Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1965/12.5TVLSB.L1-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - O n.° 1 do artigo 394.° do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.° a 379.°.
- O n° 2 do mesmo artigo 394.° manda aplicar essa proibição de meio de prova ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocados pelos simuladores.
- É porém admissível que se utilize prova testemunhal desde que, a montante, surja um "princípio" ou "começo" de prova que crie uma convicção que as testemunhas se limitam a sedimentar.
- A prova testemunhal será sempre, nestes casos, complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de "fumus bonni juris".
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1. N... intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra M..., pedindo que:
- seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra N, correspondente ao terceiro andar B, com arrecadação na sub-cave, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua Augusto Costa (Costinha) n.° 2 tornejando para a Rua das Pedralvas, n.° 13, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Benfica, sob o art. n.° 2220, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 3240-N;
- a condenação da Ré a entregá-la livre e desocupada, a pagar-lhe a quantia de € 800,00 de indemnização por cada mês de ocupação do imóvel (desde Novembro de 2008 e até efectiva entrega), uma indemnização por danos não patrimoniais, de valor não inferior a 2.500,00€ e a sanção pecuniária compulsória de 30,00€ por cada dia, a contar da citação e até efectiva entrega do imóvel.
O autor alegou, em síntese, que adquiriu a referida fracção autónoma por compra, em 06/09/1990 de 1/2 indiviso do imóvel e, em 22/10/2008, a restante parte; sucede que a R. ocupa o imóvel em causa e utiliza-o para a sua habitação, ocupação essa sem qualquer título que a justifique, ali permanecendo contra a vontade do A. e impedindo-o de dispor livremente do mesmo, tendo o A. desde que se tornou o único dono insistido junto da R. para que lhe entregue a fracção.
Mais alegou que a ocupação, indevida e ilegítima, que a R. faz do imóvel lhe causa prejuízos, uma vez que o impede de dispor livremente do seu bem, de o usufruir e de dele tirar rendimentos, pelo que a R. está constituída na obrigação de o indemnizar pela ocupação do referido imóvel., sendo que o valor da contrapartida mensal pela utilização desse imóvel é, pelo menos, de 800,00 €.
Invocou, ainda, que a conduta da R. causa ao A. desgosto e tristeza, já que o impede de dispor livremente do seu prédio, sentindo-se humilhado e vexado pela R., andando desgostoso e triste com o facto da R. permanecer no imóvel contra a sua vontade e afrontar o seu direito de propriedade, pelo que deverá ser ressarcido pelos danos não patrimoniais em quantia não inferior a € 2.500,00.
Pediu, por último, a condenação da R. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega do dito imóvel ao A., no montante diário de € 30,00, a contar da citação.

A Ré contestou e deduziu reconvenção, pugnando pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, pedindo que seja declarada a nulidade da escritura de compra e venda, celebrada entre A. e R., da metade indivisa da fracção autónoma sub judice, com o regresso ao património da reconvinte dessa metade indivisa da dita fracção, ordenado o cancelamento do registo da propriedade - AP 17 de 2008/10/22 14:13:20 UTC – Aquisição - e o cancelamento do averbamento na matriz a favor do A. ainda ser este condenado a reconhecer o direito de propriedade da Ré reconvinte sobre metade da fracção.
Pediu, ainda, a condenação do A., a final, por litigância de má-fé.
Fundamentou, nuclearmente, a sua pretensão, nos seguintes factos: -. A. e R. constaram na respectiva escritura pública de compra e venda como sendo os compradores da fracção subjudice; todavia, quem escolheu o imóvel, decidiu adquiri-lo e procedeu ao pagamento do respectivo preço foi o pai de ambos, J..., sendo A. e R., à data da respectiva aquisição menores, sido representados na escritura de compra e venda, celebrada em 20-06-1990 no 16° Cartório Notarial de Lisboa, por seus pais J... e I...; à data, os pais do A. e da R. adquiriram o referido imóvel para casa de morada da sua família, tendo o respectivo agregado familiar ido viver para aí; mercê de contingências da vida de cada um, todos os restantes membros da família, à excepção da Ré, acabaram, por motivos de ordem pessoal, por abandonar a casa de morada de família; a Ré foi a única que nunca deixou, até à presente data, de aí viver; desde 06-09-1990 que a R. mantém no imóvel em questão o centro da sua actividade familiar, social e económica, de forma ininterrupta, ali comendo e confeccionando a alimentação, dormindo, recebendo familiares e amigos, bem como toda a correspondência, pagando os consumos de água, gás e electricidade, a prestação de condomínio e o IMI respectivos e taxas de conservação e esgotos, nunca tendo pago, até à presente data, qualquer contrapartida ao A., seja a título de renda, seja a qualquer outro título.
No ano de 2004, como o pai do A. e da R. não deveria ser gerente de mais de nenhuma sociedade, em virtude de ter sido condenado como autor de vários crime de abuso de confiança fiscal, solicitou à R. que esta constasse como gerente de direito da sociedade L... Lda., onde o A. também trabalhava; a Ré aceitou esse pedido de seu pai e passou a constar como gerente da referida sociedade.
Todavia, tal sociedade foi contraindo dívidas à Segurança Social desde 2004 e no ano de 2008 havia já um acumulado de € 64.443,71;constando como gerente da sociedade, a R. foi citada pelo Serviço de Finanças de Portimão como executada por reversão das dívidas da Limpalgarve, em 16.10.2008; a R. deduziu oposição no respectivo processo de execução fiscal, correndo os autos de oposição ainda termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé sob o n.°13/09.7BELLE, encontrando-se suspensos desde 16-03-2011; decorrente das referidas dívidas da sociedade Limpalgarve, a R. foi ainda constituída arguida no inquérito com o n° 2332/08.0TAPTM, num processo de abuso de confiança fiscal, tendo sido deduzida acusação contra a R. da referida acusação consta despacho de arquivamento relativamente ao A., o qual também chegou a ser constituído arguido nos referidos autos; em sede de instrução foi proferido despacho de não pronúncia, não chegando a ser julgada pelos referidos crimes que lhe tinham sido imputados;
Após a citação como executada por reversão ocorrida em 16.10.2008, a R., juntamente com o A. e seus familiares, pai e mãe do A. e da R., antecipando uma eventual penhora da metade indivisa da R. sobre a fracção autónoma subjudice, que teria como consequência a perda da metade da casa de morada de família que pertencia à R., e ainda com a concordância do A. e da sua mulher decidiram, de comum acordo, simular a venda ao A. da metade da fracção pertencente à R., tendo em 22.10.2008 sido celebrada escritura publica de compra e venda de metade da fracção autónoma descrita acima referida; nunca foi intenção da R. vender a sua metade indivisa do imóvel ao A. como também nunca foi intenção do A. comprar a metade indivisa do imóvel â sua irmã, ora R. e, por isso, o A. não procedeu ao pagamento do preço da venda do imóvel, nem foi acordado esse pagamento entre A. e R. tal como a R. não procedeu à entrega do imóvel ao A./reconvindo, continuando a R. a habitar no referido imóvel, como sempre tinha feito, sem o pagamento de qualquer contrapartida, já que é dona de metade da referida fracção;
Também não foi o A. na qualidade de adquirente que liquidou a importância do IMT, nem pagou a conta do notário, mas o pai do A. e da R. nem foi o A. quem procedeu ao registo da compra, mas sim a R. que pagou todas as despesas inerentes tal como não foi o A. quem procedeu ao averbamento na matriz, nem obteve os necessários documentos junta da Câmara Municipal de Lisboa, mas sim a R.
Tal negócio foi apenas formalizado entre A. e R. com o intuito de salvaguardar o património da R. e evitar que o mesmo fosse objecto de penhora e venda judicial, tendo sido formalizado com carácter transitório, ou seja, ficou acordado entre todos os intervenientes que logo que a ré resolvesse a sua situação se efectuava de imediato nova venda simulada da metade indivisa da R., que está registada a favor do A., para o seu nome.
Simultaneamente, foi acordado entre A., R. e seus pais, que a ré continuaria a utilizar a fracção, como sempre tinha feito até aí, ou seja, como sua habitação e domicílio ; de igual modo, também ficou acordado que o A. poderia utilizar a referida fracção sempre que quisesse, naturalmente, como chegou a fazer.
O A. omitiu factos relevantes para a decisão da causa, não obstante deles tenha perfeito conhecimento, com vista a fazer valer em juízo uma pretensão que sabe ser ilícita, ilegítima e, por isso, ilegal.

