Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5051/07-9
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: ESCUSA
TRIBUNAL COMPETENTE
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
1. Invocada a escusa por entidade bancária, por motivo de sigilo bancário, deve o tribunal de 1ª instância decidir se essa escusa é ilegítima ou legítima.

2. Nesta última hipótese, considerando que se justifica a quebra do dever de sigilo, deve suscitar o respectivo incidente perante a Relação, pois falece-lhe competência para dispensar a instituição bancária desse dever.

3. Sendo a ponderação dos valores em conflito, matéria da competência do Tribunal da Relação hierarquicamente superior ao Tribunal recorrido, independentemente do mérito da apreciação a que este procedeu, ocorreu violação das regras de competência funcional consagradas na lei de processo penal, atento o disposto nos art. 135.º, n.º1 e 3, 10.º e 12.º, n.º 2 al. g) do Código de Processo Penal e art. 56.º, n.º 1 al. j) da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.

4. Tal violação, por força da aplicação do princípio da legalidade no domínio dos actos processuais, a que alude o art. 118.º, nº1 do CPP, em conjugação como disposto no art. 119.º, al. e) do mesmo diploma, importa a nulidade insanável do acto praticado, que é de conhecimento oficioso e, por isso, deve ser declarada – art. 119.º do CPP.
Decisão Texto Integral:

1. Na fase de inquérito do processo n.º 1635/04.8PHLRS, que corre seus trâmites pela 2.ª secção de Serviços do Ministério Público de Loures, a senhora juíza de instrução, a requerimento do Ministério Público para que solicitasse aos Bancos BPI, BCP e CGD a identificação dos titulares das contas bancárias identificados a fls.59 daqueles autos, proferiu, no dia 3 de Maio de 2006, o despacho que se transcreve (cf. fls. 26 a 29):

«Investigam-se nos presentes autos factos que consubstanciam a prática de crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210.° do Código Penal.

Foram solicitadas informações aos Bancos BPI, Millenium BCP e Caixa Geral de Depósitos, tendo a(s) entidade(s) bancária(s) recusado o solicitado, alegando estar vinculada(s) ao sigilo bancário.

A fim de prosseguir as investigações nos presentes autos são relevantes as informações solicitadas.

Cumpre apreciar.

Dispõe o artigo 78.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12 que "os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários (...) não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou "elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes (…)

Especifica o seu n.º 2 que "estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias".

Todavia, nos termos do artigo 79.°do mesmo diploma, como excepção a essa regra, o dever de segredo cessa nos termos previstos na lei penal e de processo penal.

Nos termos do artigo 195.° do Código Penal, "quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte, é punido com pena de prisão até l ano ou com pena de multa até 240 dias".

Muito embora este normativo só refira o consentimento como facto negativo ou de exclusão da ilicitude do tipo, não deverá ser esquecido o normativo geral do artigo 31.º, nºs 1 e 2, al. c) ou do artigo 36.º, n.º1, ambos do Código Penal.

Do primeiro resulta que o facto não é punível se for praticado no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima de autoridade.

O segundo, por sua vez, exclui a ilicitude do acto quando, em situação de conflito de deveres, se satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao dever ou ordem que sacrificar.

Ora, o segredo bancário não constitui um direito absoluto, mas antes um direito que deve ceder perante as exigências de uma correcta e eficaz administração da justiça, cuja responsabilidade incumbe aos tribunais, enquanto órgãos de soberania.

No conflito entre o respeito pelo segredo bancário e o acatamento das ordens das autoridades judiciárias competentes, tendo em vista a apreciação dos crimes em investigação, bem como das, medidas de garantia patrimonial, deve prevalecer este último, de valor superior.

Esta ponderação, que exclui a ilicitude da conduta prevista no artigo 195.º do Código Penal, assenta no facto de o interesse da realização da justiça criminal, onde prepondera o interesse público (em especial nos crimes com natureza pública ou semi-pública), dever ser considerado na hierarquia dos valores superior ao do interesse particular do cliente bancário visado ou de algum interesse público conexo com a preservação do segredo bancário - neste sentido, Acórdãos da Relação de Lisboa, de 04-12-96 e 28-01-97 respectivamente, in CJ, Anos XXI, T5/152 e XXII, Tl/154.

Segundo o Acórdão da Relação de Lisboa de 21-10-1997, CJ, ano XXII, T4/118, a proibição de divulgação de elementos bancários, enquanto objecto do dever de segredo bancário, só pode ir "até onde é útil e necessário e cessa quando a sua manutenção só pode representar a impunidade de criminosos ou o favorecimento de devedores inadimplentes".

