Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
261/07-2
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: FACTOS INSTRUMENTAIS
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I O Tribunal só poderá fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo, além do mais, da consideração dos factos instrumentais que resultem da discussão da causa, artigo 264º, nº 1 e 2 do CPCivil, sendo estes os factos probatórios e acessórios que habilitam o Julgador a chegar a uma conclusão sobre a realidade dos factos principais.
II O princípio do dispositivo impede que o Tribunal possa utilizar na sentença proferenda quaisquer factos essenciais, mesmo que resultantes da discussão da causa, que não tenham sido carreados para os autos pelas partes nos respectivos articulados.
III O abuso de direito implica que a parte exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito
IV Não se provando a existência de qualquer uso ou prática bancária, que nos termos do artigo 3º, nº1 do CCivil pudesse ser atendível juridicamente, nem qualquer outro existente entre as partes que tivesse criado qualquer expectativa entre elas, não se poderá concluir
que houve um comportamento abusivo por banda da Apelada ao recusar a devolução do cheque apresentado pelo Apelante.
(A.N.B)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I BANCO (…), SA intentou acção declarativa com processo ordinário contra C pedindo a sua condenação a pagar-lhe 35 500 000$00 acrescidos de juros, alegando para o efeito e em síntese que a Ré se recusou a aceitar a devolução, tempestivamente feita pelo Autor, de um cheque sem provisão naquele valor.

