Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
150/09.8TCSNT-G.L1-8
Relator: CARLA MATOS
Descritores: DECISÃO DE VENDA
CASO JULGADO FORMAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECLARA OFICIOSAMENTE A EXCEÇÃO DO CASO JULGADO FORMAL
Sumário: Sumário: (da exclusiva responsabilidade da Relatora):
I. A exceção de caso julgado material pressupõe a repetição de uma causa já julgada (ou seja, repetição da apreciação da mesma relação material controvertida, a qual se verifica quando são idênticos, nas duas ações, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, nos previstos nos art. 580º e 581º do C.P.C.), enquanto que a exceção de caso julgado formal pressupõe a repetição da apreciação, no mesmo processo, de questão adjetiva/processual já analisada e resolvida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório:
Na ação executiva para pagamento de quantia certa intentada por Banco espirito Santo, sa (atualmente Novo Banco, sa) contra ...,Lda., AA, BB, CC, e DD, foi peticionado o pagamento da quantia de €644.859,20 (€640.479,39 de capital + €4.211,36 de juros + €168,45 de imposto s/juros), acrescida de juros vincendos, com base em livrança (cf requerimento executivo).
No apenso de habilitação de herdeiros (apenso C) foi em 07.03.2014 proferida sentença que decidiu o seguinte:
“Considerando o teor dos documentos juntos que provam a qualidade de herdeiros dos
executados AA e BB – e de harmonia
com o disposto nos artigos 373º do C. Proc. Civil, habilito CC e EE
, para prosseguirem os termos da demanda, como herdeiros daqueles.”
*
Com data de 24.10.2022, veio o AE apresentar requerimento que integra o seguinte segmento:
“(…)No âmbito do processo de insolvência .../15-A, foram apreendidos por adenda ao auto de apreensão o quinhão hereditário que o executado insolvente CC detém na herança de seus pais AA e BB (em anexo).
Do quinhão hereditário apreendido (verba n.º 19), estão penhorados os seguintes bens:
1) - Prédio Urbano descrito CRP de ... sob o n.º ... da ... (Verba 1 do auto penhora)
2) - Fração Autónoma com a letra C descrita na CRP de ... sob o n.º ... da ... (verba 3 do auto penhora)
3) - Fração autónoma com a letra K descrita na 2ª CRP de ... sob o n.º ... da ... (verba 2 do auto de penhora).
As três verbas têm valores atribuídos pelo Agente de Execução em sede de decisão da modalidade de venda (em leilão eletrónico).
Apesar do auto de apreensão, os registos da apreensão para a Massa da meação do executado insolvente e herdeiro, não se encontra registada (cfr. doc 2, 3 e 4 em anexo).
Deste modo, vem o aqui signatário requerer que a venda das meações (do insolvente e do herdeiro habilitado) referente a estas 3 verbas decorra conjuntamente sendo, caso assim seja entendido, proferido despacho a autorizar a venda na totalidade no âmbito do processo de Insolvência com a repartição do produto da venda relativamente ao executado judicialmente habilitado por óbito de seus pais e proprietários originários das 3 verbas, EE.
Requeremos ainda que o Administrador de Insolvência Dr. FF, seja notificado para promover o registo nos imóveis supra referidos da apreensão da meação do executado insolvente por via da declaração de insolvência deste.
Pede Deferimento.”
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Após contraditório no âmbito do qual se pronunciaram o executado habilitado EE e o exequente, foi, em 11.01.2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Através de requerimento dirigido aos autos em 24.10.2022, veio o Agente de Execução informar que no processo de insolvência com o n.º .../15-A, foi apreendido o quinhão hereditário que o executado insolvente CC detém na herança de seus pais AA e BB, de que faz parte o prédio urbano descrito CRP de ..., sob o n.º ..., da ..., a fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano descrito na CRP de ..., sob o n.º ..., da freguesia de ..., e a fração autónoma designada pela letra “...” do prédio urbano descrito na ..., sob o n.º ..., da freguesia de ..., penhorados nestes autos, requerendo autorização para que as meações (do insolvente e do herdeiro habilitado) referente a esses imóveis decorra conjuntamente no âmbito do processo de insolvência, com repartição do produto da venda pelos dois processos. Mais requereu que o Administrador de Insolvência seja notificado para promover o registo da apreensão da meação do executado insolvente relativamente a esses imóveis.
O habilitado executado EE pronunciou-se pelo indeferimento do requerido, por manifesta incompetência deste Tribunal e por não ser parte no aludido processo de insolvência.
O exequente tomou posição dizendo concordar com o requerido pelo Agente de Execução, por ser essa a forma de obter um melhor preço de venda dos imóveis penhorados, com benefício para todos os credores e devedores.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no art. 743.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, quando, em execuções diversas, sejam penhorados todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efetuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido.
O que daqui resulta é que se, antes da venda do direito sobre um bem indiviso, vierem a ser penhorados os demais direitos sobre o bem, de modo a que fique penhorada a totalidade do bem, far-se-á uma única venda em vez de se fazerem tantas vendas quantas as frações objeto das diversas penhoras.
Esta solução tem diversas vantagens que constituem o fim social da norma. Desde logo, a vantagem de permitir que em resultado da venda se obtenha o maior produto possível uma vez que, como é razoável que aconteça, o valor económico da totalidade e exclusividade dos direitos sobre o bem supera a mera soma dos valores económicos dos vários direitos sobre o bem, no caso de este ser indiviso, ao eliminar a indisponibilidade parcial que advém da indivisão e da existência de outros contitulares.
Esta vantagem constitui um benefício para os credores que conseguem maior produto para satisfação dos seus créditos, mas também para o próprio devedor que vê o seu património mais rentabilizado, necessitando por isso de menos património para satisfazer o direito dos credores, sendo certo que o devedor não tem o direito jurídico a que os credores vejam os seus créditos insatisfeitos, tem antes a obrigação jurídica de cumprir as suas obrigações, embora possa ter o interesse prático em evitar a perda de património.
Sobre a aplicabilidade daquele normativo às situações em que quotas-partes de determinado bem estejam simultaneamente penhoradas no âmbito de execução e apreendidas no âmbito de processo de insolvência, pronunciou-se o Ac. RP, de 22.11.2010, relatado por Soares de Oliveira, disponível in www.dgsi.pt, onde se pode ler o seguinte:
“(…) entendemos que é imperativa a norma do artigo 826º, 2, do CPC (atual art. 743.º)
Logo que do processo consta haver penhora de todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso ou direitos não pode deixar de ter lugar uma única venda. Esta obrigação abrange todos os processos, independentemente da prioridade de realização da penhora ou seu registo.
No caso concreto, o processo de execução e o de insolvência.
Não está na disponibilidade das Partes, nem do Tribunal.
A norma visa terminar com uma situação de compropriedade, evitando o processo de divisão de coisa comum, além de trazer a vantagem de tornar mais fácil e rentável a venda, com poupança de esforço e gastos. É mais uma manifestação da sabida aversão do legislador pela compropriedade ou comunhão.
Por outro lado, a matriz da venda judicial encontra-se no regime jurídico previsto para o processo executivo.
Não devemos esquecer que a insolvência é um processo de execução universal – ver artigo 1º do CIRE.
De acordo com o disposto no artigo 17º do CIRE no âmbito do processo de insolvência, tudo o que à venda diga respeito será regulado, em primeiro lugar, pelas normas especiais constantes do mesmo CIRE, e, não as havendo, pelas normas do CPC.
Nas disposições do artigo 158º e segs. do CIRE não está prevista a hipótese em apreço, nomeadamente no seu artigo 159º, que, manifestamente, não visa regular o caso presente.
