Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ADRIANO | ||
Descritores: | PRISÃO PREVENTIVA PRESSUPOSTOS PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/13/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I - O art. 212º CPP regula os casos de revogação ou de substituição da medida de coacção por outra menos gravosa e o art. 203º do mesmo diploma prevê a imposição de medida mais gravosa que a anterior. Mas em ambos os casos a lei pressupõe sempre que algo mudou entre a primeira e a segunda decisão, conforme vem sendo acentuado pela jurisprudência. Em caso algum pode o juiz, sem alteração dos dados de facto ou de direito, “repensar” o despacho anterior ou, simplesmente, revogar a anterior decisão. É que, também aqui, proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao seu objecto - art. 666.º, nºs 1 e 3 do CPC. II - O princípio da igualdade é entendido como limite à discricionariedade, não vedando, porém, a lei a realização de distinções, antes proíbe a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio. III - Está aquele princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 13.º da CRP, impondo que seja objecto de tratamento igual tudo aquilo que, essencialmente, for igual, devendo, por outro lado, ter tratamento desigual o que for dissemelhante. Não proíbe a efectivação de distinções. Imprescindível é que estas sejam estabelecidas com fundamento material bastante, que se não apresentem como irrazoáveis ou arbitrárias. IV - É perfeitamente possível, sem que seja violado tal princípio, que um (ou mais) dos co-autores de um crime de tráfico de estupefacientes fique(m) em prisão preventiva, enquanto relativamente a outros se decidiu pela liberdade provisória, com sujeição a outras medidas coactivas, nomeadamente a termo de identidade e residência. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO: Após primeiro interrogatório judicial de arguido detido (art. 141.º, do CPP) e na sequência de douta promoção do Ministério Público nesse sentido, a Mm.ª Juíza do 4.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa determinou, por despacho de 13/02/2009, que os arguidos C…O… e C… P… ficassem a aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva, considerando fortemente indiciada a prática, pelos mesmos, de um crime tráfico de estupefacientes, p. p. pelos arts. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas. Findo o inquérito foi deduzida acusação contra os mencionados arguidos e ainda contra dois outros (O… e P…), imputando-lhes a co-autoria do mencionado ilícito, tendo-se pronunciado o MP, no que concerne a medidas de coacção, pela manutenção da prisão preventiva dos ora recorrentes, tomando a seguinte posição quanto aos outros dois: “Pronunciar-me-ei oportunamente”. Remetidos os autos à distribuição, para julgamento, foi, em 23/07/2009, proferido despacho ao abrigo dos arts. 311.º e 312.º, do CPP, que recebeu a acusação e designou data para julgamento dos quatro arguidos, reapreciando a medida de prisão preventiva aplicada aos arguidos C… e C… que manteve. Em 31/07/2009, vieram estes arguidos requerer a substituição daquela medida de coacção por outra não privativa da liberdade, nomeadamente a de obrigação de permanência na habitação com recurso a meios electrónicos. Após promoção do MP no sentido do indeferimento do requerido, foi proferido o despacho de fls. 76 dos presentes autos de recurso, do seguinte teor: «Os arguidos vieram requerer a alteração da medida de coacção prisão preventiva que lhes foi imposta, invocando o apoio familiar de que beneficiam e nessa medida estariam afastados os perigos pressupostos que levaram à aplicação da medida coactiva. Como bem assinala o Exm.º Procurador da República, na promoção que antecede, tal argumento não tem a virtualidade de afastar as circunstâncias que ditaram a aplicação da medida de coacção prisão preventiva a que se encontram sujeitos. Entende-se que continuam reunidos todos os pressupostos que levaram à aplicação dessa medida, pelo que deverão os arguidos aguardar os ulteriores termos do processo na situação em que se encontram. Notifique.” No presente caso, ao impugnar o despacho recorrido, invoca o recorrente, como razões essenciais para a sua discordância: É certo que as medidas de coacção não são imutáveis, já que pelas contínuas variações do seu condicionalismo estão sujeitas à condição “rebus sic stantibus”[3]. No caso da prisão preventiva, é a própria lei que, no art. 213.º, do CPP, determina que o juiz proceda oficiosamente, pelo menos de três em três meses, ao reexame da subsistência dos seus pressupostos. O art. 212.º regula os casos de revogação ou de substituição da medida de coacção por outra menos gravosa e o art. 203.º prevê a imposição de medida mais gravosa que a anterior. Mas em ambos os casos a lei pressupõe sempre que algo mudou entre a primeira e a segunda decisão, conforme vem sendo acentuado pela jurisprudência, nomeadamente deste Tribunal da Relação de Lisboa[4]. Em caso algum pode o juiz, sem alteração dos dados de facto ou de direito, “repensar” o despacho anterior ou, simplesmente, revogar a anterior decisão. É que, também aqui, proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao seu objecto - art. 666.