Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5515/2003-6
Relator: URBANO DIAS
Descritores: ARRESTO
NAVIO
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/03/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO
Sumário: O art. 3º da Convenção de Bruxelas de 10 de Maio de1952 não exige, para que o arresto de um navio possa ser decretado, a prova do justo receio da perda da garantia patrimonial, bastando a prova da existência do crédito.Sendo o navio português e estando domiciliados em Portugal tanto a anterior proprietária como a empresa a favor de quem o mesmo está registado, não há lugar à aplicação da referida Convenção.
Decisão Texto Integral:   Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
  1 – P... – Metalomecânica, Ldª, requereu, no Tribunal Marítimo de Lisboa, arresto contra I... do Tejo, S.A., alegando, em suma, que lhe prestou diversos serviços, sendo que a requerida suspendeu o pagamento de facturas, razão pela qual, em 19.08.02,  lhe solicitou que lhe indicasse quando seria efectuado o pagamento das facturas nºs 60 a 69, e que, depois disso, lhe enviou novas comunicações com vista a obter o pagamento dos preços representativos das ditas facturas, não obtendo qualquer resposta.
Daí que tivesse requerido o arresto do único bem pertencente à requerida, a embarcação denominada Tomarense.
2 – O Mº juiz ordenou a citação da requerida, nos termos do art. 385º do C.P.C., olvidando o disposto no nº 1 do art. 408º do mesmo diploma.
E a requerida veio contestar os termos da petição, dizendo, em suma, que a referida embarcação já não lhe pertence e que não existem motivos para o fundado receio de não pagamento.
3 – Procedeu-se, de seguida, à inquirição das testemunhas e apreciadas as demais provas, foram dados como provados os seguintes factos:
- a requerente é uma sociedade comercial que se dedica à construção e reparação naval e, a pedido da requerida, efectuou trabalhos diversos de reparação  na embarcação de tráfego de mercadorias local e fluvial denominada TOMARENSE;
- a requerente emitiu facturas atinentes ao valor dos trabalhos que efectuou, de acordo com o plano de pagamentos acordado, encontrando-se em dívida os valores constantes das facturas que por cópia constam dos autos como docs. nºs 1 a 4 do requerimento inicial, os quais, globalmente ascendem ao montante de 68 882,58 euros, atenta a data de emissão dessas facturas e o plano de pagamentos acordado, encontram-se já vencidos juros moratórios no montante de 2 125,69 euros, à data de 10.2.2003;
- por diversas vezes a requerente insistiu pelo pagamento dos valores em dívida , tendo mesmo, em finais de Agosto de 2002 remetido à requerida um extracto em que detalhadamente são referidas as facturas em causa, bem como outras dirigidas a uma sociedade denominada "ESVAP", a qual se integra com a requerida e outras num grupo empresarial;
- jamais a requerida pôs em causa a realização dos trabalhos de reparação efectuados pela requerente ou por alguma forma questionou o valor desse trabalhos;
- a embarcação TOMARENSE, que até 14 de Fevereiro do corrente ano estava registada na Capitania do Porto de Lisboa como pertencente à requerida, passou a estar registada no mesmo organismo como pertencente a ESVAP;
- em reuniões e outros contactos directos verificados entre a requerente e requerida, jamais esta invocou a impossibilidade económica ou especiais dificuldades dessa natureza impeditivas do pagamento do montante que a requerente reclama a embarcação "TOMARENSE" tem um valor, pelo menos, próximo dos 300 000,00 euros.
4 – Em face da factualidade dada como provada, o Mº juiz a quo decidiu indeferir a pretensão da requerente, argumentando que não se tinha provado o elemento justo receio, sendo que aquela apenas provou a existência do crédito e que a demora na sua satisfação apenas tem como reflexo o pagamento de juros. 
