Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ROSA RIBEIRO COELHO | ||
| Descritores: | ÂMBITO DO RECURSO QUESTÃO NOVA PRESCRIÇÃO EXTINTIVA TÍTULO EXECUTIVO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/11/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | I – A nova configuração jurídica dada em sede de recurso pelo autor a um documento que incorpora a declaração do réu reconhecendo a sua dívida para com aquele não constitui uma questão nova de que o tribunal não possa conhecer, porque se situa no plano do direito aplicável ao facto em causa. II – Embora uma dívida de rendas esteja sujeita a um prazo curto de prescrição, passa a ser aplicável o prazo ordinário de 20 anos se quanto à mesma obrigação sobrevém a constituição de um título executivo, por força do disposto no art. 311º do C. Civil. (RRC) | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 7ª SECÇÃO CÍVEL I - Escola […] intentou contra Sindicato […] a presente acção, com processo ordinário, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 20.655,22, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 20.630,44 e dos vincendos até efectivo pagamento, uns e outros à taxa legal, correspondendo aquela primeira importância ao preço, não pago pelo réu, de serviços que a autora lhe prestou. O réu contestou pedindo a sua absolvição do pedido e a autora replicou. Realizada a audiência de julgamento, foi proferido despacho respondendo à matéria de facto levada à base instrutória e, subsequentemente, foi proferida sentença que absolveu o réu do pedido. Apelou a autora, tendo apresentado alegações onde pede a revogação da sentença e a condenação do réu no pedido, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: I - Na comunicação de 26 de Abril de 1996, o R., Apelado, reconhece a obrigação de pagar à A., Apelante, o montante global de Esc. 2.291.000$00 (€ 11.427,46), por referência às facturas n° 0040 e 0041, ambas de 8-7-1993. II - A referida comunicação encontra-se devidamente assinada e carimbada pelo R. Apelado. III - Este reconhecimento de direito ou obrigação por parte do R. Apelado interrompeu o prazo de prescrição que se iniciara com o vencimento das referidas facturas (cfr. artigo 325° do Código Civil), IV - A douta decisão recorrida considerou prescritas as obrigações de pagamento devidas pela utilização de espaços, relativas às facturas n° 0040 e 0041, por entender que as mesmas, após o reconhecimento da existência da obrigação, estão sujeitas ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos, do artigo 310°, alínea b) do Código Civil. V - Tal entendimento constitui uma violação do disposto nos artigos 326°, nº 2 e 311º, nº 1 do Código Civil, pois, VI - A comunicação de 26 de Abril de 1996 do R. Apelado é documento particular, assinado pelo devedor, de reconhecimento de uma obrigação pecuniária, de montante determinado ou determinável por simples cálculo aritmético. VII - Tal documento constitui um título executivo nos termos e para os efeitos do artigo 46° n° 1, alínea c) do Código de Processo Civil. VIII - A superveniência deste título executivo de reconhecimento de direito, levou a que este direito ficasse sujeito ao prazo de prescrição ordinário, de 20 (vinte) anos, e não ao prazo inicial de 5 (cinco) anos. IX - Termos em que o direito de crédito do montante de 2.291.000$00 (€ 11.427,46), em causa nos presentes autos, não se encontra prescrito pois o prazo de prescrição aplicável é o prazo de 20 (vinte) anos (cfr. os artigos 309°, 311º e 326° n° 2 do Código Civil). X - Para além da dívida de capital são, ainda, devidos os juros de mora, contabilizados à taxa supletiva legal, de acordo com o disposto nos artigos 798°, 804°, 805º e 806°, do Código Civil. XI - Ainda que se considere a dívida de capital prescrita, o que não se concede, sempre seria de considerar a autonomia da obrigação de juros em relação à dívida de capital. XII - Os juros moratórios resultam directamente da lei e, como tal, vencem-se dia a dia, pelo que apenas se poderiam considerar prescritos os juros vencidos para além dos últimos cinco anos. XIII - A douta decisão recorrida violou, assim, também, o disposto nos artigos 310°, alínea d) e 561° do Código Civil. O réu contra-alegou, pedindo a improcedência da apelação. Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as enunciadas pela apelante nas conclusões que formulou, já que são estas, como é sabido, que delimitam o objecto do recurso. II – Na sentença descrevem-se como provados os seguintes factos: 1. A A. é um estabelecimento de ensino superior politécnico não integrado, sob a tutela dos Ministros das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; 2. No âmbito das suas competências e atribuições, a A. cedeu ao R., a pedido deste e a título oneroso, a utilização de espaços; 3. A ora A. procedeu à emissão e envio ao R. das suas facturas n.