O A. replicou, tendo arguido a sua ilegitimidade, face ao pedido reconvencional, uma vez que que é casado, e pugnou pela improcedência do pedido reconvencional.
Foi requerida e admitida a intervenção principal da mulher do A., F...
Corridos os subsequentes termos processuais, foi proferida sentença com o seguinte segmento decisório:
Pelo exposto julgo a presente acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente e, consequentemente:
a) declaro que o A., N..., é titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, designada pela letra "N", correspondente ao terceiro andar B, com arrecadação na sub-cave, do prédio urbano, sito na Rua Augusto Costa (Costinha), n.° 2, tornejando para a Rua das Pedralvas, n.° 13, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Benfica sob o art.° 2220 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 3240-N;
b) condeno a R., M..., a entregar ao A. a fracção autónoma referida em a), livre e devoluta;
c) condeno a R. a pagar ao A. a quantia de € 2.500,00;
d) absolvo a R. do demais peticionado pelo A.
d) absolvo o A. do pedido reconvencional.
e) Indefiro o pedido de condenação do R. por litigância de má-fé.
Custas da acção por A. e R., na proporção, respectivamente, de 40%, 60% e as da reconvenção e do incidente de litigância de má-fé pela R., sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.”

A Ré apelou culminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso interposto da douta decisão que, depois de concluir pela inexistência da simulação invocada na contestação, reconheceu o direito de propriedade a favor do Recorrido e condenou a Recorrente a entregar ao Autor, seu irmão, a fração autónoma designada pela letra "N" correspondente ao terceiro andar B com arrecadação na sub-cave, do prédio urbano, sito na Rua Augusto Costa (Costinha), n.° 2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Benfica sob o artigo 2220 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 3240-N, bem como condenada a pagar ao Autor a quantia de € 2500,00.
2) Com efeito, o negócio jurídico de compra e venda realizado entre a Recorrente e o Recorrido, seu irmão, foi um negócio simulado.
3) Não pretendiam celebrar a compra e venda.
4) O único propósito foi o de salvaguardar a casa de morada de família, nomeadamente com a intenção de enganar terceiros credores, evitando a penhora do imóvel.
5) O Recorrido esteve sempre consciente desse facto, assim como assentiu a realizar o negócio por esses motivos, que também eram do seu interesse.
6) Verifica-se uma simulação absoluta.
7) Não existiu outro negócio que a Recorrentes e o Recorrido tenham querido realizar.
8) Nesse âmbito, nem o Recorrido pagou o preço da venda simulada, nem a Recorrente procedeu à traditio da coisa.
9) A Recorrente cumpriu o ónus de provar a alegação de simulação absoluta.
10) Estão preenchidos os requisitos da simulação absoluta, prevista no art. 240.° do Código Civil.
11) Deverá ser declarada a nulidade da escritura de compra e venda, celebrada entre A. e R., da metade indivisa da fracção autónoma sub judice, com o regresso ao património da R./reconvinte da metade indivisa da dita fracção, ordenado o cancelamento do registo da propriedade - AP 17 de 2008/10/22 14:13:20 UTC – Aquisição - e o cancelamento do averbamento na matriz a favor do A. reconvindo, devendo ainda o A. reconvindo ser condenado a reconhecer o direito de propriedade da Ré reconvinte sobre metade da fracção;
12) Analisando a sentença recorrida, constata-se que a condenação da Recorrente advém de ter sido reconhecido ao Autor, em exclusivo, o direito de propriedade sobre o imóvel supra referido e por conseguinte a restituição ao Autor do imóvel reivindicado.
13) O reconhecimento do direito do Autor, assenta no facto de não ter sido alegada a falsidade do documento autêntico (escritura pública de compra e venda) que titula a compra e venda alegada, nem se ter produzido qualquer prova da alegada simulação, por não ter sido apresentado qualquer principio de prova, logo a simulação não é passível de ser provada por prova testemunhal ou declarações de parte, mas em nosso entender as declarações de parte podem constituir um princípio de prova.
14) Precisamente o que se passa no caso aqui em apreço, em que dois familiares decidem simular um negócio, como decorre da falta de pagamento do preço, da falta da traditio do bem e do pagamento pela ora recorrente das despesas de manutenção com o imóvel (despesas de condomínio, IMI, etc, conforme doc.s juntos a fls. dos autos), factos estes que não só indiciam como também fazem presumir esses mesmo acordo entre ambos estabelecido.
15) Assim, o direito de propriedade não deveria ter sido reconhecido ao Autor, uma vez que se verificou e provou a existência de uma simulação, ainda que alegada pelos próprios, ficou provado que não se verificou nenhum dos elementos da compra e venda, as declarações negociais explanadas na escritura de compra e venda pretendem dar uma aparência de negócio exatamente com esse intuito.
16) Considera-se que, os documentos autênticos não fazem prova plena da sinceridade dos factos, provam que as declarações prestadas o foram feitas perante o documentador (notário) já não provam plenamente, que essas declarações sejam válidas e correspondam à vontade do declarante, ao evidenciar essa divergência está a ser colocada a veracidade do documento em causa.
17) Consta da decisão em apreço os seguintes factos provados, que consideramos terem interesse para o recurso:
"1.1, Por escritura pública outorgada no dia 20 de junho de 1990, no Décimo Sexto Cartório Notarial de Lisboa, R..., por si e na qualidade de procuradora do seu marido A..., declarou vender aos AA. então menores e representados na escritura pelos seus pais J... e I..., pelo preço de 9.000.000SOO, a fração autónoma designada pela letra "N" correspondente ao terceiro andar B, do prédio urbano, sito na Rua Augusto Costa (Costinha), n.º 2, em Lisboa e inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Benfica sob o artigo 2220, tendo os segundos declarado que aceitavam a venda para os seus representados.
1.2. Pela Ap. 18 de 1990/09/06 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa a favor do A. e da R. a fração aludida em 1.1., fração essa descrita na mesma Conservatória sob o n.° 3640.
1.3. Por escritura pública outorgada no dia 22 de Outubro de 2008, no Cartório Notarial de Lisboa, a R. M... declarou vender ao A. pelo preço de 26.000 euros o direito a V: da fração autónoma identificada em 1.1., tendo o A. declarado que aceitava a venda.