Refere-se ainda no Acórdão da Relação de Lisboa de 14-01-03, www.dgsi.pt/jtrl

“Conflituando o interesse que protege a confiança no banco no domínio da sua vida a proibição económica privada e o do estado na boa administração da justiça, é este que prevalece quando para fins criminais há que colher elementos necessários à identificação de pessoa titular de cartão multibanco, encontrado na posse do arguido".

Os elementos a solicitar são necessários à prossecução da justiça, tendo em vista o apuramento e demonstração dos factos indiciados atinentes à prática de crimes.

À matéria do segredo profissional refere-se o artigo 135.º do Código de Processo Penal, que preceitua no seu n.º1 parte final, que se o tribunal concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena a prestação das informações; se pelo contrário concluir pela legitimidade da escusa, deve suscitar perante o tribunal superior a prestação de colaboração com quebra do segredo bancário (o que será ordenado sempre que tal quebra se mostre justificada perante o princípio da prevalência do interesse preponderante).

Entendemos que cumpre ao tribunal de primeira instância ordenar a prestação das informações pelo recusante se entender que a escusa é ilegítima, só lhe sendo possível remeter para o tribunal superior a decisão de quebra do segredo bancário se entender que a recusa é fundada (só há quebra do segredo quando este se puder legitimamente afirmar).

Acresce que não haverá que suscitar o incidente de quebra do segredo bancário perante o Tribunal da Relação de Lisboa. É este o entendimento legal e jurisprudencial. É que, como salienta o Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão supra citado, de 04-12- 96, "(...) não se acha qualquer justificação para que os pressupostos da exclusão da ilicitude devam ser apreciados e decididos em processo comum na 1.ª instância quando se trate de responsabilidade criminal de um arguido e tenham de ser apreciados por um tribunal superior quando se trate de um mero incidente de quebra do segredo profissional”.

Pelo exposto, considero ilegítima a recusa do(s) Banco(s) BPI, Millenium BCP e Caixa Geral de Depósitos em prestar as informações solicitadas.

Ao abrigo do disposto nos artigos 181.º, 182.º e 269.º n.º1, alin. d), todos do Código de Processo Penal, determino que o Conselho de Administração da(s) instituição(ões) bancária(s) forneça aos autos os seguintes elementos/informações:

- identificação dos titulares das contas bancárias constantes de fls. 59, cuja cópia se junta.
Prazo: vinte dias.

Junte cópia de fls. 59 e do presente despacho para melhor esclarecimento.
D.N.

Notifique, sendo o Presidente do Conselho de Administração da(s) entidade(s) bancária(s) por carta registada com A/R.

Após, ao Ministério Público.(…)»

2. A Caixa Geral de Depósitos, enquanto interveniente acidental, interpôs recurso desse despacho (fls. 2 a 9).

A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:

«1.ª - O Tribunal a quo reitera anterior pedido de informação bancária, que é protegida pelo dever de segredo (identificação de titulares de contas bancárias), nos termos do disposto nos artigos 78º e 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF);

2.ª - A CGD, invocando o dever de segredo bancário ao qual está por lei obrigada, recusou a satisfação do anterior pedido, feito pelo Ministério Público;

3.ª - O Tribunal a quo limita-se a declarar ilegítima a anterior recusa de prestação de informação, sem indicar qualquer fundamento nesse sentido, entrando em contradição com aquela conclusão, ao ponderar os interesses em jogo e ao ordenar a prestação da informação, ao abrigo das normas relativas à apreensão em estabelecimento bancário;

4.ª - O Tribunal a quo viola o disposto no n.º 3 do artigo 135º ao interpretá-lo no sentido de que a decisão de prestação de informação com quebra do dever de segredo profissional não compete em exclusivo a tribunal superior àquele onde a questão seja suscitada.

