Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5044/2007-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: CRÉDITO DE HORAS NA ACTIVIDADE SINDICAL
FALTAS JUSTIFICADAS
CONTRA-ORDENAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Sumário: O exercício pelo trabalhador do direito ao uso do crédito mensal de 4 dias para exercer funções enquanto dirigente sindical, quando apenas trabalha para o empregador 4 dias por mês, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim socio-económico daquele direito.
(sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A “(A) – Fibras Sintéticas de Portugal, SA”, impugnou judicialmente a decisão administrativa emanada da Inspecção-Geral do Trabalho que a condenou pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos arts. 505º, n.º 1 e 682, ambos do Código do Trabalho, em conjugação com os arts. 399º e 400º, n.º 2 da Lei 35/2004, de 29 de Julho, numa coima no valor de €.2.500 e, bem assim, no pagamento ao trabalhador da quantia de € 3.415,39, e da quantia de € 1.335,54 à Segurança Social, a título de crédito de horas relativas ao período de Fevereiro de Dezembro de 2003 a Julho de 2005.

O Tribunal do Trabalho do Barreiro confirmou a decisão recorrida

De novo inconformada, a arguida interpôs recurso para esta Relação, tendo nas suas alegações de recurso formulado as a seguir transcritas,
Conclusões :
1. – Nos termos e para os efeitos do disposto nos art°s. 455°, n° 1 e 505°, n° 1, ambos do Código do Trabalho, só pode dispor do regime do crédito de horas o trabalhador que mantém a sua actividade profissional, utilizando para a actividade sindical, exclusivamente, o crédito de horas legalmente previsto;
2. – Ao decidir em sentido contrário, a decisão recorrida  interpretou mal as disposições legais referidas e, portanto, violou-as;
3. – Aliás a própria decisão recorrida, com a interpretação legal que recolhe, acaba por violar o princípio da independência sindical, na vertente consagrada no n° 4 do art° 55° da Constituição da República;
4. - Também ao permitir e reconhecer que o trabalhador que só trabalha um dia por semana, pode exercer o direito ao crédito de horas, converte este exercício em ilegítimo, consubstanciando um verdadeiro abuso de direito por exceder, manifestamente, os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico desse direito.
5. - E a violação do limite da boa fé é bem evidente quando o trabalhador intencionalmente, com um único dia de trabalho por semana, pretende que a empresa lhe pague mais 4 dias sem trabalhar.”

O MP pugnou pela confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais.

                   CUMPRE APRECIAR E DECIDIR

I – A única questão que se coloca é a de saber se o trabalhador que só trabalha em média 4 dias por mês, pode exercer o direito ao crédito de horas, a que alude o art. 505 do CT, dentro do limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico desse direito.

         II – Fundamentos de facto     
Resultaram provados os seguintes factos :
         1 - A arguida dedica-se à actividade de fabricação de fibras sintéticas ou artificiais, e tem sede e estabelecimento no Apartado ... no Lavradio.
2 - A arguida mantém ao seu serviço o trabalhador (H), nascido em 25 de Maio de 1950, residente em ..., com a categoria profissional de Analista de 1ª, admitido em 1 de Janeiro de 1978.
3 - O trabalhador (H) é associado e dirigente sindical do SINQUIFA-Sindicato dos Trabalhadores de Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás do Centro, Sul e Ilhas.
4 – E entre Outubro de 1999 até Novembro de 2003 esteve exclusivamente ao serviço do sindicato.
5 – E a partir de Novembro de 2003, apresentou-se na empresa arguida.
6 - A partir de Novembro de 2003 não se verificou qualquer situação de suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado.
7 - Desde Dezembro de 2003 que o trabalhador tem trabalhado alguns dias na empresa, encontrando-se os restantes, ausente da empresa ao serviço do Sindicato, em exercício de funções sindicais na Direcção do Sindicato.
8 - Em Dezembro de 2003 (H) auferia o salário mensal de €1.016,30; entre Janeiro e Dezembro de 2004 era de €1.034,50; entre Janeiro e Dezembro de 2005 era de €1.050.
9 - No mês de Dezembro de 2003, o trabalhador (H) trabalhou nas instalações da empresa arguida nos dias 5, 12, 19 e 26; e no ano de 2004, mês de Janeiro de 2004 trabalhou nos dias 2, 9, 12, 23 e 30; no mês de Fevereiro nos dias 6,13,20 e 27; no mês de Março nos dias 5, 12, 19 e 26; no mês de Abril nos dias 2, 16, 23 e 30; no mês de Maio nos dias 7,, 14, 21 e 28; no mês de Junho trabalhou nos dias 4, 11, 18 e 25; no mês de Julho nos dias 2 e 9; no mês de Agosto  nos dias 6, 13 e 27 (16 a 22 férias); no mês de Setembro nos dias 3, 10, 17 e 24; no mês de Outubro nos dias 1, 8, 15, 22 e 29; no mês de Novembro nos dias 5, 12, 19 e 26; no mês de Dezembro de 2004 nos dias 3, 10, 17, 24 e 31 (22 e 23 férias).
10 - No mês de Janeiro de 2005, o trabalhador (H) trabalhou nas instalações da empresa arguida nos dias 7, 14, 21 e 28; no mês de Fevereiro de 2005, nos dias 4, 11, 18 e 25; no mês de Março de 2005 nos dias 4, 11, 18 e 25; no mês de Abril de 2005 nos dias 1, 8, 15, 22 e 29; no mês de Maio de 2005, nos dias 6, 13, 20 e 27; no mês de Junho de 2005 nos dias 3, 17 e 24; no mês de Julho de 2005 nos dias 1, 8, 15, 22 e 29.
11 - A empresa arguida pagou ao trabalhador (H), desde finais de 2003 até Julho de 2005 apenas os dias trabalhados.
12 - A empresa arguida descontou na retribuição mensal do trabalhador (H), desde finais de 2003 até Julho de 2005, todos os dias em que o trabalhador esteve ausente no exercício de funções sindicais na qualidade de membro da Direcção do Sindicato.
13 - A direcção do SINQUIFA procedeu, no período de 2003 até Julho de 2005, às competentes comunicações à empresa arguida.
14 - A empresa arguida foi notificada pelos serviços da IGT, em 27 de Janeiro de 2005, para apresentação de documentos, nomeadamente o Mapa do Quadro de Pessoal e comprovativo do pagamento de crédito de horas correspondentes a 4 dias de trabalho por mês, desde Dezembro de 2003 a Janeiro de 2005.
15- Até ao levantamento do auto de notícia, a empresa não tinha liquidado ao trabalhador (H), o montante relativo ao crédito de horas reclamado por este através da Direcção da SINQUIFA.
16- Elaborado o Mapa de Apuramentos em 10 de Novembro de 2005, a IGT considerou que a empresa arguida tinha em dívida para com o trabalhador o valor de € 3.415,39, a título de crédito de horas no período de Dezembro de 2003 a Julho de 2005 e o valor de €1.335,54 à Segurança Social;
17- A arguida, de acordo com o Mapa de Quadro de Pessoal de 2004, apresentou um volume de negócios de € 67.289.994,00.
        