1.4. Pela AP. 17 de 2008/10/22 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa a aquisição por parte do A., por compra, do direito correspondente a 1/2 da aludida fração, constando como sujeito passivo a R.
1.5. O A. não procedeu ao pagamento de qualquer quantia à R. como contrapartida pela aquisição do direito da R. sobre a fração referida em 1.3.
1.6. A R. após o facto referido em 1.3. continuou a residir na fração identificada em 1.1., sem pagar qualquer contrapartida ao A. seja a título de renda, seja a qualquer outro título, conforme fora acordado entre A. e R. (...)
1.9. A renda mensal de uma fracção com as características da referida em 1.1. seria pelo menos de €750.00
1.10. No ano de 2004, o pai do A. e da R. com conhecimento do A ., solicitou à R. que a mesma passasse a constar como gerente da sociedade L... Lda;
1.11. A sociedade referida em 1.10 foi contraindo dívidas à segurança social desde 2004 e no ano de 2008 havia já um acumulado de €64.443, 71.”
18) E constam com interesse para o recurso em causa, os factos não provados:
"2.2 O pai do A. e da R. fez a solicitação referida em 1.10. em virtude de ter sido condenado por crimes de abuso de confiança fiscal.
2.4. O A. não pretendia comprar nem a R. vender, o direito sobre esta fração;
2.5. A. e R. acordaram que, posteriormente, seria celebrada nova escritura através da qual o A. procedesse novamente à transmissão do direito correspondente a ½ da fração a favor da R.
2.6. A R. foi citada pelo Serviço de Finanças de Portimão como executada por reversão das dívidas da Limpalgarve, em 16-10-2008 (...)
2.9. Decorrente das referidas dívidas da sociedade Limpalgarve, a ré foi ainda constituída arguida no inquérito com o n.° 2332/08.OTAPTM, num processo de abuso de confiança fiscal, tendo sido deduzida acusação contra si.
2.10. Da referida acusação consta despacho e arquivamento relativamente ao A. o qual também chegou a ser constituído arguido nos referidos autos, o que comprova que o mesmo teve e tem conhecimento de todos os factos alegados até aqui pela ré. (...)
2.12. Após a citação como executada por reversão ocorrida em 16-10-2008, a Ré, juntamente com o A. e eus familiares, pai e mãe do A. e da R. antecipando uma eventual penhora da metade indivisa da Ré sobre afiação autónoma "sub judice", que teria como consequência a perda de metade da casa de morada de família que pertencia à Ré, e ainda com a concordância do A. e da sua esposa, decidiram todos de comum acordo simular a venda ao A. da metade da fração pertencente à ré. (...)
2.17. E para mais tal negócio foi formalizado com carácter transitório, ou seja, ficou acordado entre todos os intervenientes que logo que a ré resolvesse a sua situação se efectuava de imediato nova venda simulada da metade indivisa da ré, que está registada a favor do A., para o seu nome. "
19) Consideramos a fundamentação dos factos não provados, insuficiente ou mesmo inexistente no que concerne ao ponto 2.17, pois na fundamentação que consta da douta sentença, foi esquecido esse ponto. Na concretização dos factos provados não consta qual a fundamentação que leva a ser dado como não provado o ponto 2.17, nem se percebe do texto como se chega a essa conclusão.
Razão pela qual se invoca a nulidade da sentença nos termos conjugados dos artigos 615º n.° 1 alínea b) e 607° n.° 3 ambos do C.P.C, por falta das ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
20) No que concerne à falta de prova dos pontos 2.6. a 2.11. por falta de junção das competentes certidões, também não se conforma a recorrente com a decisão, pois o que se verificou foi uma omissão de análise dos documentos, já juntos aos autos como cópias simples.
Mais se reitera o explanado no requerimento probatório de resposta, ao convite invocado de fls. 325 da aliás douta sentença por requerimento datado de 17-06-2014, peça processual com a Ref.ª 17137931.
Pode o pagamento das certidões judiciais requeridas ser integrado nas custas a final, como demais encargos do processo, pelo que não procede o indeferimento do requerido, devendo ser analisada a informação constante das certidões requeridas pelo Tribunal "a quo" e serem apreciadas como provas juntas aos autos, com as legais consequências e se assim não se entender, chama-se à colação o artigo 436° do C.P.C., no qual compete o tribunal requisitar por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes informações ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.
21) O facto de não os ter requerido e não ter considerado os documentos juntos aos autos, integra a figura da negação da prova. Em nosso entender, não é aceitável que não se tenham analisado, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, os documentos juntos à contestação da Ré, ou que não se tenha pugnado por suprir os impedimentos que levam à sua não consideração, tendo em conta o teor dos mesmos. Foi assim violado do direito à prova, que decorre do direito de acesso aos tribunais e ao direito e a um processo equitativo (art. 20.°, n.ºs I e 4, da Constituição).
22) Desta forma é nula, devendo ser revogada, a sentença em apreço, por violação do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa pela omissão de análise da prova documental junta aos autos pela Ré como documentos 16,17,18, 19, 20, 21 e 22. - Cfr. Artigo 607° n.° 4 do C.P.C.. Bem como, deve o tribunal "ad quem " analisar a prova documental referida e considerar provados os factos constantes dos pontos 2.6. a 2.11. dos "Factos não Provados", com as legais consequências.
23) Ainda que o juiz "a quo" se paute pela livre apreciação da prova e tenha aliás doutamente, fundamentado as suas conclusões de forma coerente no geral, cumpre apontar a incoerência que se verifica ao considerar o facto provado 1.6. e vir momentos depois condenar a Ré a pagar o valor de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros).
24) É decidido pelo Tribunal "a quo" que se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos consagrados no artigo 483° do Código Civil, condenando a Ré em consequência, no pagamento da indemnização no valor de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros), designadamente considerou que, se provou que a Ré ocupou de forma ilícita, porque violadora do direito de propriedade do A., contra a vontade deste, a fração autónoma, sendo que, a privação do uso conforma uma categoria de dano indemnizável.