É, pois, aplicável à situação o disposto no artigo 826º, 2, do CPC” (atual 743.º)
Assim, no caso em apreço, embora não estejamos perante duas execuções, as vantagens para credor e devedores na venda conjunta das quotas-partes de cada um destes são igualmente evidentes.
Nesta conformidade, por identidade de razões e atenta a citada jurisprudência cujos fundamentos subscrevemos, é de acolher a pretensão do Agente de Execução, autorizando-se a venda da totalidade dos bens imóvel aqui penhorados no âmbito do processo de insolvência, com repartição do produto da venda pelos dois processos, o de execução e o de insolvência.
Quanto ao pedido de notificação do Administrador de Insolvência para promover o registo da apreensão da meação do executado insolvente relativamente a esses imóveis, vai indeferido, uma vez que este Tribunal carece de competência para determinar o queque r que seja relativamente àquele processo de insolvência.
Notifique.
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Notificado, veio o Executado-Habilitado EE – a 25 de Janeiro de 2023 – requerer, “sem prejuízo do direito de recorrer do douto despacho de 11/01/2023 (…) ao abrigo do art.º 614.º n.º 1 e art.º 616.º n.º 2 do C. P. Civil e do principio da economia processual, a reforma do referido despacho” (basicamente, entendendo que há nele um erro quanto aos insolventes e aos direitos efetivamente apreendidos no âmbito do processo de insolvência n.º .../15 e que não foram apreendidos ou penhorados todos os quinhões do património autónomo, não estando preenchidos os requisitos do artigo 743.º, n.º 2, do CPC), concluindo por pedir que seja “retificado o douto despacho, indeferindo-se o requerimento do senhor Agente de Execução para que fosse autorizada a venda da totalidade dos bens imóveis aqui penhorados no âmbito do processo de insolvência, com repartição do produto da venda pelos dois processos, porquanto o mesmo decorre de lapso
manifesto na apreciação dos factos e na sua qualificação jurídica”.
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A 14 de Abril de 2023 o Tribunal a quo proferiu o seguinte Despacho:
“Notificado do despacho proferido em 11.01.2023, que autorizou a venda da totalidade dos bens imóveis aqui penhorados no âmbito do processo de insolvência, com repartição do produto da venda pelos dois processos, o de execução e o de insolvência, veio o habilitado executado EE pedir a respetiva reforma, para tanto alegando, em síntese, que o mesmo enferma de lapso manifesto na apreciação dos factos e na sua qualificação jurídica.
Respondeu o exequente pronunciando-se pelo indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
Estatui o art. 613.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, que “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, aplicando-se tal princípio aos próprios despachos por força do n.º 3 do mesmo dispositivo legal.
Contudo, é lícito ao juiz, nesse caso, retificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas e reformar a sentença ou os despachos (art. 613.º, n.º 2), podendo, ainda, as partes, quando a decisão não admita recurso, requerer a reforma da sentença ou dos despachos quando tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou constem do processo documentos ou elementos que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja considerado (art. 616.º, n.º 2).
Cabendo recurso da decisão, tal requerimento só poderá ser feito na própria alegação de recurso.
No caso, é manifesto que a decisão proferida era suscetível de recurso, atento o valor da causa.
Assim, o pedido de reforma só poderia ser formulado na própria alegação de recurso que contra aquele despacho tivesse sido interposto, e nunca através de simples requerimento avulso.
Termos em que, face ao exposto, indefiro o pedido de reforma formulado pelo habilitado executado.
Custas incidentais a cargo do habilitado executado EE, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (art. 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela II que do mesmo faz parte integrante).
Notifique”.
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Intentado recurso de apelação deste despacho de 14.10.2023, foi em 12.09.2023 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no apenso E, Acórdão que julgou improcedente a apelação e manteve a decisão recorrida, conforme Acórdão que ora se dá por reproduzido.
Nesse Acórdão enunciou-se como questão a apreciar a verificação da admissibilidade/tempestividade da reforma do despacho de ... de ... de 2023, tendo-se consignado, entre o mais, que:
“Comecemos por assentar em que o Recorrente-Executado-Habilitado não pretende com o Requerimento de 25 de Janeiro de 2023 rectificar o que quer que seja, mas sim alterar o decidido.(…)”
“Na situação dos presentes autos, parece evidente que o Recorrente-Executado- Habilitado confunde erro material com erro judicial, uma vez que toda a sua argumentação aponta para o que considera ter sido um erro de apreciação da situação jurídica em causa, um erro quanto à decisão principal.
Por outro lado, o Recorrente-Executado-Habilitado não recorreu do despacho em causa, nem no que concerne à decisão principal, nem quanto à decisão secundária.
O Tribunal a quo não parte pois de qualquer errado pressuposto no sentido de que a parte não poderia reclamar se não quisesse recorrer: esse entendimento seria – de facto – errado quanto a erros materiais (cuja rectificação pode ser pedida a todo o tempo), mas, no que respeita a putativos erros judiciais, estes só podem ser colocados em causa em sede de recurso (e apenas se não for admissível recurso, através de reclamação).
No caso dos autos, o recurso era admissível. E não foi apresentado.
O que o Tribunal diz – e bem – é que se esgotou o seu poder jurisdicional e que “o pedido de reforma só poderia ser formulado na própria alegação de recurso que contra aquele despacho tivesse sido interposto, e nunca através de simples requerimento avulso”.(…).
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Em 29.04.2024 o exequente apresentou requerimento que ora se dá por reproduzido, invocando lapsos de natureza jurídica, no qual conclui que devem os autos prosseguir com a venda dos três imoveis penhorados para pagamento da divida ao Novo Banco, sa de harmonia com o disposto no art. 2068º do CC.
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Em 18.06.2024 foi proferido despacho nos seguintes termos:
“Por despacho proferido em 11.01.2023, foi autorizada a venda da totalidade dos bens imóveis aqui penhorados (o prédio urbano descrito CRP de ..., sob o n.º 534, da ...; a fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano descrito na CRP de ..., sob o n.º 4882, da freguesia de ...; e a fração autónoma designada pela letra “K” do prédio urbano descrito na ..., sob o n.º 202, da freguesia de ...) no âmbito do processo de insolvência n.º .../15, com repartição do produto da venda pelos dois processos, o de execução e o de insolvência.
A venda não foi até hoje ainda concretizada no âmbito do processo de insolvência.
Vem por isso a exequente informar que exequente e executado desistiram da venda conjunta no processo de insolvência, requerendo que a venda possa ser feita no âmbito da presente execução.
Assim, e em face do anteriormente decidido, determino se solicite ao Mm.º Juiz do processo de insolvência que informe se existe alguma coisa a opor a que a venda dos referidos imóveis se faça no âmbito da presente execução, com repartição do produto da venda por ambos os processos, de execução e de insolvência.
Notifique.
D.N.”.
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Em 26.06.2024 , o exequente apresentou o requerimento a pedir que se dê sem efeito a ultima parte do despacho de 18.06.2024 porquanto o produto da venda dos três imóveis penhorados não será para repartir pelos dois processos, mas só para pagar ao Novo Banco, sa, devendo os autos de execução prosseguir com a venda dos imoveis penhorados.
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Em 04.07.2024, o herdeiro habilitado como executado EE apresentou requerimento onde se opõe à repartição do produto da venda por ambos processos do produto da venda dos bens penhorados nestes autos e que integram as heranças abertas por óbito dos seus pais AA e BB, devendo ser dado sem efeito o douto despacho de 18/06/2024.
