Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5162/2006-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: COISA DEFEITUOSA
COMPRA E VENDA
DEFEITOS
DEMOLIÇÃO DE OBRAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I- Não dispõe o comprador de moradia que foi vendida com defeito do direito à demolição do imóvel com imediata reconstrução visto que uma tal situação não é compatível com o contrato de compra e venda, pois não estamos diante de coisa fungível (artigos 207.º e 913.º e 914.º do Código Civil).
II- No entanto, isso não significa que a sentença, quando condena o ré a reparar todos os defeitos da coisa vendida, rejeite implícita ou explicitamente que algumas demolições tenham de ocorrer, pois em qualquer reparação há sempre alguma coisa que terá de ser “demolida” no sentido de “removida” só que uma tal remoção é consequência das obras de reparação e não o seu ponto de partida.
III- A responsabilidade do vendedor e do empreiteiro não é solidária considerando desde logo que o empreiteiro não pode ser responsabilizado por aqueles defeitos já existentes quando iniciou a sua intervenção na construção (artigos 513.º e 1225.º do Código Civil)
IV- O comprador tem direito a ser ressarcido, enquanto decorrerem os trabalhos de reparação do imóvel e até à respectiva conclusão, pelo pagamento da renda que vier a despender com o arrendamento de casa situada na mesma zona, idêntica em área e número de assoalhadas. (artigos 563.º, 564.º,n.º2 e 798.º do Código Civil)
(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Veio nos presentes autos António […] pedir a condenação de Maria […], Rui […], José […] e Rui […]S.A., alegando, em síntese que:

- em 09/11/99, comprou à 1ª R., representada pelos 2º e 3º RR., um terreno com moradia […] para habitação concelho de Sesimbra;

- a moradia em causa foi adquirida em estado novo e foi construída pela 4ª R., da qual o 2º R. é principal accionista e administrador;

- após habitar a moradia, foram surgindo logo nos primeiros meses defeitos vários, nomeadamente, infiltrações de água nas paredes interiores, junto aos rodapés de madeira do hall de entrada e quartos, apodrecimento das paredes, fungos no soalho, guarda-fatos, paredes;

- para reparar estes defeitos, os 2º e 3º RR. disseram que iriam proceder a um dreno subterrâneo, o que fizeram mas sem sucesso, dado que as infiltrações continuaram;

- após a construção do dreno, a caixa que recebe electricidade do poste da via pública começou a deitar água;

- entretanto, o pano de tijolo da lareira rachou e o recuperador de calor deixou de funcionar;

- começou a entrar água nas tomadas de corrente eléctrica da garagem exterior;

- o telhado da garagem permitia a entrada de chuvas;

- os RR. nada fizeram para pôr termos aos defeitos, não obstante as insistências do A.;

- por isso, o A. teve de socorrer de terceiros que fizeram um novo dreno e outras obras na tentativa de solucionar a situação;

- durante estas obras, outros defeitos foram detectados, nomeadamente, canalização rota, cabos subterrâneos de corrente eléctrica isolados com fita cola e restos de sacos de plástico, sifões dos lavatórios mal instalados, pano da lareira cheio de entulho e restos de lã de rocha, chaminé da cozinha instalada a três metros de distância do exaustor, alumínio das janelas permitia a entrada de água, soleira da porta colada com silicone;

- o A. pediu o custo das obras, no valor global de 3.349.000$00, à 4ª R., mas o 2º R. recusou-se a pagar;

- também durante a realização das obras, o A. constatou que não existia cimento na união vertical entre os tijolos e que a moradia não tinha paredes duplas, ao contrário do estabelecido no projecto;

- após as chuvas do segundo inverno passado na casa, surgiram no tecto manchas de humidade, bolores e fungos, devido ao facto de o telhado ser permeável à chuva;

- a realização das obras necessárias à reparação dos defeitos importa em 11.507.000$00;

- em consequência dos elevados níveis de humidade na casa, que chegam a atingir os 80%, os filhos do A. têm tido problemas respiratórios, e a mulher e filhos têm-se ausentado durante determinados períodos, com as inerentes despesas e sofrimento de todos.

Termina pedindo que a acção seja julgada provada e procedente e, em consequência, os RR. solidariamente condenados a:

a) pagar ao A. 3.549.000$00, correspondentes ao valor das obras já efectuadas e pagas, acrescidos de juros de mora à taxa legal a contar da citação;

b) pagar ao A. a quantia que se vier a apurar em liquidação, referente às obras necessárias a reparar os defeitos do imóvel, e que se estimam em 11.507.000$00; e

c) pagar ao A. a quantia de 2.500.000$00 a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial;

d) subsidiariamente ao pedido da alínea b), reparar os defeitos e efectuar as obras que o A. entretanto não tenha efectuado.

Na sua  contestação, alega a 1ª Ré e em síntese, que:

- nunca foram denunciados em tempo à 1ª R. quaisquer defeitos, pois a única carta por si recebida data de 31/10/2000, invocando expressamente a caducidade no art. 19º da sua contestação (fls. 232);

- desconhecia sem culpa os vícios do imóvel, pois como o próprio A. afirma os mesmos só se terão tornado visíveis após o A. ter habitado a casa;

- desconhece e não tem obrigação de conhecer a generalidade dos factos articulados pelo A.

Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada com a sua inerente absolvição dos pedidos.