A final veio a ser proferida sentença a julgar a acção improcedente, da qual o Autor, inconformado, veio recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
- A sentença de fls... ora recorrida limitou-se a estabelecer os factos tidos como provados, por referência à resposta à base instrutória e, de forma sucinta, enunciar o preceituado a que se subsume a factualidade subjacente;
- A sentença não logrou aludir e concretizar a validade dos usos ou prática bancária, tal como seria expectável, porque alegado e discutido em sede de audiência de discussão e julgamento;
- A falta de pronúncia relativamente a questões que consubstanciam o cerne da acção em apreço constitui nulidade, nos termos do disposto na alínea d), do n.° 1, do artigo 668° do C.P.C., que estabelece que é nula a sentença "Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...)";
- O Tribunal alicerçou a sentença de fls... ora recorrida, única e exclusivamente, nas declarações prestadas pela testemunha P M (cujas declarações se encontram registadas em duas fitas magnéticas, desde o n.° 0938 a n.° 2491 do lado B da cassete 1, e desde o n.° 0000 ao n.° 0052 do lado A da cassete 2 e constantes na Acta de Audiência de Julgamento), abstraindo erradamente de parte essencial das mesmas, bem como da totalidade dos demais testemunhos;
- No dia 15 de Maio de 2000, A V sacou sobre a conta de depósitos à ordem n.° 35677200/001, aberta junto do Balcão da Rua (…)do Banco Recorrente, à ordem da sociedade Z (…), Lda., o cheque n.° 2624390500, no valor de Esc.: 36.500.000 00, o equivalente a Eur.: 182.061,23;
­- O aludido cheque foi depositado no dia 15 de Maio de 2000, pela sociedade referida em E), em conta aberta na agência de Palmela da Recorrida C;
- No dia 15 de Maio de 2000, a Recorrida apresentou o cheque para compensação, mediante o sistema informático, transmitindo a necessária informação relativa ao mesmo ao Banco de Portugal e ao Banco Recorrente, de acordo com o constante no SICOI;
- O cheque foi apresentado a compensação na sessão da SIBS, realizada na madrugada de dia 16 de Maio de 2000, o saldo daquele foi objecto de liquidação financeira realizada na manhã do mesmo dia, concretizada com a movimentação a crédito na conta do Banco Recorrente e a débito na conta da C Recorrida;
- No mesmo dia o cheque foi entregue pelo representante
da C CENTRAL - representante da C Recorrida naquela praça na sessão de troca física realizada na Praça de Lisboa;
- Posteriormente, o Banco Recorrente constatou que a conta de depósitos à ordem aberta junto do Balcão da Rua (…)pelo Senhor A V não dispunha de provisão suficiente para pagar o cheque em causa;
- Posto isto, diligenciou o Banco Recorrente pela devolução do aludido cheque;
- Por questões técnicas, alheias ao Banco Recorrente, ficou o mesmo impossibilitado de proceder à inserção e consequente transmissão do registo informático a tempo da sessão de compensação na SIBS, a realizar na madrugada de dia 18 de Maio de 2000;
- Não obstante, o Recorrente procedeu, na manhã do dia 18 de Maio de 2000, no prazo correcto para o efeito, à entrega do cheque físico ao representante da Recorrida junto da praça de troca física de Lisboa, juntamente com a nota informativa na qual constava que, por questões técnicas, não teria sido inserido no sistema SIBS o registo lógico da devolução, mas que tal se efectivaria no próprio dia 18 de Maio de
- O representante da Recorrida, junto da praça de troca física de Lisboa, recebeu o cheque devolvido e a nota informativa anexa sem levantar qualquer objecção ou proceder a qualquer informação complementar;
- Tais factos, erroneamente, não foram dados como provados, muito embora tenham sido sobejamente comprovados pelos testemunhos de J M (cujas declarações se encontram registadas numa fita magnética, desde o n.° 0000 a n.° 0832 do lado A da cassete 1 e constantes na Acta de Audiência de Julgamento), representante do Banco Recorrente e que efectivamente entregou ao representante da Recorrida o cheque físico e a respectiva nota informativa e P M (cujas declarações se encontram registadas em duas fitas magnéticas, desde o n.° 0938 a n.° 2491 do lado B da cassete 1, e desde o n.° 0000 ao n.° 0052 do lado A da cassete 2 e° constantes na Acta de Audiência de Julgamento);
- A sentença de fls... ora recorrida abstraiu de forma inadmissível do regime jurídico do cheque, no tocante ao sistema de compensação, vigente à data da prática dos factos sub judice, constante na Instrução n.° 125/96 e respectivo Anexo, do Banco de Portugal, sob a epígrafe Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária – SICOI;
- As entidades participantes no subsistema de telecompensação de cheques encontravam-se obrigadas a estar representadas em todas as praças de troca física, directamente ou através de "um agente de troca física", conforme o disposto no artigo 14° do SICOI e mais concretamente na Parte IV do Anexo à referida Instrução;
- Nos termos do SICOI, competia a toda e qualquer entidade participante assegurar a comparência de um representante, devidamente habilitado, nas praças em que se efectuavam as trocas físicas de cheques não truncados, por forma à correcta transmissão de títulos entre entidades sacadas e tomadoras;
- Ao contrário do que a Recorrida pretendeu fazer crer junto do Tribunal recorrido, e nos termos do artigo 14° do SICOI, o elemento presente na praça não era um mero transportador de cheques, razão pela qual sempre se dirá que o acolhimento de tal interpretação consubstanciará um entendimento contra legem;
- A Recorrida encontrava-se incumbida de organizar e disciplinar a actividade dos seus representantes, ainda que os mesmos se encontrassem a prestar serviços através da C Central;
- Nestes termos, o alegado pela Recorrida e acolhido pelo Tribunal não poderá colher, na medida em que se tal entendimento fosse admissível, implicaria a total deturpação do fito jurídico da troca física, cerceando a responsabilidade de toda e qualquer entidade participante pela conduta negligente ou, inclusivamente, dolosa dos seus representantes;
- Na vigência do Regulamento do SICOI – Instrução n.° 125/96, a apresentação e devolução de cheques e documentos afins à compensação processava-se de duas formas: (a) mediante a transmissão electrónica de um registo informático (registo lógico) via Sociedade Interbancária de Serviços, S.A. e (b) a transmissão física a realizar nas praças de troca física;
- O Recorrente estaria obrigado a proceder à inserção e transmissão do registo informático (lógico) da devolução do cheque, até às 02.30 horas da madrugada do dia 18 de Maio de 2000 e à entrega física do mesmo, na sessão de troca física a realizar na Praça de Lisboa, no período que medeia as 9.30 e as 10.00 horas;
