Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27889/21.7T8LSB.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ARRENDAMENTO
HABITAÇÃO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: UMA IMPROCEDENTE E OUTRA PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - A impugnação da matéria de facto em sede de recurso é mais do que uma manifestação de inconformismo inconsequente exigindo, com seriedade, razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil:
 i)- a indicação motivada (sintetizada nas Conclusões) dos concretos factos incorrectamente julgados – n.º 1, alínea a);
 ii)- a especificação dos concretos meios probatórios presentes no processo, registados ou gravados (com a indicação das concretas passagens relevantes) – n.º 2, alíneas a) e b) – que imporiam uma decisão diferente quanto a cada um dos factos em causa, propondo uma redacção alternativa – n.º 1, alíneas b) e c).
II - Cabe ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
III - Cabe ao/à Recorrente convencer o Tribunal ad quem que o Tribunal a quo violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova, não bastando uma mera contraposição de meios de prova, sendo essencial que proceda, ela própria, a uma análise crítica da fundamentação fáctica apresentada, com vista a demonstrar em que pontos se afasta do juízo que os princípios e as regras legais, racionais. da lógica ou da experiência comum, imporiam.
IV - O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância, usando um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão (que conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que é correcta, mas também quando se reconheça situar-se numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade).
V - As nulidades taxativamente previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da Sentença ou do Acórdão, traduzidos em erros de actividade ou da sua construção, não confundíveis com eventuais erros de julgamento de facto e/ou de direito.
VI – O/a juiz/a deve apreciar e decidir sobre todos os pedidos formulados e todas causas de pedir que tenham sido invocadas na acção, bem como conhecer de todas as excepções invocadas (ou que lhe caiba – oficiosamente – conhecer), não tendo de escrutinar todos os argumentos que, de acordo com as várias possíveis soluções de Direito para resolver o processo, tenham sido apresentados pelos intervenientes processuais (uma vez que não devem confundir-se “questões” com “argumentos”).
VII – Para determinar se existe omissão de pronúncia, para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º deve interpretar-se a Sentença ou o Acórdão como um todo, articulando a fundamentação com a decisão, de forma a determinar o seu verdadeiro alcance.
VIII – Um contrato de arrendamento para habitação celebrado em 1992, por seis meses, em face da norma imperativa do n.º 2 do artigo 98.º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU-aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro), considera-se vigente por cinco anos (considerando-se nula – artigo 294.º do Código Civil - a cláusula que estipulava os seis meses, mantendo o restante contrato válido – artigo 292.º).
IX – Assim, desde 1997, o contrato, de acordo com:
- o artigo 100.º, n.º 1, do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (por este normativo ser também imperativo), foi-se renovando-se por períodos mínimos de três anos, em Fevereiro de 2000 (2.ª renovação), Fevereiro de 2003 (3.ª renovação) e Fevereiro de 2006 (4.ª renovação).
- o artigo 26.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (por este normativo ser também imperativo), foi-se renovando-se por períodos mínimos de três anos, em Fevereiro de 2009 (5.ª), em Fevereiro de 2012 (6.ª);
- o mesmo artigo 26.º, n.º 3, na redacção da Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro (por este normativo ser também imperativo), foi-se renovando-se por períodos mínimos de dois anos, em Fevereiro de 2015 (7.ª), em Fevereiro de 2017 (8.ª), a 01 de Fevereiro de 2019 (9.ª) (e renovar-se-ia pela 9.ª vez em Fevereiro de 2021).
X – Uma oposição à renovação formulada pelo senhorio em carta registada enviada ao inquilino e por este recebida em Fevereiro de 2020 (respeitando os 120 dias previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil e as exigências formais da alínea c) do n.º 7 do artigo 9.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), faz caducar o contrato a 31 de Janeiro de 2021 (sendo que, por força do artigo 8.º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção da Lei n. º 75-A/2020, de 30 de Dezembro, esse efeito ficou suspenso até 30 de Junho de 2021).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
F, SA. instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A, peticionando que:
- seja declarada a caducidade do contrato celebrado com o Réu, com efeitos a 30.06.2021;
- em consequência, seja ordenado o seu despejo e a sua condenação na entrega imediata do locado, livre e devoluto de pessoas e bens;
- seja o Réu condenado ao pagamento da quantia global de €2.656,80 (dos quais €1.549,80 correspondem ao valor das rendas em dívida entre Maio de 2020 e Junho de 2021 e, €1.107 ao valor da indemnização pelo atraso na restituição da coisa calculada desde Julho de 2021 até à data da Petição Inicial);
- caso assim não se entenda, seja decretada a resolução do contrato celebrado com o Réu, com efeitos a 30.10.2021 e, em consequência, seja ordenado o seu despejo condenação na entregar de imediato o locado livre e devoluto de pessoas e bens e no pagamento da quantia de €2.214 (€1.992,60 correspondentes ao valor das rendas em dívida desde Maio de 2020 e Outubro de 2021 e, €221,40, ao valor da indemnização pelo atraso na restituição da coisa calculada desde a data da cessação do contrato até à data da Petição Inicial);
- seja o Réu condenado ao pagamento da indemnização devida pela mora na entrega da restituição do locado (€221,40), desde a data da Petição Inicial até à sua efectiva entrega e desocupação, livre e devoluto de pessoas e bens;
 - seja o Réu condenado no pagamento de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das rendas vincendas, até à entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens;
- seja o Réu condenado no pagamento das custas judiciais.
Alega, em suma, a Autora, que:
- é proprietária do prédio urbano sito na ---, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º --- e, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de --- sob o artigo ---, o qual é composto por 26 moradias com utilização independente;
- sendo o Réu arrendatário da moradia n.º --- (em virtude de a 30/01/1992, ter celebrado contrato de arrendamento com os primitivos proprietários, pelo prazo de seis meses, com início em 01/02/1992 e, termo em 01/08/1992, renovável nos termos da lei), por carta registada com aviso de recepção que lhe foi remetida, a Autora comunicou a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, pelo que o contrato deixaria de produzir efeitos em 31/01/2021, não tendo, porém, o Réu desocupado o locado
- a Autora, em 08/07/2021, remeteu nova carta registada com aviso de recepção com comunicação para desocupação do locado, sendo que a até ao presente o Réu não o entregou;
 - ainda que assim não se entendesse, por força das actualizações extraordinárias levadas a cabo pela Autora, o Réu estava obrigado ao pagamento da renda mensal no valor de €110,70, sendo que, desde Maio de 2020 que este deixou de pagar a renda, apesar das insistências da Autora para que o fizesse, encontrando-se em dívida as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de indemnização de 20% (sendo o valor total das rendas devidas de €1.992,60 e, a indemnização de €221,40).
Citado, veio o Réu apresentar Contestação defendendo a improcedência da acção e alegando, em suma, que:
- é falso que deva 17 rendas em atraso, dados os pagamentos que identifica ter efectuado, sendo o valor da renda mensal de €100;
- a comunicação de resolução do contrato de arrendamento é nula, porquanto não foi feita prova de mandato com poderes específicos para proceder a comunicação de resolução do contrato de arrendamento, sendo que o local arrendado é a sua casa de morada de família;
- se encontra desempregado, pelo que a execução da entrega de coisa imóvel arrendada o coloca numa situação e fragilidade, por falta de habitação própria;
- a Autora age com litigância de má fé, dado que é do seu conhecimento directo que o Ré não deve 17 rendas, devendo indemnizá-lo no valor de €1.500;
- caso não improceda a acção, e porque a execução da entrega de coisa imóvel arrendada o colocaria numa situação de fragilidade por falta de habitação própria, deve esta ser suspensa e a Autora condenada com litigante de má fé e, a indemnizar o R. no valor de €1.500.
Realizada Audiência Prévia foi proferido Despacho Saneador, fixando-se o valor da acção, identificou-se o litígio, fixaram-se os factos assentes e identificaram-se os temas de prova.
Realizada a Audiência de Julgamento veio a ser proferida Sentença, da qual consta a seguinte parte decisória:
“Nestes termos, julga-se a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, decide-se:
a) Declarar resolvido o contrato de arrendamento para habitação celebrado no dia 30 de Janeiro de 1992, entre M--- e o R., com efeitos a 30/10/2022, o qual teve por objecto a moradia n.º --- do prédio urbano sito na ---, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º --- e, inscrito na matriz predial urbana da freguesa da --- sob o artigo ---;
b) Condenar o R. a proceder à entrega de imediato a moradia n.º --- referida na alínea a) livre e devoluta de pessoas e bens;
c) Condenar o R. no pagamento à A. da quantia de €2.214,00 (dois mil, duzentos e catorze euros) correspondente às rendas vencidas e não pagas desde Maio de 2020 e Outubro de 2021; bem como das rendas vencidas e vincendas até à entrega efectiva e desocupação do locado, em dobro, decorrido um mês após a data resolução do contrato até à restituição do locado referido em a) por parte do R.; absolvendo-se, no mais, o R. dos pedidos deduzidos pela A..
Custas pela A. e pelo R., na proporção do respectivo decaimento, incluindo-se nas custas da responsabilidade do R., as custas de parte da A. e, nas custas da responsabilidade da A., as custas de parte do R. – cfr. artigo 527.º do C. P. C.
Registe e Notifique”.
É desta Sentença que vêm interpostos dois Recurso de Apelação:
I - Por parte da Autora, a qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
“A. É o presente recurso interposto da decisão do Tribunal a quo proferida em 25.07.2023 relativamente à parte em que julgou improcedente o pedido de declaração de caducidade do contrato objecto dos presentes autos e, em consequência, a condenação do Réu à entrega imediata do locado livre e devoluto de pessoas e bens bem como na condenação do Réu ao pagamento da quantia global de €2.656,80.
B. Contudo, a decisão proferida pelo Tribunal a quo enferma de erros de julgamento que inquinam a mesma, nomeadamente no que respeita à determinação da aplicação do direito ao considerar ineficaz a comunicação de oposição à renovação.
C. A decisão sub judice viola não só a aplicação da lei substantiva – ao interpretar e aplicar erradamente as normas – como erra na aplicação do direito ao caso concreto.
D. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 6 meses e teve início em 01.02.1992, renovável nos termos da lei (factos provados n.º 3. e 4).
E. Nos termos do artigo 98.º, n.º 2 do RAU, na redacção em vigor à data, “o prazo referido no número anterior [prazo para duração efectiva do contrato] não pode, contudo, ser inferior a cinco anos.” - Esta disposição legal tem carácter imperativo.
F. Tendo em consideração a disposição legal imperativa do artigo 98.º, n.º 2 do RAU, que impõe a duração mínima de 5 anos, há que proceder à redução do negócio celebrado (contrato de arrendamento), devendo considerar-se ampliado o prazo inicial de 6 meses para os 5 anos previstos na lei.
G. Assim, o contrato de arrendamento objecto dos presentes autos tinha a duração de 5 (cinco) anos, com início 01.02.1992 e termo em 31.01.1997, renovável “nos termos da lei”.
H. O Tribunal a quo limitou-se a analisar o contrato de arrendamento a partir de 2006 – ignorando todo o enquadramento legal desde a data da sua celebração (01.02.1992). Análise essa que, como se verá, é imprescindível para o cálculo da dos prazos de renovação do contrato e, consequentemente, da comunicação de oposição à renovação.
I. O artigo 100.º, n.º 1 do RAU, com a redacção do DL n.º 321-B/90, de 15/10) dispunha os “os contratos de duração limitada celebrados nos termos do artigo 98.º renovam-se, automaticamente, no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos, se outro não estiver especialmente previsto, quando não sejam denunciados por qualquer das partes.”
J. Assim, o contrato de arrendamento objecto dos presentes autos tinha a duração de 5 (cinco) anos, com início 01.02.1992 e termo em 31.01.1997, renovável por períodos de 3 anos.
K. Assim, o contrato de arrendamento objecto dos presentes autos tinha a duração de 5 (cinco) anos, com início 01.02.1992 e termo em 31.01.1997, renovável por períodos de 3 (três) anos.
L. O Tribunal a quo errou, igualmente, na contagem dos prazos de renovação do contrato.
M. À data da 1.ª a 4.º renovações do contrato de arrendamento encontrava-se em vigor o RAU.
N. E, de acordo com os artigos 98.º e 100.º do RAU, o contrato de arrendamento foi-se renovando ao longo dos anos, por períodos de 3 anos, ou seja:
• 1.ª renovação: início em 01.02.1997 e termo em 31.01.2000
• 2.ª renovação: início em 01.02.2000 e termo em 31.01.2003
• 3.ª renovação: início em 01.02.2003 a 31.01.2006
• 4.ª renovação: início em 01.02.2006 e termo em 31.01.2009
O. À data da 5.ª e 6.ª renovações do contrato de arrendamento encontrava-se em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006.
P. À semelhança do RAU, também o NRAU, no artigo 26.º, veio determinar que os contratos de arrendamento celebrados na vigência do RAU renovam-se pelo período de 3 (três) anos, ou seja:
• 5.ª renovação: início em 01.02.2009 e termo em 31.01.2012
• 6.ª renovação: início em 01.02.2012 e termo em 31.01.2015
Q. À data da 7.ª, 8.ª e 9.ª renovações do contrato, o artigo 26.º, n.º 2 do NRAU foi objecto de nova redacção pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro (redacção que se manteve inalterada aquando da entrada em vigor da Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho) que alterou o prazo de renovação de 3 anos para 2 anos.
