Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10513/08-6
Relator: GRAÇA ARAÚJO
Descritores: INVENTÁRIO
TESTAMENTO
CLÁUSULA
DOAÇÃO
HERDEIRO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I- O testamento não se caracteriza nem serve apenas para actos de disposição de bens.
II- O princípio da imutabilidade dos regimes de bens – contratualmente estipulados ou supletivamente aplicáveis – não queda afectado pelo alcance que se atribuir, por via interpretativa, à excepção contemplada na alínea a) do artigo 1733º do Cód. Civ.
III- Efectivamente, continuam a fazer parte do património comum os bens que cada um dos cônjuges levou para o casamento e os bens por ambos ou qualquer um deles adquiridos – a título gratuito ou oneroso – na pendência do casamento.
IV- Excluídos da comunhão ficaram, apenas, os bens herdados pela interessada por morte de sua mãe.
V- A ilegitimidade processual do agravante assenta na sua ilegitimidade substantiva.
VI- Com efeito, o agravante não tem interesse em intervir no inventário, porquanto não lhe assiste qualquer direito sobre o quinhão hereditário (ou os bens que o irão preencher) da interessada, nomeadamente porque aquele não integra o património comum do dissolvido casal.
(LS)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Instaurado em 25.7.91, correu termos na ...Secção do ... Juízo do Tribunal Judicial de Almada, com o nº ..., processo de inventário facultativo por óbito de B... (ocorrido em 11.7.79), sendo inventariante e cabeça-de-casal a respectiva viúva, C.... (com aquele casada no regime da comunhão geral), e também herdeiros os filhos do casal, D...., E... e F.... O processo findou em 18.10.96, por sentença homologatória da partilha.
Em 30.4.99, G..., casado no regime da comunhão geral com E..., veio requerer, “por incorporação nos autos de inventário” atrás referidos, que se procedesse a inventário facultativo por óbito de C...., falecida em 7.12.98.
D... foi nomeado para exercer as funções de cabeça-de-casal e prestou declarações, indicando como herdeiros os filhos da inventariada, ele próprio, casado com H..., no regime da separação de bens, E..., casada no regime da comunhão geral com o inventariante, mas com processo de divórcio em curso, e F..., divorciada.
Foi apresentada a relação de bens e juntos dois testamentos.
O inventariante instruiu os autos com certidão da sentença - com nota de trânsito – que não decretou o divórcio entre si e a interessada E....
Após vicissitudes várias, veio o cabeça-de-casal aditar uma verba à relação de bens.
Em 19.6.06, vieram o cabeça-de-casal e as herdeiras suas irmãs requerer que se declarasse a ilegitimidade superveniente do inventariante. Isto porque: por testamento, a inventariada dispusera que todos os bens que, por sua morte, viessem a ser herdados pela sua filha E... seriam incomunicáveis ao seu então marido, o inventariante; e, por sentença proferida e transitada em 30.5.05, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre eles.
O inventariante respondeu, argumentando que: não tendo sido suscitada a questão da sua legitimidade no momento próprio, funciona o princípio da preclusão; a referida disposição da inventariada não é válida, pois que apenas seria legalmente possível em relação a bens concretos e determinados, o que não foi o caso.
Decidiu, então, o tribunal que a questão da legitimidade nunca havia sido apreciada no processo, pelo que não existia caso julgado quanto à matéria e que o testamento em causa tinha cobertura legal, concluindo pela ilegitimidade do inventariante e consequente não intervenção nos ulteriores termos do processo.
Realizou-se conferência de interessados, sendo os quinhões dos herdeiros compostos por acordo.
Proferido despacho determinativo da partilha e elaborado o mapa, não foi o mesmo objecto de reclamações.
Foi, enfim, proferida sentença homologatória da partilha.
O inventariante interpôs recurso de agravo da decisão que o considerou parte ilegítima e recurso de apelação da sentença.