5.ª - Na verdade, concordando com a interpretação daquela norma, feita pelo STJ no seu acórdão de 06/02/2003, relativo ao processo n.º 03P159, in www.dgsi.pt, Sumário, ponto III, também a CGD defende que,A decisão sobre o rompimento do segredo é da exclusiva competência de um tribunal superior ou do plenário do Supremo Tribunal de Justiça, se o incidente se tiver suscitado perante este tribunal”;

6.ª - Face à legitimidade da anterior recusa da CGD, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal, deveria o Tribunal a quo ter suscitado junto do Tribunal da Relação de Lisboa, o incidente de prestação de informação com quebra do dever de segredo;

7.ª - O despacho ora recorrido está, nos termos do disposto na alínea e), do artigo 119° do Código de Processo Penal, ferido de nulidade por violação da regra de competência em razão da hierarquia, ínsita no n.º 3, do artigo 135º do Código de Processo Penal, porquanto pondera e decide o conflito de interesses em jogo, quando a competência para tal ponderação e decisão cabe em exclusivo ao tribunal que lhe é imediatamente superior.

8.ª - O despacho recorrido, na parte em que decide da ilegitimidade da anterior recusa de prestação de informação da CGD, carece de qualquer fundamentação desta decisão, violando assim o disposto no art.97.º do CPP, que impõe a obrigatoriedade de fundamentação de qualquer acto decisório.

9.ª - Também na parte em que ordena a prestação de informação com invocação das normas do CPP relativas à busca em estabelecimento bancário, deverá o despacho ser anulado, pois tal actuação a acontecer, traduziria desvio de legitimação, por não ser legalmente admissível lançar mão de tal dispositivo para contornar uma recusa, legítima, de prestação de informações;

10.ª - Sendo nulo o despacho na parte relativa à ponderação dos interesses em jogo, não se podendo considerar ordem legítima de autoridade, na parte em que considera ilegítima a anterior recusa de prestação de informação por falta de fundamentação daquela decisão, não constituindo fundamento derrogatório do dever de segredo bancário a invocação de normas relativas à apreensão em estabelecimento bancário, não pode a CGD considerar-se deste desobrigada, nem desresponsabilizada perante o seu cliente nos termos do art.º 84.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 292/98, de 31 de Dezembro;

11.ª - Assim, existindo contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no art. 410.º n.º2, alin.b) do CPP, tendo legitimidade ao abrigo da 2.ª parte, alin. d) do n.º1 do art. 401.º do CPP e estando em tempo, interpõe a CGD o presente recurso.

Termos em que deve o despacho ora recorrido ser declarado nulo e substituído por outro que:

- nos termos do n.º 2 do artigo 135º do Código de Processo Penal declare fundamentadamente ilegítima a invocação do segredo bancário por parte da CGD, na sua carta datada de 12/01/2006 – ref. 174/06 – DMP, remetida aos Serviços do Ministério Público legitimando assim a prestação de informação protegida pelo dever de segredo, e ordene a satisfação da ordem contida no despacho, através do ofício com a ref.ª n.º 4549615

ou que,
- decida da prestação de informação com quebra do dever de segredo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal, e ordene a satisfação da ordem contida no despacho, em qualquer dos casos desresponsabilizando-se a ora Recorrente perante o seu cliente, titular do direito ao segredo bancário, face ao disposto no artigo 84º do RGICSF e no artigo 195º do Código Penal».

3. O recurso foi admitido pelo despacho de 10 de Novembro de 2006 (v.fls.30).

4. O MºPº em 1ª Instância, entende que deve ser dado provimento ao recurso na parte em que é requerida a declaração de nulidade do despacho e a substituição por outro que suscite a intervenção do Tribunal da Relação de Lisboa para apreciação e decisão do incidente de quebra do dever de sigilo.

5. O Exmo. PGA teve Vista dos autos e conclui que procedendo o recurso deve ser ordenada a quebra do sigilo bancário, in judice.

6. Cumprido o disposto no art. 417.º n.º2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

7. O Direito

7.1. Tendo o recurso por objecto, as questões suscitadas pela Recorrente CGD, nas conclusões da sua motivação (art. 412 nº 1, do CPP), cumpre essencialmente apreciar, se o tribunal recorrido podia ter dispensado a Recorrente do dever de sigilo bancário relativamente aos elementos pretendidos pelo MP, decidindo as seguintes questões:

- Se a recusa da entidade bancária é legítima ou ilegítima;

- Se a decisão de quebra do sigilo bancário constitui matéria da competência reservada da 2.ª Instância, sob pena de, caso assim se não entenda, ser cometida a nulidade a que alude a al.e) do art.119º do CPP, por violação do art.135.º nº3 do CPP; e

- Se deve decidir-se pela prestação de informação com quebra do dever de segredo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 135º do Código de Processo Penal, e ordenada a satisfação da ordem contida no despacho recorrido.