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Em 07.10.2024 foi, no processo executivo, proferido o seguinte despacho:
“Nos presentes autos foram penhorados dezasseis imóveis, três deles propriedade dos executados AA e BB (verbas n.ºs 1 a 3), e os restantes treze propriedade dos executados ..., Lda. (verbas n.ºs 4 e 5) e CC e DD (verbas n.ºs 6 a 16).
Atenta a declaração de insolvência dos executados ..., Lda., CC e DD, a execução prosseguiu, apenas, para venda dos imóveis penhorados sob as verbas n.ºs 1 a 3.
Porém, apurando-se que os executados AA e BB haviam falecido, foram habilitados para prosseguirem os termos da demanda, como seus únicos sucessores, os seus filhos CC (que também já era executado nos autos) e EE.
CC foi, entretanto, declarado insolvente no Proc. n.º .../15, que corre termos no Juízo de Comércio de Sintra (J4), processo onde foi apreendido o quinhão hereditário de que é titular na herança aberta por óbito dos seus falecidos pais, herança essa de que fazem parte os imóveis que foram penhorados nesta execução sob as verbas n.ºs 1 a 3.
Por despacho de 11.01.2023, que se mostra transitado em julgado, foi autorizada, a pedido do agente de execução, a venda da totalidade destes imóveis no processo de insolvência do executado CC, com repartição do produto da venda pelos dois processos, o de execução e o de insolvência.
Por requerimentos dirigidos aos autos, respetivamente, em 29.04.2024 e em 04.07.2024, vieram, entretanto, a exequente e o habilitado EE defender que o presente processo padece de alguns lapsos de natureza jurídica que importa corrigir, uma vez que os aludidos imóveis, descritos sob as verbas n.ºs 1 a 3 do auto de penhora, por integrarem a herança dos falecidos executados, devem responder em primeiro lugar pelas suas dívidas, não existindo fundamento legal para que não possam ser vendidos na sua totalidade na presente execução, conforme, entretanto, acordaram com o agente de execução, desistindo de realizarem a venda conjunta no processo de insolvência; e que o produto da venda deve ser entregue na sua totalidade ao exequente, porquanto o quinhão hereditário do insolvente só pode ser vendido após ser pago o crédito exequendo.
Solicitada informação ao Mm.º Juiz do processo de insolvência sobre se tinha alguma coisa a opor a que a venda dos imóveis se faça no âmbito desta execução, com repartição do produto da venda por ambos os processos, de execução e de insolvência, informou o mesmo que “não existe qualquer obstáculo à realização da venda dos bens/direitos penhorados no âmbito da vossa execução, sem prejuízo dos direitos a exercer pela massa insolvente (representada pelo AI), naquele processo, tendo por base a apreensão vigente nestes autos do quinhão hereditário que o insolvente CC detém na herança de seus pais AA e BB, e que integra uma quota ideal sobre :
- o prédio urbano descrito CRP de ..., sob o n.º 534, da ...;
- a fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano descrito na CRP de ..., sob o n.º 4882, da freguesia de ...;
- e a fração autónoma designada pela letra “K” do prédio urbano descrito na ..., sob o n.º 202, da freguesia de ....”.
Cumpre apreciar e decidir da pretensão da exequente e do habilitado EE.
Na presente execução, como se referiu, foram penhorados três imóveis que pertenciam aos executados AA e BB (verbas n.ºs 1 a 3 do auto de penhora).
Tendo estes falecido, foram habilitados como seus únicos e universais herdeiros os seus dois filhos, CC e EE, que prosseguem na execução, como seus representantes, para todos os efeitos legais.
Ocorre que, tendo um desses sucessores sido declarado insolvente, foi apreendido o quinhão hereditário de que é titular na herança dos seus pais, onde se integram os imóveis aqui penhorados.
É certo que, obtida a concordância do Mm.º Juiz do processo de insolvência, nada obsta à venda da totalidade dos imóveis no presente processo.
Porém, a totalidade do produto da venda não pode ser entregue ao exequente, como se defende, uma vez que, no momento da morte dos executados abriu-se a sucessão, com o chamamento dos habilitados à titularidade das relações jurídicas dos falecidos que, com a aceitação da herança, adquiriram o domínio e a posse do conjunto dos bens que integram a herança indivisa (arts. 2031.º, 2032.º, n.º 1, e 2050.° do Código Civil).
E, enquanto titulares de um direito à herança assim entendida, ou seja, enquanto titulares em comunhão do património autónomo que a mesma constitui (independentemente da consideração da sua natureza jurídica como património autónomo, universalidade de direito ou situação jurídica complexa), os habilitados passaram a ser os titulares do direito a uma quota hereditária do mesmo.
E a quota hereditária que pertence ao executado CC foi apreendida no processo de insolvência.
Ora, a massa insolvente abrange, salvo disposição em contrário, todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (art. 46.º, n.º 1, do CIRE).
E, dispõe o art. 149.º do mesmo diploma legal que:
“1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.”.
Assim, tendo o habilitado CC sido declarado insolvente, o valor correspondente ao quinhão hereditário de que é titular pertence à massa insolvente, e sempre teria de ser transferido para a conta da massa, ainda que os imóveis já tivessem sido vendidos aquando da declaração de insolvência. Só assim não aconteceria se o produto da venda já tivesse, na data da declaração de insolvência, sido entregue ao exequente.
Não se vislumbra por isso a existência no processo de qualquer lapso de natureza jurídica que importe corrigir.
Termos em que, obtida que foi a concordância do Mm.º Juiz do processo de insolvência, determino que a venda dos imóveis penhorados sob as verbas n.ºs 1 a 3 seja feita no âmbito da presente execução, com repartição do produto da venda por ambos os processos, o de execução e o de insolvência.
Notifique.”
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Inconformado, o exequente intentou recurso de apelação, formulando alegações com as seguintes conclusões (cf. req. de 22.10.2024):
I.O Novo Banco, S.A., moveu, em 26/01/2009, execução, com base três livranças, nos valores de €71.587,41, €82.553,06 e €486.338,92, subscritas pela executada ...,Lda., e avalizadas por AA, BB, CC e DD, as quais vencidas e apresentadas a pagamento, em 27/11/2008, não foram pagas.
II.A execução prosseguiu os seus ulteriores termos tendo sido penhorados 16 imóveis, conforme Auto de Penhora, lavrado em 22/05/2009, sendo que, só 3 são propriedade dos executados AA e BB - verbas 1 a 3, porquanto, as verbas 4 e 5 eram propriedade da firma ..., Lda., declarada Insolvente e as verbas 6 a 16 são propriedade dos executados CC e DD, declarados também Insolventes em 03/07/2010.
III.Entretanto, os executados AA e BB faleceram e por douta sentença proferida no dia 07/03/2014, (Apenso C) foram julgados habilitados os filhos EE e CC, sendo que só este último é devedor e executado, nos autos supra.
IV.Dos sucessores dos executados falecidos AA e BB só o filho destes CC é também devedor e executado, nos autos supra, tendo, entretanto sido declarado insolvente no dia 03/07/2010, no âmbito do proc.0 n° .../15, que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Comércio de Sintra - J. 4.
V.No âmbito do processo de Insolvência do CC (melhor identificado no ponto anterior) foi apreendido pelo Administrador de Insolvência, no dia 17/02/2022, o “Quinhão Hereditário que o Insolvente CC detém na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seus pais AA e BB.” - Verba 19
VI.Na Adenda ao Auto de Apreensão lavrado a 17/02/2022, o Sr. Administrador ao proceder à apreensão do “Quinhão Hereditário que o Insolvente CC detém na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seus pais AA e BB.”, para além dos 3 imóveis penhorados na execução, identificou ainda diversos outros imóveis como parte integrante na aludida herança.