5 – A requerente não se conformou coma decisão e dela agravou para este Tribunal, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
- A ora recorrente requereu a 13 de Fevereiro de 2003 o decretamento da  providência cautelar de arresto da embarcação Tomarense;
- Contrariando o disposto no art. 408 nº 1 do C.P. Civil e o disposto no art. 12º da Lei 35/86 de 4 de Setembro, o Tribunal ordenou a citação da parte contrária;
- A requerida veio deduzir oposição invocando nomeadamente que a requerida deixou de ser proprietária da embarcação arrestada;
- Sucede, porém, que a propriedade da embarcação Tomarense permanece na esfera jurídica da ora recorrida, por ser nulo (por falta de forma) o contrato celebrado entre a Inertejo e a Esvap. (cfr. art. 10º do D.L. nº 201/98 de 10 de Julho);
- Mesmo que assim se não entendesse, estatui o art. 3º nº 1 da Convenção de Bruxelas de 10/05/1 952 que, tratando-se de um crédito marítimo, o credor pode requerer o arresto do navio mesmo que este já não seja da propriedade do devedor;
- O referido preceito estabelece um direito de sequela do credor arrestante;
- Para além disso, a prova produzida nos autos não autoriza a decisão sobre a matéria de facto que foi proferida;
- O Tribunal entendeu que não logrou a requerente fazer a demonstração firme de que o risco de perda da garantia patrimonial do crédito existia no caso concreto;
- A prova testemunhal produzida nos autos aponta a solução inversa;
- Nenhuma das testemunhas conseguiu nomear um único bem pertencente à requerida;
- Insistentemente perguntados sobre a existência de património da requerida, todas as testemunhas foram peremptórias ao afirmar não conhecerem qualquer bem pertencente à requerida;
- Não são conhecidos outros navios da propriedade da requerida, as instalações onde labora a Inertejo são instalações arrendadas e não foi indicado qualquer outro bem móvel ou imóvel pertença da mesma sociedade.
- Com base nos depoimentos das testemunhas, deveria o Tribunal ter dado como provado o requisito do receio de perda da garantia patrimonial do crédito;
- O depoimento prestado pela testemunha Rui Marujo não pode ter o alcance que lhe foi atribuído pelo Tribunal;
- Este afirmou que as dificuldades de tesouraria da requerida são meramente pontuais, sendo resolvidas à medida que vão surgindo, em períodos de alguns dias, no máximo, de um mês;
- Ora, este passo do depoimento é, desde logo, posto em causa pela existência do crédito para cuja garantia se requereu a providência cautelar de arresto;
- As facturas em causa venceram-se durante os meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2002 e, até à data, nenhuma delas foi paga;
- Daí resulta que a Inertejo enfrenta dificuldades de tesouraria e que essas dificuldades não são ultrapassáveis no prazo de 6 a 8 meses;
- Esta conclusão resulta igualmente evidente do depoimento da testemunha Manuel Correia Bento;
- Este afirmou que a sua própria empresa teria feito uns trabalhos para a Inertejo, na sequência dos quais foi emitida uma factura datada de Novembro, no valor de € 166. A factura foi paga decorridos 4 meses, não obstante o seu valor irrisório;
- Conclui-se, assim, que a Inertejo não só enfrenta profundas dificuldades de tesouraria, como não tem qualquer bem na sua propriedade (para além do bem cujo arresto se requereu) que possa garantir o pagamento da dívida que a mesma tem para com a requerente;
- Nem mesmo a requerida, no seu requerimento de resposta, veio deduzir oposição com fundamento em que a falta de justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito teria como causa a existência de outros bens no seu património.
- Por todas as razões que acabam de se referir, deveria o julgador ter considerado suficientemente justificado o receio de perda da garantia patrimonial do crédito.
- Mesmo que se entenda, como entendeu o Tribunal, não estar preenchido o requisito do receio de perda da garantia patrimonial - o que obviamente, atento tudo o que vem de se expor, só se equaciona por mero dever de patrocínio – a prova  desse justificado receio não constitui requisito essencial para o decretamento da providência cautelar de arresto de navios;
- Estatui a Convenção de Bruxelas de 10/05/1952: estando em causa um crédito marítimo, o arresto deve ser decretado mesmo que não haja justificado receio da perda da garantia patrimonial do crédito;
- Assim tem sido entendido pela jurisprudência por diversas vezes chamada a resolver esta questão;
- Assim, e atento tudo o que vem de se expor impõe a conclusão de que não fez o julgador a melhor aplicação das disposições legais pertinentes,  bem como não apreciou da melhor forma a prova produzida nos autos.