- Assim sendo, e como resulta de todos os depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, o Recorrente efectivou a entrega física do cheque, na praça de troca física de Lisboa, no prazo correcto para o efeito – artigo 21°, n.° 2 do SICOI;
- Pelo exposto, andou mal o Tribunal na elaboração da sentença de fls..., porquanto considerou que o prazo para proceder à devolução do cheque mediante o sistema SIBS e nas praças de troca física terminava no dia 17 de Maio de 2000 e não, na madrugada de dia 18 de Maio de 2000 até às 02.30 horas e no dia 18 de Maio de 2000 até às 10.00 horas, respectivamente, conforme resulta do normativo constante do SICOI e dos diversos testemunhos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento;
- A devolução, nos mesmos termos que a apresentação, deveria ser efectivada mediante a entrega física no dia subsequente ao do da inserção e transmissão do registo informático (lógico), de acordo com o artigo 20°, n.° 1 do SICOI;
- Dispõe do mesmo modo o SICOI, no artigo 21°, n.° 2, que para proceder à devolução de cheques e documentos afins, a entidade sacada deveria accionar os respectivos mecanismos no prazo de dois dias úteis, contabilizados da liquidação financeira;
- No caso em apreço, tendo sido efectuada a liquidação financeira no dia 16 de Maio de 2000, o prazo de devolução terminaria às 02.30 horas da madrugada do dia 18 de Maio de 2000 de acordo com a Parte II do Anexo ao SICOI disposição não considerada na sentença;
- O prazo para transmissão dos cheques físicos terminava com o fecho da sessão de troca física do dia seguinte ao da transmissão do registo lógico, no caso sub judice, no dia 18 de Maio de 2000, pelas 10.00 horas – artigo 16°, n.° 4 do SICOI;
- No caso em apreço, sendo certo que o registo informático (lógico) deveria ter sido introduzido no sistema SIBS até à madrugada de dia 16 de Maio de 2000, a transmissão física deveria ter-se processado na sessão ocorrida na manhã de dia 18 de Maio de 2000, o que ocorreu;
- Do exposto supra jamais poderia a sentença de fls... concluir como o fez, isto é, que a entrega física do cheque na praça de troca física de Lisboa foi extemporânea;
- O Recorrente procedeu com a diligência possível e assegurou a transmissão da informação de que o cheque em apreço não seria aceite e portanto seria devolvido por falta ou insuficiência de provisão no prazo correcto, numa das vias de transmissão de informação;
- Constitui verdadeira prática bancária a aceitação da devolução do cheque quando a entidade sacada assegura a transmissão da informação de que o mesmo não poderá ser cobrado por algum dos motivos constantes no SICOI, quer mediante a inserção no sistema SIBS, quer mediante a entrega do cheque físico na praça de troca física, por norma acompanhados de nota informativa informal;
- A entidade tomadora confrontada com a situação já disporia de todos os elementos bastantes para impedir a disponibilização dos montantes sacados e no caso em apreço inexistentes;
- A prática bancária, consequência de uma lacuna na previsão legal concretamente aplicável, resulta, inequivocamente, dos testemunhos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento em que a questão foi abordada, inclusive, das declarações prestadas pela testemunha P M;
- Atente-se ao testemunho prestado por J M, (cujas declarações se encontram registadas numa fita magnética, desde o n.° 0000 a n.° 0832 do lado A da cassete 1 e constantes na Acta de Audiência de Julgamento), a testemunha E S (cujas declarações se encontram registadas numa fita magnética, desde o n.° 0832 a n.° 2486 do lado A da cassete 1 e constantes na Acta de Audiência de Julgamento), a testemunha L A (cujas declarações se encontram registadas numa fita magnética, desde o n.° 0000 a n.° 0938 do lado B da cassete 1 e constantes na Acta de Audiência de Julgamento) e a testemunha P M (cujas declarações se encontram registadas em duas fitas magnéticas, desde o n.° 0938 a n.° 2491 do lado B da cassete 1, e desde o n.° 0000 ao n.° 0052 do lado A da cassete 2 e constantes na Acta de Audiência de Julgamento);
- Aventou ainda a testemunha P M uma situação em que a Recorrida tentou proceder à devolução de 210 (duzentos e dez) cheques com diversos dias de atraso e que, somente 39 (trinta e nove) não foram aceites;
- Tal afirmação reflecte e manifesta, de forma transparente, que a prática bancária convergia para a aceitação da devolução dos chegues, ainda que os elementos técnicos e a entrega física seja efectivada após o decurso dos respectivos prazos constantes no SICOI;
- Tendo cogitado ainda a testemunha que, pese embora não tivesse a contabilização dos casos de recusa e aceitação, qualquer uma das soluções seria aceitável e que o único critério de aceitação ou recusa emergiria da qualidade do cliente da Recorrida ou da necessidade de aprovisionamento da conta;
- Tal afirmação consubstancia, inquestionavelmente, a má fé da Recorrida no tratamento dos processos de devolução, pois a aludida conduta permite aferir que o único critério violador da prática bancária, diga-se da Recorrida, fundava-se na necessidade ou fragilidade das contas creditandas e, consequentemente, nos seus próprios interesses;
- Resulta de forma manifesta e inequívoca que o uso ou prática bancária constitui uma verdadeira fonte de direito bancário, na medida em que, inexistindo uma ampla regulação legal que abranja todos os campos da actividade bancária, natural atendendo à constante mutação e evolução da realidade bancária, aquele permite, amiúde, a permanente actualização e conformação da actividade dos entes bancários;
- Assim sendo a decisão ora recorrida abstraiu de forma inadmissível de uma fonte do direito bancário, coarctando o Recorrente de elemento essencial na defesa dos seus legítimos direitos e interesses;
- A conduta da Recorrida revela uma profunda má fé, a qual emerge da latente falta de lisura no tratamento das diversas questões, porquanto a mesma detinha o concreto conhecimento da falta ou insuficiência de provisão do cheque sacado pelo Senhor A V e dispunha de todos os elementos essenciais para impedir o processo de disponibilização das quantias sacadas, pelo que poderia e, no entender do Recorrente, deveria ter agido em conformidade, sob pena de, coma se veio a verificar, lesar gravemente os mais elementares direitos do Recorrente;
- Atente-se ao testemunho prestado por E S (cujas declarações se encontram registadas numa fita magnética, desde o n.° 0832 a n.° 2486 do lado A da cassete 1 e constantes na Acta de Discussão e Julgamento);
- O Recorrente procedeu, na manhã do dia 18 de Maio de 2000 à entrega do cheque físico ao representante da Recorrida junto da praça de troca física de Lisboa, juntamente com a nota informativa na qual constava que, por questões técnicas não teria sido inserido no sistema SIBS o registo lógico da devolução, mas que tal se efectivaria no próprio dia 18 de Maio de 2000;