Na sua contestação, alegou o 2º Réu:

- é parte ilegítima por não ter celebrado em nome próprio qualquer contrato com o A., tendo-se limitado a outorgar um contrato-promessa e uma escritura pública em representação da vendedora, 1ª R.;

- a 4ª R. limitou-se a fazer os acabamentos interiores da moradia que já estava construída, a pintura exterior, a garagem e os muros exteriores;

- não obstante, o R. aceitou fazer várias obras na sequência das queixas do A.;

- nega parte dos defeitos imputados à obra pelo A.

Termina pedindo que seja julgada procedente a excepção de ilegitimidade, com a sua consequente absolvição da instância, e caso assim se não entenda, que a acção seja julgada não provada e improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido.

Contestou o 3º Réu alegando e terminando nos mesmos moldes que o 2º R.

A 4ª Ré contestou alegando e em síntese que:

- é parte ilegítima dado não ter celebrado qualquer contrato com o A., tendo-se limitado a concluir a moradia para a 1ª R.;

- o A. celebrou a escritura de compra e venda em 11/11/99, sem que até então tenha comunicado qualquer defeito;

- a 4ª R. só recebeu uma primeira carta do advogado do A., na qual juntava um auto de vistoria da CMS, em 24/05/2000;

- as obras reclamadas pelo auto de vistoria já tinham sido realizadas, à excepção da pintura da casa, pois no inverno anterior a R. já tinha substituído a fossa, colocado uma nova rede de esgotos, e feito um dreno em redor da casa com o objectivo de evitar infiltrações.

Termina pedindo que seja julgada procedente a excepção de ilegitimidade, com a sua consequente absolvição da instância, e caso assim se não entenda, que a acção seja julgada não provada e improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido.

O A. replicou, respondendo às excepções deduzidas pelos RR. e terminando como no articulado inicial.

No despacho saneador, foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade, mantendo-se os quatro réus na acção.

A fls. 618 e seguintes, o A. veio deduzir articulado superveniente, com alteração do pedido e da causa de pedir, alegando, em síntese, que:

- face ao relatório pericial entretanto junto, tomou agora conhecimento de que nas imediações da casa existe uma nascente de água, que determina a permanente existência de água no terreno, e a consequente infiltração das águas pela casa;

- para obviar a tal situação seria necessário escavar todo o terreno envolvente até ao nível das fundações para aplicação de drenagens no subsolo e isolamentos;

- só a demolição e reconstrução da moradia permite a resolução de todos os problemas existentes.

Conclui pedindo que o pedido formulado na al. b) da petição inicial passe a pedido subsidiário, passando a pedir a título principal que os RR. sejam condenados a proceder à demolição do imóvel dos autos e sua posterior reconstrução de acordo com o projecto camarário por forma a que os danos sejam solucionados, e que durante os trabalhos de demolição e reconstrução os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 1250 € por mês.

Termina ordenado os pedidos da seguinte forma, pedindo que os RR. sejam solidariamente condenados a:

a) pagar ao A. 17.702,34 € (3.549.000$00), correspondentes ao valor das obras já efectuadas e pagas, acrescidos de juros de mora à taxa legal a contar da citação;

b) pagar ao A. a quantia de 12.468,95 (2.500.000$00) a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial;

c) proceder à demolição do imóvel dos autos e sua posterior reconstrução de acordo com o projecto camarário por forma a que os danos de que este padece sejam solucionados, e que pelo período de duração dos trabalhos de demolição e reconstrução os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 1250 €/mês;

d) subsidiariamente ao pedido da alínea c), reparar os defeitos e efectuar as obras que o A. entretanto não tenha efectuado;

e) e, subsidiariamente ao pedido formulado em d), pagar ao A. a quantia que se vier a apurar em liquidação, referente às obras necessárias a reparar os defeitos do imóvel, e que se estimam em 11.507.000$00.

Os 2º, 3º e 4ª RR. pugnaram pela inadmissibilidade da ampliação do pedido e impugnaram os novos factos articulados pelo A.
O articulado superveniente foi admitido e foram aditados novos factos à base instrutória (fls. 653/4).

Procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença que condenou os 1º e 4º RR a eliminarem os defeitos do imóvel vendido (sendo a 4ª Ré apenas quanto aos defeitos da obra por si realizada) e a pagarem ao A a quantia de € 9.351,24, com acréscimo de juros de mora.

Os 2º e 3º RR foram absolvidos do pedido.