VII.Por Ofício datado de 24/10/2024, o Sr. Agente de Execução requereu ao Tribunal o seguinte : Deste modo, vem o aqui signatário requerer que a venda das meações (do insolvente e do herdeiro habilitado) referente a estas 3 verbas decorra conjuntamente sendo, caso assim seja entendido, proferido despacho a autorizar a venda na totalidade no âmbito do processo de Insolvência com a repartição do produto da venda relativamente ao executado judicialmente habilitado por óbito de seus pais e proprietários originários das 3 verbas, EE. ”, o que veio a ser deferido pelo Tribunal “ a quo”.
VIII.Por requerimento de 29/04/2024, o exequente veio ao processo informar que o processo padece de alguns lapsos que importa corrigir, uma vez que o Sr. Agente de Execução, procedeu, por lapso, à penhora do “Quinhão hereditário que o executado EE detém na herança aberta por óbito dos executados BB e de AA. ”, tendo o exequente ali informado os autos que tinha requerido ao Sr. Agente de Execução, o levantamento da referida penhora, o que veio a suceder.
IX.Por douto despacho proferido no dia 07/10/2024, o Tribunal “ a quo" proferiu o douto despacho recorrido, que decidiu '“Termos em que, obtida que foi a concordância do Mm.° Juiz do processo de insolvência, determino que a venda dos imóveis penhorados sob as verbas n°s 1 a 3 seja feita no âmbito da presente execução, com repartição do produto da venda por ambos os processos, o de execução e o de insolvência. ”, decisão esta com a qual o aqui Apelante não se conforma, e da qual vai interposto o presente recurso de Apelação.
X.Nos termos do art.° 2097 do Código Civil : “Os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos.”
XI.A herança responde em primeiro lugar e EMPERATIVAMENTE, pelas dívidas dos executados falecidos como decorre do disposto no artigo 2068.° do Código Civil que diz o seguinte: “A herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido, e pelo cumprimento dos legados.” (sublinhado nosso ) Veja-se a este propósito o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no dia 06/06/2024 ( Proc.° n° 6502/13.1TBCSC-B.LI-8 ; Relatora : Cristina Lourenço), disponível para consulta em www.dgsi.pt.
XII.Os bens que compõem a herança dos executados/falecidos AA e BB, respondem em primeiro lugar, pelas dívidas dos referidos executados, devendo, os mesmos serem vendidos na sua totalidade, na presente execução.
XIII.Só após vendidos os bens dos executados/devedores/falecidos AA e BB e pagas as dívidas ao Novo Banco, S.A nos presentes autos é que poderão ser apreendidas e transferidas, as “sobras”, se as houver, para o processo de Insolvência do CC, e só na parte que lhe couber, dado que, são dois herdeiros.
XIV.Se o produto da venda dos 3 imóveis penhorados, for suficiente, para pagar a dívida exequenda, ao Novo Banco,S.A. e existir algum valor remanescente, então aí, sim, esse valor remanescente poderá reverter para o processo de insolvência, mas, apenas a parte correspondente a Vi que pertence ao filho Insolvente, CC, revertendo a outra Vi para o outro filho., EE.
XV.Compreende-se, assim, que o Mm” Juiz do processo de insolvência tenha, tal como vem referido no douto despacho recorrido, informado o seguinte “não existe qualquer obstáculo à realização da venda dosbens/direitos penhorados no âmbito da vossa execução, sem prejuízo dos direitos a exercer pela massa insolvente (representada pelo AI), naquele processo, tendo por base a apreensão vigente nestes autos do quinhão hereditário que o insolvente CC detém na herança de seus pais AA e BB, e que integra uma quota ideal sobre : (...) “
XVI.Os 3 imóveis foram penhorados aos executados falecidos em 22/05/2009, sendo certo que, nos termos do art.° 82271 do Código Civil “Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.”
XVII.E, como é sabido, nos termos do art.° 601° do Código Civil: “Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.”
XVIII.A acolher-se a posição defendida pelo douto despacho recorrido, o exequente, não obstante ter registado uma penhora que lhe confere o direito a ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, veria 1/2 do produto da venda reverter a favor dos credores não dos executados falecidos que nunca estiveram insolventes, mas a favor dos credores do Insolvente filho/sucessor, o que não pode aceitar-se !
XIX.Como se determina no art.° 2068/1 do Cód. Civil, o que responde pelas dívidas da herança, são os bens da herança - a partilha dos bens nunca poderá colocar esta regra basilar em crise - fugindo às regras imperativas do Código Civil.
XX.No nosso caso, não existiu partilha, mas ainda que tivesse havido, o princípio de que o que responde pelas dívidas da herança, são os bens da herança, nunca poderia ser posto em causa.
XXI.Como resulta do regime legal concretizado, designadamente, nas nomas constantes dos artigos 2068°, 2070° e 2097° do Código Civil, nunca pretendeu o legislador, colocar os credores do de cujus numa posição mais desfavorável do que aquela em que se encontravam antes da morte daquele.
XXII.Ora, é precisamente esse o equilíbrio encontrado pelo legislador entre os diferentes interesses em confronto que estipula o interesse do credor em ser pago pelas forças dos bens do devedor originário.
XXIII.Com a estatuição das regras gerais em apreço, nunca pretendeu o legislador desproteger os credores da herança.
XXIV.Aliás, prevê expressamente o art.° 207071 do Código Civil sob a epígrafe “Preferências” que : “1. Os credores da herança e os legatários gozam de preferência sobre os credores pessoais do herdeiro, e os primeiros sobre os segundos. ”
XXV.Aberta a herança por óbito dos executados AA e BB, os credores da herança (entenda-se, o exequente) gozam de preferência sobre os credores pessoais do herdeiro, CC, e os primeiros sobre os segundos, regra essa que é IMPERATIVA.
XXVI.Como diz Coelho, M. Cristina Pimenta in “ Da responsabilidade pelos encargos da herança’’, cit. pp. 63-64: “as prioridades estabelecidas no art.° 2070° são absolutamente imperativas, dados os motivos que as ditam e os interesses que visam assegurar, pelo que, qualquer disposição do testador ou acordo em contrário serão nulos e de nenhum efeito. ’’
XXVII.O art.° 149° do CIRE, que vem referido no douto despacho recorrido, só seria aplicável se o devedor, no nosso caso, os executados falecidos AA e BB, tivessem sido declarados insolventes, o que nunca aconteceu.
XXVIII.Os proprietários dos bens imóveis penhorados na execução são os pais do CC e não este. A herança aberta por óbito dos executados AA e BB, responde, pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido, e pelo cumprimento dos legados, como determina o art.° 2068° do Código Civil.
XXIX.Como escreve Jorge Duarte Pinheiro In O Direito das Sucessões Contemporâneo, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, 4a Ed., pp. 396 e seguinte ) : “A liquidação da herança traduz-se na satisfação das dívidas do autor da sucessão e de outros encargos gerais que oneram a herança. (...) O fenómeno sucessório está encerrado apenas quando os bens hereditários adquiridos pelo herdeiro se confundem no património deste, quando o estatuto daqueles é idêntico ao dos bens pessoais do herdeiro. E isto só acontece quando os credores da herança deixam de ter preferência sobre os credores pessoais do herdeiro na satisfação dos seus créditos à custa dos bens herdados : cinco anos a contar da abertura da sucessão ou da constituição do encargo geral da herança, se esta for posterior ( cfr. art.° 2070°)
XXX.Só após pagas as dívidas do autor da sucessão e de outros encargos gerais que oneram a herança ( no caso dos autos de AA e BB ) é que os bens hereditários adquiridos pelo herdeiro (CC) se confundem no património deste.