- O representante da Recorrida junto da praça de troca física de Lisboa recebeu o cheque devolvido e a nota informativa anexa sem levantar qualquer objecção ou proceder a qualquer informação complementar;
- No dia 19 de Maio de 2000, a Recorrida comunicou ao Banco Recorrente a não aceitação da devolução do cheque;
- A Recorrida mediante fax datado de 13 de Junho de 2000 informou o Recorrente, à mingua de argumentos, que o prazo para proceder à devolução do cheque já teria decorrido e que tal informação já teria sido transmitida ao liquidatário judicial da sociedade Z (…), Lda.;
- As instituições bancárias encontram-se adstritas a exercer a sua actividade em conformidade com o normativo legal aplicável e, na ausência deste, em conformidade com os usos ou prática bancária, não poderá o Recorrente deixar de considerar que a conduta da Recorrida violou estes últimos de forma desleal;
- Desde logo porque a Recorrida tinha plena conhecimento, ou pelo menos não poderia desconhecer, que no âmbito da actividade de compensação interbancária era prática, em situações de justo impedimento na inserção dos elementos no sistema SIBS, proceder à entrega de uma nota informativa alertando para o facto, aquando da entrega física dos cheques devolvidos nas praças de entrega física;
- A Recorrida, arrogando-se de uma exemplar conduta, ao recusar a aceitação da devolução de um cheque por falta ou insuficiência de provisão por razões do decurso do prazo de transmissão do registo lógico que tendo sido introduzido no dia 18 de Maio de 2000 somente se efectivou na madrugada de dia 19 de Maio de 2000 já tinha em seu poder o cheque físico devolvido, em tempo, na sessão de realizada no dia 18 de Maio de 2000 na praça de Lisboa – com a referida nota informativa anexa;
- Padece da mais absoluta falsidade o sustentado pela Recorrida e julgado procedente na sentença de que ora se recorre, quando pugna pela inexistência do uso ou prática bancária, quando tão bem do mesmo se socorreu quando a tal os seus interesses impeliram;
- Do mesmo modo, consubstancia má fé da Recorrida, o facto de a mesma ter procedido à transferência do saldo contabilístico resultante do montante do cheque já devolvido, para saldo disponível e, como tal, passível de ser aplicado, como veio a ocorrer;
- Acresce ainda o facto de a Recorrida ter pleno conhecimento de que a conta creditanda, era da titularidade da massa falida da sociedade Zimbrauto Pneus e Lubrificantes, LDA,, facto que, per si, deveria implicar um especial dever de cuidado;
- A situação em apreço poderia e deveria ter sido obviada pela Recorrida, porquanto à mesma, legalmente, não só era facultada a susceptibilidade de aceitação da devolução do cheque, como também a do estorno da quantia inserida como saldo contabilístico;
- A Recorrida, em todas as medidas adoptadas na condução do processo em apreço, agiu de má fé, ao arrepio das mais elementares regras de bom senso e da própria prática bancária que, diga-se, de forma indelével contribuiu activamente para criar;
- A má fé resultante da actuação da Recorrida consubstancia um verdadeiro abuso de direito, na medida em que, em todos os momentos da sua actuação e, consequentemente, no exercício de um seu direito, excedeu manifestamente os limites da boa fé e contendeu de forma inadmissível e desleal com os bons usos ou prática bancária;
- Releva em especial para a questão do abuso de direito, o facto de a Recorrida ter recebido o cheque devolvido e a nota informativa anexa da parte do Recorrente, sem ter suscitado qualquer objecção ou procedido a qualquer informação complementar;
- Nestes termos, a aceitação da devolução física do cheque na sessão de compensação, por parte do representante da Recorrida e a posterior recusa da devolução, nos termos efectuados, constitui um verdadeiro abuso de direito nos termos do artigo 334° do Código Civil, em especial no tipo de venire contra factum proprium;
- Tal consideração alicerça-se na séria convicção que a aceitação da devolução física constituiu uma verdadeira aceitação da devolução do cheque à compensação e que tal aceitação só não procedeu após o concreto aferimento da debilidade económica da conta creditanda e dos interesses da Recorrida;
- Pelo exposto, não poderá colher o entendimento plasmado na sentença recorrida, quando de forma desinteressada considera "A questão a resolver não é a de saber se a R ainda podia ter feito alguma coisa para solucionar o problema do A; (...)", pois tal entendimento abstrai de parte essencial da composição do litígio;
- Relativamente à disponibilização dos fundos, cumpre realçar que, com a transferência, dos valores advenientes do depósito do cheque em questão, de saldo contabilístico para saldo disponível, nos termos efectuados, a Recorrida facultou ao Liquidatário Judicial da massa falida da sociedade Z (…), LDA., operados os termos legais, a possibilidade de aplicação ou utilização dos mesmos — em claro prejuízo do Recorrente;
- A referenciada conduta, encontrou-se eivada de má fé e consubstanciou um claro abuso de direito, porquanto, tendo a Recorrida concreto conhecimento de que o cheque sacado pelo Senhor A V não tinha provisão, nada fez para obviar a disponibilização das quantias que de facto eram propriedade do Banco Sacado, ora Recorrente e não da massa falida da sociedade — a Beneficiária;
- Nos termos do artigo 22° do SICOI, encontra-se plasmado que "A disponibilização de fundos ao beneficiário do cheque ou do documento afim deve ocorrer até ao final do 3° dia útil,
considerando-se, para contagem desse prazo, como primeiro dia, o da liquidação financeira, (…)”;
- Assim, a Recorrida dispunha de três dias a contar da data da liquidação que, conforme anteriormente referenciado, ocorreu no dia 16 de Maio de 2000, sendo certo também que se afigurava como um dever e não uma obrigação;
- A Recorrida dispunha até ao final do dia 18 de Maio de 2000, sendo certo também que, desde as 10.00 horas da manhã deste mesmo dia detinha a informação de que o cheque não tinha provisão e como tal a disponibilização dos capitais depositados não poderia ocorrer;
- Nada obstava a que a Recorrida, a única que dispunha de todos os elementos necessários para impedir que a situação em apreço originasse grave lesão a quem, de boa fé agiu;
- Concluindo, atendendo à escassez temporal dos prazos estipulados no SICOI, o facto de a Recorrida comunicar a recusa da devolução quando já teria disponibilizado as quantias manifesta, clara e inequivocamente, deslealdade, na medida em que, em última análise cerceou o Recorrente da possibilidade de agir judicialmente por forma a garantir que o seu dinheiro, porque de facto as quantias depositadas eram suas, não fosse aplicado, extraviado ou, em última análise, dissipado.