Provaram-se os seguintes factos:
1. Em 26/02/1999, o A. e 1ª R., esta representada pelos 2º e 3º. RR., celebraram o contrato-promessa de compra e venda relativo ao imóvel dos autos, nos termos de fls. 158 a 161.
2. Por escritura pública outorgada em 9 de Novembro de 1999, o A. comprou à 1ª. Ré o prédio urbano […]para habitação, sito […]concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra […].
3. Aquela escritura pública foi celebrada pelo A. e pelos 2º e 3º Réus em nome e representação da 1ª Ré.
4. Com efeito, quer nas negociações, quer na conclusão do contrato, o A. contactou sempre e só com os 2º e 3º Réus que se apresentaram na qualidade de representantes e procuradores da 1ª. Ré.
5. O prédio referido corresponde a uma moradia composta de 3 quartos, sala, cozinha, 2 casas de banho, cave e garagem implantada num lote de terreno com a área de seiscentos e sessenta metros quadrados.
6. A 4ª. R. fez, pelo menos, os acabamentos interiores da moradia, a pintura exterior, a garagem e os muros.
7. A moradia foi parcialmente construída pela 4ª R., a qual, além do referido em 6), efectuou todas as canalizações de água e esgotos, a fossa, e a parte eléctrica.
8. O 2º. R. é o principal accionista e administrador da 4ª. R.
9. O A. adquiriu o prédio dos autos no estado novo.
10. O imóvel destinava-se a habitação do A.
11. O A. passou a habitar o imóvel a partir de finais de Agosto de 1999.
12. No início de Setembro de 1999, houve uma inundação na cozinha e casa de banho causada pela deficiente fossa séptica e poço absorvente.
13. Houve infiltrações devidas ao mau funcionamento da primeira fossa que não foi executada pelos RR.
14. A fossa inicialmente existente foi construída de acordo com o projecto aprovado pela câmara municipal, tendo sido respeitados todos os preceitos de localização e execução da mesma.
15. O 2º. R. acedeu a construir uma nova fossa séptica e poço absorvente.
16. Posteriormente, em Novembro de 1999, o A. verificou que havia grande acumulação de água nas paredes interiores do imóvel dos autos, junto aos rodapés de madeira do hall de entrada e quartos.
17. O que causava o apodrecimento das paredes, originando o aparecimento de fungos no soalho, nos guarda-fatos dos quartos e nas paredes da sala de estar e hall de entrada, junto ao chão.
18. O A. informou, de imediato, o 2º  Réu desta situação.
19. O 2º Réu acedeu, então, a deslocar-se ao imóvel dos autos onde constatou a situação descrita pelo A.
20. Entretanto, as infiltrações foram-se agravando.
21. O 2º. R. mandou construir um dreno em redor da moradia para resolver as infiltrações.
22. Os 2º e 3º Réus comprometeram-se, igualmente, a proceder à reparação e pintura das paredes, rodapés e chão, danificados em virtude das referidas anomalias, o que nunca fizeram.
23. Para execução deste trabalho teve de ser levantado o pavimento da zona envolvente da moradia, o qual foi reposto imediatamente após a conclusão dos trabalhos.
24. Posteriormente, durante as obras do dreno, o A. constatou, pela primeira vez, que o rodapé de pedra (mármore escafiado), com a altura de aproximadamente 60 cm, que circunscrevia a parede exterior da moradia, estava não só em bruto como também a descolar, revelando insuficiência, e em certas zonas ausência, de reboco de cimento.
25. A pedra estava colada ao reboco, e em certas zonas ao tijolo.
26. Por outro lado, já após a conclusão dos trabalhos de construção do dreno, em Março de 2000,  a caixa que recebe a alimentação eléctrica do poste da via pública para a moradia, começou a deitar água.
27. Entretanto, o pano de tijolo da lareira rachou e o recuperador de calor deixou de funcionar.
28. O A. contactou de imediato a empresa vendedora da lareira, a sociedade […] a quem solicitou a realização de uma vistoria.
29. O A. informou o 2º Réu da vistoria e este acedeu a comparecer à vistoria.
30. Assim, na sequência desta vistoria, o técnico da “[…]” informou o 2º Réu de que era necessário construir uma nova chaminé e proceder, de novo, à instalação da lareira pois o isolamento térmico da chaminé estava mal colocado.
31. O isolamento térmico da chaminé foi mal colocado.
32. O técnico da “[…]” avisou o A. de que, enquanto a reparação não fosse efectuada, não podia utilizar a lareira pois corria sérios riscos de o recuperador de calor explodir e se incendiar.
33. O 2º Réu transmitiu ao A. que estaria somente disposto a reparar o pano da lareira e pôr um tubo de cimento com um “H” na extremidade, ao invés da colocação de uma chaminé em alvenaria.
34. Tal reparação, contudo, não resolvia o problema porque era absolutamente necessário desmanchar toda a lareira para limpar o recuperador de calor e isolar o pano da lareira com lã de rocha.
35. Pelo que o A. não aceitou a substituição da chaminé em alvenaria pelo respectivo tubo de cimento.
36. A lareira foi implantada após a construção da moradia e a chaminé existente previa que a lareira fosse instalada no centro da sala e não a um canto como veio a suceder, por vontade do A.
37. Todo o processo de montagem da lareira esteve a cargo da empresa “[…]”, tendo esta empresa dado garantias ao A. quanto ao bom funcionamento da lareira.
38. Era incumbência da R. fazer o pano da lareira, ou fecho da parede situada acima da lareira.
39. O A. solicitou ao 2º. R. uma vistoria geral ao imóvel.
40. Durante essa vistoria, o A. identificou ao 2º Réu os seguintes defeitos na moradia: entrada de água nas tomadas de corrente eléctrica da garagem exterior, o que provocava sucessivos “curtos-circuitos” para além do perigo de incêndio; substituição da sanita da casa de banho que estava partida; necessidade de reparação do telhado da garagem porque permitia a entrada de água das chuvas.
41. Entretanto, em 24 de Março de 2000, foi realizada uma vistoria ao imóvel dos autos, pela Câmara Municipal de Sesimbra, na sequência da qual, entendeu “a Comissão de Vistorias que o mesmo apresenta deficientes condições de salubridade..
42. Isto porque, “os peritos verificaram no interior do imóvel a existência de manchas de humidade junto aos rodapés e nas paredes, danificando o estuque e pintura, no hall e nos quartos do alçado lateral direito, junto ao encosto de terras do logradouro. Estas manchas são originadas pelas humidades ascensionais e pelas infiltrações provenientes das águas pluviais que inundam as divisões, originando descolamento do rodapé e apodrecimento do pavimento de madeira.”.
43. Concluindo que “(...) os peritos são de parecer que se torna necessário proceder com trabalhos de reparação das deficiências existentes e a execução de trabalhos por forma a evitar futuras humidades ascensionais e infiltrações de águas pluviais no interior do imóvel, acima referido, a fim de se corrigirem as más condições de salubridade, num prazo máximo de 45 dias.”.
44. Ou seja, e em particular, a Comissão de Vistorias da Câmara Municipal de Sesimbra constatou, entre outros, que existiam infiltrações provenientes das águas pluviais que inundam as divisões, originando descolamento do rodapé e apodrecimento do pavimento de madeira.”.
45. E, atenta a gravidade dos defeitos apurados, ordenou que as obras necessárias à remoção dos defeitos apontados deveriam ser efectuadas no prazo máximo de 45 dias.
46. O A., através do seu advogado, deu conhecimento à 1ª Ré do referido auto de vistoria e da carta que o capeava.
47. Acrescentando que o “responsável pelo projecto se disponibilizou a deslocar à moradia para analisar o estado desta e, em conjunto, com V.Exas. estudar quais as alternativas para efectuar as necessárias reparações, visando a conformidade com o projecto e a regularização da situação perante a Câmara de Sesimbra.”.
48. E, nessa mesma carta, o A. solicitava a comparência de um técnico para analisar, em conjunto com o responsável do projecto, os defeitos existentes no imóvel dos autos.
49. O A. enviou cópia desta carta aos 2º e 3º Réus.
50. Contudo, ninguém compareceu na data indicada, nem foi proposta uma data alternativa.
51. Com data de 30/06/2000, o A. enviou à 4ª. R., que depois a fez chegar ao 2º. R. a carta de fls. 83/4.
52. O 2º. R. respondeu a esta carta nos termos de fls. 85/6.
53. Em 17/07/2000, o A. enviou à R. a carta de fls. 162/4.
54. O 2º R respondeu em 26/07 nos termos de fls. 165.
55. Em 31/10/2000, o A. enviou à 1ª. R. a carta de fls. 87 a 90; e enviou cópia da mesma aos 2º e 3º. RR.
56. O A. deu prévio conhecimento aos RR. de que ia efectuar as obras referidas na vistoria da CMS.
57. Assim, o A. contactou o construtor Sr. João […] para efectuar as obras de reparação mais necessárias.
58. O Sr. João […], juntamente com o Engº.[…] (autor do projecto da moradia dos autos), puderam constatar todos os defeitos acima relatados.
59. Durante a realização das obras, outros defeitos graves foram sendo detectados.
60. Assim, foi necessário substituir toda a canalização porque a existente estava rota.
61. Foi necessário selar as caixas de esgoto e refazer uma delas porque, se o não fizesse, provocaria o enchimento do poço absorvente e o entupimento dos canos.
62. Durante as referidas obras, o A. detectou também que os cabos subterrâneos da corrente eléctrica da moradia estavam isolados com fita cola e restos de saco de plástico.
63. Atento o deficiente revestimento da instalação eléctrica e o riscos a ele inerentes – incêndio, choques eléctricos, electrocussão, etc. – o A. teve de refazer parte da instalação eléctrica subterrânea exterior da moradia.
