Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7404/2004-4
Relator: SIMÃO QUELHAS
Descritores: LEGITIMIDADE PARA RECORRER
CITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - As pessoas que directa e efectivamente sejam prejudicados pela decisão, ainda que não sejam partes podem dela recorrer (art. 680º nº 2 do CPC).
II - O facto de o recorrente - pessoa em que foi feita a citação - ter sido encontrado na sede da Ré, ter indicado como sua residência, o mesmo local onde residia, ou residia, um dos sócios da Ré e mesmo ter alegado que é divorciado da actual e única sócia e gerente da Ré, não é suficiente para, com segurança, se concluir que tenha, ou tivesse, a qualidade de empregado ou representante da Ré. Daí que se considere haver falta de citação da Ré.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Seccção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

(A) intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa com processo comum contra ADL – Academia de Dança de Lisboa, Ld.ª, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe os créditos salariais vencidos no montante de € 10.417,60, a indemnização por antiguidade no montante de € 7.135,98 e juros de mora vencidos e vincendos, considerando as datas dos respectivos vencimentos, até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que:
foi admitida ao serviço da R. em 1 de Outubro de 1997 mediante contrato de trabalho a termo certo, tendo passado a desempenhar por conta e no proveito da R., a sua actividade de professora de dança clássica;
o contrato sofreu uma renovação em 1 de Outubro de 1998 e aditamentos em 4 de Outubro de 1999 e 29 de Setembro de 2000;
rescindiu o contrato, ao abrigo da Lei 17/86 de 14 de Junho, em 1 de Setembro de 2003, pois não lhe era pago o vencimento desde Maio de 2003, tendo sido impedida de entrar nas instalações por as mesmas se encontrarem encerradas;
em Setembro de 2002 auferia a remuneração mensal base ilíquida de € 1077,40, a que acrescia o subsídio de alimentação de € 111,93;
em Outubro de 2002, a R. informou-a que a partir daquela data passaria a constar apenas a quantia de € 989,84, sendo a restante paga a título de prémio, o que se manteve desde Outubro de 2002 até Abril de 2003;
a R. deve-lhe o subsídio de Natal de 2002, no montante de € 1.077,40, os vencimentos referentes aos meses de Maio até 10 de Setembro de 2003, no montante global de € 4.668,73, os créditos salariais vencidos à data da cessação do contrato de trabalho, nomeadamente férias e respectivo subsídio vencidos em 2003 e os proporcionais das férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, no montante global de € 4.309,59, diferenças de vencimento no montante de € 361,88 e indemnização por antiguidade no montante de € 7.135,98.
Foi enviada carta registada com A/R, dirigida para a morada da Ré, para citação da Ré, que não foi entregue pelo carteiro, tendo este assinalado, que não atendeu.
Seguidamente, em cumprimento de Mandado Judicial, através de Oficial de Justiça, em 18/12/2003, procedeu-se à citação da Ré, no domícilio desta, na pessoa de (T), a quem foram entregues o duplicado da petição e os documentos que a acompanhavam, mas que se recusou a assinar a certidão de citação, pelo que esta foi assinada pelo Oficial de Justiça e por três testemunhas que o acompanhavam.
Em 5 de Janeiro de 2004, o referido (T), residente na Rua ... , em Lisboa, requereu ao M.mº Juiz, que seja considerada nula e de nenhum efeito a citação constante da certidão de fls. 55, alegando que não é gerente, nem representante, nem empregado da R. e que não tem qualquer contacto com a actual única sócia e gerente da R., (B), da qual se divorciou em 15 de Outubro de 2002.

Procedeu-se à audiência de partes, a que não compareceu qualquer representante da Ré, pelo que esta foi condenada em multa e ordenado que se aguardasse o decurso do prazo da contestação.

A A. respondeu ao referido requerimento, concluindo que deverá ser considerada válida e regular a citação da R. efectuada nos autos.

Após junção da certidão de matrícula e inscrições da Ré, constantes nos registos da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e, não tendo a Ré contestado no respectivo prazo, o M.mº Juíz proferiu decisão, em que:
- indeferiu o requerimento, com custas do incidente por (T), fixando-se a taxa de justiça em uma UC (art. 16º do Código das Custas Judiciais);
- condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 17.553,58 (dezassete mil quinhentos e cinquenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida de juros à taxa legal desde as datas dos vencimentos dos valores em dívida até integral pagamento e a pagar as custas.