Nas contra alegações a Ré pugna pela manutenção do julgado.

II Põem-se como questões a decidir no presente recurso as de saber: a) se a sentença é nula por omissão de pronúncia; b) se há alguma alteração a fazer à matéria de facto dada como assente; c) se a actuação da Apelada consubstancia um abuso de direito.

A sentença sob recurso deu como assentes os seguintes factos:
- A V sacou, em 15.5.2000, o cheque n° 2624390500, no montante de 35 000 000800, a favor de Z (…), Lda, sobre a sua conta n° 35677200/001 aberta a necessária informação relativa ao cheque ao Banco de Portugal e ao A.
- A 16.5.2000. o cheque foi entregue pelo representante da C Central, que representa a R, ao representante do A.
- E foi levado à compensação na sessão da madrugada de 16.5.2000 e o saldo dessa compensação foi objecto de liquidação financeira efectuada na manhã do mesmo dia; traduzida na movimentação a crédito e a débito das contas abertas por estas instituições junto do Banco de Portugal.
- A 19.5.2000, a R comunicou ao A a não aceitação da devolução do cheque.
- A 18.5.2000. o cheque foi devolvido por falta de provisão (motivo 15) pelo representante do A.
- Juntamente com o cheque, nessa data, foi entregue à representante da C Central informação escrita no sentido de que a mensagem de devolução do cheque, por razões técnicas, não fora transmitida por meios informáticos, mas que o seria no dia seguinte, como efectivamente veio a suceder.
- 0 A viu-se na impossibilidade de inserir no sistema informático a mensagem de devolução do cheque por falta de provisão a tempo de ser levada à sessão de compensação realizada na madrugada de 18.5.2000.
- Essa mensagem foi introduzida no sistema informático em 19.5.2000 e foi levada à sessão de compensação realizada na madrugada de 19.5.2000.



1.Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

Insurge-se o Apelante contra a sentença recorrida, uma vez que na sua tese a mesma será nula por omissão de pronúncia nos termos do artigo 668º, nº1, alínea d) do CPCivil, pois não aludiu nem concretizou a validade dos usos ou prática bancária, tal como seria expectável, porque alegado e discutido em sede de audiência de discussão e julgamento.

Vejamos.

A nulidade a que alude o supra mencionado normativo, traduz-se no incumprimento, por banda do julgador, do dever prescrito no artigo 660º, nº2 do CPCivil, qual é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, com excepção daquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras.