São as seguintes as conclusões das alegações de agravo, para as quais remetem as alegações da apelação:
a) A decisão recorrida ofende o caso julgado formado pelos despachos de fls. 795, 808v e 1078, que consideraram o ora recorrente como interessado nestes autos, detendo, pois, legitimidade para neles intervir;
b) A cláusula de incomunicabilidade a que alude a alínea a) do nº 1 do artº 1733º do Código Civil não pode ser genérica nem abstracta, devendo referir-se a bens certos e determinados e, por isso, só é aplicável a legados;
c) Tal cláusula equivaleria a uma alteração do regime de bens do casamento, proibida pelo artº 1714º nº 1 do Código Civil;
d) Sendo o testamento um acto unilateral pelo qual uma pessoa dispõe para depois da morte de todos os seus bens ou de parte deles, não pode valer como tal um instrumento como o denominado testamento de 14 de Dezembro de 1990, que não contém qualquer disposição de bens, seja parcial, seja total;
e) Assim, e para além da referida violação de caso julgado, imputa-se à decisão recorrida a violação, por erro de interpretação e de aplicação, do disposto nos artºs 1714º nº 1, 1733º nº 1 alínea a) e 2179º do CC, que se espera sejam interpretados e aplicados nos termos ora propugnados;
f) Deve ser dado provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida.
A interessada E... apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
a) No despacho sob recurso não há ofensa de qualquer caso julgado, nomeadamente, dos despachos de fls. 795 e 808v, pois, quando muito, as decisões constituiriam caso julgado e não o “nome” pelo qual o recorrente foi ali designado;
b) O testamento não contém qualquer cláusula genérica ou abstracta, pois traduz uma declaração de vontade inequívoca, concreta, precisa, dirigida a bens determinados – todos os que por sua morte a sua filha E... vier a herdar;
c) Como resulta do ensinamento que se colhe da jurisprudência, é válida a cláusula do testamento que estabelece a incomunicabilidade prevista no artigo 1733º, nº 1, al. a), do Código Civil, a todos os bens que a beneficiária venha a herdar por morte do testador;
d) A incomunicabilidade de um bem, de vários bens ou do quinhão hereditário em nada transforma o regime de bens, pois está expressamente previsto na lei que, no regime da comunhão geral de bens, se exceptuam os mencionados no artigo 1733º do C.C., mantendo-se a comunhão quanto ao mais;
e) No testamento de fls…., existe um acto de disposição de bens, pois a inventariada dispôs da parte dos seus bens que por sua morte caberão a sua filha E..., no sentido de não querer que tais bens se comuniquem ao então marido dela, G...;
f) Se o recorrente quisesse questionar o conteúdo do testamento sem ser por via de uma acção de nulidade ou de anulabilidade, devê-lo-ia ter feito no prazo para reclamar da relação de bens, sendo agora extemporâneo fazê-lo.
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São os seguintes os factos a considerar para a economia do agravo:
1. E..., nascida no dia 7.9.38, de B... e de C..., casou com G..., no dia 26.7.64, sem convenção antenupcial.
2. No dia 14.12.90, C... declarou, perante notário, “que todos os bens que sua filha E... vier a herdar por sua morte são incomunicáveis com seu marido G...”.
3. C... faleceu, no estado de viúva de B..., no dia 7.12.98.
4. Em 30.4.99, G... requereu que, “por incorporação nos autos de inventário” que correram termos por óbito de B..., se procedesse a inventário facultativo por óbito de C....
5. Em 13.5.99, foi proferido o seguinte despacho: “Nos termos do art 1392 do C.P.C. defiro o requerido.”.
6. Nomeado para exercer as funções de cabeça-de-casal, D... prestou declarações em 28.5.99, referindo que a inventariada deixara um testamento a favor de E... e indicando como herdeiros os filhos da inventariada, ele próprio, casado com H..., no regime da separação de bens, E..., casada no regime da comunhão geral com o inventariante, mas com processo de divórcio em curso, e F..., divorciada.
7. H..., E... e F... foram citadas nos termos do disposto no artigo 1341º do Cód. Proc. Civ., por cartas registadas com aviso de recepção, recebidas, respectivamente, em 1.7.99, 29.6.99 e 29.6.99.
8. Apresentada pelo cabeça-de-casal a relação de bens e diversos documentos, o Sr. Oficial de Justiça lavrou cota, em 18.11.99, mencionando ter expedido “duas cartas registadas aos herdeiros da inventariante, notificando-os da apresentação da relação de bens, com cópia”.