III – Fundamentos de direito
A arguida vem acusada da prática de uma contra-ordenação grave, por violação ao disposto no  art.º 505, n.º 1, conjugado com o art.º 682, ambos do CT, dispondo o primeiro normativo que: “Para o exercício das suas funções  cada membro da direcção beneficia de um crédito de horas por mês e do direito a faltas justificadas para o exercício de funções sindicais”.
         Dispondo o art.º 400, n.º2 do Regulamento ao Código do Trabalho, que : ” para o exercício das suas funções, cada membro da direcção de uma associação sindical beneficia de um crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês, mantendo o direito à retribuição”.
            Na situação em apreço a arguida mantém ao seu serviço, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante retribuição,  o trabalhador (H), o qual é associado e dirigente do SINQUIFA-Sindicato dos Trabalhadores de Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás do Centro, Sul e Ilhas. Em razão desta actividade, este trabalhador apenas presta a sua actividade profissional nas instalações da arguida cerca de 4 a 5 dias por mês, desde Dezembro de 2003.
A empresa arguida sempre descontou na retribuição mensal do trabalhador (H), desde finais de 2003, todos os dias em que o trabalhador esteve ausente no exercício de funções sindicais na qualidade de membro da Direcção do Sindicato.
A questão em apreciação é apenas a de saber se o trabalhador que trabalha em média 4 dias por mês, pode exercer o direito ao crédito de horas, a que alude o art. 505 do CT, dentro do limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico desse direito.
Nas situações em que o trabalhador a exercer funções de dirigente sindical a tempo inteiro, a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que o crédito de 4 dias por mês deixa de ter razão de ser pois que o trabalhador nessa situação não necessita dele para o exercício das funções que está a execer a tempo inteiro, ver Acórdão do STJ de 22.10.96, publicado na CJ, Tomo III, pag.245; Acordão da RL de 29.10.2004,  cuja  relatora foi a mesma do presente acórdão, publicado na CJ Tomo IV pág. 156, ver ainda Ac. da RL , de 20.3.02 , cujo sumário  se ncontra disponivel na WWW dgsi, internet. . 
Todavia,  a questão que  aqui  se coloca  é um  pouco diferente,  pois que o trabalhador em causa trabalha ao serviço da arguida uma média de 4 dias por mês, um dia por semana. Entende a  arguida que  ao trabalhador (H) não lhe assiste o direito ao crédito de horas reclamado, porquanto este direito pressupõe que o trabalhador exerça  a sua actividade profissional normalemente, concluindo que esta  exigência configura uma situação de abuso de direito, que não merece a tutela do direito.
Vejamos então
Dando expressão ao imperativo constitucional de liberdade sindical, na vertente que visa assegurar aos membros das direcções sindicais condições efectivas para o desenvolvimento da respectiva actividade eno seguimento do  art. artigo 22 do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, o  actual art.º 505, n.º1 do CT , dispõe que cada membro da direcção beneficia de um crédito de horas por mês e do direito a faltas justificadas para o exercício de funções sindicais, estabelecendo o art. 400, n.º 2 da Lei nº 35/2004 de 29/7, que : “para o exercício das suas funções, cada membro da direcção beneficia de um crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês, mantendo o direito à retribuição.”
A  ratio da concessão daqueles créditos, que visa uma obrigação cosntitucional no âmbito da liberdade sindical, está em conceder-se  aos trabalhadores, durante o seu tempo normal de serviço à entidade empregadora, o tempo necessário ao exercício das suas funções sindicais, diluindo-se aquele crédito de 4 dias de trabalho pelos restantes dias de trabalho efectivamente prestado pelo trabalhador ao serviço do empregador.