R. Ou seja, de acordo com o artigo 26.º do NRAU, o contrato de arrendamento foi-se renovando, pelo período de 2 anos, ou seja:
• 7.ª renovação: início em 01.02.2015 e termo em 31.01.2017
• 8.ª renovação: início em 01.02.2017 e termo em 31.01.2019
• 9.ª renovação: início em 01.02.2019 e termo em 31.01.2021
S. Desta forma, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, o contrato de arrendamento não ficou submetido ao prazo de duração de 2 anos mas sim aos prazos de duração inicial (5 anos) e renovações (3 e 2 anos) conforme alegado supra.
T. E, consequentemente, o contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a última renovação do contrato não teve início em 30.01.2020 e termo em 30.01.2022 mas sim em 01.02.2019 e termo em 31.01.2021.
U. Pelo que o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente a lei e, por isso, violou o disposto nos artigos 98.º e 100.º do RAU e 26.º do NRAU.
V. Resultou provado que a Recorrente remeteu ao Recorrido, em 11.02.2020, uma carta com aviso de recepção, na qual lhe comunicou a sua oposição à renovação do contrato com efeitos a 31.01.2021 (facto provado n.º 5).
W. Resultou ainda provado que o Recorrido recebeu a referida comunicação (facto provado n.º 5).
X. A oposição tinha, pois, de ser comunicada com 120 dias de antecedência dessa data de 31.01.2021.
Y. Ora, se a carta foi enviada em 11.02.2020 (um ano antes da data da caducidade do contrato), e recebida pelo Recorrido, é forçoso concluir que foi cumprido o prazo legalmente estipulado.
Z. Nesta medida, temos de concluir que a oposição à renovação respeitou todas as condições necessárias, prazo e forma, pelo que é plenamente válida e eficaz.
AA. Pelo que, tendo em consideração o erro na aplicação da lei no tempo no que respeita aos prazos de duração inicial e renovações do contrato de arrendamento objecto dos presentes autos, também nesta sede andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a oposição à renovação em causa não operou os seus efeitos em 31.01.2021, sendo ineficaz.
BB. Pelo que o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente a lei e, por isso, violou o disposto nos artigos 9.º do NRAU, 1097.º do CC.
CC. Face ao supra exposto, conclui-se que a decisão proferida pelo Tribunal a quo, quanto à improcedência da declaração de caducidade do contrato de arrendamento viola a Lei e aplica mal o Direito, pelo que deverá ser substituída por outra que julgue procedente aquele pedido e, consequentemente, os demais pedidos dependentes deste”.
Ia – Quanto a este recurso, o Réu não apresentou Contra-Alegações.

 II - Por parte do Réu, o qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
“1- O recorrente fez prova do pagamento das rendas Maio, Junho, Julho e Agosto do ano de 2020, de junho, julho, agosto e setembro 2021.
2- Assim sendo, não deviam ter sido dados como provados os pontos 12 e 13 da factualidade dada como provada.
3- Em Outubro 2020, o sr. --- foi informado que as rendas Setembro e Outubro não tinham sido pagas por causa do COVID. Cfr. doc. 9 junto à contestação e como bem depôs a testemunha AC.
4- As rendas de Setembro de 2020 a Maio de 2021 não foram pagas, por força das medidas excepcionais temporárias de resposta à situação epidemiológica que foi comunicada ao Sr. ---, por força do artigo 8º da Lei 1-A/2020, então em vigor.
5- Portanto, as rendas de setembro de 2020 a maio de 2021 não foram pagas pelo recorrente do regime excecional temporário de resposta à situação epidemiológica e com conhecimento e anuência do legal representante da Senhoria, a motivação de facto e de direito da falta de pagamento devia ter sido dada como provada.
6- Desta forma, existe causa justificativa legal para a factualidade dada como provada, por acordo, no ponto 9 da matéria de facto sobre o qual o tribunal não se pronunciou, mas devia, pois, esta questão foi suscitada pelo recorrente em sede de contestação, verificando, assim, uma manifesta omissão de pronúncia, o que gera a nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos da alínea d) do artigo 615 do CPC, desde já se por força no número 4 da mesma disposição legal.
7- O recorrente fez prova documental do pagamento das rendas pagas as rendas de Maio, Junho, Julho e Agosto do ano de 2020 e das rendas de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2021 que faz prova plena, nos termos e para os efeitos do artigo 376 do Código Civil.
8- Assim sendo, é manifesto que o recorrente não deve as rendas no período compreendido entre maio de 2020 a setembro de 2021.
9- O recorrente tem várias doenças, designadamente asma crónica, tal como invocou no artigo 50 da sua contestação, sendo certo que não conseguiu obter em tempo declaração médica relativamente à asma crónica, mas juntou documentação comprovativa que é uma pessoa muito doente no seu requerimento de 12/05/2022.
10- O tribunal recorrido devia ter dado como provado que o recorrente tem várias doenças.
11- A douta sentença recorrida também não deu como provado que locado é casa de morada de família do recorrente.
12- Todavia, no último parágrafo de folhas 7 da douta sentença recorrida e referindo-se ao depoimento da testemunha AC, o tribunal recorrido afirma expressamente: “Em segundo lugar, a mesma referiu que morou toda a vida com o pai na moradia em apreço…”
13- É, pois, evidente que o recorrente, pessoa doente, vive no locado, em permanência, tal com declarou a testemunha AC e o tribunal confirmou, mas contrariamente à prova produzida o tribunal não deu como provado que a moradia referida em 2) é a casa de morada da família do réu.
14- Trata-se de mais um erro na apreciação da prova e, consequentemente, devia ter sido dado comprovado que a moradia referida em 2) é a casa morada da família do réu.
15- Na verdade, o locado arrendado é casa morada de família do R..
16- Ora, o recorrente é uma pessoa muito doente, encontra-se desempregado e não tem outra habitação para onde possa habitar, sendo certo que não tem rendimento para poder arrendar outra casa, atenta o aumento exponencial das rendas em Portugal designadamente na zona de Lisboa.
17- Aliás, entrega do imóvel ao A. implicará que o recorrente terá de passar a sobreviver na rua como um mendigo, com risco iminente para a sua vida, o que o colocaria numa situação de forte e evidente fragilidade.
18- Donde, a execução da entrega de coisa imóvel arrendada colocaria o R. numa situação de fragilidade por falta de habitação própria, pelo que deve ser suspensa. (cfr. Artigo 6º E, nº 7, alínea c) da Lei 1-A/2020 de 19/03 (na redacção dada pela Lei nº 13-B/2021, de 05/04), ao contrário do que foi decidido pela douta sentença recorrida.
19- A oposição à renovação que é doc. 5 junto á p.i. é nula, porquanto não foi feita prova dos poderes por quem a assinou para concretamente subscrever e assinar a referida carta de oposição à renovação.
20- Efetivamente, o subscritor do documento número 5 junto à petição inicial não juntou acta e ou procuração, na qual comprova-se que estava devidamente mandatado pela autora para resolver o contrato e efectuar a referida comunicação, tal como exige o artigo 7º alínea C) da Lei 6/2006 de 27 de fevereiro.
21- As comunicações efetuadas em desrespeito da forma legalmente estabelecida são nulas, de acordo com o disposto no artigo 220 do Código Civil.
22- Donde, a oposição à renovação que é doc. 5 junto á p.i. não produziu efeito jurídico nenhum na esfera jurídica do inquilino- aqui recorrente.
23- Assim sendo, o tribunal a quo devia ter dado como não provado o ponto 5 da factualidade dada como provada e retirado a consequência jurídica de que o contrato de arrendamento se renovou e está em vigor.
24- Na sua petição o A. alegou que o recorrente devia 17 rendas, tal não corresponde á verdade, como acima se demonstrou.
25- Na verdade, a autora recebeu essas quantias na sua conta bancária deste inquilino, porquanto se trata de um facto que devia necessariamente de conhecer, sendo certo que nos documentos juntos pelo recorrente como comprovativos do pagamento das rendas consta o nome da autora “F, SA”, não existindo dúvidas que Senhoria recebeu as referidas rendas.
26- Tal facto é do conhecimento directo do A., pelo que omitiu factos relevantes para a decisão da causa. (al. b) do nº 2 do artigo 542º CPC).
27- Assim sendo, é manifesto que o A. litiga com má-fé, pelo deve indemnizar o R. no valor de 1500,00€, tal como se pediu na contestação.
28- A douta sentença recorrida violou o artigo 1083º do Código Civil.”
 IIa – A Autora apresentou Contra-Alegações, as quais culminou com as seguintes Conclusões:
“A. O Apelante interpôs recurso da Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 25.07.2023, que veio julgar a acção parcialmente procedente, por provada, declarando resolvido o contrato de arrendamento objecto dos presentes autos, e condenando o Réu a proceder à entrega do Locado livre e devoluto de pessoas e bens, a pagar a quantia de €2.214,00 correspondente às rendas vencidas e não pagas desde Maio de 2020 a Outubro de 2021, bem como as rendas vencidas e vincendas até à entrega efectiva e desocupação do locado, em dobro, decorrido um mês após a data de resolução do Contrato até à sua restituição.
B. A sentença ora em crise julgou improcedente o pedido principal deduzido pela Autora, atinente à declaração da caducidade do contrato de arrendamento com efeitos a 30.06.2023, o que motivou a interposição de recurso de tal decisão por parte da Autora, ora Apelada, em 04.10.2023 (ref.ª 37186790).
C. No entender da Apelada, a Sentença não merece qualquer reparo ou censura no que respeita à resolução do contrato, devendo ser mantida na íntegra.
D. O Apelante impugna os factos provados nos pontos 12. e 13. da Sentença, alegando que pagou as rendas entre Maio de 2020 a Setembro de 2021.
E. O Apelante alega que pagou as rendas correspondentes aos meses de Maio, Junho e Julho de 2020, apontando como prova um comprovativo de pagamento global no valor de €300,00, efectuado no dia 21.08.2020.
F. Ora, este documento denuncia o incumprimento da obrigação, uma vez que o valor da renda mensal é €110,70 (facto provado n.º 11), mas também porque o pagamento em questão foi realizado extemporaneamente – bem sabendo que a obrigação de pagamento vence-se no 1.º dia útil do mês anterior a que disser respeito.
G. Quanto ao mês de Agosto de 2020, não logrou o Apelante fazer prova do pagamento da competente renda, tendo apresentado um DUC no valor de €120,00 como comprovativo de pagamento com renda.
H. Como é do mais elementar bom senso, o pagamento em questão não é susceptível de provar o cumprimento contratual por parte do Apelante no que respeita ao mês em questão.
I. Vem o Apelante uma vez mais alegar que cumpriu com a obrigação de pagamento da renda relativamente aos meses de Junho a Agosto de 2021, remendo para um comprovativo de pagamento efectuado em 21.07.2021, no valor de €300,00.
J. Por idêntica razão à já analisada no ponto F. destas conclusões, conclui-se que este documento não demonstra o cumprimento da obrigação de pagamento da renda, que esta transferência ter sido efectuada ao arrepio das condições contratualmente fixadas: o pagamento foi extemporâneo e o montante insuficiente. ~
K. No atinente ao alegado quanto à renda de Setembro de 2021, refira-se que o documento junto não poderá comprovar o seu pagamento, uma vez que traduz-se, uma vez mais, num montante inferior ao contratualmente estabelecido e que foi provado no ponto 11. da douta Sentença – o valor da renda mensal é de €110,70.
L. Como se demonstrou, o Apelante não só não faz prova do pagamento em relação aos meses de Maio a Agosto de 2020 e Junho a Setembro de 2021, como nada diz em relação aos meses de Setembro de 2020 a Maio de 2021.
M. Pelo que, ao contrário do alegado pelo Apelante, a sentença ora em crise não merece qualquer censura no que respeita aos factos provados n.º 12 e 13!
N. De seguida, alega o Apelante que o Tribunal a quo deve dar como não provado o facto provado n.º 5, porquanto a comunicação de oposição à renovação seria nula por carecer de documento que comprovasse os poderes do signatário.
O. Ora, a lei não estabelece a obrigatoriedade de aposição de documento que faça prova dos poderes do signatário – nem nos artigos 1055.º e 1097.º do Código Civil nem tão pouco no artigo 9.º do NRAU –, sendo que, ao invés do que é invocado pelo Apelante, a norma do “artigo 7.º alínea c) da Lei 6/2006 de 27 de fevereiro” é inexistente.
P. Analisado o 9.º da Lei nº 6/2006, de 27.2.2006 conclui-se que o Apelante não tem razão no fundamento que invoca, porquanto apenas no caso de a notificação ter sido realizada por contacto pessoal, que não foi o caso, por Advogado, designadamente, é que o mandato teria de ser comprovado.
Q. Assim, no caso de notificação escrita, mesmo que enviada por Advogado, mencionado como mandatado pelo senhorio, neste caso não se impõe a comprovação do mandato, a qual, porém, veio a ocorrer aquando da apresentação da presente acção.