25) Ora a Recorrente discorda em absoluto com a declaração de que a ocupação da fração é ilegítima, por várias razões que irão ser expostas, desde já porque, a Meritíssima Juiz infirma da premissa da reivindicação da propriedade que existe uma ocupação indevida. Mas, não procede essa infirmação quando conjugada com a factualidade provada onde é facto assente o constante no ponto 1.6. em resumo, a Ré continuou a residir na fração sem pagar qualquer contrapartida ao A., conforme acordado entre as partes, pelo que se retira que a ocupação da fração pela Ré não é ilegítima.
O que ficou acordado foi que a Ré continua a residir na fração, sem qualquer contrapartida, não que, ficaria a residir até que ocorresse algum facto, designadamente o Autor reivindicar a propriedade para sua fruição.
26) Mas ainda que assim não se entenda, o que se admite por razão de patrocínio, e se declare o direito de propriedade exclusivamente ao Autor, este só existe porque provada a compra e venda, mas também ficou provado sem sombra de dúvida, que a existir a compra e venda, o preço não foi pago, logo, assiste à Ré, o direito de retenção da coisa até ser pago o preço.
27) Ficou provado, que não foi pago o preço, assim como pelos factos sub judice também se recolhe que não houve a tradição da coisa. O artigo 874° do Código Civil define o contrato de compra e venda como o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa (...), mediante um preço. Ora na tese da decisão em apreço, foi o que se verificou, mediante a escritura pública, foi declarando que o Autor comprava à Ré a fração em causa por um preço. Facto que determinou a transmissão da propriedade para o Autor da metade indivisa de que era proprietária a Ré (arts. 875° e 879° código Civil).
28) Mas como ficou provado que não foi pago o preço, nem foi entregue a coisa, operou a transmissão da propriedade mas não foram cumpridas as obrigações de entregar a coisa e pagar o devido preço. No entanto a obrigação de entregar a coisa e correlativa do pagamento do preço, portanto a detenção que aqui se verifica é uma detenção legal, nos termos do artigo artigo 754° do Código Civil: "o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.”
29) O ius retentionis então é uma espécie de legítima defesa do património do credor, que irá garantir a satisfação da dívida que cessa com a entrega da coisa. Portanto encontra-se legitimada a ocupação pela Ré recorrente, da fracção não sendo devida qualquer indemnização por ato ilícito como vem a mesma condenada na sentença objecto de recurso, que deverá ser revogada absolvendo a Ré do pagamento de qualquer quantia indemnizatória.
30) Por fim tratamos dos factos não provados 2.3 a 2.5, 2.12 e 2.16, cuja tese defendida é de que não pode ser provada prova testemunhal nem pelo uso de presunções judiciais. O que em nosso entender não procede, pois ainda que não seja admitida a prova testemunhal como dispõe o artigo 394° n.° 1 e 2, do Código Civil, não se verificou a falta de prova da simulação invocada.
Com efeito, a tese da douta sentença decorre apenas da aplicação do artigo 394° n.° 2 do C.C.. Mas como a própria sentença invoca o impedimento não é absoluto, e cita-se: "...sendo corrente o entendimento jurisprudencial e doutrinal de que tais restrições são inaplicáveis quando exista "princípio de prova" relativamente aos factos integradores desse vício... " concluindo pela sua não ocorrência e termina referindo: "Só a indicação desse princípio de prova legitimaria o recurso a outros meios de prova, nomeadamente aprova testemunhal.”
31) Não se discorda em nada da douta interpretação feita pelo tribunal "a quo", mas já não se pode admitir é o facto de ter sido dado como assente, que não foi feito qualquer princípio de prova, pois, em nosso entender as declarações de parte são princípio de prova neste caso concreto.
32) Então parece-nos que, as declarações de parte devem ser consideradas como um contributo para o resultado probatório final, sem força probatória autónoma, mas concretamente relevante, quando os meios de prova existentes não sejam suficientes para por si só criar a convicção no julgador.
33) Aliás foi mesmo perguntado se a Ré tinha falado só com o irmão e a cunhada ao que foi respondido: min 06:38 a 07:10 — "Sim na altura ela estava presente, não sei estava na escritura mas sabia de tudo, não havia nada para esconder. " Pelo que se verifica só estarem presentes os interessados, não existe nenhum outro meio idóneo a comprovar esta factualidade.
Acresce ainda que foi perguntado diretamente: min 07:12 a 07:34 - "Então a Sra. nunca quis vender e o seu irmão nunca quis comprar? Exacto."
34) A esta conjugação de factos, a estes circunstancialismos, só as partes tem contacto direto, não havendo outros meios de prova para auxiliar na descoberta da verdade. Ora é precisamente nestes casos que as declarações são admitidas para a comprovação de factos, de forma como já referimos complementares e que se reconduzem, mais concretamente, à figura
35) Pelo exposto se impugnam os pontos 2.3, 2.4., 2.5, 2.12., e 2.17., dos Factos Não Provados de decisão que aqui se recorre, porquanto os mesmos foram provados testemunhalmente.
36) Nos termos da norma do artigo 350.° n.° 1 do Código Civil, compete àqueles que se arrogam proprietários, provar que o detentor não é possuidor. Foi exactamente o contrário o que ficou provado, não se verificou em momento algum que o Autor, tenha algum domínio sobre a casa. Nunca mais foi lá, não tem chave, tem outra residência. E “a contrario” ficou demonstrado que a posse e fruição e uso e domínio, sobre a casa é todo da recorrente, que exerce o poder de facto sobre a casa desde sempre que a casa deixou de ser a residência dos pais e do irmão. Mais uma vez deve a sentença ser considerada nula e revogada a sua decisão por violação nos termos conjugados, dos artigos 615° n.° 1 e 607° n.° 3 ambos do C.P.C.
Terminou, concluindo pela nulidade da sentença nos termos conjugados dos artigos 615º n° 1 alínea b) e 607° n° 3 ambos do C.P.C, por falta das ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; bem como apodou de nula, devendo ser revogada, a sentença em apreço, por violação do artigo 20° da C. R. P:- pela omissão de análise da prova documental, devendo o tribunal "ad quem" analisar a prova documental referida e considerar provados os factos constantes dos pontos "Factos não Provados", com as legais consequências; - pela verificação da violação do artigo 754° do Código Civil, devendo ser a Ré absolvida do pedido de indemnização em que vem condenada.
Por último, pediu a procedência do pedido reconvencional, devendo ser declarado nulo o negócio jurídico simulad,o sendo reconhecida a propriedade da ré de ½ da fracção autónoma sub judice, porque provado.