Inconformado com a decisão, o referido (T) apresentou recurso de agravo, com alegações e as seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido ao indeferir o requerido a fls. 56 e seguintes e ao considerar válida e regularmente efectuada a citação da Ré, realizada na pessoa do recorrente, efectuou uma errada interpretação da lei e violou o disposto nos artigos 231.º, n.ºs 1 e 3, 236.º, 237.º, 239.º, 240.º e 241.º todos do Código de Processo civil.
2. As sociedades são citadas na pessoa dos seus legais representantes, podendo, ainda, considerar-se pessoalmente citadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede (artigo 231.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.C.).
3. Tendo-se frustrado a citação postal da sociedade Ré, deveria ter sido tentada a citação postal da representante legal, mediante carta registada com aviso de recepção - o que não foi feito.
4. A citação por funcionário judicial implicava o contacto pessoal do funcionário judicial com o citando.
5. Neste caso, a legal representante da Ré.
6. Mesmo que se entendesse que bastava o contacto com um empregado da sociedade, a verdade é que, o Recorrente não é empregado da Ré.
7. Nem tem qualquer vínculo que o obrigasse a comunicar a nota de citação à Ré.
8. Mais, dos autos não resulta, com a mínima segurança, que o Recorrente fosse empregado da Ré, ou que mantivesse com a mesma um vínculo que o obrigasse a fazer tal comunicação.
9. Não havia, pois, fundamento para considerar válida a citação tentada efectuar através do ora Recorrente.
10. Não havia, por isso, também, fundamento para indeferir o requerido pelo ora Recorrente, nem consequentemente para o condenar em multa.
11. Aliás, a conduta do ora Recorrente não pode deixar de ser considerada como diligente e de colaboração com a Justiça.
12. O douto tribunal "a quo" deveria ter considerado nula a citação face aos dados disponíveis, por inobservância das formalidades prescritas na lei (artigos 194.º, alínea a) e 198.º, n.º 1, 201.º, n.º 1 e 202.º, todos do Código do Processo Civil), com as legais consequências ou, quando muito, ordenado a realização de diligências destinadas a esclarecer factos alegados no aludido requerimento do ora Recorrente.
13. Deve, pois, ser revogado o douto despacho recorrido.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido, com as legais consequências, designadamente, anulando-se o processado seguinte à petição inicial ou ordenando-se a realização das diligências que se entendessem necessárias.

A Recorrida (A.) contra-alegou, tendo concluído:
1. Nos termos do preceituado no art° 680º do C.P.C. não sendo o Recorrente parte principal na causa e não sendo directamente prejudicado pela decisão proferida deve o recurso ser liminarmente rejeitado por ilegitimidade do Recorrente.Se assim não se entender, no que não se concede sempre se dirá que
2. Nos termos do n° 2 do art° 233° do C.P.C. a citação pessoal é feita mediante carta registada com aviso de recepção ou contacto pessoal do funcionário judicial com o citando.
3. Nos termos do n° 1 do art° 239° do C.P.C. frustrada a via postal, a citação é efectuada mediante contacto pessoal.
4. Nos termos do n° 3 do art° 231° do C.P.C. as pessoas colectivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede.
5. Tem sido unanimemente entendido pela Doutrina e Jurisprudência que não é relevante a qualidade da pessoa que recebe a notificação desde que o local corresponda ao da sede social da Ré.
6. O Meritíssimo Juíz sempre poderia optar pela citação pelo correio ou pela citacão por oficial de justica, nos termos das disposições acima citadas.
7. Para além de válida e regular a modalidade de citação através de funcionário judicial revelou-se também a mais adequada e eficaz atento o princípio da economia e celeridade processual e a data já designada e notificada à A. e sua mandatária, para a Audiência Prévia.
8. Nos termos do art° 237° do C.P.C. recorre-se à citação através do representante legal quando no local da sede não se encontre nem o legal representante nem qualquer empregado nos termos da interpretacão jurisprudencial e doutrinal dominante acima referida.
9. Ora, no local da sede encontrava-se o Recorrente, pessoa que pode receber a citação nos termos do nº 3 do art° 231° do C.P .C.
10. Denota-se claramente dos presentes autos a tentativa da R. em se furtar à citação duma forma ilegalmente inadmissível.
11. E mais não se consubstanciando a atitude da R. e Recorrente senão como uma forma fraudulenta e com intuito dilatório de aquela se furtar á acção da justiça o que até os pode fazer incorrer em litigância de má-fé, nos termos do art° 456° do C.P.C.
12. A omissão da R. em não se querer inteirar dos contactos feitos no local da sua sede social ou não se acautelar quanto à idoneidade e sentido de responsabilidade das pessoas que se encontram no local da sua sede social só à mesma lhe é imputável devendo suportar as consequências legais dessa omissão.
13. Inteiro cabimento tem, assim, o despacho que considera a R. regular e validamente citada em 18 de Dezembro de 2003 na sua sede na pessoa do Recorrente depois de o Meritíssimo Juiz ter tido o cuidado de averiguar junto da Conservatória do Registo Comercial a morada da sede social da R. e verificando-se que a mesma coincide com a que consta da certidão de citação de fls.55.
14. Tendo assim efectuada correcta interpretação e aplicação da lei.
Termos em que deverá ser liminarmente rejeitado o presente recurso por ilegitimidade do Recorrente.
A assim não se entender,
Não merecendo o despacho recorrido qualquer censura, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido nos seus precisos termos.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a decidir são as seguintes:
- se o Recorrente tem legitimidade;
- se a citação da Ré é nula e consequências.