R. Assim, não se contempla justificação legítima para qualquer reparo ou censura ao facto provado pela Sentença no n.º 5.
S. O Tribunal a quo deu como provado, no ponto 9., que o Réu não procedeu ao pagamento das rendas da moradia de Setembro de 2020 a Maio de 2021, e como não provado, no ponto 1., que as rendas de Outubro de 2020 a Maio de 2021 não teriam sido pagas por força das medidas excepcionais temporais de reposta ao Covid 19.
T. O Apelante alega que “as rendas de Setembro de 2020 a Maio de 2021 não foram pagas” no pressuposto de que também não eram devidas, por força das “medidas excepcionais temporárias de resposta à situação epidemiológica”, “com o conhecimento, anuência do legal representante da Senhoria” – o que é falso.
U. Para o efeito remete o Apelante para o Doc. 9 por si junto à contestação, que consiste num print screen de uma conversa do WhatsApp, em que a filha do Apelante informa o representante legal da Apelada da sua indisponibilidade para sair de casa e proceder ao “depósito da renda” (e não rendas!), não correspondendo à verdade que o representante legal da Autora tenha sido informado “que as rendas não tinham sido pagas por causa do COVID” e, muito menos, que o representante legal da Apelada tenha tido “conhecimento” e dado a sua “anuência” em relação ao não pagamento da renda!
V. Para fundamentar a sua pretensão, vem ainda o Apelante transcrever na íntegra o artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março por via do qual a sua pretensão estaria, alegadamente, juridicamente suportada – contudo, deste artigo não resulta, em parte alguma, que ao Apelante assistisse uma causa justificativa legal para o não pagamento das rendas vencidas entre Setembro de 2020 a Maio de 2021!
W. Do mesmo modo se reputa incompreensível – e criativo – que se alegue que a Apelada tenha tido conhecimento ou até anuído que o pagamento das rendas poderia não ser realizado por força das medidas excepcionais de resposta à pandemia, quando nenhum elemento dos autos permite sequer que se conjeture essa hipótese.
X. Pelo que, uma vez mais, a sentença recorrida não merece qualquer censura, não existindo qualquer omissão de pronúncia geradora de nulidade.
Y. O Tribunal a quo deu como não provado que o Réu, ora Apelante, tem asma crónica (ponto 2. dos factos não provados).
Z. Alega o Apelante que o Tribunal a quo devia ter dado como provado que este “tem asma crónica” - contudo, o Apelante “não conseguiu obter em tempo declaração médica relativamente à asma cónica (…) mas juntou documentação comprovativa que é uma pessoa muito doente” e que o Tribunal a quo devia ter “dado como provado que o recorrente tem várias doenças”.
AA. Em sede de contestação, o Apelante juntou o Doc. 4 que é uma declaração emitida pela Unidade de Sono e Ventilação Não Invasiva datada de 20.07.2021, bem como o Doc. 6 que é o agendamento de uma consulta de neuroendocrinologia.
BB.Ambos os documentos não permitem demonstrar que o Apelante é muito doente e que padece de várias doenças, porquanto apenas se referem a consultas das quais não será possível extrair um juízo de gravidade acerca da saúde do arrendatário, pelo que não merecerá qualquer censura ou reparo a decisão do Tribunal a quo neste conspecto.
CC. Foi igualmente dado como não provado o facto descrito no n.º 3: “A moradia referida em 2) é casa de morada de família do R..”.
DD. O Apelante alega que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o Imóvel constitui casa de morada de família, com base no depoimento da testemunha AC.
EE. Considera o Apelante que o Tribunal se terá contradito, ao dar como provado que a testemunha AC sempre morou no Imóvel, mas, apesar disso, ter julgado como não provado o facto n.º 3, ou seja, que o Imóvel não constituía casa de morada de família.
FF. Não existe qualquer contradição, pois que no caso concreto é indiferente se a testemunha AC, filha do Apelante, ali reside desde a data de celebração do Contrato, sendo que, ainda para mais, o regime invocado não encontra aplicação nesta sede.
GG. Na decisão que tenha por objecto a atribuição do direito de arrendamento da casa de morada de família, deve ter-se em conta que o objectivo da lei é proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria ou foi atingido pela separação ou pelo divórcio, devendo, por isso, atender-se, para além do mais, à situação patrimonial dos cônjuges e ao interesse dos filhos.
HH. O artigo 1793.º, n.º 1, do Código Civil, ao referir como um dos factores de atribuição da casa de morada de família o interesse dos filhos do casal, diz respeito aos filhos menores, por serem estes que, normalmente, estão na dependência dos pais, necessitando da protecção e apoio destes.
II. Ou seja, tendo em consideração o conceito de casa de morada de família, a sua ratio e o regime aplicável, conclui-se que o facto da testemunha AC ter afirmado residir no Imóvel, nenhuma influência tem para a qualificação do Imóvel como casa de morada de família.
JJ. Até porque, a testemunha, filha do Apelante, não só já era maior aquando da celebração do contrato, como trabalha, obtém rendimentos do seu trabalho – ou seja dispõe de total autonomia financeira.
KK. Destarte, conclui-se que o Tribunal a quo decidiu bem ao dar como não provado este facto, não se justificando qualquer reparo.
LL. Conclui o Apelante as Alegações reiterando a sua convicção relativamente à litigância de má fé levada a cabo pela Autora, ora Apelada, no decurso da acção de despejo.
MM. Neste conspecto não pode a Apelada senão subscrever na totalidade o vertido na Sentença ora em crise. Com efeito, não se vislumbra qualquer vestígio de litigância de má fé, pelo que nem se compreende a inserção dos dois primeiros números do artigo 542.º do CPC: em primeiro lugar, por não se fazer referência à disposição normativa do número 2 que foi violada; em segundo lugar, por não se observar na postura assumida pela Autora em todo o processo qualquer indício de má fé.
NN. Ademais, não se digna o Apelante a justificar a quantia peticionada a título de indeminização eventualmente devida por litigância de má fé. De facto, parece apenas indicar um montante de modo arbitrário, não instruindo de modo algum o processo sobre a chegada a esse montante.
OO. Nestes termos, não deverá esta pretensão ser atendida, pelo que não deverá ser posto em causa o que na Sentença se versejou sobre este assunto – tal como, importa referir, se aplicará a todos os aspectos aqui abordados”.
**
Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará:
A - se alguma da factualidade apurada se mostra adequadamente colocada em causa e, na afirmativa, se existe algo a alterar:
i- a propósito da consideração como provados dos Factos 12 e 13;
ii- a propósito da necessidade de dar como não provado o facto 5 e retirado a consequência jurídica de que o contrato de arrendamento se renovou e está em vigor;
iii- a propósito da necessidade de dar como provado que o Réu “tem várias doenças” e que o locado é a sua “casa de morada de família”;
B - se existe alguma nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil) quanto ao facto de as rendas de Setembro de 2020 a Maio de 2021 não terem sido pagas, por força das medidas excepcionais temporárias de resposta à situação epidemiológica da COVID 19 (o que foi suscitado na Contestação);
C - verificar da eventual caducidade do contrato de arrendamento;
D - verificar quanto à validade da oposição à renovação;
E - verificar se havia necessidade de suspender a “execução da entrega de coisa imóvel arrendada”, que colocaria o Réu numa situação de fragilidade por falta de habitação própria;
F - verificar da eventual litigância de má fé da Autora;
G - apreciar se a acção se mostra correctamente decidida, em face da factualidade apurada.
**
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
*
Fundamentação de Facto
O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade[2]:
1. A Autora é dona do prédio sito na---, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ---, freguesia da ---e, inscrito na matriz predial da freguesia da --- sob o artigo ---
2. O prédio referido em 1) é composto por 26 moradias com utilização independente e o Réu é arrendatário da moradia n.º ---.
3. Em 30.01.1992, o Réu celebrou com os donos primitivos, acordo escrito denominado “ARRENDAMENTO”, nos termos do escrito n.º 3 junto com a petição inicial que se dá por reproduzido.
4. O acordo referido em 3) foi celebrado pelo prazo de 6 (seis) meses, com início em 01.02.1992 e termo em 01.08.1992, renovável nos termos da lei, o qual se transmitiu para a Autor por força da aquisição do prédio referido em 1) em 27.12.2019, a qual foi comunicada ao Réu.
5. De carta registada, datada de 11 de Fevereiro de 2020, remetida pela Autora ao Réu e, por este recebida, consta:
“Assunto: Oposição à renovação / Contrato de arrendamento – Rua ---
Ex.mo Senhor, Dirijo-me a V. Exa na qualidade de administrador da F, S.A., proprietária do prédio urbano sito na ---, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ---, da freguesia da ---e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo urbano ---, do qual V. Exa. é arrendatária da moradia com o n.º ---(o “Locado”) por força do contrato de arrendamento para fim habitacional celebrado em 01.02.1992 (“Contrato”).
O Contrato foi celebrado em 01.02.1992, pelo prazo de 6 meses, com início a 01.02.1992 e termo em 01.08.1992, renovável nos termos da lei.
Considerados os prazos contratualmente previstos para as renovações do contrato, este cessará em 31.01.2021, caso qualquer uma das partes se oponha à sua renovação com a antecedência contratualmente devida 120 dias.
Nestes termos, serve a presente para notificar V. Exa., com a antecedência devida, da oposição à renovação do contrato, solicitando-se desde já que o Locado seja entregue até 31.01.2021, livre de pessoas e bens, com conjunto com os meios de acesso à moradia. Na disponibilidade para prestar quaisquer esclarecimentos que entenda necessários, subscrevo-me com os melhores cumprimentos, (…)”.
6. Até à presente data, o Réu não entregou à Autora a moradia referida em 2).
7. A Autora solicitou ao Senhor Solicitador e Agente de Execução J, a notificação pessoal do Réu da comunicação da qual consta o seguinte:
“5. Neste pressuposto, serva a presente missiva para nos termos do disposto nos artigos 1083.º, n.º 3 e 4 e 1084.º, n.º 2 do Código Civil, comunicar a V. Exa. a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas. (…)
10. Assim, e nos termos do artigo 1086.º do Código Civil, serve a presente para interpelar V./Exa. para o pagamento das rendas em atraso e entrega da moradia, devoluta de pessoas e bens até 15 de Agosto de 2021. (…)”.
8. O Réu recusou-se a assinar e a receber a comunicação referida em 7.
9. O Réu não procedeu ao pagamento das rendas da moradia referida em 2) de Setembro de 2020 a Maio de 2021.
10. De carta registada, com aviso de recepção, datada de 08.07.2021, remetida pela Autora ao Réu consta:
“Na referida qualidade, serve a presente para relembrar V. Exa. de que, por força da comunicação da oposição à renovação enviada pelos n/Clientes em 11 de Fevereiro, o Contrato cessou em 31 de Janeiro de 2021.
Por força do artigo 8.º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, que aprovou medidas excepcionais temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, alterada pelas Lei 4-A/2020, de 6 de abri, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 8 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro e 75-A/2020, de 30 de dezembro, a produção dos efeitos da cessação do Contrato foi suspensa e prorrogada para 30 de Junho de 2021, sendo desde essa data devida a entrega efectiva da Moradia à n/Cliente. (…).”.
11. Por força do acordo referido em 3) e das actualizações levadas a cabo pela Autora e pelos donos primitivos, o Réu encontrava-se obrigado ao pagamento da renda mensal no valor de €110,70.
12. Apesar das insistências levadas a cabo pela Autora, desde Maio de 2020 que o Réu deixou de pagar a renda mensal.
13. À data da propositura da presente acção, o Réu não pagou as rendas correspondentes ao período compreendido entre Maio de 2020 e Setembro de 2021.
14. O Réu recusou-se a assinar e a receber a comunicação referida em 7) em 17/08/2021.
15. À data de 31/03/2021, o Réu encontrava-se inscrito no Serviço de Emprego das Picoas desde 202.03.23, na situação de desempregado à procura de novo emprego.
***
O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida:
1. As rendas de Outubro de 2020 a Maio de 2021 não foram pagas por força das medidas excepcionais temporais de resposta ao Covid 19.
2. O R. tem asma crónica.
3. A moradia referida em 2) é casa de morada de família do Réu.
****
Apreciação da Matéria de Facto
O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[3].
Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”.
Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[4], nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);
2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).
Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[5], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[6], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[7].
Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos[8] e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco).
Assim, caberá ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e que “o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta”, pelo que “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância[9] (sublinhado e carregado nossos).
Ana Luísa Geraldes sublinha mesmo que, em “caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»[10].
O Tribunal da Relação deve usar aquilo a que Miguel Teixeira de Sousa chama de “um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação”[11].
Verificadas as Alegações e Conclusões dos Recorrentes importa começar por verificar se a impugnação dos factos se mostra correctamente efectuada.
As alegações dos Réus apesar de algum excesso de comentários e manifestação de discordância (quase como se desabafos se tratassem), acabam por conter o essencial para – formalmente – se mostrarem respeitadas as exigências da lei, embora, na prática, se limitem a replicar a sua narrativa (já espelhada nos articulados), como se a prova não tivesse sido produzida e devidamente objecto da apreciação crítica e escalpelização pelo Tribunal a quo.