Concordamos com sentença recorrida quando refere que é inquestionável que a atribuição de um crédito de 4 dias por mês, sem perda de retribuição, é algo de muito excepcional pois considerando 22 dias úteis de trabalho por mês, aqueles 4 dias correspondem a 18,18% de volume de trabalho mensal que o trabalhador deveria realizar e não realiza e a igual percentagem de remuneração que recebe sem prestação da inerente contrapartida. Representa pois um muito sério encargo económico e financeiro que o Estado coloca sobre o cidadão/empresa empregador para o cumprimento dos referidos  desígnios constitucionais.  E sendo uma atribuição excepcional haverá de, naturalmente, destinar-se a situações de real e extraordinária necessidade.
Todavia, no caso  em apreço, o trabalhador (H), entre 1999  e até Novembro de 2003 esteve exclusivamente ao serviço do sindicato mas, a partir de Novembro de 2003,  passou a traballhar para a empresa arguida,  numa média de 4  dias por mês, um 1 dia por semana,  sendo que as restantes dias em falta foram considerados  justificados,  ao abrigo do artigo 402 n.º1 do RCT, tendo para o efeito o sindicato comunicado à  arguida essa necessidada.
Resulta assim que o trabalhador (H) está muito mais tempo ao serviço das funções de dirigente sindical do que ao serviço da empresa/arguida,  para quem só está ao serviço  4 dias por mês que é,  por coincidência, o mesmo tempo de crédito que reclama à  entidade empregadora.
Ora, a reclamação do pagamento de crédito correspondente a 4 dias de trabalho implica que arguida pague para além dos 4 dias de trabalho efectivo prestado pelo trabalhador,  mais  4 dias  sem que este  exerça mais dias de trabalho, ou seja,  por 4 dias de trabalho efectivo o trabalhador receberia o correspondente a 8 dias, usufruindo ainda do direito as faltas  jsutificadas nos demais dias  de ausência .
Dispõe o art.º 334 do CCivil que “ É ilegítimo  o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé , pelos costumes ou pelo fim social ou econõmico desse direito.”
Desde já adiantamos que se nos afigura que o exercício pelo trabalhador do direito ao uso do crédito  mensal de 4 dias para exercer funções enquanto dirigente  sindical, quando apenas trabalha para o empregador 4 dias  por mês,  excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim socio-económico daquele direito.
Na verdade o exercício daquele direito destina-se  a assegurar o exercício de um direito no âmbito da liberdade sindical, mas que apresenta um encargo económico e financeiro muito sério para o empregador,  que  pressupõe por isso que o trabalhador preste a sua actividade normal ao serviço daquele durante,  pelo menos,  a maior parte do tempo, sob pena de se subverter o alcance da aludida norma. Esta  foi instituída para facultar ao trabalhador, membro da direcção do  sindicato, durante o exercício da sua actividade profissional  tempo para o exercício das funções sindicais,  mas não no pressuposto que estas lhe retirem todo, ou a maior  parte, do tempo para  exercício das funções profissionais e ainda assim o empregador tenha que retribuir tais ausências, quando elas já são legamente justificadas.  
Temos assim que o crédito reclamado pelo trabalhador na presente situação cria uma desproporção objectiva entre o exercício  do direito por parte do seu titular, o trabalhador,  e as consequências que outros têm de suportar, no caso a arguida, que terá de pagar a retribuição de mais  4 dias de trabalho, sem que usufrua da restante disponiblidade do trabalhador para o exercício normal das suas funções profissionais,  dado que este  apenas labora  ao  seu serviço 4 dias por  mês.
O exposto permite-nos pois a conclusão de que tal exercício excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico que aquele direito visa tutelar. 

Procedem pois os fundamentos do recurso, pelo que arguida  devará ser absolvida  da contra-ordenação de que foi  acusada,  bem como da condenação de pagamento  ao trabalhador e á segurança social.

IV – Decisão
Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto e absolve-se a arguida da contra-ordenação de que foi acusada e das condenações proferidas pela sentença recorrida.

Sem custas.
Lisboa, 19 de Setembro de 2007.


Paula Sá Fernandes
José Feteira
Ramalho Pinto (com dispensa de vistos; embora já tenha seguido orientação diversa, designadamente no Ac. de 18/04/2007, proc. 52/07-4, em que fui relator, não poderia ficar insensível à argumentação não só do presente acórdão, como do proferido pelo STJ em 12/07/2007, proc. 07S736, disponível em www.dgsi.pt)