II – Fundamentos de facto

Com interesse para a decisão, mostram os autos o seguinte:
1. (A) intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa com processo comum contra ADL – Academia de Dança de Lisboa, L.da, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe os créditos salariais vencidos no montante de € 10.417,60, a indemnização por antiguidade no montante de € 7.135,98 e juros de mora vencidos e vincendos, considerando as datas dos respectivos vencimentos, até integral pagamento.
2. Foi enviada carta registada com A/R, para a morada da Ré, para citação desta, que não foi entregue pelo carteiro, tendo este assinalado, que não atendeu.
3. Seguidamente, em cumprimento de Mandado Judicial, através de Oficial de Justiça, em 18/12/2003, procedeu-se à citação da Ré, no domícilio desta, na pessoa de (T), a quem foram entregues o duplicado da petição e os documentos que a acompanhavam, mas que se recusou a assinar a certidão de citação, pelo que esta foi assinada pelo Oficial de Justiça e por três testemunhas que o acompanhavam.
4. Em 5 de Janeiro de 2004, o referido (T), indicando, como sua residência, a Rua ..., em Lisboa, requereu ao M.mº Juiz, que seja considerada nula e de nenhum efeito a citação constante da certidão de fls. 55, alegando que não é gerente, nem representante, nem empregado da R. e que não tem qualquer contacto com a actual única sócia e gerente da R., (B), da qual se divorciou em 15 de Outubro de 2002.
5. Procedeu-se à audiência de partes, à qual não compareceu qualquer representante da Ré, pelo que esta foi condenada em multa e ordenado que se aguardasse o decurso do prazo da contestação.
6. A A. respondeu ao referido requerimento, concluindo que deverá ser considerada válida e regular a citação da R. efectuada nos autos.
7. Após junção da certidão de matrícula e inscrições da Ré, constantes nos registos da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e, não tendo a Ré contestado no respectivo prazo, o M.mº Juíz proferiu decisão, em que indeferiu o requerimento, com custas do incidente por (T), fixando-se a taxa de justiça em uma UC e condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 17.553,58 (dezassete mil quinhentos e cinquenta e três euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida de juros à taxa legal desde as datas dos vencimentos dos valores em dívida até integral pagamento e a pagar as custas.
8. Consta do registo comercial (doc. a fls, 83 e sgs. dos autos) que a Ré tem a sede na Rua Visconde de Santarém, 71-B, Lisboa, tem dois sócios - (B), solteira, maior, residente na Rua ..., Lisboa e (C), c.c. (H), na comunhão geral, residente na Rua ..., Lisboa – e a gerente designada é a referida (B).

III – Fundamentos de direito

A) A questão da legitimidade do Recorrente

A Recorrida (A.) conclui, que:
Nos termos do preceituado no art° 680º do C.P.C. não sendo o Recorrente parte principal na causa e não sendo directamente prejudicado pela decisão proferida deve o recurso ser liminarmente rejeitado por ilegitimidade do Recorrente.

Estabelece o artigo 680.º do C. do Processo Civil ( Quem pode recorrer)
1. Os recursos, exceptuada a oposição de terceiro, só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2. Mas as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.