Vejamos, assim o que concerne aos factos 5 (De carta registada, datada de 11 de Fevereiro de 2020, remetida pela Autora ao Réu e, por este recebida, consta: “Assunto:…”), 12 (Apesar das insistências levadas a cabo pela Autora, desde Maio de 2020 que o Réu deixou de pagar a renda mensal) e 13 (À data da propositura da presente acção, o Réu não pagou as rendas correspondentes ao período compreendido entre Maio de 2020 e Setembro de 2021) e ainda aos factos não provados 2 (O Réu tem asma crónica) e 3 (A moradia referida em 2) é casa de morada de família do Réu).
O Tribunal a quo, sobre a matéria de facto provada e não provada, teve oportunidade de referir o seguinte:
“O Tribunal sedimentou a sua convicção quanto à factualidade dada como provada:
- na admissão, por acordo do R,, aliados aos documentos de fls. 9 a 23 dos autos, que não foram objecto de impugnação, quanto aos factos provados nos n.ºs 1 a 9.
- nos documentos de fls. 24 e 25 dos autos, que não foram objecto de impugnação, quanto aos factos provados no n.º 10.
- no depoimento da testemunha JF, que conhece a A., porque ter sido comproprietário do imóvel em causa nos autos e, que não conhece o R., tendo o visto apenas uma vez, quanto ao facto provado no n.º 11.
Na verdade, a testemunha em apreço, por ter sido um dos donos do prédio onde se localiza a moradia arrendada ao R., confirmou que durante trinta anos fazia o controle das rendas pagas pelo R., sendo que exibido que foi o contrato de arrendamento junto com a petição inicial confirmou ter conhecimento do mesmo e, mais confirmou que a menção aposta no canto superior esquerdo do contrato em apreço “110,70€ não paga nº 277”, foi por si aposta e, correspondia ao valor da renda com o aumento.
Importa referir que apesar desta testemunha ter mencionado que a renda da moradia em causa era paga por depósito bancário de €110,00, também não é menos certo que a mesma confirmou o valor da renda referenciado na menção aposta no canto superior esquerdo do contrato e, por essa razão, o seu depoimento em nada ficou beliscado pelas duas referências diferentes efectuadas ao valor da renda, dado que é perfeitamente plausível que dado a testemunha já não ser dona do imóvel em causa nos autos, que não tivesse presente o montante exacto até ao cêntimo do valor da renda, montante esse que apenas poderia ser confirmado através da menção aposta no contrato já referida, como sendo da autoria da testemunha.
Esta testemunha também esclareceu que o R. a determinada altura, ainda quando a testemunha era dona da moradia em apreço, deixou de pagar as rendas e, quando a testemunha e os demais donos venderam o imóvel à A., explicaram à A que R. não pagava as rendas e, transmitiu-lhes o valor em dívida.
O depoimento desta testemunha foi credível, porquanto a mesma limitou-se a relatar aquilo de que tinha conhecimento presencial, sendo certo que o seu depoimento se revelou isento, na medida em que a testemunha não tinha qualquer motivo ou interesse em alterar a verdade dos factos, dado que já não é dono do imóvel em apreço.
Quanto ao depoimento da testemunha AC, que não conhece a A. e, que conhece o R., por ser pai, não mereceu credibilidade pelas razões que se passam a enunciar.
Em primeiro lugar, porque demonstrou muita incerteza nas cartas que terão ou não sido recebidas pelo seu pai.
Em segundo lugar, a mesma referiu que morou toda a sua vida com o pai na moradia em apreço, sendo que de todo o seu depoimento emergiu que a mesma se perspectivava como sendo a arrendatária da moradia em causa, com claro interesse no desfecho dos presentes autos, sendo que exibido que foi o documento de fls. 65 dos autos, nem sequer soube identificar quais seriam as rendas que supostamente eram para ser pagas através do depósito reportado nesse documento, quando é certo que a mesma referiu que era a pessoa que efectuava o pagamento das rendas devidas.
Daí que dado o interesse pessoal claramente evidenciado por esta testemunha no desfecho da presente acção, as incertezas e as incoerências manifestadas, o seu depoimento não se revelou credível.
- na presunção prevista no artigo 799.º n.º 1 do C. Civil que o R. não logrou ilidir conforme lhe incumbia nos termos do artigo 344.º n.º 1 do mesmo diploma legal, quanto aos factos provados nos n.ºs 12 a 14.
Efectivamente, quanto aos pagamentos que o R. alega ter efectuado em sede de contestação, a A. impugnou os mesmos, assim como os documentos que suportavam esses mesmos pagamentos.
Acresce que os valores alegadamente pagos, foram no valor de €100,00, valor este que não corresponde à renda mensal em vigor e, por outro lado, dos documentos em causa, a entidade a favor da qual foram efectuadas as transferências é a “F, S. A.”, entidade que não corresponde à A., dadas as denominações distintas.
De outra vertente apreciada e, conforme já assinalado o depoimento da testemunha AC não foi credível, pelas razões já invocadas e, uma delas prende-se exatamente com a circunstância de nem sequer saber dizer, à luz do documento de fls. 65 dos autos, que rendas supostamente eram para ser pagas, com um suposto montante transferido de €300,00, quando a mesma havia expressamente referido que era a mesma quem pagava a renda.
Ainda de outra perspectiva, importa referir que a obrigação do pagamento da renda impendia única e exclusivamente sobre o R. e, não foi efectuada prova de este tivesse procedido das rendas no valor mensal de €110,70, durante o período em análise.
- no documento de fls. 66 dos autos que não foi objecto de impugnação, quanto ao facto provado no n.º 15.
Quanto aos factos não provados, a convicção do Tribunal estribou-se na falta de prova da mesma”.

A fundamentação é clara, congruente e faz – estruturadamente – a análise crítica da prova produzida de uma forma que temos como inexpugnável.

O Recorrente pretende fazer relevar documentos que, pura e simplesmente não comprovam o que tinha o ónus de provar…
Assim:
- o documento junto em 12 de Maio de 2022, que - pretensamente - serviria para comprovar o pagamento das rendas de Maio, Junho e Julho de 2020, em nada ajuda a essa pretensão, uma vez que, numa altura em que a renda ascendia a €110,70 (facto 11) - e, portanto, no mínimo, estariam em causa €330,10 - corresponde a um pagamento de €300, realizado a 21 de Agosto de 2020;
- o documento junto a 12 de Outubro de 2022, que pretensamente corresponderia ao pagamento da renda de Agosto de 2020, é um comprovativo de depósito autónomo de €120, realizado a 20 de Setembro de 2022, que não permite a conclusão pretendida;
- o documento junto com a Contestação que - pretensamente - serviria para comprovar o pagamento das rendas de Junho, Julho e Agosto de 2021, em nada ajuda a essa pretensão, uma vez que, numa altura em que a renda ascendia a €110,70 (facto 11) - e, portanto, no mínimo, estariam em causa €330,10 - corresponde a um pagamento de €300, realizado a 21 de Julho de 2021;
- o documento junto com a Contestação que - pretensamente - serviria para comprovar o pagamento da renda de Setembro de 2021, em nada ajuda a essa pretensão, uma vez que, numa altura em que a renda ascendia a €110,70 (facto 11), corresponde a um pagamento de €100, realizado a 03 de Setembro de 2021.

Assim, não só a insistência do Réu, perante o óbvio, nos leva ao campo do absurdo, como, em nenhum destes casos, e como muito bem assinala ao Tribunal a quo, foi logrado um qualquer enquadramento destes “pagamentos” por via da prova testemunhal produzida.
As rendas em causa não estão pagas, como o não estão as rendas de Setembro de 2020 a Maio de 2021 (relativamente às quais nem sequer alega qualquer pagamento).
Os factos 12 e 13 estão, assim, correctamente dados como provados, nada havendo a alterar[12].
*
Quanto ao facto 5, não faz qualquer sentido a pretensão do Autor, uma vez que corresponde ao teor da carta enviada e assumidamente recebida, podendo, isso sim, haver divergência em termos de direito no que concerne aos seus efeitos, o que – se caso disso for – adiante se apreciará.
Nada a alterar, portanto.
**
Quanto ao facto não provado 2, a pretensão do Réu é surreal!
Se tinha ou tem asma crónica seria simples juntar exames ou declarações médicas e não o fez, mas passa de qualquer limite de razoabilidade querer que figure  nos factos provados que é uma pessoa doente (o que não só seria conclusivo, como seria o mesmo que nada dizer), sendo certo que a prova que produziu (a documentação junta a 12 de Maio de 2022: uma declaração médica a dizer que tem diagnosticado “síndroma de apneia/hipopneia obstrutiva do sono” de grau moderado”, datada de 20 de Julho de 2021; uma prescrição de “Ventiloterapia-Auto CPAP”, datada de 04 de Janeiro de 2022; e um agendamento para 15 de Fevereiro de 2022 de uma consulta de neuroendocrinologia), não permitiria sequer qualquer conclusão no sentido da “asma crónica” e muito menos de gravidade da(s) putativa(s) patologia(s) que o afligiria(m).
Quanto ao facto não provado 3, duas notas:
- a primeira para assinalar que apesar de o conceito de casa de morada de família corresponder a um facto jurídico complexo, não deixa de consubstanciar um facto ou fenómeno empiricamente apreendido, que é comum e leigamente entendido com um determinado sentido jurídico (ou seja, como o espaço físico onde os elementos de um agregado familiar residem de forma habitual e com carácter de permanência, aí detendo o centro da sua organização pessoal, doméstica, familiar e social, em condições de continuidade e de preservação da intimidade e privacidade familiar, espaço sobre o qual pelo menos um dos elementos do agregado familiar que o ocupa detém título que legitime essa ocupação e fruição por si e por este[13]). Assim, sempre haveria que ter sido produzido um esforço probatório minimamente sólido para o efeito;
- a segunda, para dizer que pretendendo o Recorrente retirar a prova em causa do depoimento da testemunha AC, para além da duvidosa utilidade para o desfecho da acção de tal ser julgado provado[14], a credibilidade desta testemunha vem bem descrita e analisada na fundamentação de facto da Sentença, em termos que nos merecem total concordância.
Nada há a alterar, neste conspecto.
***
Assim, verificada toda a prova produzida (documental e produzida – e reouvida – nas duas sessões da audiência de julgamento) e procedendo a ponderação de todo este material, não se vislumbra – quanto a estes factos considerados provados e não provados – a necessidade de introduzir qualquer alteração ao decidido, por inexistir qualquer segurança na conclusão da existência de um erro de apreciação da prova relativamente a eles, existindo – pelo contrário – uma total concordância com a apreciação feita pelo Tribunal a quo.
Como tivemos oportunidade de escrever (tendo como Adjuntos os Juízes Desembargadores Luís Filipe Pires de Sousa e José Capacete) no Acórdão desta Relação de 14 de Fevereiro de 2023 (Processo n.º 895/21.4T8FNC-B.L1-7) – valendo aqui as mesmas considerações – cabe “ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova” sendo que só se deve “alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância”[15].
Já sabemos que, como decorre dos artigos 341.º do Código Civil e 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, as provas têm por função “a demonstração da realidade dos factos”, e que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Daí que, nas situações – como a dos autos – em que para a prova não existe qualquer norma legal que exija formalidade especial ou prova documental específica (não se tratando de factos plenamente provados por documento, confissão ou acordo das partes), o material probatório produzido esteja sujeito ao princípio da livre apreciação por parte do Tribunal (o que não é o mesmo que arbitrariedade e, daí, a necessidade imposta pelo n.º 4, do artigo 607.º, de uma análise crítica da prova e da indicação de todos os elementos que foram decisivos, para a decisão, permitindo a sindicância da expressada convicção).
Por outro lado e como lucidamente dizia a personagem Algernon, de Oscar Wilde (em 1895, na peça The Importance of Being Earnest), a “verdade é raras vezes pura e nunca é simples[16], pelo que faz sentido aqui assinalar quanto ao standard da prova[17], o que Luís Filipe Pires de Sousa[18] tem afirmado, no sentido de que, para chegar à verdade processual da situação jurídica que nos seja presente (e, portanto, para que um facto se possa considerar provado, no nosso processo civil), tal standard[19] seja o da “probabilidade prevalecente ou “mais provável que não””[20] consubstanciado em “duas regras fundamentais:
(i)-Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii)-Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa”[21].
Este “critério da probabilidade lógica prevalecente (…) não se reporta à probabilidade como frequência estatística, mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis”.
O “que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis.
Todavia, pode acontecer que todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório e, nesse contexto, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como “verdadeira”. Pelo que para que um enunciado sobre os factos possa ser escolhido como a versão relativamente melhor é necessário que, além de ser mais provável que as demais versões, tal enunciado em si mesmo seja mais provável que a sua negação. Ou seja, é necessário que a versão positiva de um facto seja em si mesma mais provável que a versão negativa simétrica”[22].