XXXI.Assim, ao ordenar a repartição do produto da venda dos bens penhorados aos executados falecidos, por ambos os processos, o de execução e o de insolvência, violou, o douto despacho recorrido, o disposto, designadamente, nos artigos 601°, 2068°, 2070°, 2097° do Código Civil e art.° 82271 do CPC.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente por provado e, outrossim, o douto despacho recorrido que determinou a repartição do produto da venda por ambos os processos, o de execução e o de insolvência ser revogado, e substituído por outro que determine que o produto da venda dos bens penhorados aos executados falecidos, reverta, em primeiro lugar, para o pagamento da dívida ao Novo Banco objecto da execução, com todas as demais consequências legais, com o que será feita, Venerandos Juízes Desembargadores, a vossa habitual, JUSTICA!”
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O habilitado EE também apelou, apresentando alegações com as seguintes conclusões (req. de 27.10.2024):
“A) Não sendo o Executado CC credor privilegiado de AA e de BB não pode, nem a massa insolvente, ser pago pelo produto da venda dos bens próprios destes na presente execução;
B) A decisão recorrida ao mandar repartir o produto da venda dos bens próprios dos executados AA e de BB com o processo de insolvência viola o preceituado nos artigos 788.º n.º 1 art.º 796.º n.º 2, ambos do CPC;
C) O Recorrente e CC são herdeiros legitimários de AA e de BB e têm quinhões hereditários idênticos correspondentes a metade das heranças, nos termos dos artigos 2131.º, 2133.º n.º 1, alínea a) e 2139.º n.º 1, todos do Código Civil;
D) A decisão do Tribunal a quo privilegia o devedor e executado CC, entregando-lhe 50% do património dos seus pais para pagar aos seus credores no processo de insolvência e onera o Recorrente, imputando integralmente ao seu quinhão hereditário a obrigação de suportar a totalidade das dividas da herança;
E) Este entendimento do Tribunal a quo viola o preceituado nos artigos 2068.º, 2070.º n.º 1 e 2097.º do Código Civil que determinam que a herança indivisa responde coletivamente pelas dividas do falecido e;
F) o preceituado nos artigos 2071.º e 2098.º que determina que os herdeiros, após a partilha, só respondem pelas dividas na proporção da sua quota;
G) Não tendo sido penhorados todos os quinhões hereditários das heranças abertas por óbito de AA e de BB não estão preenchidos os requisitos do art.º 743.º n.º 2 do C. P. Civil para que o Tribunal a quo determine a partilha do produto da venda dos imóveis que integram as heranças;
H) O Tribunal a quo não pode assim penhorar, vender e partilhar com o processo de insolvência o produto da venda dos bens compreendidos na herança, tudo nos termos do art.º 743.º n.º 1 do CPC.
I) A decisão de vender bens que integram duas heranças indivisas e de partilhar 50% do produto da venda dos referidos bens entre os dois processos viola o art.º 743.º n.ºs 1 e 2 do CPC.
J) Os bens pertencentes à herança aberta pelo óbito dos executados AA e de BB respondem prioritariamente pela divida destes e só subsidiariamente pelas dividas pessoais dos herdeiros e de acordo com a sua quota;
K) Este é o único entendimento compatível com o preceituado no artigo 2068.º conjugado com os artigos 2070.º n.º 1 e 2097.º do Código Civil;
L) Andou mal o Tribunal a quo quando determinou a repartição do produto da venda dos imóveis penhorados sob as verbas n.ºs 1 a 3 no âmbito da presente execução por ambos os processos, o de execução e o de insolvência
M) Pelo supra exposto deverá ser anulada a decisão recorrida, por ilegal, na parte em que determina a repartição do produto da venda dos imóveis penhorados sob as verbas n.ºs 1 a 3 no âmbito da presente execução por ambos os processos, o de execução e o de insolvência.
Nestes termos e nos demais de direito requer-se a Vossas Excelências que admitam o presente recurso, por provado, e por via dele determinem a anulação do despacho recorrido, na parte em que determina a repartição do produto da venda dos imóveis penhorados sob as verbas n.ºs 1 a 3 no âmbito da presente execução por ambos os processos, o de execução e o de insolvência., fazendo-se assim a acostumada justiça.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Os recursos foram admitidos como apelações, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Já neste Tribunal da Relação foi proferido o seguinte despacho:
“ No despacho recorrido consta, entre o mais, que: “(…)Por despacho de 11.01.2023, que se mostra transitado em julgado, foi autorizada, a pedido do agente de execução, a venda da totalidade destes imóveis no processo de insolvência do executado CC, com repartição do produto da venda pelos dois processos, o de execução e o de insolvência.”
Assim, ao abrigo do art. 3º nº3 do CPC, convidam-se as partes a pronunciarem-se, em dez dias, sobre eventual caso julgado formal decorrente do despacho de 11.01.2023, e sobre as respetivas repercussões nas pretensões recursivas.
Notifique. “
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O exequente Novo Banco sa veio defender que as realidades fácticas em apreciação no despacho de 11.01.2023 e no despacho de 07.10.2024 são diversas, pois no primeiro o que estava em discussão era a obtenção pelo AE de prévia autorização para venda dos quinhões hereditários em conjunto no processo de executivo e no processo de insolvência, enquanto que o que está atualmente em discussão é saber se feita a venda da totalidade de três imoveis penhorados no processo executivo aos primitivos executados AA e BB, entretanto falecidos, o produto da venda dos mesmos reverte totalmente para a execução para pagamento da divida ou se é para repartir pelo processo executivo e pelo processo de insolvência do filho dos executados, também executado CC, entre tanto declarado insolvente.
Por sua vez, o apelante EE defendeu que seria sempre possível ao Tribunal a quo proferir nova decisão sobre o objeto da decisão de 11.01.2023, porque a primeira decisão teve por base um requerimento do Agente de Execução e a segunda decisão de 07/10/2024, teve por base “(…) requerimentos dirigidos aos autos, respetivamente, em 29.04.2024 e em 04.07.2024, vieram, entretanto, a exequente e o habilitado EE defender que o presente processo padece de alguns lapsos de natureza jurídica que importa corrigir, uma vez que os aludidos imóveis, descritos sob as verbas n.ºs 1 a 3 do auto de penhora, por integrarem a herança dos falecidos executados, devem responder em primeiro lugar pelas suas dívidas, não existindo fundamento legal para que não possam ser vendidos na sua totalidade na presente execução, conforme, entretanto, acordaram com o agente de execução, desistindo de realizarem a venda conjunta no processo de insolvência; e que o produto da venda deve ser entregue na sua totalidade ao exequente, porquanto o quinhão hereditário do insolvente só pode ser vendido após ser pago o crédito exequendo” .
Logo, a decisão de 11/01/2023 não impede que o Juiz do Tribunal a quo tome nova decisão sobre a modalidade da venda e a repartição do produto da mesma, porque esta é a vontade das partes, a venda ainda não se realizou e o produto da mesma não foi distribuído. Não tendo sido feita a venda dos bens e não tendo o Juiz perdido o poder jurisdicional, não se verifica violação do caso julgado formal, tudo nos termos do art.º 621.º, segunda parte, do C.P. Civil. Também não existe identidade de objeto ou causa de pedir nas duas decisões. Efetivamente o que se discute no despacho de 11/01/2023 é a obtenção prévia do Agente de Execução para a venda dos bens penhorados na execução na ação de insolvência e o que se discute no despacho recorrido é se o produto da venda deve ou não ser distribuído pelos dois processos.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objeto dos recursos:
As questões a apreciar nos recursos são as que resultam das respetivas conclusões e ainda as questões de conhecimento oficioso de que caiba conhecer, conforme se passa a elencar:
- Exceção de Caso julgado formal (questão de conhecimento oficioso);
- Erro de Direito relativo à decisão de repartição do produto da venda dos imóveis penhorados.