In casu, a sentença recorrida apreciou a questão decidenda à luz das disposições insertas no Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária – SICOI, na versão em vigor em Maio de 2000, fazendo aplicar esta legislação conforme, aliás, a subsunção feita pelo Apelante, embora em sentido contrário.

Desta sorte, poderíamos, sem mais, concluir pela falta de razão do Apelante, ao imputar o referido vício à decisão, mas sempre acrescentamos que, por um lado, o Julgador não está sujeito à alegação das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Sobre o Julgador apenas recai a obrigação de se servir dos factos articulados pelas partes, com vista à sua subsunção jurídica, ficando esta, assim, ao seu critério (salvaguardando-se, como é óbvio os procedimentos complementares necessários com vista a obstar a decisões surpresa, nos termos do artigo 3º, nº3 do CPCivil).

Daqui se abarca que passando a solução jurídica, na óptica do Tribunal recorrido, pela sua subsunção aos normativos insertos naquele Regulamento SICOI, inexistindo qualquer necessidade do apelo aos usos e práticas bancárias, porque existia norma expressa a indicar o procedimento, nem mesmo para argumentar o seu afastamento no caso concreto, já que aquela mesma legislação não manda aplicar quaisquer práticas do uso bancário corrente (veja-se que os usos e costumes bancários só serão de aplicar se houver norma específica que os mande atender o que não ocorria no caso sub judice, artigo 3º, nº1 do CCivil e neste sentido Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1973, I vol, 46).

Serve isto para dizer que a sentença recorrida não estava obrigada a argumentar sequer (já que de meros argumentos se trataria), sobre a existência de usos e costumes bancários, maxime, se trataram de questões afloradas em audiência de discussão e julgamento, e que não foram trazidas pelas partes aos autos em sede de articulados, tratando-se, assim, de matéria eventualmente com interesse mas que transcenderá o thema decidendum, pois este está delimitado pela factualidade carreada, na oportunidade, para os autos.

Veja-se a propósito que nem o Apelante nos refere nas suas conclusões, quais seriam, na sua tese, afinal das contas, os tais usos e costumes da prática bancária que teriam aplicação in casu, limitando-se a concluir sob uma fórmula genérica, destituída de quaisquer fundamentos claros e precisos que «(…)A sentença não logrou aludir e concretizar a validade dos usos ou prática bancária, tal como seria expectável, porque alegado e discutido em sede audiência de discussão e julgamento.(…)».

As conclusões claudicam quanto a este ponto.

2. Da impugnação da matéria de facto.

O Apelante, nas suas conclusões de recurso, faz referência aos depoimentos de várias testemunhas, apenas se compreendendo a mesma, por apelo ao texto das alegações, pois é daí que se extrai que visa a impugnação da resposta ao ponto 7. da base instrutória, sendo este o ponto concreto que, no seu entender, se encontra incorrectamente julgado, nos termos do normativo inserto no artigo 690º-A, nº1, alínea a) do CPCivil.

Naquele ponto fáctico perguntava-se «É prática bancária que a devolução de um cheque seja aceite caso a instituição sacada proceda à respectiva devolução física atempada e alerte a instituição tomadora para o atraso?», tendo a sua resposta sido negativa (inexplicavelmente no dizer do Apelante, a fls 347 das suas alegações).

Todavia, veja-se que é o próprio Apelante a concordar, no texto das suas alegações, cfr fls 347, que inexiste qualquer prática bancária naquele sentido que foi questionado.

Aqui chegados, perguntamos: se inexiste tal prática bancária, então porque é que se impugna a resposta dada ao ponto 7. da base instrutória?

A resposta a esta pergunta é-nos dada, espantosamente, pelo Apelante a fls 348 das suas alegações e na sequência da afirmação anteriormente feita quanto à inexistência da prática questionada «(…) Pelo contrário, constitui verdadeira prática bancária, a aceitação da devolução do cheque quando a entidade sacada assegura a transmissão da informação de que o mesmo não poderá ser cobrado por algum dos motivos constantes no SICOI, quer mediante a inserção no sistema SIBS, quer mediante a entrega do cheque físico na praça de troca física, por norma acompanhados de nota informativa informal. Nas situações alvitradas no parágrafo supra, a entidade tomadora confrontada com a situação já disporia de todos os elementos bastantes para impedir a disponibilização dos montantes sacados e no caso em apreço inexistentes. Mais, sempre se dirá que a referida prática, consequência de uma lacuna na previsão legal concretamente aplicável, resulta inequivocamente, de todos os testemunhos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento em que a questão foi abordada, (…)».