64. Nas casas de banho, uma sanita estava rachada e não tinha tampo, os autoclismos não funcionavam e um dos sifões dos lavatórios estava mal instalado.
65. O interior do pano da lareira encontra-se ainda cheio de entulho e restos de lã rocha, o que não permite o funcionamento do recuperador de calor porque impede a existência de uma caixa de ar e pode provocar o rebentamento do recuperador de calor.
66. Com efeito, o pano da lareira é que tem que estar revestido com lã rocha e não o recuperador de calor.
67. Por outro lado, as juntas da lareira encontram-se abertas devido à instalação incorrecta da respectiva lareira e o pano da lareira terá de ser reconstruído correctamente porque, como acima referido, tem que ser isolado com lã de rocha e o recuperador de calor e a lareira reinstalados.
68. A chaminé da cozinha não permite a saída correcta dos fumos porque foi instalada a 3 metros de distância do exaustor do fogão e a 2 metros do esquentador.
69. Depois, devido à situação descrita, o soalho de madeira e os rodapés foram arrancados e a tijoleira e o soalho de madeira estão manchados e terão de ser reparados.
70. O alumínio das janelas está mal colocado e permite a entrada de água.
71. No telhado da garagem exterior, os travões das telhas não estão assentes nas vigotas.
72. Na construção do segundo dreno, o chão do logradouro foi rebaixado e a moradia parcialmente desenterrada em cerca de 80 cm.
73. Para evitar a entrada de água, o 2º R. mandou colocar uma nova soleira na porta de entrada, por cima da já existente  que foi colada com silicone.
74. O portão exterior de entrada de viaturas não abre completamente, batendo no muro, a porta exterior do contador de água está partida, a fechadura do mesmo portão de entrada de viaturas está estragada, e a estrutura de ferro que suporta a chapa verde dos muros da moradia, bem como os portões da moradia precisam de ser pintados.
75. Perante a não realização de obras por parte dos RR., o A. efectuou algumas obras mais urgentes porque a sua não realização tornava perigosa a ocupação do imóvel dos autos.
76. Assim, o A. mandou refazer o dreno à volta da moradia, desenterrou todo o lado direito do logradouro e a traseira da moradia, colocou uma chaminé para a saída de fumo da lareira, desmontou e refez a lareira, bem como o respectivo pano, refez a instalação eléctrica, fez a muralha subterrânea para segurar as terras, isolou as paredes desenterradas e o chão do dreno.
77. Nestas obras despendeu 1.874.757$00.
78. Durante a realização destas obras, o A. constatou também que não existia cimento na união vertical entre os tijolos que formam as paredes do imóvel e que as paredes eram efectivamente “tijolo 20 deitado”.
79. Estupefacto com tal situação, o A. mandou, então, retirar algumas pedras do rodapé exterior e mandou furar o tijolo para determinar a extensão das anomalias e defeitos existentes na construção do imóvel.
80. E verificou que a moradia não tinha parede dupla.
81. Ao contrário do estabelecido no projecto do imóvel dos autos, devidamente aprovado pelas autoridades competentes, e com base no qual foi autorizada a construção do imóvel que a 1ª Ré, através dos seus procuradores, o 2º e 3º Réus, venderam ao A..
82. Para construir paredes exteriores em conformidade com o projecto é necessário demolir primeiro as existentes.
83. Já recentemente, após as chuvas do último inverno, o A. constatou que surgiram no tecto da moradia grandes manchas de humidade, bolores e fungos, bem como na parte superior das paredes interiores.
84. Algumas telhas e o guarda-fogo foram coladas com silicone ou com “cola veda”.
85. Cerca de 17 em mais de mil telhas têm o travão partido.
86. É necessário reconstruir a chaminé da cozinha para evitar os problemas referidos no art. 68º.
87. A estas obras acrescem, naturalmente, a pintura interior e exterior do imóvel dos autos.
88. Ora, o A. adquiriu a casa dos autos para nele residir com a sua família, aí tomar as suas refeições, receber amigos, pernoitar, etc., destinando-se, em suma, a habitação o que os Réus não podiam ignorar.
89. O A. não possui, nem é proprietário de qualquer outro imóvel, pelo que necessita da casa dos autos para nela residir.
90. Assim, o A. contactou um empreiteiro que determinou a realização das seguintes obras, estimadas em Esc.11.507.000$00: demolição da parede exterior da moradia; remoção do telhado da moradia; demolição da chaminé da sala da moradia; demolição da chaminé da cozinha; transporte de entulhos para vazador próprio de entulhos; reconstrução do telhado da moradia, com colocação correcta das vigas e telhas; construção de duas chaminés da cozinha; reconstrução da parede exterior da moradia; reboco da parede exterior da moradia; colocação e arranjo dos peitos e soleiras das janelas e portas; pintura da moradia (interior e exterior).
91. O terreno onde a casa está implantada tem água suficiente para provocar infiltrações ascendentes.
92. Não foram colocados drenos laterais até uma profundidade superior à das paredes da casa para permitir a drenagem das águas existentes ao seu redor, e evitar infiltrações de água.
93. As regras da boa construção exigiam que isso tivesse sido feito.
94. Nas paredes exteriores da casa verifica-se, por outro lado, a existência generalizada de fissuração e fendilhação do reboco.
95. Tais fissuras e fendas existem em todas as áreas de paredes, têm formação vertical e horizontal, e situam-se quer ao nível mais superior, quer inferior, inclusive nos guarda fogos laterais.
96. As fissuras e fendas não são pontuais, mas sim generalizadas.
97. O projecto entregue na câmara preconizava a aplicação de uma parede dupla de tijolo de 0,11m, com caixa de ar entre os panos de 0,03m, rebocado (0.025m/0.03m) e pintado de ambos os lados.
98. Assim, a parede totalizaria pelo menos 0.30m de espessura (0.11+0.11+0.03+0.025+0.025).
99. A parede tem 27 a 28 cm de espessura, sendo 22 cm da largura do tijolo e 2,5 a 3 cm de reboco de cada lado.
100. O que faz com que não exista a caixa de ar que deveria existir entre os panos.
101. As paredes exteriores não têm qualquer tipo de impermeabilização.
102. As telhas da garagem estão mal colocadas pois não se encontram convenientemente travadas nas vigotas que serviram para esse efeito.
103. Os guarda-fogos dessa cobertura também se encontram com fendas.
104. As ferragens encontram-se atacadas pela humidade.
105. As paredes de fundo da garagem não são de betão e não se encontrarem isoladas.
106. Os danos são de tal extensão e gravidade que a solução inicialmente pretendida, ou seja, o arranjo global da casa, parece não ser adequada à resolução dos mesmos.
107. O arranjo global da casa passaria pela escavação de todo o terreno envolvente até ao nível das fundações para aplicação de drenagens de subsolo e isolamentos.
108. Teriam que ser levantados todos os pavimentos e possíveis lajes ou outros elementos para aplicação de drenagens e isolamentos, demolição de todas as paredes exteriores para construção de paredes duplas, com caixa de ar, ventiladas, recuperação, alinhamento e correcta aplicação de cobertura.
109. Ora, tais trabalhos que deveriam ser feitos na casa e na garagem exterior são morosos, têm uma dificuldade técnica acima da média e não dão garantia da resolução de todos os problemas.
110. Só  demolição e reconstrução da casa, tendo-se o cuidado de drenar o solo e fazer os isolamentos compatíveis com o nível de água existente no terreno, garante a resolução de todos os problemas existentes e uma moradia de qualidade.
111. Sendo o imóvel objecto de demolição e posterior reconstrução, o A. e o seu agregado familiar não poderão utilizá-lo para o fim a que se destina, enquanto tais trabalhos decorrerem.
112. Terá o A. que tomar de arrendamento outro imóvel para fazer face às suas necessidades de habitação, o que igualmente terá de suceder, mesmo que a casa actual seja recuperada para se colmatarem as deficiências apuradas.
113. O arrendamento de um imóvel com idêntica área e idêntico número de assoalhadas, na mesma zona, importaria em cerca de 750 € por mês.
114. O A. só tomou conhecimento dos factos dos arts. 91º e seguintes quando foi notificado por carta de 16 de Novembro do relatório de fls. 544 e seguintes.
115. A telha da garagem exterior está à vista, não havendo tecto, mas apenas telhado.
                                                           *
Inconformado com a sentença, recorre o A, concluindo que:
- Da sentença resulta uma enorme dificuldade prática, em termos da respectiva execução.
- Face à extensão e gravidade dos defeitos do imóvel, o arranjo global só será possível com a demolição e reconstrução da mesma.
- Apesar da factualidade provada, a sentença recorrida rejeitou tal solução.
- Tal pedido insere-se na reparação dos defeitos da coisa comprada, nos termos do art.º 914º, não extravasando do direito concedido ao comprador de coisa defeituosa.
- Não se trata de um pedido de substituição de imóvel até porque apenas parte  da obra implantada terá de ser reconstruída de acordo com o projecto respectivo.
- O A não pede a demolição total das construções existentes mas apenas a demolição que seja necessária para assegurar a reconstrução de acordo com o projecto aprovado pela Câmara.