7.2 – Liminarmente, dir-se-á que o despacho recorrido, concorde-se ou não com o decidido, está devidamente fundamentado, pelo que não ocorre violação do art. 97.º do CPP, como sustenta a recorrente.

E também não ocorre violação do art. 410.º n.º2, alin. b) do CPP, por alegada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, porquanto tal vício se reporta inequivocamente a erros de julgamento da matéria de facto constantes da sentença e não a qualquer despacho interlocutório.

7.3 - No entendimento do despacho recorrido (que declarou ilegítima a recusa da CGD em fornecer os elementos solicitados pelo Tribunal), só há lugar ao incidente de quebra do sigilo bancário previsto no art. 135.º n°3 do CPP, se não for ordenada a diligência com fundamento na legitimidade, formal e substancial da recusa e se não for interposto recurso dessa decisão, mantendo-se a competência do tribunal de 1.ª instância sempre que considere essa escusa ilegítima.

Esta posição parte, essencialmente, do entendimento de que os tribunais superiores são, em regra, instâncias de recurso, não se justificando a sua intervenção sistemática e em primeiro lugar, cada vez que se torne necessário obter certos elementos sujeitos a sigilo bancário - cfr. art. 11°, 12°, do CPP.

Vejamos.

Dispõe o art. 135.º n.º 1 do CPP que os membros de Instituições de Crédito podem recusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo.

O Regime Geral de Instituições de Crédito e sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, prevê um conjunto de regras de conduta, cuja finalidade é proteger de forma eficaz a posição do consumidor de serviços financeiros.

Dispõe o Artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, sob a epígrafe “Dever de segredo”:

«1 - Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.

2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.

3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços».

Prevê o art. 79.º do mesmo diploma um regime de excepções ao dever de segredo:

«1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.

2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:

a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;

b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;

c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivas atribuições;

d) Nos termos previstos na lei penal e de processo penal;

e) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo».

Acrescentando o art. 80.º, que respeita ao “Dever de segredo das autoridades de supervisão”:

«1 - As pessoas que exerçam ou tenham exercido funções no Banco de Portugal, bem como as que lhe prestem ou tenham prestado serviços a título permanente ou ocasional, ficam sujeitas a dever de segredo sobre factos cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício dessas funções ou da prestação desses serviços e não poderão divulgar nem utilizar as informações obtidas.

2 - Os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitida ao Banco de Portugal, ou nos termos previstos na lei penal e de processo penal».

Os artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12, acabados de citar, regulam, pois, o regime substantivo do dever de segredo bancário e suas excepções.

O respectivo regime penal consta dos artigos 195.º a 198.º do Código Penal e o regime processual penal mostra-se regulado nos artigos 135.º, 181.º e 182.º, do CPP.

Da conjugação destas disposições resulta que o artigo 79.º do Decreto-Lei 298/92, ao consagrar uma enumeração taxativa das excepções ao dever de segredo bancário, impõe que, para além dos casos previstos na lei, apenas seja possível quebrar o segredo mediante incidente processual (art. 135.º, n.º 2 do CPP), em que se afira do interesse preponderante ou prevalecente.

O caso dos autos, as informações pretendidas dizem respeito à identificação dos titulares de contas bancárias em que foram efectuados carregamentos de um cartão de telemóvel, pelo que não se encontram a coberto de lei especial. Na verdade, não há, para a investigação do crime de roubo, nenhuma norma legal que expressamente derrogue o segredo bancário, tal como existe para a investigação dos crimes de emissão de cheque sem provisão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas e branqueamento de capitais. - Cf., por exemplo, o art.13º.-A do DL nº.454/91, de 28.12, com a redacção do DL nº.316/97, de 19.11 (regime jurídico do cheque sem provisão), o art.60º. do DL nº.15/93, de 22.01 (tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas) e o art.19º. do DL nº.325/95, de 02.12 (branqueamento de capitais).


Ora verificando-se que as informações pretendidas se encontram, efectivamente, abrangidas pelo segredo profissional, a recusa de prestação dessas informações é, por isso, legítima e não ilegítima como foi decidido.

Daí que a quebra do correspondente sigilo, quando a recusa se mostrar legítima, só possa ser concretizada mediante o recurso ao respectivo incidente de quebra de sigilo, regulado no art. 135.º do CPP, nos termos do qual só o tribunal superior àquele onde o problema foi suscitado pode pronunciar-se sobre a existência ou não de fundamento de quebra de sigilo.