º 0040, 0041 e 0089, as duas primeiras datadas de 8-7-1993 e a última delas datada de 6-5-1994, no valor de, respectivamente, Esc. 2.200.000$00 (€ 10.973,55), Esc. 91.000$00 (€ 453,91) e Esc. 1.850.000$00 (€ 9.227,76), que constituem os docs. 1 a 3 da P. I.; […] 7. O R. não liquidou as facturas em questão; 8. A A. cedeu à Ré a utilização de espaços para os cursos de mecânica naval, redução de comandos energéticos, frio industrial, condutores de centrais termoeléctricas, electricidade industrial, mecânica industrial e instrumentação, que duraram 4, 1, 2, 4, 3, 3 e 1 mês, respectivamente; 9. A cedência dos espaços referidos no artigo 2º da P. I. incluía as salas de aula e quartos de banho, sendo certo que para aceder àquelas e a estes era necessário passar por outros espaços como os corredores, e que tal cedência era a título oneroso; 10. Todos os cursos de formação profissional referidos no artigo 2º da P. I. e que foram promovidos pelo R. tiveram lugar em 1993; 11. Foi o R. que adquiriu, a expensas suas, diverso material de escritório, necessário ao funcionamento dos cursos; 12. O R. suportou despesas com o aluguer de aparelhos de vídeo, televisão e retroprojector, para o funcionamento dos cursos; 13. As pessoas que prestaram auxílio ao R., no local e durante a realização dos cursos, foram os funcionários deste, […] , e não qualquer pessoal ao serviço da A.; 14. No que respeita à colaboração e assistência prestada aos formandos (fotocópias, reprodução de textos de apoio, etc.) esta foi prestada por José Pacheco, mediante acordo com o R., que utilizava, para o efeito, uma fotocopiadora levada para o local e pertencente ao R.; 15. A limpeza das instalações utilizadas pelo R. era realizada por […], contratada pelo R. para prestar esse serviço, durante a realização dos cursos; 16. E em 23-5-94 a A. enviou ao R. a factura junta como doc. 3 da P. I. (factura n.º 0089, datada de 6-5-1994, no valor de Esc. 1.850.000$00); 17. Em 1994 o R. nenhuma acção de formação realizou nas instalações da A.; 18. A factura n.º 0089, datada de 6-5-1994, no valor de Esc. 1.850.000$00 foi devolvida pelo R. à A. em data que, em concreto, não foi possível apurar; 19. As verbas apresentadas pelo R. foram objecto de grandes cortes, tendo o R. recebido do DAFSE – Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu apenas Esc. 2.453.873$00; 20. Nestas circunstâncias, sendo o R. uma associação sindical, que vive exclusivamente das quotizações pagas pelos seus associados, não dispondo, por isso, de capacidade financeira para pagar as quantias em causa, propôs à A. pagar-lhe uma quantia proporcional ao valor dos saldos efectivamente recebidos do DAFSE , como a seguir se discrimina: Esc. 21.000.000$00 (saldo apresentado ao DAFSE) – Esc. 2.453.873$00 (saldo recebido do DAFSE) Esc. 2.291.000$00 (valor das facturas – Esc. 267.706$00 (valor a propor à ENIDH); 21. O Conselho Administrativo da Escola […], em reunião realizada pouco tempo depois, no dia 15-5-1996, reconheceu que o R. (e outras entidades que também tinham realizado acções de formação nas instalações da A.) não dispunham de meios financeiros para pagar as quantias pretendidas pela Escola […] e deliberou que o assunto fosse analisado com mais pormenor e que fossem apresentadas soluções tendo em vista a sua resolução; 22. O R. desconhece a evolução que este assunto terá tido dentro da Escola […], mas só voltou a ser contactado pela A., sobre o mesmo assunto, por carta datada de 3-3-2000; 23. Havia bombas hidráulicas e compressor de ar para as aulas de formação dadas nas salas em questão; 24. O complexo da Escola é composto por três edifícios – Principal da Escola […]; da Escola de […] l; 25. O bar era explorado por particular e a ele acederam alunos dos cursos de formação dados pelo R.; 26. A cedência dada como provada incluía o respectivo fornecimento de água e electricidade; 27. O que consta das actas juntas aos autos. Importa ainda referir, no âmbito dos factos julgados como provados, que o documento junto sob o nº 6 com a petição inicial e cujo conteúdo foi dado por reproduzido no acima descrito ponto 5. é uma carta enviada em 26 de Abril de 1996 pelo réu à autora e tem o seguinte teor: “Assunto: Facturas por liquidar (…) 2. Quanto às facturas nºs 0040, de 93.07.08 de Esc. 2.200.000$00 e 0041 de 93.07.08 de Esc. 91.000$00, correspondem de facto aos nossos compromissos e foram incluídas nos nossos saldos das acções correspondentes (…) Dívida à Escola […] …. 2.291.000$00” A mesma carta mostra-se subscrita pelo Secretário – Geral do réu. III – Os argumentos e raciocínio usados na sentença e que estruturaram a decisão aí emitida de absolvição do réu do pedido foram, essencialmente, os seguintes: - são de arrendamento os contratos celebrados pelas partes e, por força deles, contraiu o réu a obrigação de pagar as convencionadas rendas; - as obrigações de pagamento de rendas não satisfeitas pelo réu mostram-se prescritas; o respectivo prazo prescricional de cinco anos, tendo sido interrompido por duas vezes, a última das quais pela carta do réu datada de 9.05.2000, voltou a completar-se entretanto. Sobre a prescrição da obrigação de pagamento de rendas: Contra o entendimento adoptado na sentença a este respeito, sustenta a apelante que a carta de 26 de Abril de 1996, onde o réu expressamente reconhece dever-lhe o montante