Por outro lado, em situações de incerteza (nas quais não seja possível determinar a verdade ou a falsidade de um determinado enunciado de facto), ou “em que a verdade de um enunciado não receba uma adequada confirmação, a decisão só pode ser adotada mediante a aplicação da regra do ónus da prova objectivo”[23]. O que significa que “é sempre sobre a parte onerada com a prova dos factos a que recaem as  consequências da falta ou insuficiência de prova, ou seja, perante a dúvida irredutível sobre a realidade do facto que é pressuposto da aplicação de uma norma jurídica, o julgador decide como se estivesse provado o facto contrário (cfr. o Artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil, anterior Artigo 516.º). Assim, se após a valoração da prova, o juiz entender que há factos que permanecem duvidosos e incertos (ocorre uma deficiência probatória), terá de recorrer ao ónus da prova, valorando a prova contra a parte a quem incumbia o respetivo ónus da prova, declarando como não provado o facto adrede alegado pela parte. Por isso é que as regras do ónus da prova são subsidiárias no sentido de que apenas operam, se necessário, posteriormente à valoração da prova”[24].
Ora, neste contexto, quanto à factualidade não provada, em que o Tribunal a quo, com toda a razão, assinalou a insuficiência da prova produzida pelo Réu, nada permitia ir mais além, sendo que, a matéria já feita constar nos factos provados é (como atrás se disse) a que resulta efectivamente apurada, o que permite a este Tribunal acompanhar, sem hesitação, as considerações elaboradas na fundamentação de facto sob escrutínio e a análise crítica aí feita (relevando desde logo os aludidos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova e a inexistência de base segura que aponte para uma apreciação diversa)[25].
Nada a alterar, portanto.
*
Da Nulidade
As nulidades da decisão previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil (tal como já ocorria com as previstas no artigo 668.º do anterior Código) são deficiências da Sentença que não podem confundir-se com erro de julgamento: este corresponde a uma desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável (haverá erro de julgamento - e não deficiência formal da decisão - se o Tribunal decidiu num certo sentido, mesmo que, eventualmente, mal à luz do Direito).
Como se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 11 de Outubro de 2022 (Processo n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 - Isaías Pádua), as “nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no artº. 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito”.
Assim, prevê o n.º 1 do referido artigo 615.º que será nula a Sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
O Recorrente-Réu invoca a existência de uma nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), por não ter sido apreciado o argumento por si apresentado, no sentido da sua falta de pagamento das rendas de Setembro de 2020 a Maio de 2021, ter ocorrido por força da legislação COVID que justificaria o seu não pagamento.
Sustenta a Autora-Recorrida a inexistência de tal nulidade.
Começa por referir-se que o n.º 3 do artigo 607.º manda que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da decisão.
Por outro lado, o n.º 2 do artigo 608.º, assinala (o que faz a correspondência com a alínea d) do artigo 615.º, fazendo substanciar o seu incumprimento numa nulidade) que, o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
O que sucede, normalmente, é que a discordância quanto ao resultado da acção, deriva e acaba por confundir-se com invocação de putativas nulidades, nomeadamente por se considerar que a falta de resposta a algum argumento de entre os que são convocados pelas partes as gera.
Chama-se a isto confundir “questões” com “argumentos”[26].
É que o aludido dever de decidir[27] reporta-se às questões suscitadas no processo (ou que o processo suscite, para aqui incluir também as de conhecimento oficioso), não impondo, como tal, que tenham de ser apreciados todos os argumentos suscitados pelas partes[28].
Ou seja, o juiz deve apreciar e decidir sobre todos os pedidos formulados e todas causas de pedir que tenham sido invocadas na acção, bem como conhecer de todas as excepções invocadas (ou que lhe caiba – oficiosamente – conhecer), não tendo de escrutinar todos os argumentos que, de acordo com as várias possíveis soluções de Direito para resolver o processo, tenham sido apresentados pelos intervenientes processuais -  ou possam ter sido inicialmente admitidos pelo juiz[29].
Recorrendo ao sempre claro, útil e pertinente, Alberto dos Reis, são “na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” [30].
Retomando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2022, nele se afirma, que a nulidade “de sentença/acórdão, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas”, concluindo que o “conceito de “questão”, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes” (…).
“O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação.
Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso”.
Por fim e quanto a esta questão, há ainda que levar em consideração o que com particular acuidade se assinalou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 2019 (Processo n.º 4568/13.3TTLSB.L2.S1-Júlio Gomes) onde, depois de se sumariar que para “determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão”, se desenvolve a ideia, escrevendo que, ainda “que a lei processual distinga a fundamentação e a decisão a sentença constitui um todo pelo que, como a nossa jurisprudência há muito tem afirmado, designadamente em situações em que importa aferir os limites da decisão para efeitos de caso julgado, é frequentemente necessário ler o dispositivo da decisão à luz dos seus fundamentos “para se determinar o verdadeiro alcance da decisão”. (Nesse sentido veja-se já o Acórdão do STJ de 11 de março de 1949, publicado no BMJ n.º 12 (Maio de 1949): “Embora, em regra, só o dispositivo da decisão constitua caso julgado, frequentemente há que relacioná-lo com os seus fundamentos, para se determinar o verdadeiro alcance da decisão”. E muito mais recentemente este Tribunal reiterou no Acórdão do STJ de 05/11/2009, processo n.º 4800/05.TBAMD-A.S1 (OLIVEIRA ROCHA), que “a interpretação da sentença exige (…) que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, fatores básicos da sua estrutura”)
É o que afirmou, recentemente, FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA:
“É da sentença no seu todo (que não apenas de uma parte dela) que hão-de extrair-se os verdadeiros sentido, conteúdo e objeto do julgado; importa, por isso, ponderar e sopesar devidamente os motivos, isto é, a parte justificativa (motivatória) da decisão, em ordem a surpreender nela uma qualquer restrição ou ampliação do dispositivo, ou mesmo a concluir que determinadas questões não foram objeto de resolução explícita ou sequer implícita (apesar da amplitude da redação da parte dispositiva) ou ainda, e ao invés, que foram consideradas e decididas questões não compreendidas na parte dispositiva. No fundo, tornar-se-á, amiúde, necessário recorrer ao arrazoado da sentença para captar o verdadeiro pensamento do julgador. Do que se trata é de reconstituir o itinerário valorativo e cogniscitivo seguido pelo julgador ao decidir como decidiu.” (Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, Coimbra, 2015, p. 646)
Em suma, e seguindo agora o ensinamento de ANTONIO NASI, a sentença é um todo, uma unidade incindível, em que “motivar (e motivar bem) constitui parte integrante de julgar” (Interpretazione della sentenza, Enciclopedia del Diritto, vol. XXII, Guiffrè Editore, Milano, 1972, pp. 293 e ss., p. 303), pelo que não se pode isolar um segmento da sentença como sendo aquele que é exclusiva ou mesmo predominantemente preceptivo, sendo que a motivação se apresenta como “o prius lógico imprescindível para a compreensão do sentido preceptivo da sentença”. (Aut. e ob. cit., p. 304.). Pelo que a interpretação da mesma exige a compreensão do seu iter genético e a aceitação de uma visão articulada e dinâmica de todo o processo”.
Tudo visto, importa tirar conclusões.
E a única conclusão a tirar é no sentido de o Réu carecer totalmente de razão.
Quer quanto à nulidade, quer quanto ao seu absurdo “argumento”.
Repare-se que, na Contestação, o Réu limita-se a dizer que o senhorio foi informado em Outubro de 2020, “que a renda não tinha sido paga por causa do COVID” e que as “rendas e Outubro de 2020 a Maio de 2021 não foram pagas, por força das medidas excepcionais temporárias de resposta à situação epidemiológica”, limitando-se a transcrever o artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e a concluir que “é falso que o R. deve 17 rendas em atraso”.
Na Sentença, a matéria da falta de pagamento das rendas é abordada directamente, concluindo-se que o Réu, não procedeu ao seu pagamento.
E o putativo “argumento” não é, de facto, apreciado, sendo que, não tinha de o ser qua tale (como acima se aludiu) e, acima de tudo, porque nem sequer é um argumento.
Sê-lo-ia se o artigo 8.º em causa, perdoasse as rendas em causa, por virtude da situação epidemiológica que se vivia (e, aí, em termos de Direito a decisão poderia estar errada).
Mas nem o Réu se atreveu a dizer tanto… limitando-se a lançar tal artigo 8.º para uma fogueira onde nada tinha para arder, porque nada tinha para dizer (nem o Réu diz o que dele retira para concluir que não deve tais rendas): não há um único raciocínio lógico, racionalmente exposto, juridicamente explicado e sustentado, a enquadrar a conclusão formulada.
Na prática, o que temos é a assumpção de que essas rendas não foram pagas (e se o não foram durante o período epidemiológico, sempre haveriam de o ter sido depois…) e uma total inconsistência da conclusão a que chega.

Assim sendo, e para o que nos interessa neste ponto, a Sentença aborda a questão colocada e decide-a, não tendo de pronunciar-se sobre uma conclusão absurda e insustentada, inexistindo – portanto – qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
***
Fundamentação de Direito
A Sentença sob recurso assenta o decidido no seguinte processo de raciocínio:
I – A Autora pretende em primeira linha ver declarada a caducidade do contrato celebrado com o Réu, com efeitos a 30/06/2020 e que seja ordenado o seu despejo, com a sua condenação na entrega imediata do locado, livre e devoluto de pessoas e bens, bem como no pagamento da quantia global de €2.656,80 (€1.549,80 correspondentes ao valor das rendas em dívida de Maio de 2020 a Junho de 2021;  €1.107 correspondentes ao valor da indemnização pelo atraso na restituição da coisa, calculada desde Julho de 2021 até à data da propositura acção), e no pagamento da indemnização devida pela mora da entrega do locado desde a data da propositura da presente acção até à sua efectiva entrega e desocupação, livre e devoluto de pessoas e bens, para além dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das rendas vincendas até à entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens.
II - Dos factos provados resulta que a Autora é dona do prédio em causa e que o Réu é dele arrendatário.
III - Em 30/01/1992, o Réu celebrou com os donos primitivos, acordo escrito denominado “ARRENDAMENTO”, nos termos do escrito n.º 3 junto com a petição inicial.
IV - Esse acordo foi celebrado pelo prazo de 6 (seis) meses, com início em 01/02/1992 e termo em 01/08/1992, renovável por iguais períodos, o qual se transmitiu para a Autora por força da aquisição do prédio em causa em 27/12/2019, devidamente comunicada ao Réu.
V – Por carta registada datada de 11 de Fevereiro de 2020, remetida pela Autora ao Réu e por este recebida, foi formulada a oposição à renovação do contrato, como consta descrito no facto 5, com efeitos a 31/01/2021, solicitando a sua entrega até essa data.
VI - Por carta registada, com aviso de recepção, datada de 08 de Julho de 2021, remetida pela Autora ao Réu foi este “relembrado” que o contrato cessou em 31 de Janeiro de 2021 e que, por força do artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que aprovou medidas excepcionais temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a produção dos efeitos da cessação do Contrato foi suspensa e prorrogada para 30 de Junho de 2021, sendo desde essa data devida a sua entrega efectiva.
VII - Por força do acordo celebrado com o Réu e das actualizações levadas a cabo pela Autora e pelos donos primitivos, o Réu encontrava-se obrigado ao pagamento da renda mensal no valor de €110,70, no primeiro dia útil do mês anterior àquele que dissesse respeito.
VIII - Até à presente data, o Réu não entregou à Autora o locado.
IX - Uma vez que o contrato em apreço se foi renovando ao longo dos anos e, tendo em consideração que foram alegados factos que ocorreram já na vigência do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, aplicam-se ao mesmo contrato as normas deste regime com as posteriores alterações, conforme resulta do disposto nos artigos 26.º, 59.º n.º 1 e 65.º, da Lei n.º 6/2006 e do artigo 12.º do Código Civil.
X - Dispõe o artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, que:
“1 - Os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.
2 - À transmissão por morte aplica-se o disposto nos artigos 57.º e 58.º.
3 - Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, e, em ambos os casos, se outro prazo superior não tiver sido previsto.
4 - Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:
a) Continua a aplicar-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU;
b) Para efeitos das indemnizações previstas no n.º 1 do artigo 1102.º e na alínea a) do n.º 6 e no n.º 9 do artigo 1103.º do Código Civil, a renda é calculada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da presente lei;
c) O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct..
5 - Em relação aos arrendamentos para habitação, cessa o disposto na alínea a) do número anterior após transmissão por morte para filho ou enteado ocorrida depois da entrada em vigor da presente lei.
7 - Os direitos conferidos nos números anteriores ao arrendatário podem ser invocados pelo subarrendatário quando se trate de subarrendamento autorizado ou ratificado nos termos da lei.”.
XI - Por seu turno, dispõe o artigo 1022.º do C. Civil que “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição”, estatuindo o artigo 1023.º que “A locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel”.
XII - Não existem dúvidas que entre a então primitiva senhoria e o Réu foi celebrado um contrato de arrendamento para habitação de duração limitada, com início em 01/02/1992 e termo em 01/08/1992, renovável nos termos da Lei, qualificação jurídica essa que, de resto, as partes não colocam em crise.
XIII – A Autora é a actual senhoria.
XIV – À luz do artigo 26.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, o contrato em causa renovou-se de 2 em 2 anos desde 2006, sendo que a última renovação se verificou em 30/01/2020 com termo em 30/01/2022.
XV - A partir de 2006 o contrato de arrendamento em apreço ficou submetido ao prazo de duração de dois anos, a luz do referido normativo legal.