º, nºs 1 e 3 do CPC. No presente caso, após o despacho a decretar a prisão preventiva, nenhum facto ou circunstância ocorreu susceptível de atenuar as exigências cautelares que estiveram na base da aplicação da prisão preventiva aos arguidos C… e C…. Por último, dir-se-á que os recorrentes erraram, em parte, no alvo, ao definirem o objecto do seu recurso. Ao recorrerem do recente despacho que indeferiu o requerimento para substituição da medida coactiva, mantendo a sua prisão preventiva, os recorrentes pretendem atacar, na verdade, os fundamentos do primeiro despacho que a decretou. Só assim se justifica que venham agora questionar a existência dos perigos declarados nesse despacho e acima elencados, requisitos que já haviam sido declarados como verificados, sem impugnação. Ao declarar a inexistência de alteração dos pressupostos de facto e de direito - porque não demonstrado o agora invocado apoio familiar aos recorrentes -, o juiz “a quo” da 2.ª Vara Criminal de Lisboa nada mais poderia mencionar do que a aludida falta de novos elementos, pois não podia invocar o que não existe: novos factos (no sentido de posteriores ao despacho que aplicou a prisão preventiva) que justificassem uma outra decisão, de alteração da medida. Porque não existem esses novos factos a salientar, que possam e devam ser ponderados, outra coisa não poderia ter sido decidido senão manter a medida anteriormente aplicada. Assim sendo, porque não houve alteração dos respectivos pressupostos, a manutenção da prisão preventiva anteriormente decretada quanto aos arguidos ora recorrentes não implicou qualquer violação das normas legais por estes invocadas.
Para terminar, dir-se-á que, com a decisão recorrida, também não é violado o princípio da igualdade. É este entendido como limite à discricionariedade, não vedando, porém, a lei a realização de distinções, antes proíbe a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio. Está aquele princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 13.º da CRP, impondo que seja objecto de tratamento igual tudo aquilo que, essencialmente, for igual, devendo, por outro lado, ter tratamento desigual o que for dissemelhante. Não proíbe a efectivação de distinções. Imprescindível é que estas sejam estabelecidas com fundamento material bastante, que se não apresentem como irrazoáveis ou arbitrarias. É perfeitamente possível, sem que seja violado tal princípio, que um (ou mais) dos co-autores de um crime de tráfico de estupefacientes fique(m) em prisão preventiva, enquanto relativamente a outros se decidiu pela liberdade provisória, com sujeição a outras medidas coactivas, nomeadamente a termo de identidade e residência. Por um lado, os perigos enunciados no art. 204.º, do CPP, podem verificar-se relativamente a uns arguidos e não se verificarem em relação a outros co-arguidos do mesmo crime, como podem ser diferentes os graus de ilicitude e da culpa, bem como as condições pessoais, familiares e profissionais, em suma, ser boa ou má a sua inserção social. No caso presente, duma breve leitura da acusação pública ressalta logo o diferente grau de responsabilidade dos arguidos ora recorrentes relativamente aos outros dois arguidos que foram acusados, sendo muito superior relativamente aos dois primeiros se tivermos em conta a factualidade imputada, já que estes se apresentam como sendo os donos do negócio, aqueles que forneciam a droga a vender pelos outros dois, recebendo destes os respectivos proventos das vendas efectuadas. Ainda que outras diferenças não houvesse, aquela seria só por si justificadora da distinção feita ao nível das medidas de coacção, afastando qualquer suspeita de discriminação ou arbítrio, que não existe, tendo sido respeitado o invocado princípio da igualdade. Conclui-se, pois, pelo não provimento do presente recurso. José Adriano Vieira Lamim ----------------------------------------------------------------------------------------- [3] Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, 1998, 9.ª edição, pág. 434, em anotação ao art. 212.º, para além da inúmera jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente deste Tribunal da Relação de Lisboa.. [4] Cfr. ACRL de 17.01.06, Proc.11896/05-5a.Secção, Rel.:-Agostinho Torres, ali se sublinhando: "Nesta direcção tem vindo a decidir o STJ, propugnando que as decisões judiciais que aplicam medidas de coacção, como quaisquer outras, transitam em julgado. Porém, dadas a particular natureza das exigências que as justificam e a presunção de inocência do arguido, a eficácia do caso julgado, neste domínio, não é absoluta, dependendo da rigorosa manutenção dos pressupostos da respectiva decisão (rebus sic standibus). A decisão que aplica medidas de coacção, uma vez transitada em julgado, é irrevogável enquanto (e só enquanto) se mantiverem inalteráveis os pressupostos que a determinaram". |