global de Esc. 2.291.000$00, referente às facturas nº 0040 e 0041, constitui, em face do que estabelece o art. 46º, nº 1 do C. P. Civil – diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência -, um título executivo, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 311º, nº 1 do C. Civil, o prazo a ter em conta, para efeitos de prescrição, é o ordinário de vinte anos previsto no art. 309º do Código Civil e não o de 5 anos instituído no art. 310º, alínea b) do mesmo diploma legal. Daí que não haja prescrição das obrigações em causa. Nas suas contra-alegações o apelado sustenta que esta argumentação da apelante, só agora apresentada, representa facto novo que, não tendo sido oportunamente alegado, não pode agora ser objecto do conhecimento do tribunal. Não lhe assiste razão. Novidade é a configuração jurídica que a autora dá ao documento que incorpora a declaração do réu reconhecendo a sua dívida para com ela; a emissão de tal declaração, esta, sim, constituindo um facto, mostra-se alegada no art. 9º da petição inicial com a qual se procedeu à junção do documento que a comporta. Por isso, nada obsta a que se conheça deste argumento que, inserindo-se no plano do direito aplicável, é invocável pela parte nesta sede e cognoscível pelo tribunal – art. 664º. Vejamos então se é de dar razão à apelante. Além de outros indicados no mesmo preceito, são títulos executivos, segundo a definição constante do 46º, nº 1, alínea c) “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”. Tem inequivocamente esta natureza a carta referida no ponto 5. do rol dos factos julgados assentes e cujo teor se mostra também aí descrito, visto ser documento particular, subscrito pelo réu, onde este reconhece dever à autora a quantia de esc. 2.291.000$00 – (€11.427,46) - referente às facturas nºs 0040 e 0041. O prazo ordinário da prescrição é, como se sabe, de vinte anos – art. 309º do C. Civil. Para as rendas e alugueres devidos pelo locatário estabelece o art. 310º, alínea b) do mesmo diploma o prazo mais curto de cinco anos. E o art. 311º, nº 1 também do Código Civil estabelece que: “O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.” Ora, no caso dos autos, o direito da autora a receber do réu, enquanto locadora, as rendas acordadas estava originariamente sujeito ao prazo prescricional de cinco anos; só que, nos termos do preceito acabado de enunciar e porque sobreveio título executivo que o reconhece, o direito em causa passou a estar abrangido pelo prazo ordinário da prescrição. Estando-se perante obrigações constituídas em 1993, é bom de ver que quanto a elas se não completou ainda o prazo de 20 anos. O direito da autora a haver do réu o pagamento da quantia de esc. 2.291.000$00 – (€11.427,46) - referente às facturas nºs 0040 e 0041, não está, pois, prescrito. Sobre os juros de mora e sua prescrição: A Autora, dizendo que o valor inscrito nas facturas deveria ter sido pago no prazo de trinta dias após a respectiva emissão, pede a condenação do réu a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, contados desde 8.08.93 até efectivo pagamento. Não ficou demonstrado que tivesse havido qualquer convenção no sentido de o pagamento dever ser feito no aludido prazo, pelo que a mora do réu só se verificará após a necessária interpelação – art. 805º, nºs 1 e 2, aliena a) do Código Civil. Esta considera-se feita pelo envio da carta – documento junto sob o nº 4 com a petição inicial - dada como reproduzida em 4. dos factos julgados como provados e a que o réu respondeu pela sua missiva de 26 de Abril de 1996 referida no ponto 5. do mesmo elenco factual. E à mora do réu não pôs termo a deliberação do Conselho Administrativo da ENDHI, aludida em 21. dos factos provados, desde logo porque nada de concreto foi decidido pela autora quanto à não exigência de satisfação imediata da dívida pelo réu. A partir de então são devidos juros de mora à taxa legal. Porém, nos termos do art. 310º, alínea d) do Código Civil, os juros prescrevem no prazo de cinco anos. Sabendo-se que a prescrição se interrompe pela citação – art. 323º, nº 1 -, que a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente e que, resultando da citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo – arts. 326º, nº 1 e 327º, nº 1 do mesmo diploma legal –, os juros de mora vencidos há mais de cinco anos, considerada a data da citação, estão prescritos. A apelação procede, pois, nos termos descritos. IV – Pelo exposto, julga-se a apelação procedente nos termos expostos e, consequentemente, revoga-se a sentença, indo o réu, aqui apelado, condenado a pagar à autora, ora apelante, a quantia de € 11.427,46 (esc. 2.291.000$00), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde cinco anos antes da citação e até integral pagamento. Aqui e 1ª instância as custas são suportadas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento. Lxa. 11.09.07 (a relatora do processo esteve de baixa por doença entre 8.03 e 10.05.07, devido a intervenção cirúrgica a que foi submetida) (Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho) (Arnaldo Silva) (Graça Amaral) |