XVI - Em matéria de renovação do contrato de arrendamento, dispõe o artigo 1054.º do Código Civil que:
“1 - Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei.
2 - O prazo da renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo”.
XVII – Estabelece artigo 1055.º - em matéria de oposição a essa renovação, que:
“1 - A oposição à renovação tem de ser comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte:
a) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 30 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a três meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a três meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação”.
XVIII - A última renovação do contrato verificou-se em 31/01/2020, pelo que o termo do contrato em apreço ocorreria em 31/01/2022, caducando nesta última data, no caso de a Autora comunicar a oposição a essa renovação com a antecedência mínima de sessenta dias, nos termos do artigo 1055.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 6/2006 (antecedência essa que se veio a verificar).
XIX - Porém, a oposição em causa não operou os seus efeitos em 31/01/2021 e, nessa medida, o Réu não se encontra obrigado a entregar o locado na data assinalada pela Autora, sendo, por isso, a oposição à renovação ineficaz para essa data, mas tão só em 31/01/2022.
XX - Daí que quanto ao pedido de declaração da caducidade do contrato em apreço com efeitos a 30/06/2021 (que nem sequer se encontra em consonância com a data indicada no artigo 8.º da petição inicial) o mesmo terá de improceder e, com esse pedido, também os demais deduzidos como consequência desse pedido terão de improceder.
XXI - No entanto e, a título subsidiário, a Autora que peticiona a resolução do contrato de arrendamento, com efeitos a 30/10/2021.
XXII - Desde Maio de 2020 que o Réu deixou de pagar a renda mensal.
XXIII - À data da propositura da presente acção, o Réu não tinha pago as rendas correspondentes ao período compreendido entre Maio de 2020 e Setembro de 2021.
XXIV - A Autora solicitou ao Solicitador e Agente de Execução J, a notificação pessoal do Réu da comunicação referida no facto 7, onde comunica a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas, interpelando-o para pagar as rendas em atraso e entregar o locado até 15 de Agosto de 2021.
XXV - O Réu recusou-se a assinar e a receber essa comunicação (facto 8).
XXVI - Entre as formas de cessação do contrato de arrendamento para habitação figura a resolução (artigos 1079.º, 1083.º e 1084.º do Código Civil).
XXVII - No que releva para o caso dos autos, dispõe o artigo 1083.º que:
“1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte. (…)
3 - É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte”.
XXVIII – E o artigo 1084.º que:
“2 - A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida. 3 - A resolução pelo senhorio quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, nos termos do n.º 3 do artigo anterior, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês”.
XXIX - Dos factos provados, resulta que o Réu, desde Maio de 2020, não tem procedido ao pagamento da renda devida no montante mensal de €110,70.
XXX – E resulta que houve lugar à comunicação prevista no artigo 1084.º n.º 2, do Código Civil, através de notificação judicial avulsa nos termos do artigo 9.º n.º 7, alínea a), do N. R. A. U..
XXXI - E essa notificação produziu os seus efeitos, não obstante a recusa do Réu em assinar e receber a mesma, atento o disposto no artigo 10.º, n.º 5, alínea b), do N. R. A. U..
XXXII - Alega o Réu que a comunicação que seguiu com a notificação é nula, por não ter obedecido aos requisitos previstos no artigo 9.º n.º 7, alínea c), da Lei n.º 6/2006, mas tal comunicação de resolução foi efectuada por notificação judicial avulsa, pelo que o normativo legal nesta sede aplicável é o artigo 9.º n.º 7, alínea a), pelo que toda a argumentação expendida falece na sua base.
XXXIII - Em face do exposto, verificando-se estarem em dívida pelo Réu as rendas vencidas no período compreendido entre Maio de 2020 e Setembro de 2021, tal incumprimento constitui fundamento legal de resolução do referido contrato de arrendamento para habitação, devendo, por essa razão, ser declarada a resolução do referido contrato de arrendamento em apreço com efeitos a 30/10/2021.
XXXIV - Nos termos do artigo 1081.º, n.º 1, do Código Civil:
“A cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbem ao arrendatário”.
XXXV - O artigo 1087.º estabelece que:
“A desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes”.
XXXVI - Atento os referidos normativos legais, deverá ser o Réu condenado a entregar o locado à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens.
XXXVII – Quanto ao pedido de condenação do Réu no pagamento da quantia de €2.214 a título de rendas em dívida desde Maio de 2020 a Outubro de 2021 e, indemnização pelo atraso na restituição do locado desde a data da cessação do contrato até à ata da propositura da presente acção, pese embora neste âmbito considerado, a Autora concretize que as rendas em dívida são no valor de €1.992,60 e a indemnização no de €221,40, os montantes parcelares em causa padecem de manifesto lapso aritmético e sugerem confusão, na medida em que o valor das rendas em dívida perfazem o montante de €2.214.
XXXVIII – Nos termos do artigo 406.º, n.º 1. do Código Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, estabelecendo o artigo 798.º que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor (e o n.º 1 do artigo 799.º, que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua).
XXXIX - In casu, o Réu não fez essa prova, donde importa concluir que o incumprimento lhe é imputável, pelo que terá de proceder ao pagamento das rendas no período compreendido de Maio de 2020 a Outubro de 2021, no valor total de €2.214.
XL - Peticiona a Autora, também, a condenação do Réu no pagamento, a título de indemnização de um valor mensal, igual ao valor da renda, elevado ao dobro, desde a data da resolução do contrato de arrendamento até efectiva entrega e desocupação.
XLI - Dispõe o artigo 1045.º do Código Civil que:
“1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”.
XLII - Do exposto resulta que a Autora tem direito ao pagamento das rendas vencidas e vincendas até à entrega efectiva e desocupação do locado em dobro, porém, apenas decorrido um mês a contar da data da resolução do contrato até à restituição do locado por parte do Réu, face ao disposto no artigo 1087.º do Código Civil.
XLIII - Veio o Réu alegar que o imóvel arrendado é a sua casa de morada de família, que se encontra desempregado e que tem asma crónica, pelo que a execução da entrega do imóvel arrendado o coloca numa situação de fragilidade por fala de habitação própria, pelo que deve ser suspensa, nos termos do artigo 6.º - E, n.º 7, alínea c) da Lei n.º 1-A/2020 de 19/03, na redacção dada pela Lei n.º 13-B/2021 de 05/04.
XLIV - Sucede, porém, que “in casu” o R. apenas logrou efectuar prova de que se encontra desempregado e, nada mais, pelo que sem outra factualidade acrescida que tenha resultado provada, não poderá ser suspensa a execução da entrega do imóvel arrendado, por não se verificarem preenchidos os respectivos pressupostos.
XLV - Mais peticiona a Autora condenação do Réu no pagamento de juros de mora sobre o vencimento de cada uma das rendas vincendas até à entrega o locado, mas esta pretensão terá de decair, pelo simples motivo de que no artigo 1045.º já se encontra a consagrada a consequência da mora na entrega do imóvel arrendado, pelo que os juros moratórios sobre essa indemnização não são devidos.
XLVI - Em sede de contestação, veio o Réu peticionar a condenação como litigante de má fé da Autora no pagamento de indemnização no valor de €1.500.
XLVII - Dispõe o artigo 542.º do Código de Processo Civil, que:
“1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé”.
XLVIII - Para não caírem no âmbito de aplicação do normativo ora acabado de transcrever e nas correlativas sanções previstas para o efeito, as partes deverão litigar com a devida correcção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos artigos 6.º e 7.º do Código de Processo Civil, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do Direito e da Justiça, no caso concreto que constitui objecto do litígio.
XLIX - Assim, se alguma das partes num litígio actuar com malícia e quiser levar o Tribunal a formar uma convicção distorcida da realidade por si conhecida no tocante a facto ou pretensão cuja ilegitimidade ou vício conhece, não observando o dever de cooperação a que por lei está vinculada, ou se, voluntariamente, usar o processo de modo reprovável, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e entorpecer a acção da justiça protelando, sem fundamento sério, o trânsito da decisão, estará a agir de má fé e impor-se-á, então, a sua condenação como litigante de má fé.
L - Para que possa falar-se de litigância de má fé e, se justifique a aplicação de alguma das sanções previstas para tal situação, deverá ter-se como assente que essa aplicação só se poderá colocar quando se concluir que a actuação de alguma das partes desrespeita o Tribunal ou, a parte que lhe é contrária no processo.
LI – A conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange assim situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído, por mera inadvertência ou ignorância.
LII - Não se afigura que a A. tenha litigado de má-fé, sendo certo que, conforme vem sendo entendimento da jurisprudência dominante, a lide meramente temerária é insuficiente para, por si só, preencher o conceito de litigância de má fé.
LIII - A questão deve ser centrada no pedido e na causa de pedir da acção, bem como na defesa apresentada, sendo que a Autora logrou efectuar prova os factos por si alegados, daí que não exista qualquer situação de litigância de má fé.
«:»
Raciocínio claro, escorreito e juridicamente bem fundamentado.
Vejamos se também correcto.
Começando pelo Recurso da Autora.
Insurge-se a Autora contra o decidido na Sentença recorrida no que concerne à caducidade do contrato, uma vez que – entende – o Tribunal a quo, atentou mal na datas dos prazos de renovação do contrato de arrendamento.
Vejamos:
O contrato de arrendamento em causa teve início a 01 de Janeiro de 1992 e foi celebrado pelo prazo renovável de 6 meses (factos 3 e 4).
Nessa data (Janeiro de 1992) vigorava o Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, que, no n.º 2 do artigo 98.º, dispunha que o prazo para duração efectiva do contrato “não pode, contudo, ser inferior a cinco anos”, norma que tinha um carácter imperativo.
Daqui decorria que, tendo sido estipulado um prazo inferior (6 meses), ele tivesse de se considerar vigente por cinco anos[31] (ou seja, a cláusula era nula e teria de se fazer valer a norma imperativa do n.º 2 do artigo 98.º) e, portanto, iniciado a 01 de Janeiro de 1992, a sua primeira renovação ocorreu a 31 de Janeiro de 1997.
Tem pois razão a Autora quando assinala que o Tribunal a quo se limitou a analisar o contrato de arrendamento a partir de 2006, ignorando o enquadramento legal desde a data da sua celebração, enquadramento este que se mostra relevante para a apreciação da causa.

Prosseguindo a viagem sobre o enquadramento jurídico necessário à apreciação do litígio, importa verificar por quanto tempo ocorreu essa renovação.
Para o efeito, releva o n.º 1 do artigo 100.º (cuja epígrafe era “Renovação automática, denúncia e revogação), do referido Regime do Arrendamento Urbano (RAU-Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro), de acordo com o qual os “contratos de duração limitada celebrados nos termos do artigo 98.º renovam-se, automaticamente, no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos, se outro não estiver especialmente previsto, quando não sejam denunciados por qualquer das partes”.
Nesta base, o contrato de arrendamento que nos ocupa, renovou-se a 01 de Fevereiro de 1997, por um período de três anos.
Mantendo-se o mesmo regime legal em vigor, a mesma renovação teve lugar a 01 de Fevereiro de 2000 (2.ª renovação), a 01 de Fevereiro de 2003 (3.ª renovação), a 01 de Fevereiro de 2006 (4.ª renovação).
Entretanto, foi publicado o Novo Regime do Arrendamento Urbano (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), o qual revogou o RAU e definiu no seu artigo 26.º (sob a epígrafe “Regime”), que os “contratos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes” (n.º 1) e que os “contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional” (n.º 3).
Assim, manteve-se o mesmo período de renovação (três anos), pelo que, a 01 de Fevereiro de 2009, se deu a 5.ª renovação e a 01 de Fevereiro de 2012 se deu a 6.ª.
A Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro[32], veio dar uma nova redacção ao n.º 3 do referido artigo 26.º, o qual passou a estipular que quando “não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, e, em ambos os casos, se outro prazo superior não tiver sido previsto”.
Em consonância, a 01 de Fevereiro de 2015 deu-se a 7.ª renovação, a 01 de Fevereiro de 2017, a 8.ª, a 01 de Fevereiro de 2019, a 9.ª e a 01 de Fevereiro de 2021[33], a 10.ª  (todas estas pelo prazo de dois anos).
O Tribunal a quo também assume que, a partir de 2006, o prazo de duração da renovação é de dois anos, mas toma como data da última renovação 01/02/2020 (o que faria terminar a sua vigência a 31/01/2022, caducando nesta data, caso a Autora comunicasse a oposição a essa renovação com a antecedência mínima de 60 dias, nos termos do artigo 1055.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro). Mas erra na cronologia das renovações[34]
Ou seja, todas as considerações formuladas pelo Tribunal a quo estão correctas, menos a base de que parte (a de que o contrato se renovou a 01 de Fevereiro de 2020): a última renovação ocorreu a 01 de Fevereiro de 2019, terminaria a 31 de Janeiro de 2021 e a oposição à renovação foi feita a 11 de Fevereiro de 2020, com efeitos a 31/01/2021 – facto 5).