Quer dizer, afinal inexiste a prática bancária sustentada pelo Apelante em sede de Petição Inicial, resultante dos factos alegados nos artigos 15º, 19º, 40º e 41º, que fundamentou a reclamação oportunamente feita pelo seu aditamento à base instrutória, cfr reclamação de fls 98 a 102, alínea b) i), a qual veio a ser deferida por despacho de fls 107 e 108 e que deu origem à pergunta formulada - «É prática bancária que a devolução de um cheque seja aceite caso a instituição sacada proceda à respectiva devolução física atempada e alerte a instituição tomadora para o atraso?» - mas existe uma outra prática - «a aceitação da devolução do cheque quando a entidade sacada assegura a transmissão da informação de que o mesmo não poderá ser cobrado por algum dos motivos constantes no SICOI, quer mediante a inserção no sistema SIBS, quer mediante a entrega do cheque físico na praça de troca física, por norma acompanhados de nota informativa informal» - não alegada pelo Apelante, mas que foi trazida aos autos pelas testemunhas ouvidas, e sendo a constatação de tal prática fundamental para o destino da acção, o Apelante pretende agora que o Tribunal se escude nela por forma a concluir pela sua razão.

Sem entrarmos na discussão da bondade da prática bancária alvitrada pelo Apelante (a da aceitação extemporânea, desde que a informação de que o cheque não poderá ser cobrado seja fornecida), porque não é dela que se cura aqui, mas da oportuna alegação da sua existência, temos a esclarecer que a Lei impõe às partes que as mesmas aleguem os factos que integram a sua causa de pedir, sendo esta imposição, um dos corolários do princípio do dispositivo inserto no artigo 264º, nº1 do CPCivil.

Outro dos corolários, é que o Tribunal só poderá fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo, além do mais (sendo este mais constituído pelos factos notórios e dos de conhecimento oficioso, que não é o caso), da consideração dos factos instrumentais que resultem da discussão da causa, artigo 264º, nº2 do CPCivil.

De acordo com o nº3 do mesmo preceito, deverão ainda ser considerados na decisão os factos principais que, complementando ou concretizando os alegados pelas partes, resultem da discussão da causa e a parte interessada manifeste o desejo de deles se aproveitar e seja facultado o exercício do contraditório à parte contrária.

No caso sub juditio já vimos que o Apelante alegou a existência de uma prática bancária que afinal é inexistente, a qual foi objecto da pergunta constante do ponto 7. da base probatória e que obteve resposta negativa.

Todavia, parece ter resultado da discussão da causa, mormente do depoimento das testemunhas, a existência de uma outra prática bancária, esta sim, no dizer do Apelante, a que consubstanciará a responsabilidade da Apelada no que tange ao pedido formulado (a da aceitação extemporânea do cheque).

Só que, a constatação oficiosa pelo Tribunal de tal prática bancária, em termos de dela se poder aproveitar para fundar uma decisão, só seria admissível se se tratasse de um facto instrumental.

Mas o aludido facto não é, de todo, instrumental, sendo antes um facto essencial que deveria ter sido alegado oportunamente na Petição Inicial.

É que os factos instrumentais são apenas os factos probatórios e acessórios que habilitam o Julgador a chegar a uma conclusão sobre a realidade dos factos principais, crf Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código De Processo Civil Anotado, 1999, vol 1º, 466.

Torna-se evidente que, sem embargo de as testemunhas se terem referido a determinado tipo de comportamentos de mera cortesia existentes entre as instituições, no que tange à aceitação da devolução dos cheques quando a entidade sacada assegura a transmissão da informação de que o mesmo não poderá ser cobrado por algum dos motivos constantes no SICOI, o que a se não nos poderá conduzir à asserção de que existe uma verdadeira prática bancária nesse sentido, mesmo que eventualmente pudesse conduzir a tal conclusão, nunca o Tribunal se poderia aproveitar das declarações prestadas – seguindo-se a tese do Apelante – pois não havia nenhum ponto da base instrutória que questionasse a existência da aludida prática ou uso bancário.

E, a inexistência da referida factualidade controvertida não se deveu a desconsideração do Tribunal aquando da elaboração da base instrutória, mas antes a omissão do Apelante aquando da apresentação dos seus articulados.

Por outra banda, nunca o Tribunal poderia aproveitar tais depoimentos, se fosse o caso, para responder ao ponto 7. da base instrutória, por forma a alterar o sentido da pergunta que nele se fez, porque a prática bancária que nele se alude, não é a prática bancária ora aludida pelo Apelante e que nunca foi alegada por este.

Esta prática referenciada pelas testemunhas, nem sequer poderá ser subsumida no nº3 do artigo 264º do CPCivil, porque não constitui uma mera concretização ou complemento do que alegado foi pelo Apelante na sua Petição Inicial, uma vez que se trata de uma outra prática bancária.

