Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
Descritores: | ALIMENTOS CÔNJUGE SEPARAÇÃO DE FACTO ÓNUS DA PROVA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/25/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | A prestação alimentícia que os cônjuges reciprocamente se devem na vigência do casamento, tem por medida o padrão de vida económico-social própria de cada casal, visando proporcionar uma situação tendencialmente idêntica à usufruída antes da separação e que seja justificável pelas reais possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos. Não tendo o réu provado que lhe não era imputável a separação de facto, procede contra ele a pretensão de alimentos formulada pela autora que demonstrou, além do casamento e da separação de facto, a sua necessidade de alimentos e a possibilidade de o primeiro lhos prestar. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO A --- intentou acção ordinária contra J ---, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a pensão mensal de 750 euros, a título de alimentos definitivos. Alegou, em síntese, que é casada com o réu, encontrando-se separada de facto do mesmo desde Setembro de 2003. Nos primeiros meses após a ruptura o requerido depositou na sua conta bancária para a sua alimentação e demais encargos a quantia de 400,00 euros mensais. Não mais enviou à autora qualquer quantia. Em 30 de Maio de 2006, a autora interpôs um procedimento cautelar contra o requerente, tendo sido proferida sentença condenando o ora réu a pagar-lhe a quantia de 300,00 euros mensais, a título de alimentos provisórios. Não obstante, o R. não paga qualquer pensão e quem a auxilia economicamente é a sua mãe e os seus filhos. Esta situação torna-se insustentável até porque tem a seu cargo um neto menor. Encontra-se desempregada e não tem quaisquer rendimentos de que possa socorrer-se. Enquanto viveu com o réu tinha uma vida bastante equilibrada não lhe faltando nada. O réu contestou, alegando, em síntese que suporta mensalmente diversas despesas, nomeadamente 400,00 euros em despesas com a sua habitação. Depois de pagar todas as despesas, do seu ordenado pouco ou nada sobra. A autora tem um curso de secretariado e um curso de esteticista pelo que poderá procurar emprego. A autora é herdeira de um avultado património imobiliário e de muitos artigos em ouro. Conclui pela improcedência da acção. Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e provada e condenou o réu a pagar à autora a quantia mensal de 500 euros, a título de alimentos. Não se conformando com a douta sentença, dela recorreu o autor, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - A medida dos alimentos determina-se, de acordo com o disposto no art° 2004° nº 1 e 2 do CC pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidades do credor, devendo tanto aquelas como estas serem actuais. 2ª - A pensão de alimentos deve determinar-se em função dos meios de quem houver de presta-los e da necessidade de quem houver de recebê-los, e a apelada não tem necessidade de receber qualquer pensão de alimentos, pois é herdeira de vários bens imóveis, recebendo por conta da herança indivisa mensalmente a quantia de 400,00 euros que lhe é entregue por sua mãe cabeça-de-casal da mesma. 3ª - Aquele que pedir alimentos deve alegar e provar, não só o facto que a tal o legitima - o casamento e a consequente separação de facto e/ou divórcio - mas também a sua necessidade e a sua incapacidade de a eles prover, devendo alegar e provar, de igual modo, que não pode trabalhar o bastante para assegurá-los por si próprio e que não tem rendimentos que lhos possam assegurar. 4ª - A Apelada tem possibilidades, caso queira, de prover à sua subsistência, até porque vive numa casa grande apenas para uma pessoa, podendo instalar numa das divisões da casa um gabinete de estética, já que tem o curso de esteticista/massagista. 5ª - A apelada é ainda possuidora de um vasto património imobiliário cuja informação está junta aos autos, os quais podem ser rentabilizados, mormente urna casa no A…. 6ª - A apelada tem meios de subsistência pelo que nada justifica a atribuição de 500,00 euros a título de alimentos, tanto mais que não fez prova de deles carecer. 7ª - A apelada é uma pessoa muito mais nova que o apelante, podendo por isso exercer sem qualquer dificuldade a actividade profissional de esteticista/massagista já que tem formação para exercer essa actividade até a partir da sua própria casa e sem grandes despesas. 