Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8640/2003-6
Relator: MANUEL GONÇALVES
Descritores: NACIONALIDADE
PERDA DE NACIONALIDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/29/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONSERVADOR
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A nacionalidade constitui um direito fundamental do indivíduo, pelo que a sua privação não se compadece com a mera finalidade de reparar um erro da administração pública não imputável ao interessado.
A figura do abuso de direito é aplicável também a actos da Administração Pública.
Repugna ao sentimento jurídico prevalecente na comunidade que, concedida pela Administração Pública, há mais de 20 anos, a nacionalidade portuguesa a um cidadão nascido nas ex-colónias, se invoque, para efeito de perda dessa nacionalidade. um vício.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO.
O Ministério Público intentou acção de justificação judicial, contra C. SEIXAS, pedindo, se declare a nulidade e cancelamento do registo de nascimento nº 237-P de 1983, e nacionalidade, ao mesmo respeitante, lavrado na C. R. Centrais.
Para o efeito, alega em síntese o seguinte:
Encontra-se lavrada na Conservatória dos Registos Centrais sob o nº 237-P do ano de 1983, o assento de nascimento referente a Carlos Miranda Ferreira Seixas, nascido em 22.05.1912, em Luanda, Angola, filho de A. Seixas, natural de Lisboa e de R. Silva, natural de Angola.
A circunstância de ser filho de indivíduo nascido em Portugal continental permitia ao requerido a conservação da nacionalidade portuguesa, nos termos do art. 2 nº 1 DL 308-A/75 de 24 de Junho.
A transcrição do nascimento do referido Carlos teve como base certidão do seu assente de baptismo, lavrado sob o nº 465 a fol. 68 do Livro nº 2 do ano de 1914, da paróquia de Nossa Senhora do Carmo.
De diligências feitas, logrou-se apurar que a paternidade do referido Carlos consta de averbamento ao seu assento de nascimento mediante autorização do Ministro da Justiça de 23 de Fevereiro de 1984, sendo o pai, nessa data já falecido.
Só em 23.02.84 se estabeleceu a paternidade do requerido e a necessária correlação de ascendência relevante para a conservação da nacionalidade.
Conforme parecer nº 152/76 de 27.10.1977 da PGR, homologado por despachos de S.a Ex. Secretário da Justiça, Ministro da Administração Interna e Ministro dos Negócios Estrangeiros de 14.02, 11.04, 09.09 de 1977, publicado no BMJ nº 274, se a perfilhação for posterior à data da independência não estamos já no âmbito do DL 308/A/75, mas no da Lei 2098, cuja base IX determina ter aquela só efeitos em relação à nacionalidade do reconhecido quando estabelecida durante a sua menoridade.
Os princípios ali consignados são válidos para qualquer forma de reconhecimento, quer voluntário quer judicial.
Apesar de a Lei 2098 ter sido revogada pela Lei 37/81 de 03.10, não emergem razões para que agora se equacione diferentemente o problema, pois que o seu art. 14º tem idêntico conteúdo e alcance.
O requerido tem registo lavrado como português, quando na verdade não conservou essa nacionalidade, tendo-a perdido nos termos do art. 4º DL 308-A/75 de 24 de Junho.

O requerido foi citado, tendo deduzido oposição, em que em síntese diz:
A certidão mencionada em 12, é autêntica e na sua emissão não participou o requerido, nem lha aditou nada.
O requerido conta actualmente 91 anos de idade.
Nascido em território sob administração portuguesa em 1912, não se vislumbra como não pudesse sentir-se português.
Desde há muitos anos que o requerido é também conhecido por Carlos Miranda Ferreira Seixas, conforme resulta da certidão de casamento anexa.
Desde há décadas que se foi criando a consciência colectiva de que C. Miranda e C. Seixas constituem uma só pessoa.
Não se mostra questionada a paternidade do requerido.
Mais de 20 anos decorreram desde a data de transcrição do seu nascimento à data da sua citação para a presente acção.
A doutrina expendida no parecer nº 152/76 de 1977, não se coaduna com a situação dos autos, pois que não houve lugar à perfilhação.
O estabelecimento da filiação tem eficácia retroactiva – art. 1797 nº 2 CC.
A situação do requerido é subsumível no art. 1 nº 2 DL 308-A/75 de 24 de Junho, o qual determinou que conservavam a nacionalidade portuguesa os portugueses domiciliados em território ultramarino tornado independente, contanto que não manifestem no prazo de 2 anos, contados da independência o propósito de não querer continuar português.

O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. Não há nulidades que invalidem todo o processo. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não há excepções que obstem ao conhecimento de mérito.

Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS.