9. Designado o dia 15.3.00 para a realização da conferência de interessados, o Sr. Oficial de Justiça lavrou cota, em 27.1.00, mencionando ter expedido “quatro cartas registadas para notificação do dia e hora da conferência, aos interessados bem como ao mandatário da cabeça de casal”.
10. Em 15.3.00, na presença do cabeça-de-casal, respectivo mandatário, e interessadas E... e F..., e verificando “que não foram notificados para a presente diligência os ilustres mandatários dos interessados G... (…) Dr. I...”, o Sr. Juiz adiou a conferência de interessados e determinou que o inventariante fosse “notificado por carta registada com Aviso de Recepção”.
11. O Sr. Oficial de Justiça lavrou cota, em 23.3.00, notificar “por carta registada ao Dr. I... (…) da data designada para a conferência de interessados”.
12. Em 7.4.00, o inventariante acusou a nulidade processual consistente na circunstância de não ter sido notificado da relação de bens.
13. Tendo o tribunal determinado que lhe fosse notificada a relação de bens, veio o inventariante, em 4.12.00, dela reclamar, acusando a falta de alguns bens.
14. Respondendo o cabeça-de-casal àquela reclamação, vieram a ser apresentados por este e pelo inventariante diversos requerimentos e juntos vários documentos.
15. Instruído o incidente de reclamação de bens com informações bancárias e designada data para a prestação de depoimentos, vieram o cabeça-de-casal e o inventariante, em 3.12.03, a acordar quanto ao aditamento de uma dada verba à relação de bens.
16. Na mesma data, a Sra. Juiz entendeu ter ficado “prejudicado o incidente de reclamação à relação de bens”.
17. Em 31.5.04, o cabeça-de-casal e as interessadas suas irmãs requereram a suspensão da instância até que viesse a ser decidida a acção de divórcio entre o inventariante e a interessada E... e que, à data, corria termos.
18. O inventariante opôs-se a tal pretensão, tendo sido juntos diversos documentos.
19. Por sentença de 30.5.05, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre o inventariante e a interessada E....
20. Designada data para a realização da conferência de interessados, em 19.6.06, vieram o cabeça-de-casal e as herdeiras suas irmãs requerer que se declarasse a ilegitimidade superveniente do inventariante, tendo em conta o testamento de 14.12.90 e a sentença de divórcio de 30.5.05.
21. O inventariante respondeu, argumentando no sentido da preclusão da questão da sua legitimidade e no sentido da invalidade da disposição testamentária.
22. Em 7.7.06, o tribunal proferiu a seguinte decisão: “(…)
Desde logo se dirá que não se encontra definitivamente decidida a questão da legitimidade, já que nenhuma decisão expressa sobre o assunto foi proferida, não existindo caso julgado sobre a matéria em causa, cumprindo, como tal, apreciar da legitimidade do requerente para intervir, após o divórcio, nos presentes autos.
Suscita o requerente a invalidade do testamento, face à cláusula genérica que nele se insere.
Sucede, porém, que, em lugar algum, a lei prevê que a cláusula de incomunicabilidade apenas possa ser estabelecida em relação a legados, nem que os bens deixados tenham de ser especificamente identificados, bastando que sejam determináveis.
De facto, dispõe o art. 1733.°, n.° 1, al. a), do Código Civil, que são exceptuados da comunhão, no regime da comunhão geral, os bens doados ou deixados, ainda que por conta da legítima, com a cláusula de incomunicabilidade.
O testamento em sub judice é perfeitamente esclarecedor ao declarar abrangidos todos bens que a interessada E... vier a herdar por morte da ora inventariada.
Acresce que o regime da incomunicabilidade dos bens doados ou deixados não implica qualquer subversão do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais ou ao regime de bens do casamento. O regime de bens não sofre qualquer alteração, pois que a comunhão geral continua a ser a regra, abrindo-se apenas uma excepção a esse regime. Os restantes bens do extinto casal – os levados por cada um deles para o casamento e os adquiridos na constância do matrimónio (art. 1732.° do Código Civil) – continuam sujeitos ao regime geral convencionado.