8ª - Para efeitos de cálculo da pensão de alimentos, apenas deverá ser considerado o rendimento fixo, mensal e periódico do apelante e não as ajudas de custo. 9ª - As ajudas de custo destinam-se a compensar o apelante por despesas realizadas ao serviço da sua entidade patronal quando aquele se encontra deslocado do seu local habitual de trabalho, sendo, por isso, de natureza variável e não periódica. 10ª - As ajudas de custo são pois urna compensação pelas deslocações que o apelante faz por todo o país ao serviço da sua entidade patronal. 11ª - Não podem pois considerar-se como vencimento as verbas recebidas pelo apelante, a título de ajudas de custo. 12ª - Sendo o vencimento do apelante apenas 837,00 euros ilíquidos. 13ª - Não existe qualquer desequilíbrio entre a situação económica do apelante e da apelada, urna vez que, com o rendimento que aquele aufere, dificilmente faz face às suas despesas - refira-se que só de renda de casa paga 400,00 euros, além de todas as outras despesas de água, luz e telefone documentadas nos autos a que acrescem as despesas de alimentação, vestuário, médicas e medicamentosas. 14ª - Sendo que o valor que a apelada recebe de sua mãe é suficiente para fazer face às despesas que se presume ter a apelada, já que apenas fez prova de que pagaria de renda de casa 36,00 euros. 15ª - Face ao supra referido é pois impossível o apelante proceder ao pagamento da quantia de 500,00 euros, tanto mais que a apelada disso não carece, pois tem património à sua disposição que lhe permite não ter qualquer privação se entender não querer trabalhar como a maioria das pessoas tem de fazer para poder subsistir, mormente o ora apelante já com 65 anos e na idade da reforma. Termina pedindo a alteração da decisão recorrida, conduzindo à absolvição do aqui recorrente. A parte contrária respondeu, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO A- Fundamentação de facto Mostram-se provados os seguintes factos: 1º - A autora é casada com o réu – (A). 2º - No dia 21 de Setembro de 2003, o réu abandonou o lar conjugal e foi viver com uma colega – (B). 3º - Em 30 de Maio de 2006, a autora interpôs contra o ora réu um procedimento cautelar de alimentos provisórios que correu termos junto do juízo deste Tribunal com o n° …. 4º - Por sentença de 5 de Julho de 2006, proferida no referido processo …. foi o réu condenado a pagar à autora a quantia de 300,00 euros mensais a título de alimentos – (C). 5º - O réu, até à data da propositura da presente acção, não procedeu ao pagamento à autora de qualquer montante, a título de pensão, como condenado – (D). 6º - Até Maio de 2005, o réu depositou na conta bancária da autora, para a sua alimentação e demais encargos, a quantia de 400,00 euros e desde então até à presente data, não voltou a enviar qualquer importância à autora – (1º). 7º - Sendo que, até à presente data, a autora é auxiliada economicamente pelos filhos e pela mãe – (2º). 8º - A autora tem a seu cargo um neto menor – (3º). 9º - A autora encontra-se desempregada e não tem quaisquer rendimentos de que possa socorrer-se – (4º). 10º - A autora, após a separação, procurou emprego – (5º). 11º - Devido às suas habilitações, idade e estado de saúde a autora tem dificuldade em encontrar emprego – (6º). 12º - O réu é mecânico e recebe mensalmente remunerações variáveis superiores a 1000 euros líquidos mensais, tendo recebido, de Setembro de 2007 a Junho de 2008, os valores líquidos que se discriminam, a título de vencimento base, prémio de produtividade, deslocações, ajudas de custo, trabalho suplementar e gratificações: Setembro de 2007 2.457,29; Outubro de 2007 1.066,83; Novembro de 2007 1.795,21; Dezembro de 2007 3.269,09; Janeiro de 2008 1.756,93; Fevereiro de 2008 1.943,21; Março de 2008 2.397,28; Abril de 2008 2.480,37; Maio de 2008 3.438,00; Junho de2008 – 2.967,15 – (8º). 13º - O réu, juntamente com a companheira referida em B), suportam as despesas de telefone, televisão por cabo, água, luz, gás e renda da habitação que partilham, sendo a renda da habitação no montante de 400,00 euros em 2007, suportando o réu as despesas de alojamento quando se desloca em trabalho, alimentação e despesas pessoais – (9º, 16º e 18º). 14º - Para a sua alimentação, a autora gasta em média a quantia de 300,00 euros mensais – (10º). 15º - A autora despende mensalmente com o pagamento da água e electricidade cerca de 50 euros, despesas a que acresce o valor despendido com o fornecimento de gás – (11º). 