- O pedido de demolição e reparação do imóvel é pois subsumível à previsão da reparação de defeitos. De resto, quando se trata de um imóvel, um defeito grave, normalmente, só se repara com a demolição de algumas partes da estrutura defeituosa e sua reparação por reconstrução.
- A 4ª Ré ao assumir a continuação e conclusão dos trabalhos de edificação do imóvel ficou responsável pela execução da obra, a qual deve ser entendida como um todo de acordo com o projecto aprovado pela Câmara Municipal de Sesimbra.
- Acresce que a 4ª Ré ao efectuar as canalizações de água e esgotos, a fossa e a parte eléctrica, constatou que as paredes não estavam construídas de acordo com o projecto e, estando a 4ª Ré obrigada a cumpri-lo, teria forçosamente que tomar medidas para a reparação desse defeito concreto.
- A 4ª Ré não cumpriu com as boas regras de construção civil, impostas por lei e bem conhecidas pelos construtores, pelo que também por este motivo é responsável pela reparação integral dos danos de que o imóvel padece.
- A sentença deveria ter condenado os RR no pagamento ao A da quantia mensal de € 750, durante o período de privação do imóvel enquanto durarem as obras de reparação as quais, atendendo à sua extensão, impedem o A e o seu agregado familiar de habitar a casa durante tal período.
- Devia ter sido igualmente concedida ao A a peticionada indemnização por danos não patrimoniais, já que não estamos perante uma situação de meros incómodos.