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III- Fundamentação de facto:
Os factos provados com relevância para a decisão são os que constam do relatório supra.
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IV- Fundamentação de Direito:
Cumpre apreciar a questão do eventual caso julgado formal decorrente do despacho de 11.01.2023 obstativo de nova decisão sobre a questão aí analisada, exceção dilatória de conhecimento oficioso (art. 577 al i) e 578º ambos do CPC), e que, como tal, ainda que não tenha sido suscitada nas alegações de recurso, é cognoscível pelo Tribunal ad quem, desde que precedida do necessário contraditório.
Para efeitos de tal conhecimento oficioso é necessário, repete-se, permitir às partes prévio contraditório.
Sobre esta questão, veja-se António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed. Atualizada, pag. 301, que refere o seguinte: “O contraditório deve ser especialmente assegurado nas seguintes situações: (…) Apreciação oficiosa de exceções dilatórias sobre as quais as partes não se pronunciaram e que, contra o que seria de supor, impeçam uma decisão de mérito;”
No caso, foi já propiciado esse contraditório, tendo os apelantes pugnado pela inexistência da exceção, nos termos expostos no relatório supra.
Está em causa aferir se o trânsito em julgado do despacho de 11.01.2023 configura exceção de caso julgado (in casu caso julgado formal) que obste ao conhecimento do mérito dos recursos sobre o despacho de 07.10.2024.
Dispõem os arts. 619 e 620 do CPC, respetivamente, que:
Art. 619:
“1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.
2 - Mas se o réu tiver sido condenado a prestar alimentos ou a satisfazer outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação.”
Art 620º:
“1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
2 - Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º.”
Por sua vez, dispõem os arts. 580 e 581º do CPC (para os quais remete o art 619º do CPC) que:
Art. 580:
“1 - As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado.
2 - Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
3 - É irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais.”
Art. 581º:
“1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.”
O art. 619º do CPC refere-se ao caso julgado material, ou seja, ao caso julgado que se forma relativamente à relação material controvertida por via de uma sentença de mérito que decida a causa e transite em julgado - caso julgado que se apura de acordo com os requisitos e limites previstos nos arts 580º e 581º do CPC para os quais o referido art 619º do CPC remete -, e o art. 620º refere-se ao caso julgado formal, ou seja, ao caso julgado que se forma, apenas para o mesmo processo, relativamente à relação processual, ou melhor dizendo, a uma concreta questão processual que tenha sido decidida anteriormente nesse processo.
Sobre esta distinção, veja-se o Ac. do TRP de 04.03.2024 proferido no Processo 1027/22.7T8AGD-A.P1 (Relator: EUGÉNIA CUNHA), cujo sumário se passa a reproduzir:
“I - No instituto de caso julgado temos a distinguir o caso julgado formal do caso julgado material, pressupondo este aquele.
II - A sentença que recai sobre o mérito da causa, sobre a relação jurídica substancial, conhecendo do pedido, produz caso julgado material (v. art. 619º), impondo-se, para além de dentro do processo, fora do mesmo, e as demais decisões, sejam elas proferidas na ação principal sejam outras, designadamente em incidentes, produzem caso julgado formal, com força obrigatória apenas dentro do processo (cfr. art. 620º) em que foram proferidas.
III - Proferido, em incidente de oposição à penhora, apenso a ação executiva, despacho liminar a admitir o incidente, não é admissível novo despacho liminar, não podendo a questão da admissibilidade liminar do incidente ser reapreciada, ser objeto de uma segunda decisão liminar.
IV - A segunda decisão proferida, inadmissível e incompatível com a primeira, tem de ser afastada, sem o que se originaria dentro do processo duas decisões liminares contraditórias, impondo-se a ulterior tramitação do incidente (cfr. nº 2 e segs do art. 785º, do CPC e v., ainda arts 293º a 295º e art. 732º, nº1 e 3, aplicáveis ex vi, nº2, do art. 785º, todos daquele diploma legal) e que, na consideração da oposição já oferecida pela exequente, seja proferida decisão, de apreciação da procedência ou não do deduzido incidente.”
Veja-se também, a propósito do caso julgado formal, o Ac. proferido pelo STJ em 29.04.2025 no Processo 1161/19.0T8VRL-D.G1.S1 (Relator:TERESA ALBUQUERQUE), com o seguinte sumário :
“I – A ofensa ao caso julgado formal pressupõe a existência de contradição entre despachos sucessivos sobre a mesma questão que se mostrem produzidos no mesmo processo ou em incidentes que, dele dependendo, corram por apenso, e advém do dispositivo a que se reporta a primeira decisão.
II – Um despacho que se limita a advertir a insolvente de que não obstante a qualidade de fiel depositária em que irá ser investida, a obrigação de entrega do imóvel ocorrerá com a venda do mesmo, não encerra, relativamente a ela, qualquer comando que possa constituir caso julgado.
III – Motivo por que o despacho subsequente que ordena ao administrador da insolvência que ultime a venda do imóvel e à insolvente que proceda à sua entrega em 15 dias não contraria aquele outro.”
Como explica Rui Pinto in “Exceção e Autoridade de Caso Julgado, algumas Notas Provisórias”, https://portal.oa.pt/media/130229/rui-pinto_roa_i_ii-2018-revista-da-ordem-dos-advogados.pdf:
“Alcançada a qualidade de imutabilidade, o enunciado constante da decisão passa a ter “força obrigatória” dentro do processo (cf. art. 620.º, n.º 1, sem prejuízo dos despachos do art. 630.º ressalvadas pelo respetivo n.º 2) e (também) fora dele, quando julgue do mérito da causa. Note-se que este diferente âmbito do caso julgado tem, pois, que ver com o objeto da decisão, e corresponde, respetivamente, ao caso julgado formal e ao caso julgado material(5).
(…) A força obrigatória das decisões que gozam de caso julgado formal é absoluta: mantém-se mesmo que o juiz seja substituído por outro ou o processo seja remetido para outro tribunal, por ex., na sequência de alteração do mapa judiciário(6). tampouco pode ser afastada por uma mera invocação do princípio da adequação formal, do art. 547.º(7).
Exemplos: RL 5-11-2013/Proc. 1043/09.4t2amd.l1-7 (Rosa Ribeiro Coelho):
“a decisão, aceite por ambas as partes, que considerou ser adequada a forma de processo comum sumario, e não a de expropriação que vinha sendo adotada, recaindo sobre a relação processual, concretamente sobre a forma de processo adequada para apreciar e decidir a pretensão deduzida, tem força obrigatória dentro do processo, nos termos do n.º 1 do art. 620.º do CPC — idêntico ao art. 672.º, n.º 1 do CPC então vigente —, pelo que no seu âmbito não é admissível outro despacho sobre a matéria”;
RE 21-01-2016/Proc. 2450/10.5tvlsB.e1 (Mata Ribeiro): “o despacho proferido a indeferir liminarmente o incidente de habilitação, entendendo que o mesmo, tendo sido requerido depois de ter sido proferido o acórdão pelo qual se julgou definitivamente a ação, altura em que estavam já findos os termos desta, era manifestamente intempestivo, uma vez transitado em julgado, faz caso julgado formal, impedindo que posteriormente venha o tribunal a proferir novo despacho de sentido contrário”.
Dito isto, deve ser tido em conta que o n.º 2 do art. 620.º determina que se excluem da regra do caso julgado formal “os despachos previstos no art. 630.º”(8). esta exclusão não significa que esses despachos não tenham força obrigatória dentro do processo. Significa, sim, que o juiz não estará vinculado a eles de modo absoluto, podendo alterá-los.