Assim, mostra-se cumprido:
- quer o prazo de 120 dias exigido pelo artigo 1097.º[35] (sob a epígrafe “Oposição à renovação”), n.º 1, alínea b)[36], do Código Civil;
- quer as exigências formais constantes do artigo 9.º, n.º 7, alínea c), da citada Lei n.º 6/2006 (carecendo totalmente de sentido a invocação pelo Autor de um qualquer vício formal por ausência de procuração enviada na comunicação referida no facto 5, uma vez que está a confundir a alínea b) com a alínea c), aplicando-se aquela – com essa exigência – apenas ao contacto pessoal, pelo que, no caso de notificação escrita, mesmo que enviada por Advogado em nome do senhorio, nada impõe a comprovação do mandato).
Por isso, só pode ter-se a comunicação como eficaz e, efectivamente, considerar-se o contrato caducado a 31 de Janeiro de 2021 (cfr. artigos 1079.º e 1097.º do Código Civil), o que tem como implicação a procedência do Recurso da Autora e a alteração da decisão do Tribunal a quo, quanto a este aspecto.
Importa, todavia, assinalar e sublinhar que, a 31 de Janeiro de 2021, Portugal estava ainda sob os efeitos de uma pandemia e sob as consequências jurídicas de medidas excepcionais para a debelar e mitigar os seus efeitos sociais, sendo por isso, certo que, dadas as limitações que tiveram de ser impostas, por força do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020[37], de 19 de Março[38], a produção dos efeitos da cessação do Contrato ficou suspensa, considerando-se prorrogada até 30 de Junho de 2021. Seria, portanto, essa a data relevante para o Réu estar obrigado à devolução do locado.
Em concreto, o Réu, de acordo com os artigos 1081.º, n.º 1[39] e 1087.º[40] , essa devolução e entrega haveria de ter ocorrido “após o decurso de um mês” (ou seja, até final de Julho).
Não o tendo sido e declarado caducado o contrato terá, por essa via e neste momento, de ser judicialmente ordenado o despejo do locado e a condenação do Réu na sua entrega imediata, livre e devoluto de pessoas e bens.
*
Neste ponto, importa apreciar o recurso do Réu, no que concerne à sua defesa de que a execução da entrega de coisa imóvel arrendada, deveria ser suspensa, porque o colocaria numa situação de fragilidade por falta de habitação própria, nos termos do artigo 6.ºE, n.º 7, alínea c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 e Março (na redacção dada pela Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril)[41].
Sobre a matéria, o Tribunal a quo deixou expresso na Sentença sob escrutínio que ““in casu” o R. apenas logrou efectuar prova de que se encontra desempregado e, nada mais, pelo que sem outra factualidade acrescida que tenha resultado provada, não poderá ser suspensa a execução da entrega do imóvel arrendado, por não se verificarem preenchidos os respectivos pressupostos”.
E mais não é necessário acrescentar: pouca dificuldade haveria numa situação normal para alguém com esse ónus, provar as dificuldades económicas, provar a doença, provar a fragilidade e mesmo apenas provar a habitação própria.  Nada disso o Réu fez, ficando-se por alegações temerárias e provas inconsistentes que apenas permitiram o acervo factual com o qual podemos trabalhar e que não permite dar-lhe razão.
**
Nada há, pois, a alterar à Sentença quanto a esta matéria, pelo que o Réu terá de ser condenado, como o foi, na entrega imediata do locado, livre de pessoas e bens (artigo 1081.º, n.º 1).
Resta a apreciação dos montantes em dívida a título de rendas devidas.
A Autora peticiona a quantia global de €2.656,80:
- €1.549,80 correspondentes ao valor das rendas em dívida entre Maio de 2020 e Junho de 2021 (€110,7 x 14);
- €1.107 ao valor da indemnização pelo atraso na restituição da coisa calculada desde Julho de 2021 até 24 de Novembro de 2021 (data da Petição Inicial).
Nada há a obstar ao valor das rendas não pagas de Maio de 2020 a Junho de 2021, mas no que concerne ao restante, há uma precisão a fazer.
Está em causa o artigo 1045.º[42] do Código Civil, de acordo com o qual, findo o contrato sem que o locatário devolva o locado, fica este obrigado a pagar - a título de indemnização – o valor da renda que estava estipulada (n.º 1), valor esse elevado ao dobro quando se constitua em mora (n.º 2).
Ora, da conjugação dos artigos 1087.º e 1045.º, resulta que - em Julho – o Réu não estava ainda em mora, pelo que a indemnização correspondente a que a Autora tem direito tem de ser em singelo (€110,70) e não em dobro, como peticionado.
A partir daí, sim, terá de ser em dobro (€110,70 x 2).
Nestes termos, e a este título, o Réu haverá de ser condenado no pagamento de:
- €1.549,80 correspondentes ao valor das rendas em dívida entre Maio de 2020 e Junho de 2021 (€110,7 x 14);
- €110,70 correspondentes ao valor da indemnização pelo atraso na restituição da coisa (valor da renda em singelo), referente a Julho de 2021;
- €907,30 correspondentes ao valor da indemnização pelo atraso na restituição do locado (valor da renda em dobro – €110,70 x 2 x 9), calculada desde Agosto de 2021 até 24 de Novembro de 2021 (data da Petição Inicial).
***
Tal como peticionado vem, por outro lado, a Autora tem ainda direito a essa mesma indemnização (valor da renda em dobro: €220,40), por cada mês decorrido desde a data da Petição Inicial até à efectiva entrega do seu locado.
 ****
Por fim, o Réu, insiste no seu recurso na condenação da Autora como litigante de má fé e no pagamento de um indemnização de €1.500.
Para além dos trabalhos de Fernando Luso Soares (A Responsabilidade Processual Civil-Almedina, 1987) e Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil-Almedina, 1984), produzidos na década de 80 do século passado, a matéria da litigância de má fé durante muitos anos foi particularmente escassa no que respeita a tratamento doutrinário[43].
O século XXI trouxe um notável desenvolvimento ao estudo deste instituto jurídico, com Paula Costa e Silva (A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008), Menezes Cordeiro (Litigância de má fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006) e Pedro de Albuquerque (Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, 2006)[44].
Como o relator deste Acórdão teve oportunidade de referir no Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 103-104 (Junho-Julho de 2013), na “história contemporânea deste instituto há três marcos que importa relevar:
- o primeiro, com a alteração de 1995 ao CPC, que, com os arts. 266º (Princípio da Cooperação), 266ºA (Dever de Boa Fé Processual) e 456º (Responsabilidade no caso de má fé-Noção de má fé), instituiu uma nova filosofia de colaboração consagrando "expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos" (Relatório do DL 329-A/95 de 12 de Dezembro): passou a sancionar-se não apenas a litigância dolosa, mas também a temerária;
- o segundo, com a desastrosa e incompreensível intervenção ao nível do Regulamento das Custas Processuais (DL 34/2008, de 26 de Setembro), que, nos termos do seu art.º 27º, fixou os limites da multa por litigância de má fé entre 0,5 e 10 unidades de conta (!), tornando o instituto, pouco menos que inútil;
- o terceiro, com a cirúrgica alteração legislativa – surgida na sequência de um excelente estudo fundamentador, elaborado pela DGPJ em Novembro de 2010 (disponível em www.dgpj.mj.pt) – através da Lei 7/2010 de 13 de Fevereiro, que repôs a possibilidade de condenação em litigância de má fé, numa multa entre duas e cem UCs.
A matéria da litigância de má fé não mereceu por parte do legislador de 2013 alterações significativas na elaboração no novo Código de Processo Civil (nCPC).
Assim, o art.º 456º, passa a ser o novo art.º 542º (do mesmo modo que os arts. 266º e 266ºA, assumem uma diferente numeração: arts. 7º e 8º).
O art.º 457º, mereceu apenas correcções formais (tempos verbais e colocação sistemática), passando a anterior alínea c), a ser o nº 2, e o anterior nº 2, a ser o nº 3, do novo art.º 543º.
Mais significativa é a alteração do art.º 458º, que ficou transposto no novo art.º 544º, sendo eliminadas as referências a “pessoa colectiva, ou uma sociedade”, assim se clarificando uma situação que já tinha dado origem a interpretações diversas: a partir de agora, no que respeita às pessoas colectivas e sociedades, a responsabilidade pela litigância de má fé passa a ser destas, sem que seja necessário comprovar que os seus representantes estivessem de má fé (deixando de existir a responsabilidade substitutiva, assinalada no RE 14/06/2007-Almeida Simões).
Também o art.º 459º sofreu alterações de pormenor: no novo art.º 545º, substituiu-se “Ordem dos Advogados” e Câmara dos Solicitadores” por “respetiva associação pública profissional”.
Não haverá pois alterações a este nível com a entrada em vigor do novo Código, continuando a concretização dos traços fundamentais desta figura a ser facilitada pelo art.º 542º, nCPC (ex-456º), do qual resultam as quatro situações que a integravam e continuarão a integrar (sempre em conjugação com os princípios da cooperação – 7º -  e de boa fé processual – 8º):
 I - deduzir pretensão/oposição, cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar – nº 2, a] (aqui se incluindo quer o saber, quer o que lhe era exigível que soubesse, não ter razão ou não ser verdade o que afirma/alega/pretende);
II – alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa – nº 2, b];
III - praticar omissão grave do dever de cooperação – nº 2, c], 7º e 8º, nCPC;
IV - usar o processo, ou os meios que este lhe coloca à disposição, de forma manifestamente reprovável, de modo a conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça, impedir a descoberta da verdade, ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – nº 2, d].
A litigância de má fé traduz-se pois na "utilização maliciosa e abusiva do processo" (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 356), relevando do “interesse público de respeito pelo processo e pela própria justiça” (Pedro Albuquerque, pág. 55) e da necessidade de “moralizar a lide” (STJ 10/05/2005-Pinto Monteiro), com vista a assegurar “eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos Tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça” (Pedro Albuquerque, pág. 56).
Os Tribunais – em especial os Superiores - são normalmente acusados de alguma benevolência na apreciação desta matéria (de Dias Ferreira a Paula Costa e Silva a queixa é constante), mas importa sublinhar o esforço que nos últimos anos tem sido feito por não deixar passar em claro condutas menos próprias das partes.
Para sermos justos temos também de dizer que normalmente a litigância de má fé é invocada de forma exagerada nos processos: o que em regra sucede é que as partes apresentam as suas versões dos factos, batem-se por elas e não as logram provar na totalidade.
Normalmente não resulta dos autos que as partes, à partida soubessem que o que alegaram, fosse inverídico e por si devesse ser como tal conhecido, ou que tivessem alterado (ainda que de forma negligente) a verdade dos factos, e muito menos que tivessem usado o processo para um fim (ou de uma forma) reprovável.
Algum exagero na pretensão que foi deduzida não é, por si só, litigância de má fé, mas apenas falta de razão, tratada com a (im)procedência da acção, por falta de prova dos factos constitutivos do seu direito ou impeditivos do da doutra parte.
A “litigiosidade séria”, que “dimana da incerteza”, de que falava Luso Soares (pág. 26), continua a ser a regra e ainda bem (sem esquecer, por outro lado, que, sendo peticionada a condenação da parte contrária como litigante de má fé e saindo vencida por não lhe assistir razão, terá de haver lugar a condenação em custas do incidente, nos termos do arts. 527º, nºs 1 e 2, nCPC e 7º, nºs 4 e 8, Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa).
Mas uma coisa é o livre exercício de direitos processuais, outra, bem distinta, é a mentira consciente, e, processualmente, dela se pretender aproveitar e prevalecer perante os outros, para obter ganhos (de forma também consciente). Isso já se enquadra na área das situações patológicas, que – ocorrendo – têm de merecer punição e punição não direi exemplar, mas que faça sentir à parte que esse tipo de comportamento processual não vale a pena.
Dizer que não assinou uma letra provando-se que a assinou, alegar um inventado furto de uma viatura e peticionar o seu valor à seguradora, pedir um sinal em dobro sabendo não ter sido entregue sinal, serão sempre condutas desonestas, lamentáveis, gratuitas, revelando uma desfaçatez que ultrapassa as raias da desonestidade intelectual, fazendo impor a condenação e sancionamento sem hesitações de quem assim procede.
Os Tribunais não podem servir para permitir, ou deixar passar impunes tal tipo de comportamentos: é com eles, com a sensação de que pode valer tudo, com a sensação da impunidade das atitudes desonestas que se mina a sociedade e a confiança na Justiça.
Este é dos casos claros em que não nos podemos queixar dos instrumentos legais: existem, estão baseados em princípios claros, estão doutrinal e jurisprudencialmente trabalhados e só têm de ser utilizados…”[45].

É desta base que partimos para análise e verificação da litigância de má fé nos presentes autos.
O Tribunal a quo quanto a esta matéria, conclui que “a conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange assim situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído, por mera inadvertência ou ignorância” e que não “se afigura que a A. tenha litigado de má-fé, sendo certo que, conforme vem sendo entendimento da jurisprudência dominante, a lide meramente temerária é insuficiente para, por si só, preencher o conceito de litigância de má fé.
Afigura-se-nos que esta questão deve ser centrada no pedido e na causa de pedir da acção, bem como na defesa apresentada.
Isto é, para apreciação desta matéria, importa atentar, por um lado, na pretensão da A. e nos factos que a sustentam directamente, por serem constitutivos do respectivo direito; e por outro lado, na defesa oferecida pelo R., quer por impugnação, quer por excepção.
