Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
517/07.6TBAMD.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: ALIMENTOS
CÔNJUGE
SEPARAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A prestação alimentícia que os cônjuges reciprocamente se devem na vigência do casamento, tem por medida o padrão de vida económico-social própria de cada casal, visando proporcionar uma situação tendencialmente idêntica à usufruída antes da separação e que seja justificável pelas reais possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos.
Não tendo o réu provado que lhe não era imputável a separação de facto, procede contra ele a pretensão de alimentos formulada pela autora que demonstrou, além do casamento e da separação de facto, a sua necessidade de alimentos e a possibilidade de o primeiro lhos prestar.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

 I - RELATÓRIO

A --- intentou acção ordinária contra J ---, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a pensão mensal de 750 euros, a título de alimentos definitivos.
Alegou, em síntese, que é casada com o réu, encontrando-se separada de facto do mesmo desde Setembro de 2003. Nos primeiros meses após a ruptura o requerido depositou na sua conta bancária para a sua alimentação e demais encargos a quantia de 400,00 euros mensais. Não mais enviou à autora qualquer quantia. Em 30 de Maio de 2006, a autora interpôs um procedimento cautelar contra o requerente, tendo sido proferida sentença condenando o ora réu a pagar-lhe a quantia de 300,00 euros mensais, a título de alimentos provisórios. Não obstante, o R. não paga qualquer pensão e quem a auxilia economicamente é a sua mãe e os seus filhos. Esta situação torna-se insustentável até porque tem a seu cargo um neto menor. Encontra-se desempregada e não tem quaisquer rendimentos de que possa socorrer-se. Enquanto viveu com o réu tinha uma vida bastante equilibrada não lhe faltando nada.

O réu contestou, alegando, em síntese que suporta mensalmente diversas despesas, nomeadamente 400,00 euros em despesas com a sua habitação. Depois de pagar todas as despesas, do seu ordenado pouco ou nada sobra.
A autora tem um curso de secretariado e um curso de esteticista pelo que poderá procurar emprego. A autora é herdeira de um avultado património imobiliário e de muitos artigos em ouro.
Conclui pela improcedência da acção.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e provada e condenou o réu a pagar à autora a quantia mensal de 500 euros, a título de alimentos.

Não se conformando com a douta sentença, dela recorreu o autor, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - A medida dos alimentos determina-se, de acordo com o disposto no art° 2004° nº 1 e 2 do CC pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidades do credor, devendo tanto aquelas como estas serem actuais.
2ª - A pensão de alimentos deve determinar-se em função dos meios de quem houver de presta-los e da necessidade de quem houver de recebê-los, e a apelada não tem necessidade de receber qualquer pensão de alimentos, pois é herdeira de vários bens imóveis, recebendo por conta da herança indivisa mensalmente a quantia de 400,00 euros que lhe é entregue por sua mãe cabeça-de-casal da mesma.
3ª - Aquele que pedir alimentos deve alegar e provar, não só o facto que a tal o legitima - o casamento e a consequente separação de facto e/ou divórcio - mas também a sua necessidade e a sua incapacidade de a eles prover, devendo alegar e provar, de igual modo, que não pode trabalhar o bastante para assegurá-los por si próprio e que não tem rendimentos que lhos possam assegurar.
4ª - A Apelada tem possibilidades, caso queira, de prover à sua subsistência, até porque vive numa casa grande apenas para uma pessoa, podendo instalar numa das divisões da casa um gabinete de estética, já que tem o curso de esteticista/massagista.
5ª - A apelada é ainda possuidora de um vasto património imobiliário cuja informação está junta aos autos, os quais podem ser rentabilizados, mormente urna casa no A….
6ª - A apelada tem meios de subsistência pelo que nada justifica a atribuição de 500,00 euros a título de alimentos, tanto mais que não fez prova de deles carecer.
7ª - A apelada é uma pessoa muito mais nova que o apelante, podendo por isso exercer sem qualquer dificuldade a actividade profissional de esteticista/massagista já que tem formação para exercer essa actividade até a partir da sua própria casa e sem grandes despesas.
8ª - Para efeitos de cálculo da pensão de alimentos, apenas deverá ser considerado o rendimento fixo, mensal e periódico do apelante e não as ajudas de custo.
9ª - As ajudas de custo destinam-se a compensar o apelante por despesas realizadas ao serviço da sua entidade patronal quando aquele se encontra deslocado do seu local habitual de trabalho, sendo, por isso, de natureza variável e não periódica.
10ª - As ajudas de custo são pois urna compensação pelas deslocações que o apelante faz por todo o país ao serviço da sua entidade patronal.
11ª - Não podem pois considerar-se como vencimento as verbas recebidas pelo apelante, a título de ajudas de custo.
12ª - Sendo o vencimento do apelante apenas 837,00 euros ilíquidos.
13ª - Não existe qualquer desequilíbrio entre a situação económica do apelante e da apelada, urna vez que, com o rendimento que aquele aufere, dificilmente faz face às suas despesas - refira-se que só de renda de casa paga 400,00 euros, além de todas as outras despesas de água, luz e telefone documentadas nos autos a que acrescem as despesas de alimentação, vestuário, médicas e medicamentosas.
14ª - Sendo que o valor que a apelada recebe de sua mãe é suficiente para fazer face às despesas que se presume ter a apelada, já que apenas fez prova de que pagaria de renda de casa 36,00 euros.
15ª - Face ao supra referido é pois impossível o apelante proceder ao pagamento da quantia de 500,00 euros, tanto mais que a apelada disso não carece, pois tem património à sua disposição que lhe permite não ter qualquer privação se entender não querer trabalhar como a maioria das pessoas tem de fazer para poder subsistir, mormente o ora apelante já com 65 anos e na idade da reforma.