É certo que o juiz deve respeitar as legitimas expetativas das partes que confiaram no conteúdo da primeira decisão, ou seja: a proibição de arbítrio decisório, decorrente não só da segurança jurídica, mas também do processo equitativo (cf. art. 20.º, n.º 4 da Constituição), sempre limitará a alteração posterior do despacho inicial.
Mas o juiz pode alterar uma decisão ao abrigo do art. 620.º, n.º 2 se houver a superveniência de factos ou de direito que tornem essa alteração necessária para bom andamento do procedimento ou a boa decisão da causa. Por ex.: o despacho de marcação da data da audiência final [cf. arts. 591.º, n.º 1, al. g) e 593.º, n.º 2, al. d)], pode ser alterado se o juiz tem de realizar um exame medico, mais tarde agendado; o juiz pode revogar prévio despacho seu em que marcara uma inspeção judicial (cf. art. 490.º), com fundamento em que a mesma se tornou desnecessária.(…)”
Assim, a exceção de caso julgado material pressupõe a repetição de uma causa já julgada (ou seja, repetição da apreciação da mesma relação material controvertida, a qual se verifica quando são idênticos, nas duas ações, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, nos previstos nos art. 580º e 581º do C.P.C.), enquanto que a exceção de caso julgado formal pressupõe a repetição da apreciação, no mesmo processo, de questão adjetiva/processual já analisada e resolvida.
E é nesta última sede que nos situamos, pelo que não há lugar à apreciação dos requisitos/limites da identidade de causas previstos nos arts 580º e 581º, que se reportam ao caso julgado material (cf. art. 619º do CPC).
Analisado o despacho de 23.01.2023 verifica-se que o mesmo incide sobre um pedido apresentado pelo AE (objeto de contraditório pelos ora apelantes) de autorização para que “as meações” (do insolvente e do herdeiro habilitado) referentes a esses imóveis decorra conjuntamente no processo de insolvência, com repartição do produto da venda pelos dois processos.
O que o AE funda no facto de no processo de insolvência ter sido apreendido o quinhão hereditário que o executado insolvente detém na herança de seus pais e de que fazem parte três imóveis penhorados na execução.
Ou seja, a questão processual em causa é a venda no processo de insolvência da totalidade dos referidos imóveis que foram penhorados no âmbito da execução, com repartição do processo do produto da venda pelos dois processos, o de execução e o de insolvência; questão que foi concretamente apreciada e provida pelo despacho de 11.01.2023, que, invocando o disposto no art. 743º nº2 do CPC, autorizou a venda da totalidade dos imóveis no âmbito do processo de insolvência, com repartição do produto da venda pelos dois processos, o de execução e o de insolvência.
Note-se que não se trata de despacho previsto no art. 630º do CPC (despachos de mero expediente/despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário/decisões de simplificação ou de agilização processual proferidas nos termos previstos nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º/decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º/decisões de adequação formal proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios), pelo que não se lhe aplica a exceção prevista no nº2 do art. 620º do CPC.
Portanto, transitando em julgado, formou tal despacho, quanto à questão sobre que incide e que apreciou em concreto (venda, no processo de insolvência, da totalidade dos referidos imóveis penhorados, com repartição do produto da venda entre o processo executivo e o processo de execução), caso julgado formal insuscetível de revogação no mesmo processo.
Por sua vez, analisado o despacho de 07.10.2024 verifica-se que o mesmo incide sobre requerimentos da exequente e do habilitado que substancialmente versam sobre a mesma questão (tanto mais que defendem que o processo enferma de lapsos jurídicos que importa corrigir, o que desde logo denota que se reportam a questões já decididas e não a uma nova questão), mas com perspetiva inversa, defendendo que os imóveis, por integrarem a herança dos falecidos executados devem responder em primeiro lugar pelas suas dividas, pelo que não há fundamento legal para tais imóveis não possam ser vendidos na sua totalidade na execução, conforme entretanto acordaram com o agente de execução, desistindo de realizar a venda conjunta no processo de insolvência, e que o produto da venda deve ser entregue na sua totalidade ao exequente (cf. parte final da primeira pagina e parte inicial da segunda pagina do despacho de 07.10.2024).
Ou seja, sob as vestes de invocação de lapso jurídico, pretende-se, em suma, reverter a decisão de 11.01.2023, estando novamente em causa exatamente a questão ali analisada e decidida, a venda da totalidade dos imóveis no processo de insolvência, com repartição do produto da venda pelos dois processos (execução e insolvência), situação que rejeitam. Trata-se, em substância, de uma impugnação tardia, e por meio impróprio, do referido despacho de 11.01.2023, com vista à alteração do que nele foi decidido, de forma a que os imóveis sejam vendidos na totalidade no processo de execução e o produto entregue ao exequente para pagamento da divida àquele (no req. de 29.04.2024 o exequente pede que os imóveis sejam vendidos na totalidade no processo de execução para pagamento da divida aquele, clarificando no req. de 26.06.2024 que o produto da venda dos três imóveis penhorados não será para repartir pelos dois processos, mas só para pagar ao Novo Banco, sa; o habilitado no requerimento de 04.07.2024 expressamente refere opor-se à repartição do produto da venda entre o processo de insovencia e o processo de execução).
Ora, se o despacho de 11.01.2023 enferma de erro jurídico, como, no fundo, defendem os ora apelantes nos requerimentos que deram azo ao despacho de 07.10.2024, então deveriam ter interposto recurso daquele despacho de 11.01.2023, recurso que, conforme expressamente se refere no Acórdão de 12.09.2023 proferido no apenso E, era admissível e não foi apresentado.
E como também resulta do dito Acórdão de 12.09.2023 proferido no apenso E, os putativos erros judiciais só podem colocados em causa em sede de recurso.
Nessa sequencia, tal Acórdão confirmou a decisão de indeferimento do pedido de reforma do despacho de 11.01.2023.
Ora, os requerimentos que deram azo ao despacho ora recorrido (despacho de 07.10.2024) tornam a sustentar a existência de erro jurídico no despacho de 11.01.2023, desta vez invocado não através de um pedido de reforma, mas por via de requerimentos ad hoc, à revelia da posição assumida pelo Acórdão proferido no apenso E, que, repete-se, considerou que os putativos erros judiciais só podem colocados em causa em sede de recurso.
Por não ter sido alvo de recurso, o trânsito em julgado do despacho de 11.01.2023 formou caso julgado formal quanto à decisão de venda da totalidade dos identificados imóveis no processo de insolvência, com repartição do produto da venda entre o processo de insolvência e o processo de execução, pelo que não poderiam os ora apelantes suscitar nova apreciação, em sentido diverso, da mesma questão.
Após o contraditório dado já no âmbito das presentes apelações a propósito da eventual exceção de caso julgado formal, veio a apelante exequente defender que as realidades fácticas em apreciação no despacho de 11.01.2023 e no despacho de 07.10.2024 são diversas, pois no primeiro o que estava em discussão era a obtenção pelo AE de prévia autorização para venda dos quinhões hereditários em conjunto no processo de executivo e no processo de insolvência, enquanto que o que está atualmente em discussão é saber se feita a venda da totalidade de três imoveis penhorados no processo executivo aos primitivos executados AA e BB, entretanto falecidos, o produto da venda dos mesmos reverte totalmente para a execução para pagamento da divida ou se é para repartir pelo processo executivo e pelo processo de insolvência do filho dos executados, também executado CC, entretanto declarado insolvente.