O Autor/recorrido contra-alegou em defesa do julgado, mais imputando à alegação da recorrente o incumprimento do artigo 639.º CPC.
E, por seu turno, recorreu subordinadamente, no segmento do pedido que absolveu a ré do pedido de indemnização pela ocupação do imóvel, concluindo que :
- A sentença recorrida faz errada apreciação da matéria de facto provada em 1.6 e 1.9;
- A demonstração destes factos deve reflectir-se na condenação da Ré , além do mais, a pagar ao Autor a quantia de 750,00 euros mensais, pelo menos desde a data da sua citação (3.12.2012) e até efectiva entregado imóvel.

Colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Matéria de Facto.
2. Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
“1.1. Por escritura pública outorgada no dia 20 de Junho de 1990, no Décimo Sexto Cartório Notarial de Lisboa, R..., por si e na qualidade de procuradora do seu marido A..., declarou vender à A. e R., então menores e representados na escritura pelos seus país J... e I..., pelo preço de 9.000.000$00, a fracção autónoma designada pela letra N, correspondente ao terceiro andar B, do prédio urbano sito na Rua Augusto Costa (Costinha), n° 2, em Lisboa e inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Lisboa sob o art.° 2220, tendo os segundos declarado que aceitavam a venda para os seus representados.
1.2. Pela Ap. 18 de 1990/09/06 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa a favor do A. e da R. a fracção aludida em 1, fracção essa descrita na mesma Conservatória sob o n° 3640.
1.3. Por escritura pública outorgada no dia 22 de Outubro de 2008, no Cartório Notarial de Lisboa, a R. M... declarou vender ao A., pelo preço de € 26.000, o direito a 1/2 da fracção autónoma identificada em 1, tendo o A. declarado que aceitava a venda.
1.4. Pela Ap. 17 de 2008/10/22 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa a aquisição por parte do A., por compra, do direito correspondente a 1/2 da aludida fracção, constando como sujeito passivo a R.
1.5. O A. não procedeu a pagamento de qualquer quantia à A. como contrapartida pela aquisição do direito da A. sobre a fracção referida;
1.6. A R. após o facto referido em 3. continuou a residir na fracção identificada em 1., sem pagar qualquer contrapartida ao A., seja a título de renda, seja a qualquer outro título, conforme fora acordado entre A. e R..
1.7. A. e R. são ambos filhos de J... e de I...
1.8. Pela Ap. 18/041227 foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Portimão a nomeação da R. como gerente da sociedade L... Lda.
1.9. - A renda mensal de uma fracção com as características da referida em 1 seria, pelo menos, de € 750,00.
1.10. No ano de 2004, o pai do A. e da R., com o conhecimento do A., solicitou à R. que a mesma passasse a constar como gerente da sociedade L... Lda;
1.11. A sociedade referida em 10. foi contraindo dívidas à Segurança Social desde 2004 e, no ano de 2008, havia já um acumulado de € 64.443,71.”.

Além do mais alegado não se provou que:
— A utilização da fracção referida em 2.1. pela R. tem provocado ao A. desgosto e tristeza e sente-se humilhado e vexado por aquela;
— O pai do A. e da R. fez a solicitação referida em 10., em virtude ter sido condenado por crimes de abuso de confiança fiscal;
— A escritura referida em 2.3. foi celebrada, por acordo entre o A., a Interveniente F... e a R., por forma a evitar a penhora por parte do Serviço de Finanças de Portimão do direito correspondente a ½ da mesma do qual a A. era titular;
— O A. não pretendia comprar, nem a A. vender, o direito desta sobre a fracção;
— A. e R. acordaram que, posteriormente, seria celebrada nova escritura através da qual o A. procedesse, novamente, à transmissão do direito correspondente a ½ da fracção a favor da R.
— A ré foi citada pelo Serviço de Finanças de Portimão como executada por reversão das dívidas da L..., em 16-10-2008.
— A ré deduziu oposição no respectivo processo de execução fiscal;
— Os respectivos autos de oposição correm ainda termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé sob o n° 13/09.7BELLE, encontrando-se suspensos desde 16-03-2011;
— Decorrente das referidas dívidas da sociedade L..., a ré foi ainda constituída arguida no inquérito com o n° 2332/08.OTAPTM, num processo de abuso de confiança fiscal, tendo sido deduzida acusação contra si.
— Da referida acusação consta despacho de arquivamento relativamente ao A., o qual também chegou a ser constituído arguido nos referidos autos, o que comprova que o mesmo teve e tem conhecimento de todos os factos alegados até aqui pela Ré.
— A ré acabou por ser despronunciada, não chegando a ser julgada pelos referidos crimes que lhe tinham sido imputados;.
— Após a citação como executada por reversão ocorrida em 16-10-2008, a ré, juntamente com o A. e seus familiares, pai e mãe do A. e da R., antecipando uma eventual penhora da metade indivisa da Ré sobre a fracção autónoma sub judice, que teria como consequência a perda da metade da casa de morada de família que pertencia à Ré, e ainda com a concordância do A. e da sua esposa, decidiram todos de comum acordo simular a venda ao A. da metade da fracção pertencente à ré.
— Também não foi o A. na qualidade de adquirente que liquidou a importância do IMT, nem pagou a conta do notário, mas o pai do A. e da Ré.
— Não foi o A. quem procedeu ao registo da compra, mas sim a ré quem se deslocou à Conservatória do Registo Predial e aí requereu o registo e pagou todas as despesas inerentes.
— Não foi o A. quem procedeu ao averbamento na matriz, nem obteve os necessários documentos junta da Câmara Municipal de Lisboa (fotocópias das plantas de localização do prédio e do andar e da licença de utilização), mas sim a ré.
— Tal negócio foi apenas formalizado entre A. e Ré com o intuito de salvaguardar o património da Ré e evitar que o mesmo fosse objecto de penhora e venda judicial.
— E para mais tal negócio foi formalizado com carácter transitório, ou seja, ficou acordado entre todos os intervenientes que logo que a ré resolvesse a sua situação se efectuava de imediato nova venda simulada da metade indivisa da ré, que está registada a favor do A., para o seu nome.