6 – A agravada, por sua vez, defendeu a manutenção da decisão impugnada.
7 – O Mº juiz a quo manteve a sua posição.
8 – Cumpre, ora decidir.
Face às conclusões da agravante (que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso – arts. 684º, nº 3 e 691º, nº 1 do C.P.C.), suscitam-se as seguintes questões:
- deveria ter sido ouvida previamente a requerida?
- a matéria de facto apurada deve ser alterada?
- está provado o crédito da agravante?
- está provado o justo receio de perda da garantia patrimonial;
- o bem pode ser arrestado mesmo não pertencendo à agravada?
Analisemos cada uma destas questões de per si.
1ª questão
O nº 1 do art. 408º do C.P.C. determina que “examinadas as provas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais”.
Daqui é fácil concluir que, na providência cautelar de  arresto, não há o respeito pelo contraditório antes de ser decretada a mesma (cfr. nº 5 do art. 385º do C.P.C.).[1]
Diz, a este respeito, Alberto dos Reis: “o juiz não pode ouvir o arrestado antes de proferir decisão sobre o requerimento; há-de decretar o arresto ou indeferir o requerimento unicamente sobre a base do que o requerente alegou e provou. Entendeu-se que a audiência prévia do arguido podia comprometer a finalidade da providência”.[2]
Mal andou, pois, o Mº juiz a quo ao ordenar a citação da ora agravada para contestar, em vez de, recebido o requerimento inicial, produzir prova e decidir.
Mas o certo é que a ora agravante tomou conhecimento de tal decisão no momento em que foi notificada para produção da prova e não recorreu, o que significa que se conformou com a decisão.
Agora é tarde: o vício está definitivamente sanado.
2ª questão
A matéria de facto só pode ser alterada nos limites previstos pelo art. 712º do C.P.C..
Nessa disposição, logo na al. a), se admite a alteração da matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se tendo havido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida.
E o nº 1 do citado art. 690º-A prescreve que quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
No caso presente, os depoimentos das testemunhas foi gravado, mas a ora agravante não indicou os pontos concretos de facto que eventualmente considerasse mal julgados, nem indicou os concretos meios probatórios que impunham uma decisão sobre a matéria de facto diversa da recorrida.
Não se compreende, portanto, as várias referências aos depoimentos das testemunhas feitas pela ora agravante nas suas conclusões: ela não impugnou, nos termos supra referidos, a decisão da matéria de facto, o que significa que com ela se conformou.
3ª questão
Como flui do art. 2º da petição inicial, o crédito invocado pela ora agravante resulta de puras relações comerciais.
No entanto, ficou provado que a requerente é uma sociedade comercial que se dedica à construção e reparação naval e, a pedido da requerida, efectuou trabalhos diversos de reparação na embarcação de tráfego de mercadorias local e fluvial denominada Tomarense.
Mais se provou que em dívida estão valores que globalmente ascendem a 68 882, 58 €.
Ora bem.
De acordo com o art. 1º, nº1 da Convenção Internacional para a unificação de certas regras sobre o arresto de navios no mar, de Bruxelas, de 10-5-1952 ( cfr. D.L. nº 41007, de 16 de Fevereiro de 1957 ) “crédito marítimo” significa alegação de um direito ou de um crédito proveniente de uma das seguintes causas:
.............................................................................................................
l) construção, reparações, equipamentos de um navio ou despesas de estiva;
.....................................................................................................................
Porém, como iremos ver mais abaixo, a  Convenção não tem, no caso presente, aplicação.
Em causa, pois, um crédito resultante de uma encomenda de reparação de um navio que flutua nas águas do Rio Tejo: ao mesmo aplica-se o regime do contrato de construção, por força do art. 32º do D.-L. 201/98.
 
Face à matéria provada teremos de chegar à conclusão da verificação do crédito reclamado pela requerente.
Este requisito nem sequer foi posto em causa na 1ª instância.
4ªquestão
Para que qualquer providência cautelar possa ser decretada é necessário que se verifique a alegação e prova da verosimilhança do direito que se pretende exercer posteriormente e a prova do perigo in mora.