Ora, a A. logrou efectuar prova os factos por si alegados, daí que não seja sindicável à A. qualquer situação de litigância de má fé e, por essa razão, não deverá haver lugar a qualquer condenação da mesma neste âmbito considerado”.
E tem razão o Tribunal a quo: perante os factos apurados e perante a prova produzida, a pretensão do Réu não tem qualquer cabimento, desde logo porque a Autora – no essencial – logrou provar todos os factos relevantes para a procedência da sua pretensão e foi ele próprio que não provou o que alegou e contra alegou.
Na litigância de má fé, no que à culpa se reporta, são hoje penalizadas as aludidas condutas, desde que cometidas com dolo ou negligência grave (ao contrário do direito penal em que as culpas grave, simples, leve e levíssima são equiparadas, no direito processual, “valem o dolo e a negligência grave: não a comum”[46]), ainda que alguma jurisprudência, numa tradicional linha restritiva[47], restrinja este alargamento à negligência grave (entendida como “imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um”[48]), às prevaricações substanciais, ficando o dolo reservado para as processuais[49].
Ora, em concreto, nada há a apontar à Autora (nada tendo alegado que soubesse não corresponder à verdade), ou que, citando Elício de Cresci Sobrinho, soubesse “que a causa que defende é injusta ofende gravemente a Justiça (cf. São Tomás de Aquino, Sum. Theol. IIª 7, 3, ad Resp.); e o saber da injustiça, transformado em acção, é contrário à boa fé”[50].
Inexistindo "utilização maliciosa e abusiva do processo"[51] por parte da Autora e inexistindo qualquer desrespeito pelo “interesse público de respeito pelo processo e pela própria justiça”[52], ultrapassagem clara e ostensiva dos limites daquilo a que, como atrás se disse, Luso Soares chamava de “litigiosidade séria" (que "dimana da incerteza"[53]).
Nada a alterar ao decidido quanto a este aspecto, portanto.
*
Em consequência do exposto, o Recurso interposto pelo Réu improcede na totalidade e o interposto pela Autora procede parcialmente.
*
Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[54].
Recorrentes e Recorridos escolheram o seu caminho de actuação.
Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", dar razão à Autora e não a dar ao Réu, considerando improcedente o recurso deste último (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[55]).
**
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em:
I - julgar improcedente a apelação apresentada pelo Réu;
II - julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pela Autora e, em consequência, alterar o dispositivo da Sentença sob recurso, a qual passa a ser o seguinte:
Julga-se a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, decide-se:
a) declarar a caducidade do contrato de arrendamento para habitação celebrado no dia 30 de Janeiro de 1992, entre M e o Réu, com efeitos a 30/06/2021, o qual teve por objecto a moradia n.º --- do prédio urbano sito na ---, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º--- e, inscrito na matriz predial urbana da freguesa da --- sob o artigo ---;
b) Condenar o Réu a proceder à entrega de imediato a moradia n.º --- referida na alínea a) livre e devoluta de pessoas e bens;
c) Condenar o Réu no pagamento à Autora das quantias de:
ci- mil quinhentos e quarenta e nove euros e oitenta cêntimos (€1.549,80), correspondentes ao valor das rendas em dívida entre Maio de 2020 e Junho de 2021;
cii- cento e dez euros e setenta cêntimos (€110,70), correspondentes ao valor da indemnização pelo atraso na restituição da coisa (referente a Julho de 2021);
ciii- novecentos e sete euros e trinta cêntimos (€907,30), correspondentes ao valor da indemnização pelo atraso na restituição do locado, calculada desde Agosto de 2021 até 24 de Novembro de 2021;
civ- duzentos e vinte e um euros e quarenta cêntimos (€221,40) - correspondentes ao valor da indemnização pelo atraso na restituição do locado – por cada mês decorrido desde Dezembro de 2021, até à concretização da entrega referida em b);
d) Absolver o Réu do restante peticionado pela Autora.
Custas pela Autora e pelo Réu, na proporção do respectivo decaimento, incluindo-se nas custas da responsabilidade do Réu, as custas de parte da Autora e, nas custas da responsabilidade da Autora, as custas de parte do Réu (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
*
As Custas do Recurso do Réu ficam a cargo deste.
As Custas do Recurso da Autora ficam a cargo de Autora e Réu, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
***
Lisboa, 19 de Março de 2024
Edgar Taborda Lopes
Ana Rodrigues da Silva
José Capacete
_______________________________________________________
[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] Os Factos colocados em causa pela Recorrente estão destacados com letra em carregado e de maior tamanho (e os não provados também em itálico).
[3] “O atual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 332.
[4] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210.
[5] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., página 200.
[6] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 201-205.
[7] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207.
[8] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”.
[9] Acórdão da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos.
[10] Assinalando ainda que “nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, Coimbra Editora, 2013, páginas 589 e seguintes(609), com o texto disponível on line em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf, páginas 17-18 [consultado a 14/03/2024]
[11] Blog do IPPC, 19/05/2017, Jurisprudência (623), em anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra de 07/02/2017, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2017/05/jurisprudencia-623.html  [consultado a 14/03/2024]
Vd. também, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2022 (Processo n.º 1720/20.9T8GDM.P1-Fernanda Pinheiro.
[12] Conjugadamente, aliás, com o facto 9 (relativamente ao qual havia acordo), e sendo certo que o Tribunal a quo poderia até ter, simplesmente, dado como provado que a partir de Maio de 2020 o Réu deixou de pagar a renda mensal…
[13] Sobre as definições do conceito na jurisprudência e na doutrina que, no essencial, se revelam comuns e manifestam os termos em que o mesmo é empiricamente apreendido, vide, com interesse, Sandra Morgado Marques, A Transmissão da casa de morada da família, [em linha], Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade de Coimbra em 2014 e orientada por Maria Olinda Garcia, páginas 8 a 12, disponível em
https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/28544/3/A%20transmissao%20da%20casa%20de%20morada%20da%20familia%20.pdf [consultada a 14 de Março de 2024]
[14] É que, como temos vindo a escrever (Acórdão de 20 de Junho de 2023, desta mesma Secção - Processo n.º 11680/21.3T8LSB.L1), para “não praticar actos inúteis e inconsequentes, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando a factualidade objeto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica”.
[15] Vd., na mesma linha:
 - o Acórdão da Relação de Guimarães de 10 de Outubro de 2022 ( Processo n.º 2733/13.2TBVCT-A.G1-Maria João Matos), quando escreve que o “uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, impuserem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova)”, sendo que, para demonstrar a existência de um qualquer erro “na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida” ;
 - o Acórdão da Relação do Porto de 21 de Junho de 2021 (Processo n.º 2479/18.5T8VLG.P1-Pedro Damião e Cunha), quando assinala que, mantendo-se “em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados” e que “a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância”.
[16] Oscar Wilde, A Importância de Ser Earnest e outras peças, Relógio d’Água, 2003, página 289. 
[17] Ou seja, quanto ao nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa ser aceite como verdadeira.
[18] Também assinalado com mestria no Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Outubro de 2017 (Processo n.º 585/13.1TCFUN-A.L1-7-Luís Filipe Pires de Sousa).
[19] Que sempre leva em consideração que “a verdade apurada no processo não é uma verdade absoluta mas a verdade apurada à luz da informação disponível” (Acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Outubro de 2016, Processo n.º 3894/05.0TVLSB.L1-7-Luís Filipe Pires de Sousa).
[20] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Almedina, 2013, página 378.
[21] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova…, página 378.
[22] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova…, página 378-379.
[23] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova…, páginas 380-381.
[24] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova…, página 381 (seguindo Michele Taruffo).
[25] Sublinhe-se, aliás, que o Réu também não faz grande esforço por dizer, explicar ou argumentar, porque é que a linha expositiva e justificativa do Tribunal a quo estaria errada: como se assinala no Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Maio de 2016 (Processo n.º 1393/08.7YXLSB.L1-7-Maria Amélia Ribeiro), é “ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum”.
[26] No Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Abril de 2015 (Processo n.º 185/14.9TBRGR.L1-2-Ondina do Carmo Alves) escreve-se que a “questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem”.
[27] No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2005 (Processo n.º 05S2137-Sousa Peixoto), sublinha-se que é “a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes”.
[28] Assim, António Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2.ª edição, Almedina, 2020, página 764.
[29] Assim, vd. José Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª edição, Almedina, 2019, páginas 713 e 737.
[30] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3.ª edição (reimpressão de 1981), Coimbra Editora, páginas 143-144.
[31] Assim, vd., por exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 31 de Maio de 2007  (Processo n.º 3931/2007-8-Ilídio Sacarrão Martins), considera uma cláusula de renovação por um ano nula, mantendo o contrato vigente e relevando o prazo mínimo fixado na lei (5 anos): “O teor de tal cláusula, que contém a vontade expressa das partes, vai contra a disposição legal imperativa do artigo 98º nº 2 do RAU, que impõem a duração mínima de cinco anos, pelo que tal cláusula é nula (artigo 294º do Código Civil).
A nulidade de tal cláusula não determina a invalidade de todo o negócio celebrado, sendo certo que nada indicia, nem a recorrente o alega, que o contrato de arrendamento para habitação não teria sido celebrado sem a cláusula em questão (artigo 292º do Código Civil).
Haverá então que proceder à redução do negócio (contrato de arrendamento) celebrado entre autores e réus, considerando-o válido quanto a todos os seus elementos, de acordo com a vontade expressa das partes contratantes, à excepção da cláusula que fixou o prazo inicial de duração do contrato
”.
[32] Em matéria de arrendamento urbano foi também publicada a Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho, mas não modificou o regime do artigo 26.º.
[33] No pressuposto de não se considerar eficaz a oposição à renovação referida no facto 5.
[34] Sendo certo que devia aplicar o artigo 1097.º, por se reportar ao arrendamento para habitação.
[35] A Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro (medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade) não alterou este número.
[36] Artigo 1097.º (Oposição à renovação deduzida pelo senhorio)
1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.

(…)
[37] Artigo 8.º (Regime extraordinário e transitório de protecção dos arrendatários) – na última redacção e que aqui releva, dada pela Lei n.º 75-A/2020, de 30 de Dezembro (e que manteve a redacção original da alínea a); e a da alínea b), dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de Abril)
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, ficam suspensos até 30 de Junho de 2021 [carregado e sublinhado nossos]:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
(…)
[38] Diploma que sofreu as alterações impostas pelas Leis n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, 4-B/2020, de 6 de Abril, 14/2020, de 8 de Maio, 16/2020, de 29 de Maio, 28/2020, de 28 de Julho, 58-A/2020, de 30 de Setembro e 75-A/2020, de 30 de Dezembro, e que veio a ser revogado pela Lei n.º 31/2023, de 04 de Julho.
[39] Artigo 1081.º (Efeitos da cessação)
1 - A cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário.(…)
[40] Artigo 1087.º (Desocupação)
A desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes.
[41] Artigo 6.º-E (Regime processual excepcional e transitório)
(…)

7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo: (…)
c) Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;(…)

[42] Artigo 1045.º (Indemnização pelo atraso na restituição da coisa)
1 - Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2 - Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
[43] Relevam ainda a recolha jurisprudencial feita por Rui Correia de Sousa, Litigância de má fé (colectânea de sumários de jurisprudência), Quid Juris, 2001; e o pequeno estudo de António Furtado dos Santos, A punição dos litigantes de má-fé no direito pátrio, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 4, Janeiro de 1948, páginas 44 a 56.
[44] A que ainda acresce Marta Frias Borges, Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, [em linha], Dissertação de Mestrado na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas, com Menção em Direito Processual Civil, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, sob orientação da Professora Doutora Maria José Oliveira Capelo Pinto de Resende, 2014, Universidade de Coimbra, disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/28438/1/Algumas%20reflexoes%20em%20materia%20de%20litigancia%20de%20ma-fe.pdf [consultado a 14/03/2024].
[45] Edgar Taborda Lopes, A litigância de má fé na jurisprudência e doutrina, Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 103-104, Junho-Julho de 2013, páginas 30-31.
[46] Menezes Cordeiro, Litigância de má fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, página 26.
[47] Dias Ferreira, citado por Menezes Cordeiro afirmava até, que "tão grande é a repugnância dos tribunais em impôr multas, mesmo aos litigantes de má fé que é preciso ser esta evidentíssima para decretarem a condenação" (Da Boa Fé no Direito Civil, I, Almedina, 1984, página 380, nota 446).
[48] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Dezembro de 2001 (Processo n.º 01A3692-Afonso de Melo)
[49] Menezes Cordeiro, Litigância…, cit., página 26.
Sublinhando a benevolência dos Tribunais superiores e, em especial, do Supremo Tribunal de Justiça, vd. Paula Costa e Silva, A Litigância…, cit., página 339.
[50] Elício de Cresci Sobrinho, Dever de Veracidade das Partes no Processo Civil, Edições Cosmos-Livraria Arco-Íris, 1992, página 135.
[51] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, página 356.
[52] Pedro Albuquerque, Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, 2006, página 55.
[53] Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, página 26 (citando Carlo Furno).
[54] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95.
[55] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24.