O Direito.
3. Vejamos, ponto por ponto, as questões que vêm suscitadas no recurso.
E, muito embora, seja pedida a reapreciação da matéria de facto que, em regra, deve ser conhecida em primeiro lugar, por condicionar a subsunção ao direito, o certo é que, no caso o recorrido veio suscitar a impossibilidade de conhecimento do recurso por, na sua óptica, a alegação não culminar com um acervo conclusivo a delimitar o objecto da impetração.
Nos termos do artigo 685-A, n.º 1 do Código de Processo Civil (redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto) e do actual artigo 639.º CPC 2013, o recorrente deve concluir a sua alegação indicando, de forma sintética “os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Segue-se o n.º 2 a aditar que “versando o recurso sobre a matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que no entendimento do recorrente devia ter sido aplicada”.
O n.º 3 fulmina com o não conhecimento do recurso, a deficiência, obscuridade ou complexidade das conclusões, sem que seja acatado o convite a que se refere o n.º 3 dos preceitos citados.
Como explicava o Prof. Alberto dos Reis – “Código de Processo Civil Anotado”, V, 1981, 359 — “as conclusões são proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs” (…) “A exigência de formulação de conclusões prende-se com a necessidade de delimitar o objecto do recurso, fixando, com precisão, quais as questões a decidir, de modo a que a sua apreciação se revista de maior segurança”.
Por isso, e como acentuava o mesmo autor (ob. vol. cit 361) não devem aceitar-se “como conclusões, arrazoados longos e confusos em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas”.
Como se referiu no acórdão deste STJ de 29de Abril de 2008, por detrás do dispositivo em causa estão razões de clareza e perceptibilidade do objecto da impugnação, proporcionando a concretização do contraditório e balizando a decisão". Porém, como se afirmou no mesmo aresto, o disposto na lei conducente ao não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda, quando a síntese ordenada se não faça de todo”.
Ora, sequentes ao arrazoado recursório, embora muito longo, há um claro, e distinto segmento integrador de todo um acervo conclusivo.
Daí que se tome conhecimento do recurso.

3.1. A recorrente vem, inconformada, arguir nulidade da sentença e pedir a alteração da matéria de facto.
Não se verifica a nulidade assacada já que a sentença surge devidamente fundamentada, de facto e de direito.
A Lei e a doutrina não impõem o exaurir das questões “sub judicio” mas apenas que todos os pontos obrigatoriamente cognoscíveis sejam tratados, ainda que com menor erudição ou mesmo sem esgotamento de todos, e quaisquer, argumentos.
Ora, quer a motivação dos factos provados, quer a respectiva substanciação encontram-se suficientemente concretizados de molde a que se não verifique o vício de limite da alínea b) do nº1º do artigo 615º CPC.

3.2. A prova foi gravada, e na parte impugnada, foi cumprido o disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Dois pontos merecem uma análise mais detalhada: a não consideração de meras cópias de documentos, sendo que para prova de factos neles vertidos seriam exigíveis certidões que, na óptica da recorrente, o Tribunal devia ter mandado juntar, ou requisitar “ex officio”; a existência de prova testemunhal e por declaração de parte conducente a diversa conclusão fáctica.
3.2.1. No tocante ao primeiro, que segundo a recorrente lhe coarctou o “direito à prova”, foram proferidas decisões – em 14 de Maio de 2013, 28 de Maio de 2014 e 19 de Janeiro de 2015 – transitadas em julgado, não lhe dando razão.
Perante a insistência, com argumentos que ora recupera, escreveu-se no último dos despachos citados:
“A R., por altura da notificação do despacho saneador e dos termos de prova, foi notificada para, querendo, juntar aos autos certidões judiciais para prova da matéria que alegou sob os artigos 37.º a 39.º e 41 a 44 da contestação. Requer agora a R. que o tribunal oficie às entidades respectivas para que se juntem as respectivas certidões, porquanto litiga com apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado. Carece de fundamento legal a pretensão, porquanto o apoio judiciário concedido, e seja em que modalidade for não abrange outros encargos para além dos previstos no artigo 16.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, tendo o âmbito de aplicação a que se reporta o artigo 17.º do citado diploma legal.
Pelo exposto, indefiro o requerimento da R.”
Assim, as meras cópias juntas aos autos, por não certificadas, nunca poderiam bastar para a prova dos factos postos em crise, tanto mais que a parte a quem os documentos podiam aproveitar nunca aceitou proceder à sua obtenção, para ulterior incorporação nos autos.
Não se olvide que se destinavam à prova de actos judiciais, ou de funcionário público no exercício da suas funções, sempre valendo a exigência do artigo 364.º do Código Civil.