Entende, assim, o tribunal, na senda da jurisprudência assente nos Acórdãos da Relação do Porto de 20/06/2002, relatado por Moreira Alves, e de 04/04/2002, relatado por Camilo Camilo (in www.dgsi.pt), que G... é parte ilegítima neste inventário, em virtude de no mesmo não ter qualquer interesse, já que os bens que fazem parte da quota de E... por morte de sua mãe não se comunicam ao cônjuge por força do regime de bens pois que existe cláusula testamentária válida em contrário (art. 26.°, n.º 1, do Código de Processo Civil)
Face ao exposto, julgo procedente a invocada excepção de ilegitimidade, não havendo lugar a absolvição da instância (nos termos do art. 288.°, n.° 1, al. d), do Código de Processo Civil) por não se tratar de um processo de partes, nem existir um pedido cujo mérito fique por conhecer, mas não tendo aquele ulterior intervenção no processo.”.
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I - Sustenta o agravante que o “testamento” de 14.12.90 não é, de facto, um testamento, porquanto não contém qualquer disposição de bens, como se impõe no nº 1 do artigo 2179º do Cód. Civ..
Mas sem razão.
Como explica Oliveira Ascensão (Direito Civil Sucessões, Coimbra editora, Coimbra, 1989:299/303), “esta noção não é aceitável. O testamento não pode ser caracterizado como um acto de disposição de bens. E isto quer atendamos ao seu lado patrimonial, quer ao seu lado pessoal”.
Desde logo, “à fórmula legal escapam” o legado de coisa alheia (admitido pelos artigos 2252º e seguintes) e as hipóteses de “sucessão constitutiva”, como a constituição de um usufruto ou de uma pensão vitalícia.
Depois, o próprio nº 2 do artigo 2179º do Cód. Civ. introduz uma brecha na – aparente – definição constante do nº 1 ao admitir disposições de carácter não patrimonial, como, por exemplo, a perfilhação ou a designação de tutor (artigos 1853º-b) e 1928º nº 3 do Cód. Civ.).
Conclui, por isso, Oliveira Ascensão que o testamento pode ser definido “como o negócio unilateral pelo qual alguém procede a disposições de última vontade”.
II - Defende, por outro lado, o agravante que a alínea a) do nº 1 do artigo 1733º do Cód. Civ. se refere tão-só a bens concretos e determinados, não sendo essa a situação do testamento de 14.12.00. E argumenta no sentido de que, a não ser assim, estar-se-ia a alterar o regime de bens do casamento, alteração proibida pelo artigo 1714º do Cód. Civ..
Discordamos.
“Chama-se regime de bens o conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade sobre os bens do casal, isto é, a sua repartição entre o património comum, o património do marido e o património da mulher” – Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2001:474.
O princípio da imutabilidade dos regimes de bens – contratualmente estipulados ou supletivamente aplicáveis – não queda afectado pelo alcance que se atribuir, por via interpretativa, à excepção contemplada na alínea a) do artigo 1733º do Cód. Civ.. Com efeito, se se entender que determinada situação cabe no elenco daquelas que o próprio legislador subtrai à comunicabilidade no regime da comunhão geral de bens, terá necessariamente de se concluir que, ao não considerar os bens em causa como fazendo parte do património comum, estamos, precisamente, a aplicar as regras legalmente previstas para o regime da comunhão geral.
Apenas assim não seria se se pretendesse – à revelia de uma correcta actividade interpretativa - atribuir às excepções previstas no artigo 1733º do Cód. Civ. um alcance tal que desvirtuasse o princípio geral consignado no artigo 1732º do mesmo diploma, fazendo, por exemplo, equivaler o regime da comunhão geral e o da comunhão de adquiridos.
No caso em análise, não cremos que o entendimento sufragado pela 1ª instância subverta aquele princípio. Efectivamente, continuam a fazer parte do património comum os bens que cada um dos cônjuges levou para o casamento e os bens por ambos ou qualquer um deles adquiridos – a título gratuito ou oneroso – na pendência do casamento. Excluídos da comunhão ficaram, apenas, os bens herdados pela interessada E... por morte de sua mãe.