Termina pedindo a alteração da decisão recorrida, conduzindo à absolvição do aqui recorrente.
A parte contrária respondeu, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A- Fundamentação de facto
Mostram-se provados os seguintes factos:
1º - A autora é casada com o réu – (A).
2º - No dia 21 de Setembro de 2003, o réu abandonou o lar conjugal e foi viver com uma colega – (B).
3º - Em 30 de Maio de 2006, a autora interpôs contra o ora réu um procedimento cautelar de alimentos provisórios que correu termos junto do  juízo deste Tribunal com o n° ….
4º - Por sentença de 5 de Julho de 2006, proferida no referido processo …. foi o réu condenado a pagar à autora a quantia de 300,00 euros mensais a título de alimentos – (C).
5º - O réu, até à data da propositura da presente acção, não procedeu ao pagamento à autora de qualquer montante, a título de pensão, como condenado – (D).
6º - Até Maio de 2005, o réu depositou na conta bancária da autora, para a sua alimentação e demais encargos, a quantia de 400,00 euros e desde então até à presente data, não voltou a enviar qualquer importância à autora – (1º).
7º - Sendo que, até à presente data, a autora é auxiliada economicamente pelos filhos e pela mãe – (2º).
8º - A autora tem a seu cargo um neto menor – (3º).
9º - A autora encontra-se desempregada e não tem quaisquer rendimentos de que possa socorrer-se – (4º).
10º - A autora, após a separação, procurou emprego – (5º).
11º - Devido às suas habilitações, idade e estado de saúde a autora tem dificuldade em encontrar emprego – (6º).
12º - O réu é mecânico e recebe mensalmente remunerações variáveis superiores a 1000 euros líquidos mensais, tendo recebido, de Setembro de 2007 a Junho de 2008, os valores líquidos que se discriminam, a título de vencimento base, prémio de produtividade, deslocações, ajudas de custo, trabalho suplementar e gratificações:
Setembro de 2007         2.457,29;
Outubro de 2007           1.066,83;
Novembro de 2007       1.795,21;
Dezembro de 2007        3.269,09;
Janeiro de 2008             1.756,93;
Fevereiro de 2008         1.943,21;
Março de 2008             2.397,28;
Abril de 2008                2.480,37;
Maio de 2008                3.438,00;
Junho de2008 –           2.967,15 – (8º).
13º - O réu, juntamente com a companheira referida em B), suportam as despesas de telefone, televisão por cabo, água, luz, gás e renda da habitação que partilham, sendo a renda da habitação no montante de 400,00 euros em 2007, suportando o réu as despesas de alojamento quando se desloca em trabalho, alimentação e despesas pessoais – (9º, 16º e 18º).
14º - Para a sua alimentação, a autora gasta em média a quantia de 300,00 euros mensais – (10º).
15º - A autora despende mensalmente com o pagamento da água e electricidade cerca de 50 euros, despesas a que acresce o valor despendido com o fornecimento de gás – (11º).
16º - A autora, para pagar a renda do locado onde reside, despende mensalmente a quantia de 36,00 euros – (12º).
17º - A autora tem despesas com vestuário e calçado – (14º).
18º - A autora procedeu ao pagamento mensal da amortização de empréstimo contraído pelo seu genro, no montante de 150,00 euros mensais, mas cujo capital foi entregue à autora e ao réu – (15º).
19º - O réu frequentou um curso de formação profissional – (17º).
20º - A autora tem um curso de esteticista/massagista – (19º).
 21º - A autora e o ré contraíram casamento em 13 de Setembro de 1969, tendo à data a autora 17 anos e o réu 26 anos – facto a considerar por documento, nos termos do artigo 659º nº 3 do C.P.Civil.