16º - A autora, para pagar a renda do locado onde reside, despende mensalmente a quantia de 36,00 euros – (12º). 17º - A autora tem despesas com vestuário e calçado – (14º). 18º - A autora procedeu ao pagamento mensal da amortização de empréstimo contraído pelo seu genro, no montante de 150,00 euros mensais, mas cujo capital foi entregue à autora e ao réu – (15º). 19º - O réu frequentou um curso de formação profissional – (17º). 20º - A autora tem um curso de esteticista/massagista – (19º). 21º - A autora e o ré contraíram casamento em 13 de Setembro de 1969, tendo à data a autora 17 anos e o réu 26 anos – facto a considerar por documento, nos termos do artigo 659º nº 3 do C.P.Civil. B- Fundamentação de direito Tendo em consideração que, de acordo com os artigos 684º nº 3 e 690º do C.P.Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto do processo e se delimita o âmbito do recurso, fácil é concluir que se mostram definidos o direito (da apelada) e a obrigação (do apelante) de alimentos, restando apenas, como questão nuclear a decidir neste recurso, a medida dessa obrigação, ou seja, o quantitativo da pensão alimentar. A autora é casada com o réu e, no dia 21 de Setembro de 2003, este abandonou o lar conjugal e foi viver com uma colega – (A) e B). Dado o circunstancialismo de modo e de tempo, não se trata de separação de facto meramente transitória e acidental, mas de carácter duradouro, o que dispensa a análise especial do dever de cooperação, e impõe a do dever de assistência, a que se reporta o artigo 1675º do Código Civil. A lei prevê no nº 1 daquele artigo, o dever de assistência conjugal, que compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar. Abrange a assistência material a que cada um dos cônjuges se encontra vinculado perante o outro, ou seja, a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar, que vivendo em comum, engloba a vertente obrigacional de prestar alimentos. No caso de separação de facto, como ocorre no caso vertente, há autonomia da obrigação de prestação de alimentos a cargo de um dos cônjuges no confronto do outro. Com efeito, resulta do nº 2 do mencionado artigo que o dever de assistência se mantém durante a separação de facto que não seja imputável a qualquer dos cônjuges, e do nº 3, que se ela for imputável a um ou a ambos, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado; mas o tribunal pode, excepcionalmente e por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal. Assim, se a separação de facto apenas for imputável a um dos cônjuges, a regra é no sentido de que só ele deve prestar alimentos ao outro, e se for imputável a ambos, só é obrigado a prestá-los ao menos culpado o principal culpado. Por alimentos entende-se, em regra, a tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, e deverão ser fixados de acordo com as possibilidades do obrigado e com as necessidades do titular do direito (artigos 2003º, n.º 1 e 2004º, n.º 1, do Código Civil). Todavia, no caso dos cônjuges, dada a situação social e económica decorrente do próprio casamento, a obrigação alimentar no âmbito da separação conjugal de facto envolve a tendencial e tanto quanto possível aproximação ao nível social, económico e de dignidade existente antes da suspensão da sociedade conjugal. De qualquer modo, na fixação dos alimentos, determina a lei que se deve atender à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência - artigo 2004º nº 2, do Código Civil. Para Pereira Coelho, [1] “… deve o marido colocá-la, tanto quanto possível, na situação material em que estaria se se mantivesse a vida em comum”. No mesmo sentido se pronunciou Vaz Serra[2], ponderando que “ o marido não é obrigado a alimentos para com a mulher como outro obrigado a alimentos, mas como pessoa que contraiu pelo casamento o dever de constituir com ela uma comunhão de vida e, por isso, de lhe assegurar uma situação patrimonial condizendo com a condição da família”. Como ensina Antunes Varela[3], “a prestação de alimentos devida ao cônjuge não tem o mesmo objecto que a obrigação alimentar comum. Não se mede pelas estritas necessidades vitais (alimentação, vestuário, calçado, alojamento) do credor, visando, pelo contrário, assegurar ao necessitado – as necessidades recreativas, as obrigações sociais – a que ele faz jus como cônjuge ou ex – cônjuge do devedor”. Explicitando, “o padrão de vida que serve de ponto de referência à prestação alimentícia entre