Resulta deste preceito legal, que normalmente quem tem legitimidade para recorrer é apenas a parte (parte principal) vencida.
No entanto, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, aos próprios terceiros é lícito recorrer se forem directa e efectivamente prejudicados por uma decisão.
Como refere J. A. dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, volume V, pág. 272) constava do Projecto daquele código, como desvio da regra geral, o seguinte: « Mas as pessoas directamente prejudicadas por uma decisão que tenham provocado, podem recorrer dela, embora não sejam partes na causa ou sejam partes acessórias», tendo a Comissão Revisora deliberado que se suprimissem as palavras « que tenham provocado».
Daí, conclui o ilustre Mestre: « não é necessário, pois, que o despacho de que se pretende recorrer tenha indeferido ou desatendido algum requerimento, pedido, ou pretensão formulado pelo recorrente; basta que este haja sido prejudicado directamente pela decisão que pretende impugnar».
No caso dos autos, o Recorrente tem legitimidade para recorrer da decisão do incidente que suscitou, tendo em conta que (o Recorrente) entendia que a citação da ré não podia ser efectuada na sua pessoa, o que não foi atendido pelo M.mº Juiz que indeferiu o requerimento e condenou o ora Recorrente nas custas do incidente.
Por força desta decisão, o ora Recorrente sofreu um prejuízo actual e positivo, já que foi condenado nas custas do incidente. Também poderia eventualmente sofrer danos futuros, no caso de vir a ser demandado pela Ré, por perdas e danos decorrentes de não entregar, a esta, a nota de citação e os documentos que foram entregues. Tendo em conta, que o Recorrente já sofreu um prejuízo actual e positivo, por ter sido condenado nas custas do incidente, tem interesse próprio na interposição do recurso, pelo que tem legitimidade e podia interpô-lo, como interpôs, a fim de discutir, nesta instância, a bondade e o acerto da decisão recorrida.

B) A questão da alegada nulidade da citação da Ré

O M.mº Juiz decidiu que a citação da Ré foi válida e regular, tendo apreciado a questão nos seguintes termos:
«Cumpre decidir:
Conforme resulta de fls. 54 e 55 a R. ADL – Academia de Dança de Lisboa, L.da foi citada em 18 de Dezembro de 2003, na Rua Visconde de Santarém, 71-B, em Lisboa na pessoa de (T).
Da certidão de fls. 82 e seg.tes, emitida em 12 de Abril de 2004, consta que a R. tem sede na Rua Visconde de Santarém, 71-B, em Lisboa e que (B) não é a única sócia da R., sendo igualmente sócio (C), residente na Rua ..., em Lisboa.
Nos termos do art. 231º, nº 3 do Código do Processo Civil, as sociedades consideram-se pessoalmente citadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.
«Por empregado deve entender-se não apenas o subordinado com vinculação formal em termos de contrato de trabalho, mas também qualquer pessoa ligada á pessoa colectiva (lato sensu) por um vínculo, de natureza civil (maxime de prestação de serviços) ou por outro, que a constitua no dever de lhe comunicar a ocorrência de actos praticados por terceiro que a tenham por destinatário ou lhe digam respeito» (Lebre de Freitas, Código do Processo Civil Anotado, vol. I. pág. 384).
Residindo (T) no mesmo local que o sócio (C), é manifesto o dever de lhe comunicar a citação, a qual é válida e regularmente efectuada.».

O Recorrente vem pedir a procedência do recurso e, em consequência, a revogação do despacho recorrido, com as legais consequências, designadamente, anulando-se o processado seguinte à petição inicial ou ordenando-se a realização das diligências que se entendessem necessárias.
Afigura-se-nos, que o agravo terá de proceder, por entendermos, que a citação efectuada não respeitou as normas legais aplicáveis.