Dos elementos constantes dos autos, resulta com relevância o seguinte factualismo:
1- C. Seixas, nasceu em 22.05.1912, na freguesia de Carmo, Luanda, Angola, sendo filho de A. Seixas e de R. Silva.
2- Em 05.09.1951, C. Miranda que também usava o nome da C. Seixas, contraiu casamento com Maria da Conceição (doc. fol. 29).
3- Em 21.07.82 foi emitida a certidão de nascimento, cuja cópia se encontra a fol. 12, onde consta que o requerido C. Seixas é filho ilegítimo de A. Seixas, natural de Lisboa e de R. Silva.
4- A referida certidão consta como emitida pelo pároco da paróquia de N. S. Do Carmo, em Luanda e tem a assinatura reconhecida no Consulado Geral de Portugal em 22.07.82.
5- Com base nessa certidão, foi, em 26.05.1983, lavrado assento de nascimento nº 237-P, na Conser. Dos Reg. Centrais, relativo ao requerido, cuja cópia se encontra a fol. 11.
6- A fol. 16 consta cópia integral do assento de baptismo relativa ao requerido.
7- Da mesma consta que em 08.11.1914 foi baptizado um indivíduo do sexo masculino «a quem dei o nome de C. Miranda que nasceu no bairro da Legombota desta freguesia, às oito horas da noite do dia 22 de Maio do Ano de 1912, filho ilegítimo primeiro de nome e terceiro na ordem da filiação de R. Silva».
8- Da mesma consta que «por despacho do Ministro da Justiça de 23.02.84, foi autorizado a constar da referido assento que C. Seixas é filho de A. Seixas, já falecido, natural de Lisboa...».
9- A citação do requerido operou-se na Av. Prof. Dr. Egas Moniz, Massamá, Queluz.

O DIREITO.
Em causa está indivíduo nascido em Angola no ano de 1912, altura em que aquele, agora estado independente, era considerado «Província Ultramarina», sendo administrado pelo Estado Português.
Como se depreende do corpo do art. 31º §1º do Decreto nº 40711 de Agosto de 1956, não era nas províncias ultramarinas obrigatório o registo civil, podendo a inscrição de nascimento fazer-se mediante declaração do próprio interessado, maior de 14 anos perante funcionário do registo civil, que comprovaria a veracidade das declarações, devendo exigir-se quatro testemunhas.
O Código Civil, aprovado pelo DL nº 47344 de 25 de novembro de 1965, foi tornado extensivo ao Ultramar pela Portaria nº 22869 de 4 de Setembro de 1967, entrando em vigor em 01.01.1968.
Em matéria de registo civil, na província de Angola, para os católicos, vigorava o registo paroquial - decreto de 9 de Setembro de 1863. Dos autos consta que o requerido foi baptizado em 1914, pelo era este o regime que vigorava quanto ao mesmo.
No registo paroquial, aquando do baptismo do requerido, consignou-se que o mesmo era filho ilegítimo.
Tanto no Código de Registo Civil de 1932 como no de 1911, proibia-se (art. 160) a admissão da declaração de paternidade, maternidade ou de avoengo dos filhos ilegítimos, a não ser que o pai ou a mãe, pessoalmente ou por seu bastante procurador, com poderes especiais, fizessem essa declaração.
Em 24.06.75, foi publicado o DL 308-A/75, que teve como pano de fundo a situação criada pelo acesso à independência dos territórios ultramarinos sob administração portuguesa. Como do seu intróito resulta, o acesso à independência em resultado do processo de descolonização, «vem criar como facto saliente, a aquisição da nova nacionalidade por parte de indivíduos que até àquela data, tinham a nacionalidade portuguesa». Por outro lado reconhece-se a «conveniência em conceder ou possibilitar a manutenção da nacionalidade portuguesa em casos em que uma especial relação de conexão com Portugal ou inequívoca manifestação de vontade nesse sentido tal justifique».
Dispõe o art. 1º do diploma citado, que conservam a nacionalidade os seguintes portugueses domiciliados em território ultramarino tornado independente: a) Os nascidos em Portugal continental e nas Ilhas adjacentes; b) Até à independência do respectivo território, os nascidos em território ultramarino ainda sob administração portuguesa; c) Os nacionalizados; d) Os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe nascidos em Portugal ou nas ilhas adjacentes ou de naturalizados, assim como, até à independência do respectivo território, aqueles cujo pai ou mãe tenham nascido em território ultramarino ainda sob administração portuguesa; e) Os nascidos no antigo estado da Índia....; f) A mulher casada com, ou viúva ou divorciada de português dos referidos nas alíneas anteriores e os filhos menores deste.
No nº 2 dispõe-se que os restantes descendentes ... dos portugueses referidos nas alíneas a), c) e d), primeira parte e e) conservam a nacionalidade portuguesa, salvo se no prazo de dois anos a contar da data da independência, declararem por si, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, que não querem ser portugueses.
O art. 4º dispõe que perdem a nacionalidade portuguesa os indivíduos nascidos ou domiciliados em território ultramarino tornado independente que não sejam abrangidos pelas disposições anteriores.
Do que fica referido resulta pelo DL 308-A/75, estabeleceu-se um regime de excepção (atenta a especial situação de independência das províncias antes sob administração portuguesa) para a conservação da nacionalidade, sem necessidade de recurso ao processo mais moroso da Lei 2098 (Lei da Nacionalidade).
O referido carácter excepcional, resulta como se viu dos preceitos citados e é reforçado ainda pela faculdade prevista no art. 5º (possibilidade de o Conselho de Ministros directamente ou por delegação determinar a conservação ou concessão da nacionalidade, mesmo com dispensa dos requisitos exigidos pela base XII da Lei 2098 de 29 de Julho.
O regime resultante do DL 308-A/75, constituía também excepção ao princípio geral de que os residentes no território que adquiriu a independência, ficam subordinados ao novo poder político, a um vínculo de nova nacionalidade.
No parecer nº 152/76 de 27.01.77, da PGR, citado pelo requerente, defende-se que não será de aplicar o disposto no art. 1 nº 2 DL 308-A/75, se o descendente de português for perfilhado após a independência, tendo já atingido a maioridade. Para o efeito entende-se aplicável a base IX nº 3 da Lei 2098, que determina ter aquela (perfilhação) só efeitos em relação à nacionalidade do reconhecido, quando estabelecida durante a menoridade (sendo igual o entendimento resultante do art. 14º da Lei 37/81 de 3 de Outubro).
A aplicação do referido entendimento ao caso presente, suscita dificuldades. A primeira resulta desde logo do carácter excepcional do DL 308-A/75, com o qual não se harmoniza o referido entendimento. Com efeito, o DL 308-A/75 vigorou ainda no domínio da Lei 2098, e relativamente a esta constituía regime especial. Em causa estava a perda ou conservação da nacionalidade portuguesa por parte de populações, de novos estados, anteriormente sob administração portuguesa em que o problema da nacionalidade se não levantava, por (antes) serem considerados portugueses. Atento o acesso à independência daqueles territórios, a questão da perda da nacionalidade tinha particular relevância. A excepção do regime do DL 308-A/75, que procurou definir os «reflexos das independências dos territórios africanos na condição de portugueses que as suas populações possuíam» fez com que a sua vigência fosse transitória, deixando de ter aplicação prática, vindo a ser revogado.
No caso presente, não pode falar-se com propriedade em perfilhação, uma vez que a menção feita constar, quanto à filiação, foi precedida de autorização nesse sentido do Ministro da Justiça, ignorando-se qual o mecanismo seguido, mas a que não será alheia a situação de excepção do território em causa (Angola) e a que se seguiu à independência desse território, em que antes não havia organizado um registo civil obrigatório e em que o registo tardio era facilitado, como se viu. Com efeito, dispunha o § 1 do art. 31 do Decreto nº 40711 de 1 de Agosto de 56 que a todos os nacionais de 14 anos que não tivessem o seu nascimento inscrito poderia permitir-se que eles próprios declarassem , em qualquer idade, o seu nascimento perante funcionário do registo civil do seu domicílio, desde que o mesmo se certificasse da veracidade das declarações do registando, devendo exigir-se quatro testemunhas para o acto. A partir do DL 284/74 de 4 de Junho, para o registo tardio, que podia fazer-se em todo o ultramar, exigia-se apenas a presença de duas testemunhas. O art. 1 do Decreto nº 47865 de 28 de Agosto de 1967, estabeleceu no Ultramar, que «a faculdade conferida no art. 31 do Decreto nº 40711 de 1 de Agosto de 1956, aplica-se aos vizinhos das regedorias das províncias ultramarinas , entendendo-se que a verificação da veracidade das declarações prestadas perante o funcionário do Registo Civil, quanto à filiação do registando dispensará a perfilhação da mãe ou do pai falecido ou ausente em parte incerta».
O facto de não poder falar-se com propriedade em perfilhação e ainda o facto de a realidade, em matéria de registo civil, ser substancialmente diferente da que vigorava em Portugal continental, levanta também dificuldades, quanto à dita aplicação por analogia do referido Parecer nº 152/76.