B- Fundamentação de direito

Tendo em consideração que, de acordo com os artigos 684º nº 3 e 690º do C.P.Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto do processo e se delimita o âmbito do recurso, fácil é concluir que se mostram definidos o direito (da apelada) e a obrigação (do apelante) de alimentos, restando apenas, como questão nuclear a decidir neste recurso, a medida dessa obrigação, ou seja, o quantitativo da pensão alimentar.
 
A autora é casada com o réu e, no dia 21 de Setembro de 2003, este abandonou o lar conjugal e foi viver com uma colega – (A) e B).
Dado o circunstancialismo de modo e de tempo, não se trata de separação de facto meramente transitória e acidental, mas de carácter duradouro, o que dispensa a análise especial do dever de cooperação, e impõe a do dever de assistência, a que se reporta o artigo 1675º do Código Civil.
A lei prevê no nº 1 daquele artigo, o dever de assistência conjugal, que compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar.
Abrange a assistência material a que cada um dos cônjuges se encontra vinculado perante o outro, ou seja, a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar, que vivendo em comum, engloba a vertente obrigacional de prestar alimentos.

No caso de separação de facto, como ocorre no caso vertente, há autonomia da obrigação de prestação de alimentos a cargo de um dos cônjuges no confronto do outro.
Com efeito, resulta do nº 2 do mencionado artigo que o dever de assistência se mantém durante a separação de facto que não seja imputável a qualquer dos cônjuges, e do nº 3, que se ela for imputável a um ou a ambos, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado; mas o tribunal pode, excepcionalmente e por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal.
Assim, se a separação de facto apenas for imputável a um dos cônjuges, a regra é no sentido de que só ele deve prestar alimentos ao outro, e se for imputável a ambos, só é obrigado a prestá-los ao menos culpado o principal culpado.

Por alimentos entende-se, em regra, a tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, e deverão ser fixados de acordo com as possibilidades do obrigado e com as necessidades do titular do direito (artigos 2003º, n.º 1 e 2004º, n.º 1, do Código Civil).
Todavia, no caso dos cônjuges, dada a situação social e económica decorrente do próprio casamento, a obrigação alimentar no âmbito da separação conjugal de facto envolve a tendencial e tanto quanto possível aproximação ao nível social, económico e de dignidade existente antes da suspensão da sociedade conjugal.
De qualquer modo, na fixação dos alimentos, determina a lei que se deve atender à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência - artigo 2004º nº 2, do Código Civil.
Para Pereira Coelho, [1] “… deve o marido colocá-la, tanto quanto possível, na situação material em que estaria se se mantivesse a vida em comum”.
No mesmo sentido se pronunciou Vaz Serra[2], ponderando que “ o marido não é obrigado a alimentos para com a mulher como outro obrigado a alimentos, mas como pessoa que contraiu pelo casamento o dever de constituir com ela uma comunhão de vida e, por isso, de lhe assegurar uma situação patrimonial condizendo com a condição da família”.