Nos termos do artigo 23.º do Código de Processo do Trabalho, a citação da Ré devia ser efectuada com as regras estabelecidas no Código de Processo Civil.
Tendo em conta o disposto nos artigos 234.º, n.º1, 233.º e 236.º do Código do Processo Civil, a Secretaria do Tribunal devia oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, proceder à citação da Ré, enviando carta registada com aviso de recepção, para a sua sede, o que foi feito, tendo em conta a factualidade acima referida (n.º 2) - Foi enviada carta registada com A/R, para a morada da Ré, para citação desta, que não foi entregue pelo carteiro, tendo este assinalado, que não atendeu.
Como a citação não foi obtida, devia proceder-se seguidamente conforme o disposto no artigo 237.º do Código do Processo Civil, procedendo-se à citação do representante, mediante carta registada com aviso de recepção, remetida para a sua residência ou local de trabalho, nos termos do disposto no artigo 236.º.
Acontece, que em vez disso, foi emitido Mandado Judicial para citação, que foi cumprido, pelo Oficial de Justiça, que em 18/12/2003 procedeu à citação da Ré, no domícilio desta, na pessoa de (T), a quem foram entregues o duplicado da petição e os documentos que a acompanhavam, mas que se recusou a assinar a certidão de citação, pelo que esta foi assinada pelo Oficial de Justiça e por três testemunhas que o acompanhavam. (factualidade do n.º 3).
Entendemos, que com este tipo de procedimento, pretendia-se a citação, pessoal, ou quase pessoal, da Ré. Tratando-se de um tipo de citação mais solene e que, em princípio, dá maiores garantias de o Réu vir a conhecer a acção contra si proposta e, consequentemente assegurando-lhe boas condições de poder defender-se, em princípio, esta citação não seria ilegal ou nula.
Parece que na citação da Ré, fez-se uso do disposto no artigo 239.º, n.ºs 1 e 9.º do Código do Processo Civil – citação mediante contacto pessoal, feita por funcionário judicial conjugado como disposto nos n.ºs 1 e 3, do artigo 231.º do C.P.C..
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 231.º do Código de Processo Civil, a Ré devia ser citada na pessoa dos seus legais representantes, ou seja, no caso dos autos, na pessoa da sócia-gerente, ou pelo menos, na pessoa do outro sócio da Ré.
No n.º 3 do mesmo preceito legal, estabelece-se ainda, com idêntico valor e efeitos, a citação quase-pessoal das pessoas colectivas e das sociedades, referindo este número:
As pessoas colectivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.
Assim, no caso dos autos, para a Ré se poder considerar pessoalmente citada, era necessário, pelo menos, que:
- a citação fosse efectuada na sede da Ré ou no local onde funciona normalmente a sua administação;
- na pessoa de qualquer empregado (ou, preferencialmente, na pessoa de legal representante).
O 1.º requisito – citação na sede da Ré ou no local onde funciona normalmente a sua administação – encontra-se preenchido.
Porém, já o mesmo não acontece quanto ao 2.º requisito - citação na pessoa de qualquer empregado (ou, preferencialmente, na pessoa de legal representante) – tendo em conta que a Ré foi citada na pessoa de (T), não estando comprovado que este seja empregado ou representante da Ré.
Na verdade, nem a certidão de citação (fls. 55) refere aquelas qualidades ou atributos, limitando-se a mencionar o n.º do B.I. do referido Telmo e o respectivo Arquivo de Identificação, nem tal é comprovado pelos demais documentos juntos aos autos, designadamente, a certidão da Conservatória do Registo Comercial (fls. 82 e sgs.).
O facto de o Recorrente ter sido encontrado na sede da Ré, ter indicado, como sua residência, o mesmo local em que reside, ou residia, um dos sócios da Ré (que já terá falecido) e, o mesmo ter alegado que é divorciado da actual única sócia e gerente da Ré, não é suficiente, para com segurança, se concluir que tenha, ou tivesse, a qualidade de empregado ou de representante da Ré. Daí resulta, que se considere haver falta de citação da Ré, já que foi efectuada na pessoa do ora recorrente, não estando apurado ou certificado que este seja empregado ou representante da Ré e cabendo o respectivo ónus da prova dessas qualidades, à A. (ora Recorrida).
A Recorrida invoca vária jurisprudência no sentido de que não é relevante a qualidade da pessoa que recebe a notificação, desde que o local corresponda ao da sede social da ré, defendendo que pelo facto de o Recorrente, na altura, se encontrar na sede da Ré, podia efectuar-se a citação da mesma Ré, na pessoa daquele.
Não é de atender a argumentação da Recorrida, sendo certo que a jurisprudência, que invoca, refere-se à citação ou notificação de pessoas colectivas ou sociedades, por carta registada enviada para a sede das mesmas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa (que na sede do destinatário) assine o recibo ou aviso de recepção, assim se cumprindo o Regulamento do Serviço Público de Correios.
Ou seja, nos casos da citada jurisprudência, trata-se de citação pessoal através de carta registada com aviso de recepção, ao passo que no caso dos autos se trata de citação pessoal por contacto pessoal, sendo certo, que não está assegurado ou certificado, que a pessoa (o ora Recorrente), em que a Ré foi citada, seja seu empregado ou representante legal.
Houve, assim, omissão de citação – artigo 195.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil - já que a Ré foi citada em pessoa que, não está comprovado ou certificado, seja seu empregado ou representante legal, pelo que é nulo todo o processado depois da petição, salvando-se apenas esta – artigo 194.º e sua alínea a), do C.P.Civil.
São, assim, procedentes as conclusões do recurso.


IV – Decisão

Nestes termos, acordam em conceder provimento ao agravo, pelo que se declara nulo todo o processado depois da petição, salvando-se apenas esta, devendo na 1.ª instância proceder-se à citação da Ré, seguindo o processo os seus normais termos.





Custas do agravo, pela Recorrida.
Custas da acção, pelo vencido a final.

Lisboa, 19/01/05

Simão Quelhas
Seara Paixão
Ferreira Marques