Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2059/11.6TBOER.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
CESSAÇÃO ANTECIPADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Viola o disposto nos artigos 243º nº 1 alª a) e 239º nº 4 alª c) do CIRE a actuação do devedor que, dolosamente, não entregou imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão.
- Tal situação é causa de cessação antecipada do procedimento de exoneração.
- A exoneração do passivo restante é sempre recusada nos termos do nº 3 do artigo 243º do CIRE, se o devedor, sem motivo razoável, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria tê-las prestado.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

J... e mulher C... apresentaram-se à insolvência e pediram a exoneração do passivo restante.
Por sentença de 14.03.2011 foi declarada a insolvência dos requerentes.
Por decisão de 03.06.2011, foi deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante apresentando pelos insolventes, tendo sido determinado que nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível, integrado por todos os rendimentos dos insolventes, com exclusão dos rendimentos referidos no artigo 239º nº 3 do CIRE, que os insolventes venham a auferir, se consideravam cedidos ao fiduciário.
Nesta decisão foram ainda expressamente determinadas as obrigações a que ficavam vinculados os insolventes, conforme o preceituado no artigo 239º nº 4 do CIRE.
Por decisão de 21.10.2011, foi determinado o encerramento do processo, por insuficiência da massa insolvente, nos termos do artigo 230º nº 1 alª d) do CIRE.
Por despacho de 08.01.2013 foi mantido o valor do rendimento disponível a ceder pelos insolventes ao fiduciário, já fixado na decisão de 03.06.2011, ou seja, todo aquele que excedesse três salários mínimos nacionais.
Em 29.01.2014, o fiduciário prestou a informação a que se refere o nº 2 do artigo 240º do CIRE, referindo que de Dezembro de 2012 até ao final de Dezembro de 2013, os insolventes não entregaram quaisquer quantias ao fiduciário, que deveriam corresponder ao montante de € 2.415,99, incumpridos, assim, a obrigação que para os mesmos decorre do disposto no artigo 239º nº 4 alª c) do CIRE.
Em 10.03.102014, o fiduciário informou que diligenciou junto dos insolventes pelo pagamento da quantia apurada, não tendo estes efectuado qualquer pagamento ou informado os motivos pelos quais o não fizeram.
Os insolventes não esclareceram os motivos pelos quais não cederam ao fiduciário o montante do rendimento disponível referente aos meses de Dezembro de 2012 a Dezembro de 2013.

Em 27.03.2014, o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, formulou requerimento de cessação antecipada do pedido de exoneração do passivo restante, com fundamento em incumprimento das obrigações que recaem sobre os insolventes, designadamente da cessação do rendimento que foi fixado, por decisão proferida nos autos e transitada em julgado, com violação do disposto nos artigos 239º nº 4 al) c) e 243º nº 1 alª a) do CIRE.
Notificados os insolventes, o fiduciário e os credores da insolvência, não foi deduzida qualquer oposição ao requerido.

Convocado os insolventes para a audiência a que se refere o artigo 243º nº 3 do CIRE, a fim de prestarem declarações sobre a matéria (incumprimento da cessão de rendimentos e do fundamento desse incumprimento), não compareceram, nem justificaram a sua falta.

Por DECISÃO de 07.07.2014, foram considerados verificados os pressupostos do artigo 243º nº 1 alª a) e nº 3 do CIRE e, nessa conformidade, foi declarado cessado, por antecipação, o procedimento de exoneração do passivo restante requerido pelos insolventes.

Não se conformando com tal decisão, dela recorreram os insolventes, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - A sentença recorrida viola o art° 238° n° 1 aliena d) do CIRE.
2ª - Pois tem de existir cumulativamente três requisitos para que fosse possível proferir tal decisão.
3ª- O prejuízo para os credores consiste na desvantagem económica diversa do simples vencimento de juros, que não são a consequência normal do incumprimento.
4ª - O prejuízo a que se refere o art° 238° n° 1 alinea d) deverá corresponder a um prejuízo concreto que, nas concretas circunstâncias do caso, tenha sido efectivamente sofrido pelos credores em consequência do atraso à apresentação a insolvência.
5ª - Cabia aos credores, o dever de virem reclamar tais prejuízos o que não aconteceu.
6ª - Nem fizeram efectiva prova desse prejuízo.
7ª - Quanto ao terceiro requisito, existe omissão, pois o credor tentou por todas as formas melhorar a sua vida, o que infelizmente não conseguiu.
8ª- Qualquer dos três requisitos não foram devidamente valorados, e se o fossem a decisão seria certamente diferente.
9ª- Acresce que com os valores ganhos apelantes esta enquadrados os valores que foram exonerados, ou seja mais 2,5 smn.
10ª - Inexiste dolo, pois falou do dever de informação por parte do A.I.
11ª - Existe negligência a qual poderá ser ultrapassada, pois os credores não foram prejudicados pelos apelantes.
Terminam, pedindo que seja revogado o despacho que decretou a cessão do pedido de exoneração do passivo restante por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais para o efeito.

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Dispensados os vistos, atenta a simplicidade, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

A) Fundamentação de facto:
A matéria a considerar é a que resulta do antecedente relatório

B) Fundamentação de direito:
A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se foi correctamente aplicado ao caso concreto, o disposto no artigo 243º do CIRE.

Cumpre decidir:
O CIRE dispõe no artigo 243º (Cessação antecipada do procedimento de exoneração) o seguinte:
“1. Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:
a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
No caso, o requerimento funda-se na alínea a) do nº 1 e foram ouvidos o fiduciário e os credores, assim como os insolventes e nada disseram.

Tendo em atenção a falta de oposição dos insolventes, ora apelantes, e os fundamentos do requerimento de cessação antecipada, encontra-se verificado o requisito enunciado na alínea a) do nº 1 do artigo 243º do CIRE por violação do disposto no artigo 239º nº 4, alínea c) - entrega imediata ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão.
Actuaram os insolventes com dolo directo e com essa actuação prejudicaram a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Além disso, o incidente sempre procederia, em conformidade com o nº 3 do artigo 243º do CIRE, segundo o qual a exoneração do passivo restante é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria tê-las prestado, o que se verificou.

SÍNTESE CONCLUSIVA:

- Viola o disposto nos artigos 243º nº 1 alª a) e 239º nº 4 alª c) do CIRE a actuação do devedor que, dolosamente, não entregou imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão.
- Tal situação é causa de cessação antecipada do procedimento de exoneração.
- A exoneração do passivo restante é sempre recusada nos termos do nº 3 do artigo 243º do CIRE, se o devedor, sem motivo razoável, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria tê-las prestado.

 III - DECISÃO:

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos apelantes.

Lisboa,  26/03/2015

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa