncia; cinco anos, dentro dos quais pode ser exercido o direito de denúncia, contado desde a entrega da coisa.
O contrato de empreitada teve como partes a 1ª R. … como dona da obra, e a 2ª R. … como empreiteira. Assim, a entrega aqui em causa é a que foi feita à dona da obra, ou seja 18.11.94.
O DL 267/94 que entrou em vigor em 01.01.95, é ao caso aplicável, uma vez que nessa data se encontravam em curso os referidos prazos, sem que tivesse sido denunciada a existência de qualquer defeito.
Redução convencional dos prazos de garantia- O art. 1225 CC, contém uma expressão que tem suscitado alguma dificuldade de interpretação quer a nível de jurisprudência, quer de doutrina e que tem a ver com a validade das convenções de prazo de garantia inferior ao supletivo (cinco anos). Com efeito, aí (art. 1225 nº 1 CC) diz-se «no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado».
Para Pires de Lima e Antunes Varela (CC Anotado Vol. II, pag. 902), «trata-se de um prazo supletivo, pois que se admite expressamente que seja outro (maior ou menor) o prazo de garantia convencionado». Para este autor, nada obsta à validade da convenção que reduza o prazo supletivo.
Vaz Serra (RLJ, ano 106, pag. 301) entende que podendo nos termos do nº 1 do art. 1225 CC, ser convencionado um prazo de garantia superior ao de 5 anos, é duvidoso que seja possível convencionar-se prazo inferior, se à responsabilidade do empreiteiro se atribuir o fim de salvaguardar o interesse público na solidez dos edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração, «bem como o interesse do dono da obra que pode ser vítima da sua inexperiência». Caso seja esse o fim visado, segundo Vaz Serra «não poderá considerar-se válida uma cláusula que reduza o prazo de cinco anos, até porque poderiam tornar-se usuais ou de estilo cláusulas de redução do prazo».
Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e Empreitada, p447 e 448) diz a propósito o seguinte: «Apesar de nada obstar à redução do prazo de garantia de cinco anos, serão raras as situações em que esse encurtamento se apresenta como justificável. Nas obras destinadas a longa duração, cinco anos a contar da entrega constitui, na grande maioria das situações, um prazo demasiado curto para detectar os vícios de construção pelo que, abreviá-los pode tornar excessiva mente difícil o exercício dos direitos do dono da obra e, em tais casos, não é admissível».
Do que fica dito, resulta que em termos gerais, admite a letra da lei que por convenção seja o prazo de garantia reduzido. Não deve no entanto ser admitida uma redução substancial, pois que dessa forma se inviabilizaria a intenção do legislador.
O problema da redução do prazo de garantia complica-se quando em causa esteja a defesa de direitos do consumidor. Hoje, expressamente a lei não a admite (redução), nestes casos. Com efeito dispõe-se no art. 16 da Lei 24/96 de 31 de Julho, que «qualquer convenção ou disposição contratual que exclua ou restrinja os direitos atribuídos pela presente lei é nula». Ora entre esses direitos, encontra-se (art. 4º nº 3) aquele que confere ao consumidor «o direito a uma garantia mínima de cinco anos para os imóveis».
É certo que a referida Lei (24/96) não havia ainda entrado em vigor, aquando da celebração do contrato de empreitada. No entanto já nessa altura relevavam os interesses em causa (defesa do direito do consumidor). Por «Consumidor», deve ser entendido «aquele que adquire, possui ou utiliza um bem ou um serviço para uso privado (pessoal, familiar ou doméstico), de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas não já o que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou da sua empresa» (Responsabilidade Civil do Produtor – Calvão da Silva, pag. 59).
É patente que no caso presente, os «cooperadores» detêm a posição de «consumidor». Como se refere no Ac STJ de 22.06.2005 (relator Moreira Camilo, proc. 05ª1735, consultável na internet) «a nova redacção dada ao nº 1 do art. 1225 do CC, pelo DL 267/94 de 25.10, veio ao encontro de imperiosas necessidades de defesa do consumidor, alargando a responsabilidade do empreiteiro face a um terceiro adquirente do imóvel».
Para efeitos da contagem do prazo em causa, toma-se como referência a data da entrega.
No caso presente, defende a 2ª R., que o prazo de garantia convencionado foi de dois anos, entendimento que fundamenta com o vertido na cláusula 9ª do contrato de empreitada. Embora a apelante autora entenda que essa conclusão não se pode retirar do teor da referida cláusula, afigura-se-nos que à mesma não assiste razão. Com efeito, expressamente as partes se lhe referem como «prazo de garantia (32). Porém, pelos motivos supra referidos, não pode ser no caso presente aplicável o referido prazo, mas o que resulta da lei (supletivo). Não só está em causa a defesa de direito dos consumidores, como o prazo convencionado reduz substancialmente o prazo legal.