Os elementos solicitados à instituição bancária e recusados por esta serão imprescindíveis para a averiguação dos factos em causa e do prosseguimento da própria investigação, pois daqueles dependerá a identificação dos eventuais autores da conduta criminosa indiciada.
Parte-se também do pressuposto de que não há viabilidade da obtenção do consentimento do titular do interesse protegido, porquanto nem será sequer conhecido nesta fase processual.

Mas não há outra forma de suprir este consentimento – face à recusa, justificada, com base no sigilo bancário, da entidade bancária – senão pela via do aludido incidente.


É, aliás, este o entendimento que cremos ser maioritário nos tribunais superiores, nomeadamente nesta Relação de Lisboa (cf., por todos, o acórdão de 27.3.2007, proferido no recurso n.º 1054/2007 – 5, relatado pela Exma. Desembargadora, Dr.ª Margarida Blasco e o acórdão do STJ de 12.4.2007, in rec.1232/07, ambos acessíveis in www.dgsi.pt ), que merece a nossa inteira adesão.

A questão que se decide no referido incidente, não é a ilegitimidade da escusa, mas a de decidir qual dos valores em confronto deve prevalecer.

O tribunal recorrido na decisão sob recurso, não questionou que se possa estar perante um caso não abrangido pelo segredo profissional. Antes considerou que, no caso concreto, o interesse na boa administração da justiça devia prevalecer sobre o dever de segredo.

Todavia, o efeito prático é o mesmo, na medida em que, ao assim considerar, abordou matéria que é da competência de tribunal que lhe é hierarquicamente superior (cf., entre outros, o acórdão desta Relação de 1.3.2007, in rec.807/07 – 9, relatado pelo Exmo. Desembargador, Dr. Rui Rangel, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25-11-2004, Proc. nº 8610/2004-9, acessíveis em www.dgsi.pt).

O tribunal recorrido, é, pois, incompetente para a realização de tal ponderação e consequente determinação de quebra de segredo profissional, por força das disposições combinadas dos art. 135.º, n.º1 e 3, 10.º e 12.º, nº 2 al. g) do CPP e art. 56.º, n.º 1 al. j) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

Assiste, por isso, razão à recorrente, neste conspecto.

7.4 - A questão relativa à nulidade do despacho que ordena à entidade bancária que preste informações sujeitas a segredo bancário, está, como é natural, directamente ligada com a questão acabada de analisar.

É inquestionável que a decisão sobre a legitimidade da recusa por parte das instituições bancárias afecta objectivamente, a questão sobre a nulidade do despacho que ordena que sejam prestadas as informações pela entidade bancária.

Sendo a ponderação dos valores em conflito, matéria da competência do Tribunal da Relação hierarquicamente superior ao Tribunal recorrido, independentemente do mérito da apreciação a que este procedeu, ocorreu violação das regras de competência funcional consagradas na lei de processo penal, atento o disposto nos art. 135.º, n.º1 e 3, 10.º e 12.º, n.º 2 al. g) do Código de Processo Penal e art. 56.º, n.º 1 al. j) da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.


Tal violação, por força da aplicação do princípio da legalidade no domínio dos actos processuais, a que alude o art. 118.º, nº1 do CPP, em conjugação como disposto no art. 119.º, al. e) do mesmo diploma, importa a nulidade insanável do acto praticado, que é de conhecimento oficioso e, por isso, deve ser declarada – art. 119.º do CPP.

Nessa conformidade, é de concluir que o despacho recorrido errou na aplicação do direito ao considerar ilegítima a recusa da entidade bancária, quando deveria tê-la considerado legítima, suscitando de seguida o respectivo incidente de quebra do segredo profissional, a decidir por este Tribunal da Relação.

Assim o despacho recorrido é nulo, por violação flagrante das regras de competência funcional consagradas na lei de processo penal, pelo que assiste razão à recorrente.

Não procedem, porém, as pretensões formuladas, em alternativa, pela recorrente, pois, como já referimos, a recusa é legítima e quanto à quebra da obrigação de sigilo bancário só deve este tribunal conhecer no âmbito do procedimento de quebra de sigilo bancário que venha a ser instaurado.

8. Decisão:

Neste termos, sem necessidade de maior desenvolvimento, acordam os juízes que compõem esta Secção Criminal, em julgar parcialmente procedente o recurso, e em consequência, declaram nulo e de nenhum efeito o despacho supra transcrito e determinam a substituição por outro que suscite ao Tribunal da Relação, por ser o competente para o efeito, o incidente de quebra do sigilo bancário.

Não são devidas custas.