A 4ª Ré alegou defendendo a bondade da sentença recorrida.
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Cumpre apreciar, salientando-se desde já que não foi posta em causa a decisão relativa à matéria de facto. Por outro lado, a presente apelação não abrange a absolvição do pedido dos 2º e 3º RR, que assim transitam em julgado.

Estão em causa, nesta apelação, quatro questões:
- A improcedência do pedido de demolição do prédio visando a sua reconstrução.
- A limitação de responsabilidade da 4ª Ré.
- A não condenação dos RR no pagamento de uma quantia mensal visando cobrir as despesas do A e seu agregado familiar, que terão de alugar outra casa enquanto durarem as obras.
- A não condenação dos RR no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais.

Quanto à primeira questão.

Ficou sobejamente provado, de acordo com a decisão da matéria de facto, que a casa vendida pela 1ª Ré ao A padece de inúmeros e graves defeitos, abrangidos pelo art.º 913º do CC, atento o fim da coisa vendida (habitação).

Como se observa na sentença recorrida, perante tal situação tem o comprador as seguintes possibilidades:

a) Resolução do contrato.
b) Redução do preço.
c) Reparação do defeito.
d) Substituição da coisa, se fungível.
Isto para lá da possibilidade de indemnização.

A opção por uma das alternativas referidas depende da vontade do comprador, não sendo este obrigado a seguir uma ordem específica e preferencial.

Entendeu-se na sentença que o pedido de demolição e reconstrução do prédio não é compatível com a natureza do contrato de compra e venda. De resto, mesmo a entender-se que se trataria de substituição, não seria aqui viável já que não estamos perante coisa fungível.


Nos termos do art.º 914º do CC o “comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa (...)”.

Os defeitos estão claramente enunciados na matéria de facto dada como assente, sendo pois esses defeitos que o vendedor, a 1ª Ré, está obrigado a reparar, tal como, de resto, foi condenado na sentença recorrida.

O problema suscitado resulta de o A pedir, como pedido principal, que os RR sejam condenados a proceder à demolição do imóvel e sua posterior reconstrução. Mais concretamente, e transcrevendo o teor de fls. 624, pede-se a condenação dos RR a “proceder à demolição do imóvel dos autos e sua posterior reconstrução de acordo com o projecto camarário por forma a que os danos de que este padece sejam solucionados (...)”

Note-se que a possibilidade de o dono da obra exigir nova construção está prevista para o contrato de empreitada, na parte final do nº 1 do art.º 1221º do CC.

Nos termos em que o pedido foi formulado, concordamos com o Mº juiz a quo no sentido de, num contrato de compra e venda, não ser viável a demolição e reconstrução do imóvel vendido. Não só porque a substituição só pode aplicar-se às coisas fungíveis, não sendo o imóvel dos autos algo que seja determinado pelo seu género, qualidade e quantidade (art.º 207º do CC), como pelo facto de o contrato de compra e venda pressupor a transferência do direito e entrega da coisa objecto da venda: será pois sobre essa coisa em concreto que deverão incidir as reparações dos defeitos. A demolição, como condição prévia, como decorre do peticionado, implicaria uma outra coisa vendida, que não a originariamente entregue o que, sendo inteiramente compatível com a empreitada, em que está em causa uma obra, ou seja, um processo visando alcançar determinada realização e que pode ter de ser repetida ab initio até satisfazer tal realização, já o não é no tocante à compra e venda em que foi entregue coisa determinada, concretamente identificada e irrepetível.