Igualmente partilhamos o entendimento da 1ª instância quando considera que a alínea a) do nº 1 do artigo 1733º do Cód. Civ. não exige que se trate de bens certos e determinados, mas apenas determináveis. É que não conseguimos encontrar justificação para tal exigência, sendo certo que a própria lei admite que a legítima seja excluída da comunhão. Isto é: se são exceptuados da comunhão os concretos bens que o testador deixa a um dos cônjuges por conta de todo o seu quinhão hereditário (legítima incluída) – hipótese que o agravante entende ter cobertura legal – qual a razão que vedaria que a mesma cláusula de incomunicabilidade querida pelo testador se aplicasse aos bens que viessem, por partilha, a preencher aquele mesmo quinhão? Não a encontramos.
Resta dizer que o artigo da autoria do Prof. Galvão Teles, publicado na Revista “O Direito”, Ano 121º, 1989, II (Abril-Junho), a fls. 239-250, intitulado Legado por conta da legítima e legado em substituição da legítima, não aborda a questão que concretamente se suscita no caso em apreço, referindo o preceito que nos ocupa em duas notas de rodapé, a propósito da intangibilidade da legítima e do direito de o herdeiro recusar o legado. Dúvidas se nos suscitam, pois, sobre a posição do referido Professor sobre a interpretação da alínea a) do nº 1 do artigo 1733º do Cód. Civ..
III - Por último, invoca o agravante o caso julgado formal para obstar à ilegitimidade declarada na decisão recorrida. Caso julgado esse que se teria formado relativamente às decisões referidas nos pontos 6., 10., 13. e 15./16., decisões que pressupuseram ou afirmaram a qualidade de interessado do agravante.
Não concordamos.
Quer estejamos perante uma decisão que apenas contempla aspectos de ordem formal, quer se trate de uma decisão proferida sobre o mérito da causa, o caso julgado forma-se nos precisos limites e termos em que se julga (artigos 672º e 673º do Cód. Proc. Civ.). E o artigo 675º do mesmo diploma resolve a situação criada pela existência de duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, atribuindo prevalência à que foi proferida em primeiro lugar.
As decisões que oagravante invoca reportam-se, no essencial: i) à admissão da cumulação do presente inventário ao que correra termos por óbito do marido da ora inventariada; ii) ao adiamento da conferência de interessados por ausência de notificação do agravante e respectivo mandatário, ordenando-se tais notificações; iii) à ordem para notificar ao agravante a relação de bens; iv) à admissão e tramitação do incidente de reclamação de bens suscitado pelo agravante, considerado prejudicado pelo acordo alcançado entre aquele e o cabeça-de-casal.
Nenhuma das decisões referidas abordou sequer a questão da legitimidade do agravante. Admitimos que a tenham pressuposto; o que não permitem é estender-lhes, quanto a tal questão, a força do caso julgado.
Aliás, em sede de processo declarativo comum, nomeadamente na forma ordinária (subsidiariamente aplicável aos processos especiais – artigo 463º nº 1 do Cód. Proc. Civ.), se a legitimidade da parte não tiver sido concretamente apreciada, a mera referência tabelar à sua verificação não faz caso julgado formal (artigo 510º nº 3 do Cód. Proc. Civ.).
No mesmo sentido, Ac. RL de 17.4.07, in http://www.dgsi.pt Proc. nº 710/2007-7.
IV - Em face do que ficou dito e como resulta da decisão recorrida, a ilegitimidade processual do agravante assenta na sua ilegitimidade substantiva. Com efeito, o agravante não tem interesse em intervir no inventário, porquanto não lhe assiste qualquer direito sobre o quinhão hereditário (ou os bens que o irão preencher) da interessada E..., nomeadamente porque aquele não integra o património comum do dissolvido casal.
VI - Confirmada a decisão objecto do agravo, confirmada há-de ser, necessariamente, a decisão objecto da apelação.
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Por todo o exposto, acordamos em negar provimento ao agravo e julgar improcedente a apelação, mantendo na íntegra as decisões recorridas.
Custas pelo agravante/apelante.
Lisboa, 15 de Outubro de 2009
Maria da Graça Araújo
José Eduardo Sapateiro
Maria Teresa Soares