Como ensina Antunes Varela[3], “a prestação de alimentos devida ao cônjuge não tem o mesmo objecto que a obrigação alimentar comum. Não se mede pelas estritas necessidades vitais (alimentação, vestuário, calçado, alojamento) do credor, visando, pelo contrário, assegurar ao necessitado – as necessidades recreativas, as obrigações sociais – a que ele faz jus como cônjuge ou ex – cônjuge do devedor”.
Explicitando, “o padrão de vida que serve de ponto de referência à prestação alimentícia entre os cônjuges é o correspondente à sua condição económica e social na data do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens e não o condizente com o padrão de vida a que o cônjuge devedor, mediante promoção ou ascensão social, se tenha guindado posteriormente”.
“Não se trata de garantir, por outras palavras, ao cônjuge necessitado o padrão de vida que ele teria como actual consorte do devedor, mas como ex – cônjuge dele, como seu antigo consorte”.
Também Abel Pereira Delgado[4] apontou o seguinte factor: “ a expectativa que se criou, ao realizar-se o casamento, há que mantê-la, desde que, evidentemente, motivos ponderosos se não oponham”.

Vejamos agora se o montante arbitrado pela primeira instância deve ser mantido.
A primeira instância entendeu que o réu tem a obrigação de prestar alimentos a favor da autora no montante de € 500,00 por mês. Alega o apelante que é impossível proceder ao pagamento de tal quantia e ainda que, para efeitos de cálculo da pensão de alimentos, apenas deverá ser considerado o rendimento fixo, mensal e periódico do apelante e não as ajudas de custo.
A obrigação de alimentos entre os cônjuges está sujeita ao princípio geral do artigo 2004º do Código Civil, segundo o qual o montante de alimentos depende das necessidades de quem os pede e das possibilidades de quem os presta, atendendo-se, ainda, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

Ficou provado que, por sentença de 5 de Julho de 2006, proferida no procedimento cautelar de alimentos provisórios, processo nº 2869/06 foi o réu condenado a pagar à autora a quantia de 300,00 euros mensais a título de alimentos – (3º e 4º).
O réu, até à data da propositura da presente acção, não procedeu ao pagamento à autora de qualquer montante, a título de pensão, como condenado – (5º).
Até Maio de 2005, o réu depositou na conta bancária da autora, para a sua alimentação e demais encargos, a quantia de 400 euros e desde então até à presente data, não voltou a enviar qualquer importância à autora – (6º).

As possibilidades do réu ficaram provadas nos nºs 12º, 13 e as necessidades da autora contam dos factos provados sob os nºs 14º, 15º, 16º, 17º e 18º.
 
Invoca o apelante que as quantias recebidas a título de ajudas de custo, sendo de natureza variável e não periódica, não se integram nem constituem retribuição e não dêem ser consideradas para efeitos de cálculo da pensão de alimentos.
Mas sem razão.

O fundamento, em geral, das chamadas “ajudas de custo” consiste na necessidade de prover a despesas extraordinárias que, não fosse a natureza das funções que lhe dão origem, não ocorreriam.
Todavia, em sede de pensão de alimentos – a determinação da capacidade económica do apelante para suportar as despesas alimentares da apelada – o montante das ajudas de custo deve ser tido em consideração como um rendimento a adicionar ao rendimento principal do apelante.

Perante este quadro de facto, sendo manifesto o desequilíbrio entre a situação económica da autora e do réu, ponderando as necessidades da apelada e as possibilidades financeiras do apelante, decorrentes da sua situação profissional e pessoal, por referência à data da propositura da acção, usando de um juízo de proporcionalidade, julga-se adequado manter a prestação alimentar mensal devida pelo último à primeira e que foi fixada pela primeira instância no montante mensal de 500 euros.

CONCLUINDO:
- A prestação alimentícia que os cônjuges reciprocamente se devem na vigência do casamento, tem por medida o padrão de vida económico-social própria de cada casal, visando proporcionar uma situação tendencialmente idêntica à usufruída antes da separação e que seja justificável pelas reais possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos.
- Não tendo o réu provado que lhe não era imputável a separação de facto, procede contra ele a pretensão de alimentos formulada pela autora que demonstrou, além do casamento e da separação de facto, a sua necessidade de alimentos e a possibilidade de o primeiro lhos prestar.

III - DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2010

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes
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[1] RLJ, Ano 93º, pág. 344. O mesmo autor reiterou esse entendimento in “Curso de Direito de Família”, 1970, Vol I, pág. 26-27.
[2] RLJ,Ano 102º, pág. 264.
[3] Direito da Família, pág. 340.
[4] O Divórcio, 2ª ed. 1994, pág. 78.