Daí que só as coisas fungíveis ou seja, as que se determinam não em função da sua especificidade mas em função de serem elementos de um conjunto, o qual contém em si as características de identificação, diferenciando-se as coisas que o compõem apenas em função de género, qualidade ou quantidade, sejam susceptíveis de substituição, no âmbito da compra e venda.

Como refere Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, p. 206, “coisas fungíveis são aquelas que, sendo determináveis pelo seu género, qualidade e quantidade, são substituíveis por outras idênticas, com perfeita equivalência económico-social. Pelo contrário, coisas infungíveis são coisas cuja determinação é feita individualmente ...”.
Percebe-se assim a razão de ser da diferença de regime, no tocante à demolição da coisa, entre a compra e venda e a empreitada. O A não se limitou, obviamente, a comprar um prédio: comprou o prédio concreto, identificado nos autos, e foi esse prédio concreto que lhe foi entregue. A demolição do prédio e nova construção significariam a edificação de um novo prédio.

Ao invés, na empreitada, estando em causa uma sequência de actividades visando um objectivo final, caso tal objectivo não seja adequadamente alcançado nada impede o retomar das actividades até que tal objectivo esteja concretizado.

No entanto há que esclarecer certos aspectos da sentença recorrida que poderão não ter sido inteiramente compreendidos pelo recorrente.

O Mº juiz a quo tem, a nosso ver, inteira razão em recusar o pedido principal do A, nos moldes em que o mesmo foi formulado.

Mas isso não significa que, ao condenar a 1ª Ré a reparar todos os defeitos da coisa vendida, a sentença rejeite implícita ou explicitamente que algumas demolições tenham de ocorrer. Aliás é evidente que em qualquer reparação há sempre alguma coisa que terá de ser “demolida” – no sentido de “removida”.

A sentença condenou a 1ª Ré a eliminar os defeitos do imóvel vendido. Isso até pode implicar que grande parte ou até a quase totalidade das estruturas edificadas tenha de ser removida; mas tal remoção será a consequência das obras de reparação e não o seu ponto de partida.

No que ao A diz respeito, enquanto comprador da casa, o que lhe interessa é que todos os defeitos sejam reparados, seja ou não necessário efectuar demolições e independentemente da respectiva extensão.

Assim, a sentença, no que diz respeito à condenação da 1ª Ré, satisfaz inteiramente os legítimos interesses do A e contrariamente ao alegado na apelação, mostra-se exequível.  

Quanto à responsabilidade contratual da 4ª Ré.

Pretende a recorrente que a 4ª Ré seja condenada no pedido ao mesmo título que a 1ª Ré.

Provou-se que a 4ª Ré foi a construtora da fase final do imóvel.
Sabe-se mesmo quais as obras concretas que efectuou: a garagem exterior, os muros da moradia, a parte eléctrica, as canalizações de água e esgotos, uma segunda fossa em substituição da inicial, colocação de soalhos e mosaicos, rodapés, pintura, louças de casa de banho, móveis de cozinha, janelas, roupeiros e portas, pintura exterior e um dreno em volta da casa.

A responsabilidade da 4ª Ré, que não celebrou qualquer contrato com o A, resulta do disposto no art.º 1225º nº 1 (parte final) do CC.

O empreiteiro, no caso a 4ª Ré, é responsável pela reparação e eliminação dos defeitos da obra, mas não pode ser também responsabilizado perante os demais defeitos, já existentes quando iniciou a sua intervenção na construção. Não existe preceito algum que estabeleça, no caso, um regime de solidariedade entre devedores, pelo que cada um responde apenas na medida da sua responsabilidade, como decorre do art.º 513º do CC. A da 1ª Ré, enquanto vendedora de coisa defeituosa, abrange a totalidade dos defeitos da coisa vendida; a da 4ª Ré abrange apenas os defeitos inerentes à parte da construção por si efectuada.

Contrariamente à recorrente, não interpretamos o art.º 1225º no sentido de ser o empreiteiro “responsável pelo prejuízo causado ao adquirente, pelos vícios que o imóvel apresentar”. Naturalmente que tal responsabilidade existe, mas circunscrita aos vícios resultantes da execução pelo empreiteiro do contrato de empreitada, não relativamente a vícios pré-existentes e com os quais nada teve a ver.

Não se percebe com que fundamento jurídico pretende o recorrente justificar a solidariedade entre os 1º e 4º RR. Dizer-se que a 4ª Ré assumiu a obra no estado em que ela se encontrava não assenta em qualquer factualidade provada: o mais que se pode dizer é que ela iniciou os seus trabalhos a partir daquilo que já estava edificado, o que obviamente não significa qualquer assunção de responsabilidade.

O facto de, por exemplo, a 4ª Ré se ter apercebido de que as paredes não estavam construídas de acordo com o projecto, não implica que tivesse o dever de as demolir e edificar outras, extravasando do contrato de empreitada, quando havia sido a própria dona da obra, ou seja, a 1ª Ré a realizar tal obra defeituosa.

Assim e também aqui acompanhamos a posição expressa na douta sentença recorrida, limitando a condenação da 4ª Ré à reparação dos defeitos na parte da construção por si realizada.

Temos em seguida a questão da indemnização por danos não patrimoniais.