3.2.2. Passamos a analisar agora a prova testemunhal que, adianta-se - e que, em desenvolvimento ulterior, demonstraremos - não releva para a prova da simulação entre simuladores, salvo se precedida, ou acompanhada de “princípio de prova”.
Da audição da testemunha J... – pai do Autor e da Ré – resulta este ter dito:
…“mas a dada altura eu apanho uns papeis em que ele em português, quer correr com a M... da casa. Ora isso não se faz, quem comprou a casa fui eu, comprei para os dois e gosto dos dois, o que se fez foi para acautelar o bem dos dois, o problema da segurança social que ficou resolvido”. E perante a pergunta: "A casa era a casa de morada de família nunca seria para vender? respondeu: “Nunca seria para vender”. “Foi mesmo porque só tinha dois filhos, deixei logo aquele bem em nome dos dois. (...)" E perguntado se existiu alguma contrapartida respondeu: "Não nada! Foi somente para salvaguardar o bem. Eu acompanhei praticamente tudo. O que acontece é o seguinte... o Dr. disse olhe é bom, porque há viveres e morreres, fazer-se este documento. “A D. F... o N... e eu fomos ao escritório para fazer esse documento, mas aí eles já viraram a casaca. Acho que tinham problemas e queriam vender tudo. "
A testemunha M... ao ser perguntada se tinha conhecimento se o Nuno chegou apagar alguma coisa à sua irmã? Respondeu: “Não, porque a ideia era tirar o nome da M... da casa, não para vender, mas sim para evitar os problemas. Ela sempre lá viveu, eu sempre conheci aquela residência”.
Só a recorrente declarou: "Eu era gerente de uma das empresas do grupo do meu pai, essa empresa, até por um organismo publico, que deixou de pagar, teve problemas com as finanças e com o fisco e na altura o meu pai disse-me que isto vai dar chatice de certeza absoluta, metade da casa está em teu nome e a outra metade está em nome do teu irmão, vamos passar a tua parte para o nome do teu irmão, porque enquanto isto não se vai resolver ainda se perde a casa, enquanto se resolve e não se resolve vai-se perder a tua metade da casa. Nós sabíamos que a conclusão desses processos se fossem para a frente, iriam ser a meu favor mas ainda assim, à cautela, o meu pai achou que era melhor passar a minha parte para o nome do meu irmão, para nem eu nem ele nem ninguém ficar prejudicado, era esse o intuito. O meu irmão sabia perfeitissimamente, foi explicadinho claro como água o que estava a passar, ele sabia o que estava a passar, aliás o Dr. V... que era o advogado que agora foi impedido de testemunhar, é que tratou de todo o processo da compra e venda que neste caso era fictício o negócio era simulado, inclusive no final da escritura o meu pai acabou por dizer há viveres e há morreres, Nuno tu importas-te de assinar um documento em como depois devolves a parte à tua irmã só para ela eventualmente não ficar prejudicada. E o meu irmão respondeu prontamente que sim, mas depois acabou por nunca ser feito esse documento."
O mais gravado na audiência de julgamento irreleva para a substanciação, pelas razões que se seguem, não havendo motivos para alterar a matéria de facto que a 1ª Instância deu por assente e que deve manter-se tal qual.

4. É agora tempo de abordar o instituto da simulação e respectiva prova.
4.1. Deparamo-nos com um instituto a fulminar com a máxima sanção o negócio jurídico celebrado com divergência entre a vontade real e a vontade declarada com o propósito de enganar terceiros (artigo 240.° do Código Civil, a distinguir-se da, muito próxima, reserva mental onde a intenção é enganar o declaratário – artigo 244.° - e da declaração não séria, onde existe a expectativa "de que a falta de seriedade" não seja conhecida - artigo 245.° CC).
Na simulação há uma declaração negocial conjunta em que o declarante, com conhecimento e acordo do declaratário, não a querem "quo tale", antes a produzindo para enganar, ou lesar, um terceiro.
Exige-se a verificação de acordo, só podendo, por isso, afectar os contratos e os negócios unilaterais receptícios.
Aquando da redacção definitiva do citado artigo 240° CC, com o mesmo número no Anteprojecto - 2.ª Revisão Ministerial - e no Projecto - o Prof Rui Alarcão explicou: "... pode definir-se a simulação como a «divergência intencional entre a vontade a declaração, procedente de acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros». É a noção que temos por preferível doutrinalmente, e que, embora esteja longe de poder considerar-se pacificamente aceite - sobretudo pelos ataques que têm sido dirigidos à tese da divergência entre a vontade e a declaração - corresponde aos ensinamentos da doutrina tradicional e preponderante designadamente entre nós “("Simulação" BMJ - 84.°, p. 305 e do mesmo Autor, "Do negócio jurídico" BMJ - 105, p. 256).
De acordo com o n.° 2 do artigo que vimos citando, o negócio simulado é nulo "tout court" quer na simulação absoluta, quer na relativa.
O Prof. Mota Pinto (apud "Teoria Geral do Direito Civil", 4.ª ed., 466 com os Profs. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto) sintetiza o conceito com os seguintes elementos: "a) Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; b) Acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório), o que, evidentemente, não exclui a possibilidade de simulação nos negócios unilaterais; c) Intuito de enganar terceiros".
Neste último elemento pode distinguir-se o mero intuito de enganar, mas sem prejudicar ("animus decipiendi") que faz apodar a simulação de inocente e o "animus nocendi" (de prejudicar terceiros ou de violar norma legal) geradora da simulação fraudulenta.
O Prof. Pedro Pais de Vasconcelos insiste que na simulação é de crucial importância o pacto simulatório. Trata-se de um acordo, de um pacto, que tem como conteúdo a estipulação entre as partes da criação de uma aparência negocial, da exteriorização de um negócio falso e a regulação do relacionamento entre o negócio aparente assim exteriorizado e o negócio real. A esta aparência negocial assim criado pode corresponder um negócio verdadeiro que as partes mantém oculto ou pode também não corresponder qualquer negócio", (in "Teoria Geral do Direito Civil" 8.a ed., 2015, 598).
No primeiro caso há simulação relativa, enquanto no segundo existe simulação absoluta.
Na simulação absoluta só existe o negócio simulado.
Já na relativa além deste (que o Prof. Manuel de Andrade apoda de palente, ostensivo, decorativo, aparente ou fictício – in "Teoria Geral da Relação Jurídica" II, 171 ss) há um negócio oculto ("latente, disfarçado, real") que é o dissimulado.
Na simulação absoluta diz o aforismo que o negócio "colorem habet, substantiam vero nullum"; na simulação relativa, "colarem habet, substantiam vero alteram".