Revertendo ao caso concreto, temos, com relevo o seguinte factualismo:
a) O auto de recepção provisória foi lavrado em 18.11.94 (25);
b) A ocupação iniciou-se em 17.12.94 (22);
c) Desde o início da ocupação que na cave se verificam infiltrações de água (6);
d) A 1ª R. enviou à 2ª R. a carta datada de 01.10.98, cuja cópia se encontra a fol. 16 (31);
e) Em tal carta diz-se: «Tendo sido notificada esta CHE... no sentido de serem reparadas com a máxima urgência, as anomalias verificadas no Lote 14ª/B. Tendo a Cooperativa enviado, através do nosso Fax nº 608, datado de 03.07.1997, relatório da situação então verificada nos dois lotes ... Considerando que, até à presente data, as deficiências não foram reparadas e, atendendo à nova interpelação do Sr. Advogado supra mencionado, solicita-se a resolução urgente desta situação»;
f) A autora, através do seu advogado, enviou à 2ª R, a carta datada de 11.09.1998, junta a fol. 11 (34);
g) Nessa carta diz-se: «Encontro-me mandatado pelo condomínio do imóvel ... para promover a resolução duma deficiência que afecta aquele prédio, concretizada na infiltração de águas pluviais e de rega nas respectivas caves...»;
h) E ainda: «Realço que todas as diligências promovidas, até hoje pelos meus clientes junto de V. Ex.as, tendentes à reparação dos defeitos (nomeadamente em 08.07.98, na pessoa do vosso gerente, sr. Vitalino) não lograram qualquer êxito já que V.s Ex.as rejeitam qualquer responsabilidade na ocorrência do defeito em causa, procurando imputá-la ao subempreiteiro dos arranjos exteriores...»
i) A autora enviou à 1ª R. a carta datada de 10.03.1997, cuja cópia se encontra a fol. 8, em que diz: «Ficam por este meio notificados dos vícios de construção dos arranjos exteriores aos lotes 14 A e B ... os quais são causa directa de infiltrações de águas pluviais e de rega, na cave dos referidos lotes».
Dos factos mencionados, pode concluir-se que a autora interpelou a 1ª R. em 10.03.1997, quanto aos defeitos na cave. A interpelação da 2ª R., por parte da autora, quanto aos mesmos defeitos (cave) terá ocorrido, (no dizer da autora, carta de 10.09.98) em 08.07.98.
Pode pois concluir-se que quanto aos defeitos verificados na cave, e que seriam conhecidos pelo menos em 10.03.97, data em que foram denunciados à 1ª R., correu o prazo de caducidade, pois que a denúncia dos mesmos à 2ª R. ocorreu mais de um ano após o seu conhecimento (art. 1225 nº 2 CC).
Quanto aos restantes defeitos, como se refere na sentença sob recurso, não há elementos seguros relativamente à sua verificação e conhecimento. Como já se referiu supra, sobre a R. (2ª) recaía o ónus da prova de que os prazos de caducidade também se haviam completado quanto a estes defeitos, prova que não foi feita.
Alega a apelante que a caducidade também não deverá operar, por ter ocorrido o reconhecimento do direito, atento o disposto no art. 331 nº 2 CC. A apelada impugna tal conclusão. Dos autos não há elementos que possam sustentar a tesa da apelante, sendo certo que a existir, o reconhecimento terá de resultar de acto da R., e não de afirmação (mesmo inserta em missiva) por parte da autora.
A apelação da autora procederá parcialmente, considerando-se, como se viu apenas os defeitos nas partes comuns, (excluídos já os da cave)

DECISÃO.
Em face do Exposto, decide-se:
1- Conceder provimento ao recurso interposto pela apelante (1ªR.) …, revogando-se nessa parte a sentença e em sua substituição «absolve-se a mesma do pedido»;
2- Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela apelante autora, revogando-se nessa parte a sentença recorrida e em sua substituição, condena-se a 2ª R. … a: reparar os defeitos que se verificam nas partes comuns do prédio, com excepção dos verificados na cave (fendilhações diversas, quer verticais, quer horizontais ao longo das paredes exteriores, designadamente junto das cantarias de janelas e ao longo da junção com o imóvel confinante a norte (12); ao nível dos quartos andares, dos blocos A e B do Lote 14, fendas nas paredes exteriores (13)).
3- Manter no que à 3ª R, respeita a sentença recorrida.
4- Condenar a autora e a 2ª R., nas custas, na proporção de vencidas.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2006

Manuel Gonçalves
Aguiar Pereira
Gil Roque.