Para apoio da sua pretensão alinha o recorrente, a fls. 1010, uma série de factos provados que entende suportarem a existência de danos não patrimoniais.

Ora tais factos reportam-se exclusivamente a defeitos de construção, não a situações de doença, de padecimento psíquico susceptíveis de ser tutelados pelo direito (art.º 496º do CC).

Que os defeitos causaram incómodos e aborrecimentos ao A e à sua família é algo que podemos deduzir da experiência comum. Mas isso não basta. O A teria de provar danos não patrimoniais concretos, o nexo de causalidade com os defeitos da casa e só então, perante a extensão e intensidade de tais danos é que seria possível aferir serem os mesmos dignos de indemnização.
Sem isso, também aqui, teria o pedido de improceder, como efectivamente improcedeu.

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O pedido do A de que lhe seja paga a quantia mensal de € 1250, para fazer face ao arrendamento de um imóvel enquanto durarem as obras na sua casa, tem como pressuposto a prévia demolição desta (ver art.º 38º do articulado superveniente, a fls. 623).
Trata-se de uma pretensão que não havia sido formulada na petição inicial.

O fundamento consistia na alegação óbvia de que, demolido o prédio, o A e o seu agregado familiar teriam de ir viver para outro local até a reconstrução estar concluída.

Não se aceitando condenar a Ré a demolir o imóvel – independentemente das demolições que se venham a revelar necessárias, no decurso das obras de reparação, para eliminar os defeitos – como condição prévia à reconstrução, o pedido do pagamento mensal de € 1250 pareceria deixar de ter suporte fáctico e jurídico.                                            *

Contudo, há que atender à matéria decorrente dos nºs 111 a 113 da decisão fáctica.

Provou-se que “sendo o imóvel objecto de demolição e posterior reconstrução, o A e o seu agregado familiar não poderão utilizá-lo para o fim a que se destina, enquanto tais trabalhos decorrerem”.
Já vimos que, no âmbito do contrato de compra e venda, não se nos afigura viável a demolição do imóvel pelo vendedor, para depois o reconstruir, pelo que a questão da impossibilidade de utilização do prédio ficaria prejudicada.

Contudo, no número seguinte, 112º, refere-se que “o A terá de tomar de arrendamento outro imóvel para fazer face às suas necessidades de habitação, o que igualmente terá de suceder, mesmo que a casa actual seja recuperada para se colmatarem as deficiências apuradas.”

Ou seja, ficou provado que mesmo sem haver a prévia demolição do prédio, o A terá de ir habitar outra casa durante as obras de recuperação.
Provou-se igualmente que o arrendamento de um imóvel, com idêntica área e idêntico número de assoalhadas na mesma zona, implica uma renda mensal de cerca de € 750.

Pretende o apelante que a sentença recorrida deveria, pelo menos, ter condenado as RR no pagamento desta quantia.

O pedido, efectuado no articulado superveniente tinha como base a demolição da casa. Mas a causa de pedir consistia essencialmente na impossibilidade de continuar, nessas condições a habitar o prédio e portanto ter de ir viver para outro local.


Por outras palavras, o pedido do pagamento de uma quantia equiparada às despesas que o A terá com uma renda de casa, tem como causa de pedir a inviabilidade de permanecer na casa dos autos, inviabilidade essa que se provou, com ou sem demolição.
Daí que entendamos ser, nesta parte, procedente o ora peticionado.

A causa de pedir do pagamento de uma compensação pela despesa que o A terá com uma renda de casa, consiste no facto de não poder continuar a habitar o prédio dos autos enquanto decorrerem as obras de reparação; ocorra ou não a prévia demolição, o que está em causa é a impossibilidade de viver na casa durante tais obras. E tal impossibilidade ficou provada, como vimos.

Ora, o incumprimento culposo da obrigação, gera a responsabilidade do devedor relativamente ao prejuízo que causa ao credor: e o ter de ir viver para outra casa, pagando a respectiva renda, devido à necessidade de corrigir os defeitos – e é nestes defeitos que consiste aqui o incumprimento – é um prejuízo a indemnizar nos termos dos arts. 798º, 563º e 564º nº 2 do CC.

A compensação, contudo, terá de se reportar à quantia que o A pagar, efectivamente, assim que tenha de alugar uma casa e será devida apenas a partir do momento em que as obras imponham a sua saída e até ao momento em que seja possível habitar de novo a moradia dos autos. Este último não terá, necessariamente, de coincidir com o fim das obras, já que a casa poderá ficar habitável ainda no decurso dos trabalhos de reparação.

Viver numa casa enquanto decorrem obras é sempre algo de incómodo, mas não é fonte geradora de indemnização. A obrigação do pagamento da renda que vier a ser despendida pelo A no arrendamento de uma casa com idêntica área e número de assoalhadas, na mesma zona, reporta-se apenas ao período em que, em virtude dos trabalhos de reparação, a casa não for susceptível de ser habitada.

Assim e tudo visto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando-se os 1º e 4º RR a pagarem ao A uma quantia mensal equivalente à que ele for despendendo mensalmente com a renda correspondente ao arrendamento de outra casa, com idêntica área e idêntico número de assoalhadas, na mesma zona, durante o período em que, devido às obras de reparação, a moradia dos autos não se mostrar apta à habitação do mesmo A e seu agregado familiar.

No mais confirma-se a douta sentença recorrida.

Custas na proporção de 4/5 pelo A e 1/5 pelos 1º e 4º RR.

LISBOA, 2/11/2006

(António Valente)
(Ilídio Martins)
(Teresa Pais