Mas, mesmo que por mera hipótese de raciocínio se entendesse que a referenciada prática, explicitada pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, constituiria apenas a concretização daqueloutra (a constante do ponto 7. da base instrutória) que teria sido insuficientemente explicitada pelo Apelante na sua Petição Inicial, nem assim o Tribunal poderia tê-la tido em conta, considerando-a na decisão, já que a parte interessada, o Apelante, não demonstrou na oportunidade (em sede de audiência) qualquer interesse em dela se aproveitar, facultando-se à parte contrária o exercício do contraditório, nos termos do nº3 do artigo 264º do CPCivil, cfr Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, ibidem, 467.

E porque o artigo 264º impede o Julgador de ter em consideração factos principais diversos dos que foram alegados pelas partes, torna-se evidente que a factualidade que agora nos é referida, em sede de impugnação de matéria de facto, não pode ser tida em conta, como não o foi na decisão recorrida.

As conclusões claudicam, também, por aqui.

3. Do abuso de direito.

Insurge-se o Apelante contra a sentença recorrida, uma vez que entende que a Apelada excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé e agiu, por isso, em abuso de direito.

Conforme resulta da factualidade apurada o cheque foi apresentado para telecompensação no dia 15 de Maio de 2000, tendo a compensação sido efectuada na madrugada do dia seguinte – 16 de Maio de 2000 – e objecto de liquidação na manhã deste dia.

Nos termos do artigo 21º do Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária – SICOI os cheques poderão ser devolvidos à entidade apresentante no prazo de dois dias úteis, sendo considerado como primeiro dia útil, nessa mesma contagem de prazo, o da liquidação financeira, acrescentando ainda que decorrido que seja esse prazo os intervenientes não são obrigados a aceitar a devolução dos cheques.

Como se abarca da matéria dada como provada, a liquidação ocorreu no dia 16 de Maio de 2000, logo o Apelante teria de proceder à devolução do cheque à Apelada até ao final do dia seguinte, isto é, até ao dia 17 de Maio de 2000, sendo que, tendo o cheque sido devolvido apenas no dia 18 de Maio, poderia a Apelada, como o fez, a recusar o mesmo, estando tal recusa coberta por aquele dispositivo legal.

Não se vê que o comportamento da Apelada, ao ter-se negado a aceitar a devolução do cheque, tivesse por qualquer meio excedido os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, de molde a integrá-lo no normativo inserto no artigo 334º do CCivil.

Para se chegar a essa conclusão, teria o Apelante de ter alegado e provado que, pelo menos, a prática bancária existente entre si e a instituição Apelada (posto que não se apurou que existisse essa prática generalizada, mas antes, que por vezes se aceitavam devoluções para além do prazo), sempre proporcionou a devolução de cheques para além daqueles dois dias a que o Regulamento alude, o que não logrou fazer (se o tivesse feito poder-se-ia concluir que tal comportamento era susceptível de defraudar as expectativas legitimas do Apelante) e também não demonstrou, como devia, porque sobre si impendia o ónus da prova, que o representante da Apelada, na praça de troca física recebeu o cheque fora de prazo sem que tenha levantado qualquer objecção (resposta negativa ao ponto 5. da base instrutória).

Sempre se acrescenta, ex abundanti, que o artigo 21º do Regulamento não prevê que a aceitação da devolução dos cheques para além do prazo de dois dias seja feita segundo os usos e costumes bancários: o artigo 21º é expresso no que tange ao prazo de dois dias, sendo este prazo peremptório, deixando ao critério dos intervenientes a sua aceitação posteriormente a tal prazo.

Se efectivamente fosse intenção do legislador o recurso aos usos ou práticas bancárias, nas situações de devolução de cheques, decerto que não teria sido estipulado qualquer prazo para o efeito, sendo este o que resultasse dos usos, o que levaria, em tese meramente hipotética, a que os cheques pudessem ser devolvidos em qualquer altura.

Não nos parece que tenha sido esta a intenção do legislador, para além de não decorrer, nem da letra, nem do espírito do preceito, uma tal interpretação.

E, como nos termos do artigo 8º, nº2, do CCivil «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.», tendo ainda em atenção que o valor jurídico dos usos só pode ser atendido quando a lei o determinar, como estipula o artigo 3º, nº1 do mesmo compêndio normativo, torna-se inequívoco, que no caso sub judice, para além de não ter ficado apurada qualquer factualidade consubstanciadora da existência de um uso na aceitação de cheques para além do prazo de dois dias aludidos no artigo 21º do Regulamento, mesmo que algo se tivesse apurado nesse sentido, é o próprio Regulamento que deixa ao critério da Instituição aceitar ou não a devolução, afastando, desta sorte, o seu eventual valor jurídico.

Improcedem, in totum, as conclusões de recurso.

III Destarte, julga-se improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Apelante.

Lisboa, 19 de Abril de 2007

(Ana Paula Boularot)

(Lúcia de Sousa)


(Luciano Farinha Alves)