os cônjuges é o correspondente à sua condição económica e social na data do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens e não o condizente com o padrão de vida a que o cônjuge devedor, mediante promoção ou ascensão social, se tenha guindado posteriormente”. “Não se trata de garantir, por outras palavras, ao cônjuge necessitado o padrão de vida que ele teria como actual consorte do devedor, mas como ex – cônjuge dele, como seu antigo consorte”. Também Abel Pereira Delgado[4] apontou o seguinte factor: “ a expectativa que se criou, ao realizar-se o casamento, há que mantê-la, desde que, evidentemente, motivos ponderosos se não oponham”. Vejamos agora se o montante arbitrado pela primeira instância deve ser mantido. A primeira instância entendeu que o réu tem a obrigação de prestar alimentos a favor da autora no montante de € 500,00 por mês. Alega o apelante que é impossível proceder ao pagamento de tal quantia e ainda que, para efeitos de cálculo da pensão de alimentos, apenas deverá ser considerado o rendimento fixo, mensal e periódico do apelante e não as ajudas de custo. A obrigação de alimentos entre os cônjuges está sujeita ao princípio geral do artigo 2004º do Código Civil, segundo o qual o montante de alimentos depende das necessidades de quem os pede e das possibilidades de quem os presta, atendendo-se, ainda, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência. Ficou provado que, por sentença de 5 de Julho de 2006, proferida no procedimento cautelar de alimentos provisórios, processo nº 2869/06 foi o réu condenado a pagar à autora a quantia de 300,00 euros mensais a título de alimentos – (3º e 4º). O réu, até à data da propositura da presente acção, não procedeu ao pagamento à autora de qualquer montante, a título de pensão, como condenado – (5º). Até Maio de 2005, o réu depositou na conta bancária da autora, para a sua alimentação e demais encargos, a quantia de 400 euros e desde então até à presente data, não voltou a enviar qualquer importância à autora – (6º). As possibilidades do réu ficaram provadas nos nºs 12º, 13 e as necessidades da autora contam dos factos provados sob os nºs 14º, 15º, 16º, 17º e 18º. Invoca o apelante que as quantias recebidas a título de ajudas de custo, sendo de natureza variável e não periódica, não se integram nem constituem retribuição e não dêem ser consideradas para efeitos de cálculo da pensão de alimentos. Mas sem razão. O fundamento, em geral, das chamadas “ajudas de custo” consiste na necessidade de prover a despesas extraordinárias que, não fosse a natureza das funções que lhe dão origem, não ocorreriam. Todavia, em sede de pensão de alimentos – a determinação da capacidade económica do apelante para suportar as despesas alimentares da apelada – o montante das ajudas de custo deve ser tido em consideração como um rendimento a adicionar ao rendimento principal do apelante. Perante este quadro de facto, sendo manifesto o desequilíbrio entre a situação económica da autora e do réu, ponderando as necessidades da apelada e as possibilidades financeiras do apelante, decorrentes da sua situação profissional e pessoal, por referência à data da propositura da acção, usando de um juízo de proporcionalidade, julga-se adequado manter a prestação alimentar mensal devida pelo último à primeira e que foi fixada pela primeira instância no montante mensal de 500 euros. CONCLUINDO: - A prestação alimentícia que os cônjuges reciprocamente se devem na vigência do casamento, tem por medida o padrão de vida económico-social própria de cada casal, visando proporcionar uma situação tendencialmente idêntica à usufruída antes da separação e que seja justificável pelas reais possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos. - Não tendo o réu provado que lhe não era imputável a separação de facto, procede contra ele a pretensão de alimentos formulada pela autora que demonstrou, além do casamento e da separação de facto, a sua necessidade de alimentos e a possibilidade de o primeiro lhos prestar. III - DECISÃO Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 25 de Fevereiro de 2010 Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais Carla Mendes ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] RLJ, Ano 93º, pág. 344. O mesmo autor reiterou esse entendimento in “Curso de Direito de Família”, 1970, Vol I, pág. 26-27. [2] RLJ,Ano 102º, pág. 264. [3] Direito da Família, pág. 340. [4] O Divórcio, 2ª ed. 1994, pág. 78. |