Requer-se, assim, em 1º lugar, a aparência da realidade do direito invocado, ou seja, um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança.
Em 2º lugar, é necessária a prova do periculum in mora: o requerente terá de convencer o tribunal que a demora da decisão a proferir na acção principal lhe acarreta um prejuízo e é esse perigo precisamente que ele pretende conjurar com o procedimento cautelar.[3]
A decisão recorrida considerou, como já ficou referido, que a requerente demonstrou ser credora e que a ora agravada, apesar de solicitada a efectuar o pagamento, se vem escusando ao cumprimento da sua obrigação.
Para o Mº juiz a quo não ficou demonstrado o justo receio, entendendo que a demora do cumprimento dá lugar a juros.
Salvo o sempre devido respeito por opinião em contrário, entendemos que, face à factualidade dada como provada, o elemento justo receio está plenamente provado.
O justo receio da perda da garantia patrimonial está previsto no art. 406º, nº 1 do C.P.C. e no art. 619º do C. Civil e pressupõe a alegação e a prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil a cobrança do crédito.
Este receio é o que no arresto preenche o periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares.[4]
A providência presente foi instaurada em Fevereiro do corrente ano e as facturas em dívida reportam-se a Agosto, Setembro e Outubro do ano anterior; acresce, por outro lado, que desde finais de Agosto passado a ora agravante vem insistindo pelo pagamento das mesmas, mas sem êxito.
É verdade que a mora dá direito a perceber juros, mas o que interessa realçar é que, com o passar do tempo, fica-se sem saber se a devedora tem dinheiro para pagar pelo menos o capital.
A falta de resposta por parte da agravada é motivo para preocupação por parte da agravante e relativamente ao pagamento do que está em dívida.
Queremos com isto dizer que o argumento dos juros não colhe: há razão para temer pelo não pagamento atentas as circunstâncias referidas.
Defende a agravante a aplicação ao caso da Convenção de Bruxelas de 10 de Maio de 1952.
Com efeito, o art. 3º desta Convenção não exige, para que o arresto possa ser decretado, a prova do justo receio da perda da garantia patrimonial, apenas se contentando com a prova da existência do crédito.[5]
Veremos, mais à frente, se ao caso  presente se aplica ou não a citada Convenção.
O certo é que o requisito periculum in mora está, segundo a nossa maneira de ver as questões, plenamente provado.
5ª questão
Ficou provado que o bem que foi nomeado para arresto não está registado, no presente momento e desde 14 de Fevereiro do corrente ano, em nome da ora agravada.
Como sabemos, o património constitui a garantia dos credores e, como assim, o bem nomeado não pode, em princípio ser arrestado.
Acontece, porém, que, como já referimos, estamos perante um crédito derivado da reparação de um navio.
De acordo com o art. 3º da Convenção referida, o autor pode tentar fazer arrestar o navio a que se reporta o crédito, como qualquer outro pertencente àquele que na data da constituição do crédito marítimo era proprietário do navio a que este crédito se refere.[6]
Ora, no momento da constituição dos créditos o navio nomeado para arresto era propriedade da ora agravada, só deixando de o ser a partir de 14 de Fevereiro deste ano, mas já não o era no momento da concretização da diligência.
Importa, finalmente, saber se, como defende a agravante, a Convenção de Bruxelas referida, tem directa aplicação ao caso presente.
Como já ficou dito, o navio  em causa (o Tomarense) é de nacionalidade portuguesa e está presentemente registado como sendo pertença de um outra firma que não a requerida, aqui agravada, com domicílio em Portugal (cfr. fls. 94).
Defende a agravante que o contrato entre a ora agravada e a sociedade em nome da qual o navio está registado é nulo por falta de forma.
O art. 10º do D.-L. 201/98, de 10 de Julho, prescreve que os contratos que impliquem a transmissão de direitos reais sobre navios devem ser celebrados por escrito, com reconhecimento presencial da assinatura dos outorgantes.