Não lhe assiste razão, pois no despacho de 11.01.2023 também estava em causa, para além do pedido de venda em conjunto das “meações” do executado insolvente e do outro herdeiro habilitado como executado na herança que incorpora bens imóveis penhorados na execução, a repartição do produto da venda dos imóveis entre o processo executivo e o processo de insolvência, conforme foi pedido pelo AE, tendo o despacho expressamente autorizado a venda da totalidade dos referidos bens imoveis penhorados, com repartição do produto da venda pelos dois processos, o de execução e o de insolvência.
Quanto ao outro apelante, o mesmo defendeu que seria sempre possível ao Tribunal a quo proferir nova decisão sobre o objeto da decisão de 11.01.2023, porque a primeira decisão teve por base um requerimento do Agente de Execução e a segunda decisão de 07/10/2024, teve por base “(…) requerimentos dirigidos aos autos, respetivamente, em 29.04.2024 e em 04.07.2024, vieram, entretanto, a exequente e o habilitado EE defender que o presente processo padece de alguns lapsos de natureza jurídica que importa corrigir, uma vez que os aludidos imóveis, descritos sob as verbas n.ºs 1 a 3 do auto de penhora, por integrarem a herança dos falecidos executados, devem responder em primeiro lugar pelas suas dívidas, não existindo fundamento legal para que não possam ser vendidos na sua totalidade na presente execução, conforme, entretanto, acordaram com o agente de execução, desistindo de realizarem a venda conjunta no processo de insolvência; e que o produto da venda deve ser entregue na sua totalidade ao exequente, porquanto o quinhão hereditário do insolvente só pode ser vendido após ser pago o crédito exequendo” . Logo, a decisão de 11/01/2023 não impede que o Juiz do Tribunal a quo tome nova decisão sobre a modalidade da venda e a repartição do produto da mesma, porque esta é a vontade das partes, a venda ainda não se realizou e o produto da mesma não foi distribuído. Mais defende que não tendo sido feita a venda dos bens e não tendo o Juiz perdido o poder jurisdicional, não se verifica violação do caso julgado formal, tudo nos termos do art.º 621.º, segunda parte, do C.P. Civil. Também não existe identidade de objeto ou causa de pedir nas duas decisões. E que o que se discute no despacho de 11/01/2023 é a obtenção prévia do Agente de Execução para a venda dos bens penhorados na execução na ação de insolvência e o que se discute no despacho recorrido é se o produto da venda deve ou não ser distribuído pelos dois processos.
Como já disse, também no despacho de 11.01.2023 estava em causa, para além do pedido de venda em conjunto no processo de insolvência das “meações” do executado insolvente e do outro herdeiro habilitado como executado na herança que incorpora bens imoveis penhorados na execução, a repartição do produto da venda dos imoveis entre o processo executivo e o processo de insolvência, conforme nele expressamente se autorizou, pelo que não procede a invocação da falta de coincidência de objeto da questão processual entre os dois despachos. E não releva que um tenha sido proferido na sequência de iniciativa do AE e outro tenha sido proferido na sequência de requerimentos do exequente e do executado habilitado, pois a primeira decisão impõe-se a todos os intervenientes no processo, independentemente de quem a suscitou, e ao próprio Tribunal.
Relativamente à invocação do disposto no art. 621 do CPC:
Dispõe este preceito legal que:
“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”
Ora, não se vislumbra que o despacho de 11.01.2023 tenha sujeitado a venda da totalidade dos imóveis no processo de insolvência, com repartição do produto da venda pelos dois processos (o de insolvência e o de execução) a qualquer condição, prazo, ou facto, pelo que obviamente não procede a tese do apelante EE.
E, portanto, o facto de a venda ainda não se ter realizado e o produto da mesma não ter sido distribuído não é suscetível de derrogar a força obrigatória do caso julgado formal decorrente desse despacho. O mesmo se diga relativamente à vontade das partes.
Atenta a existência de caso julgado formal decorrente do despacho de 11.01.2023 relativamente à venda da totalidade dos três imoveis penhorados nele referidos no âmbito do processo de insolvência e à repartição do produto da venda entre os processos de insolvência e de execução, este Tribunal da Relação está impedido de sindicar o erro de direito invocado pelos apelantes. nas duas apelações, relativamente à decisão de repartição do produto da venda dos imóveis que consta no despacho recorrido.
Tal repartição já havia sido previamente decidida no processo, impondo-se também ao Tribunal a quo e a este Tribunal ad quem.
Portanto, não pode proceder a pretensão recursiva formulada pelo apelante exequente no sentido da substituição do despacho recorrido que determinou a repartição do produto da venda por ambos os processos, o de execução e o de insolvência” por outro “que determine que o produto da venda dos bens penhorados aos executados falecidos, reverta, em primeiro lugar, para o pagamento da dívida ao Novo Banco objecto da execução, com todas as demais consequências legais”.
O mesmo se diga relativamente à pretensão recursiva do apelante EE, pretensão de anulação do despacho recorrido, na parte em que determina a repartição do produto da venda dos imóveis penhorados sob as verbas n.ºs 1 a 3 no âmbito da presente execução por ambos os processos, o de execução e o de insolvência.
Tal não significa que seja mantido o despacho recorrido na parte que foi objeto de recurso (apenas foi objeto de discordância a parte em que se determinou que o produto da venda dos imóveis penhorados sob as verbas n.ºs 1 a 3 seja repartido por ambos os processos, o de execução e o de insolvência), sob pena de violação do caso julgado formal, e consequente necessidade de aplicação do disposto do art. 625 nºs 1 e 2 do CPC (norma que resolve o conflito entre casos julgados contraditórios).
Impõe-se, antes, por via da procedência da exceção de caso julgado formal impeditiva de nova decisão sobre a mesma questão processual , que se substitua a parte do despacho recorrido que foi objeto do recurso por uma decisão de absolvição dos demais intervenientes processuais da instância incidental a que se reportam as pretensões resultantes dos requerimentos de 29.04.2024 e 04.07.2024 no sentido de que o produto da venda dos imóveis seja entregue na sua totalidade ao exequente para pagamento da dívida àquele - art. 576 nº2 do CPC.
Relativamente à parte do despacho de 07.10.2024 que não foi objeto de recurso, ou seja, a parte que determinou que a venda dos imóveis penhorados seja feita no âmbito da execução, a mesma transitou em julgado, pelo que em sede de recurso nada há a fazer, sem prejuízo do disposto no art. 625 nºs 1 e 2 do CPC.
As custas das apelações recairão sobre os apelantes, atenta a falta de procedência das respetivas pretensões recursivas (arts 527 nºs 1 e 2 do CPC).
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V- Decisão:
Pelo exposto acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- declarar a exceção de caso julgado formal decorrente do trânsito em julgado do despacho de 01.10.2023 relativamente à decisão de repartição do produto da venda da totalidade dos imoveis aí referidos pelos dois processos, o de execução e o de insolvência;
- e, em consequência, revogam o despacho recorrido (de 07.10.2024) na parte em que se pronuncia sobre a repartição do produto da venda dos imoveis penhorados sob as verbas nºs 1 a 3 por ambos os processos, o de execução e o de insolvência, a qual substituem pela decisão de absolvição dos demais intervenientes processuais da instância incidental a que se reportam as pretensões resultantes dos requerimentos de 29.04.2024 e 04.07.2024 no sentido de que o produto da venda dos imoveis seja entregue na sua totalidade ao exequente para pagamento da dívida àquele.
As custas de cada apelação recairão sobre o respetivo apelante.
Notifique.

Lisboa, 10-07-2025
Carla Matos
Marília Leal Fontes
Ana Paula Olivença