Acresce que, ainda que de perfilhação se tratasse, não se entende como o facto de esta ter ocorrido na maioridade, pode obstar a que os destinatários do diploma referido (DL 308-A/75), possam usar da faculdade aí prevista. Com efeito, quanto aos perfilhados na menoridade, não se levanta qualquer problema, sendo certo que a lei não faz qualquer distinção e que o acto da perfilhação, não depende de declaração de vontade do perfilhado, sendo de afastar tratamentos desiguais injustificados.
Esse entendimento colide, como bem refere o requerido na sua oposição, com o preceituado no art. 1797 nº 2 CC, que confere eficácia retroactiva ao acto de perfilhação.
Do que fica referido resulta que o entendimento resultante do parecer referido, (nº 152/76 da PGR), não tem no caso presente aplicação, pelo que igualmente não é aplicável o art. 14 da Lei 37/81 de 3 de Outubro.

Ainda que não invoque expressamente o «abuso de direito», o requerido, alega factos susceptíveis de integrarem esse instituto, que aliás é de conhecimento oficioso. Isso resulta, nomeadamente dos seguintes:
a) Desde há muitos anos, (pelo menos desde 1951 – doc fol. 29) que o requerido é conhecido por C.Miranda Seixas
b) Não se mostra questionada a paternidade.
c) Decorreram mais de 20 anos desde a data da transcrição do seu nascimento, até que o requerido, agora com 91 anos de idade, foi citado.
d) O requerido não participou na emissão da certidão que serviu de base à transcrição.
Não restam dúvidas de que o requerido, pelo menos desde Maio de 1983, tem face à administração portuguesa, tratamento de português. Também o requerido, que nasceu em 1912 em Angola e até à independência desse estado foi português, pelo menos desde 1983, viu consolidado esse entendimento, agora ao abrigo do regime contido no DL 308-A/75, o que ocorre há mais de vinte anos.
Para efeitos da conservação da nacionalidade portuguesa, limitou-se o requerido a juntar certidão (exigida) emitida pelo pároco da freguesia onde foi baptizado, com a assinatura do mesmo (pároco) reconhecida no Consulado Geral de Portugal.
Nos termos do disposto no art. 266 CRP, a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses protegidos dos cidadãos. Os órgãos e agentes da administração estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, conforme dispõe o art. 2 CRP. Em sede de direitos liberdades e garantias, dispõe o art. 26 CRP, que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal ... cidadania. A privação da cidadania, (art. 26 nº 3 CRP) e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei... O direito a ter uma nacionalidade, encontra ainda assento na Declaração Universal dos Direitos do Homem, onde no art. 15º se dispõe que todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade e que ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade.
A «nacionalidade» constitui pois um direito fundamental do indivíduo, pelo que a sua privação, não se compadece com a mera finalidade de se reparar um erro da administração pública, sendo certo que ao requerido não pode imputar-se qualquer responsabilidade, pois que o documento que entregou foi emanado da autoridade para o efeito competente e atesta facto verdadeiro.
É ainda incompreensível, que a administração deixe decorrer período tão dilatado (mais de vinte anos), para depois de ter criado fundadas expectativas junto de um cidadão, quanto à conservação da nacionalidade portuguesa, vir agora invocar facto para dar sem efeito tal acto, sem que ao cidadão seja imputado qualquer conduta posterior ao referido acto. Num estado de direito, o princípio da segurança jurídica tem também relevância.
Dispõe o art. 334 CC, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Como vem sendo entendimento da jurisprudência, «esta figura complexa é uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais, de janelas por onde podem circular lufadas de ar fresco, com que o julgador pode obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido (Manuel Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, 63 e segs; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3º edição, 60 e segs.; Pires de Lima e Antunes Varela, C Civel Anotado, vol. I, 4º edição, 299» (citação extraída do Ac STJ de 02.07.96, consultável na internet, www.dgsi.pt/jstj).
No caso presente, deferir a manutenção da nacionalidade de cidadão oriundo dos territórios africanos que acederam à independência, deixar decorrer mais de vinte anos, criando no cidadão a fundada convicção de que a sua situação quanto à nacionalidade se havia consolidado e vir depois, sem qualquer conduta posterior por parte do cidadão invocar vício, susceptível de originar a perda da nacionalidade, repugna particularmente ao sentimento jurídico prevalecente na comunidade, atentas as circunstâncias do caso, pelo que a existir o direito invocado, sempre se verificaria «abuso de direito».

DECISÃO
Em face do exposto, decide-se:
1- Julgar improcedente por não provada a acção de justificação judicial, para declaração da nulidade e cancelamento dos registos de atribuição da nacionalidade e nascimento, contra C. Seixas, absolvendo-o do pedido.
2- Sem custas.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2004.
Manuel Gonçalves
Urbano Dias
Gil Roque