Apenas ficou provado que o Tomarense até ao dia 14 de Fevereiro de 2003 estava registada como pertencente à requerida e que, após tal data, passou a estar registada como pertencente a Esvap - Empresa de Estiva Portuguesa, S. A.. residente em R. da Cintura do Porto de Lisboa – cfr. fls. 45 )
É de presumir que os serviços de registo da Capitania do Porto de Lisboa só tivesse procedido ao registo da embarcação em nome de uma nova entidade mediante apresentação de escrito com os requisitos referidos: uma coisa é certa – o navio está presentemente registado em nome da Esvap.
Independentemente da natureza do registo de navios, não podemos negar que não está feita a prova da titularidade do Tomarense por parte da ora agravante[7].
Para todos os efeitos, temos de considerar que ele, em 14 de Fevereiro de 2003, saiu da esfera patrimonial da ora agravada.
O arresto, nos termos do art. 601º do C. Civil, só pode incidir sobre bens do devedor, dado que são estes que garantem o cumprimento da obrigação.[8]
  Ora, como já ficou dito, o Tomarense é um navio português e tanto a ora agravada como a empresa a favor de quem está registado estão domiciliadas em Portugal (cfr. fls. 43).
Assim sendo, ou seja, verificando-se estes dois requisitos, a citada Convenção não se aplica ao caso presente. É o que resulta do disposto no nº 4 do art. 8º da Convenção (“Nenhuma disposição da presente Convenção modificará ou afectará a lei interna dos Estados Contratantes no respeitante ao arresto de um navio na jurisdição do Estado cuja bandeira ele arvora, por pessoa com residência habitual ou principal estabelecimento nesse Estado”).[9]
Nesta conformidade, o bem que se pretendia arrestar não está já na esfera patrimonial da ora agravada, razão pela qual a providência requerida não pode ser decretada.
Uma última palavra se impõe: ficou provado que o Tomarense é uma embarcação de tráfego e mercadorias local e fluvial.
Defendeu a agravada que a Convenção não se podia aplicar ao caso presente por o Tomarense ser um batelão e não um navio.
Não é por esse motivo que a Convenção não se aplica, como vimos.
O facto de o Tomarense ser um batelão não deixa de ser considerado como um navio, atento o disposto no art. 1º do supra citado D.-L. 201/98, de 10 de Julho, segundo o qual navio é todo o engenho flutuante destinado à navegação por água.
Em conclusão: ao contrário do que decidiu a 1ª instância, nós, com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que no caso está provado o elemento periculum in mora e, por isso, seria de decretar o arresto se... o navio fosse pertença da agravada, facto que não ficou provado.
Daí que a providência requerida não possa ser decretada.
 9
Decisão
Em consequência do exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se negar provimento ao agravo, mui embora por razões totalmente diferentes das expostas pela 1ª instância.
Custas pela agravante.    

                                        Lisboa, aos 3 de Julho de 2003
Urbano Dias
Sousa Grandão
Arlindo Dias
______________________________________________
[1] Vide Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, pág. 186.
[2] In Código de Processo Civil anotado, Volume II, pág. 33.
[3] Vide Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, pág. 139 e ss..
[4] vide Abrantes Geraldes, in obra citada, pág. 175.
[5] Vide, neste sentido, Ac. do S.T.J., de 21 de Maio de 1996, in C.J. – Acs. S.T.J. – Ano IV, Tomo II, pág. 84 e ss., Ac. da Relação de Lisboa, de 24 de Março de 1994, in C.J., Ano XIX, Tomo II, pág. 97, e Ac. da Relação de Lisboa, de 19.03.98, 6ª secção, Processo nº 355/98, de que o ora relator foi 2º adjunto.
[6] Vide Ac. da Relação de Lisboa, de 06 de Fevereiro de 1997, in C.J., Ano XXII, tomo I, pág. 115 e ss..
[7] Não está ainda em vigor o D.-L. 277/95, de 25 de Outubro, o qual estabelece, no seu art. 2º, em relação ao registo, uma presunção da existência da situação jurídica nos precisos termos nele definida.
[8] Todavia, excepcionalmente podem ser arrestados bens de terceiro, concretamente depois de ter sido instaurada contra terceiro adquirente a impugnação pauliana ( Vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado – Volume I – 4ª edição -, pág. 637, nota 3 ).
[9] vide, neste sentido, Mário Raposo, in Estudos Sobre o Novo Direito Marítimo, pág. 168.