4.2. Trata-se agora de saber se a 1ª Instância podia admitir e fundar a sua convicção probatória em prova testemunhal quanto ao acordo simulatório, e ao negócio dissimulado, que tinha sido invocado pela Recorrente.
E, na afirmativa, ter julgado ao arrepio do n.° 2 do artigo 394.° do Código Civil.
A Ré argui o negócio de nulo, por simulação, oferecendo, e produzindo, prova testemunhal e por declarações para demonstração do vício.
O n.°1 do artigo 394.° do Código Civil excepciona a admissibilidade da prova testemunhal quando se tenha "por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.° a 379.°, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores".
Cabem no âmbito do preceito as convenções que contrariam (ou se opõem) ao declarado no documento assim como todas as que acrescentam (ou adicionam) qualquer clausulado.
Mas o legislador foi mais longe, ao detalhar no n.° 2 que a proibição é aplicável ao "acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores".
Pretendeu, assim, deixar claro que a proibição também abrange aquele vício de vontade, ou seja apenas aquela divergência entre a vontade e a declaração, que não as outras.
Na vigência do Código Civil 1867, o Prof. Beleza dos Santos explicava o regime legal: "Em conclusão: se o acto simulado consta de um documento autêntico ou de um documento de igual força, nos termos do artigo 2432.° e 2433.° do Código Civil, os simuladores, seus herdeiros ou representantes que não devam reputar-se terceiros em relação a esse acto, só podem demonstrar a simulação se exibirem uma prova plena que destrua a eficácia da que resulta daqueles documentos, tal como um documento da mesma natureza ou igual valor ou uma confissão judicial. (Código Civil, art.° 2412.°).
“Se esse acto não consta de documentos autênticos ou de igual força, então os simuladores e seus representantes podem utilizar-se de qualquer meio probatório para demonstrar a simulação, devendo aplicar-se as regras gerais era matéria de prova." (in "A Simulação em Direito Civil", II, 151).
Assim se entendia pacificamente.
A polémica surge nos trabalhos preparatórios do vigente Código Civil e na tendência da doutrina para menorizar (quiçá por razões sociológicas) a valia da prova testemunhal (cf. os Profs. Pires de Lima e A. Varela: que a apodavam de "prova extremamente insegura" - in "Código Civil Anotado" I, 4.ª ed.; "... falibilidade e fragilidade da prova testemunhal" -Prof.Carvalho Fernandes - "A Prova da Simulação Pelos Simuladores", apud "O Direito" 124.°, 1992, IV, 600; "... esconjurar os perigos que a prova testemunhal poderia provocar: qualquer acto poderia ser contraditado." Ac STJ de 5.6.2007-07A3134).
Mas a questão em causa é a prova da simulação invocada pelos simuladores.
Ora, se nestes casos, sendo vedada a prova testemunhal também ficará vedado o recurso às presunções judiciais - prova da primeira aparência (presunção simples) - "ex vi" do artigo 351.° do Código Civil.
Retomando os atrás referidos trabalhos preparatórios do Código Civil, iremos percorrer a história do n.° 2 do artigo 394.° citado.
O Prof. Vaz Serra (in "Provas - Direito Probatório Material"-BMJ 112, p. 194-197; 219-232; 236-292) invocando os artigos 1417.° e 2724.° do Código Civil Italiano de 1942 e 1347 e 1348 do Código Civil Francês, projectou uma norma que permitia que os simuladores pudessem, excepcionalmente usar a prova testemunhal, mas apenas se:
— existisse um princípio de prova escrita "proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante" ou quando "da qualidade das partes, da natureza do contrato, ou de quaisquer outras circunstâncias seja verosímil que tenham sido feitas contradeclarações";
— impossibilidade material ou moral de obtenção de prova escrita.
Também vieram aderir a tal interpretação os Profs. Mota Pinto e Pinto Monteiro (embora em parecer - "Arguição da Simulação Pelos Simuladores. Prova Testemunhal", CJ, X, 1985, 3.a 11 ss) com o argumento nuclear maleabilizar o artigo 394.° e, de certo modo, o Prof. Carvalho Fernandes (ob. loc. cit. 615) pondo a tónica na eventualidade de "resultados injustos de aproveitamento do acto simulado por um dos simuladores em detrimento do outro". (Mas este Autor chama a atenção para que não se ponha em causa a «ratio» do preceito nem se sobreponha" à certeza da prova documental).
Pode, assim, e desde já, concluir-se que:
O n.° 1 do artigo 394.° do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.° a 379.°, independentemente da data dessas convenções.
O n° 2 do mesmo artigo 394.° manda aplicar essa proibição de meio de prova ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocados pelos simuladores.
Porém a doutrina e a jurisprudência, inspirados nos argumentos do Autor da 1.ª proposta (por sua vez seguindo os primitivos Códigos Civis Italiano e Francês) e receando a rigidez do preceito, admitem que se utilize prova testemunhal desde que, a montante, surja um "princípio" ou "começo" de prova que crie uma convicção que as testemunhas se limitam a sedimentar.
Essa tese pode aceitar-se com três condições: o princípio de prova consistir num documento, com força e credibilidade; ser documento não ser usado como facto - base de presunção judicial; reconhecer-se que se trata de uma laboração da doutrina e da jurisprudência oportunamente arredada do "jure constituto" e, em consequência, a ser tida em consonância com os artigos 9.° e 10.° do Código Civil.
A prova testemunhal será sempre, nestes casos, complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de "fumus bonni juris".
Ora, face ao exposto, e inexistindo princípio de prova escrita a sustentar a tese da Ré (face à irrelevância dos documentos juntos) e, sobretudo à resposta negativa directa sobre a simulação – não pode o recurso deixar de improceder.

5. Duas palavras apenas sobre o recurso subordinado.
Afastada a tese da simulação da venda feita pela Ré e vistos os factos constantes dos pontos 1.4, 1.6 e 1.9 – inscrição da totalidade da propriedade do imóvel a favor do Autor, continuação da ocupação do mesmo pela Ré, sem qualquer contrapartida – privando-o de receber mensalmente pelo menos a quantia de € 750,00/mês, não pode deixar de levar à procedência dessa sua pretensão e recurso.

Decisão.
6. Por tudo o exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal em:
- Negar provimento ao recurso principal, mantendo a decisão recorrida na parte por ele abrangida.
- Dar provimento ao recurso subordinado (do Autor) condenando-se a Ré a pagar-lhe a quantia mensal de € 750,00 correspondente ao rendimento que auferiria da fracção, desde a data da citação e até a entrega efectiva.
Custas por Autor e Ré, nas proporções fixadas na 1.ª Instância e sem prejuízo do apoio judiciário de que a Ré beneficia.

Lisboa, 22 de Junho de 2017.

Maria Manuela B. Santos G. Gomes

Fátima Galante

Gilberto Jorge
Decisão Texto Integral: