Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7676/2007-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: CUSTAS
INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Tendo o processo de inventário para separação de meações terminado já depois da apresentação da relação de bens mas antes de qualquer operação de partilha, em razão da analogia com a situação que ocorre no normativo da alínea g) do n.º 1 do art.º 6 do C.C.J deve este ser aplicado à determinação do valor tributário do mencionado processo. E a soma dos bens em causa é o indicado na relação de bens que de resto se encontra em conformidade (não é sequer aposto em causa) com o valor matricial dos prédios.
(V.G.)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa

I- RELATÓRIO

Inconformada com o teor da decisão de 04/05/07 fls. 91/95 dos autos de inventário/Partilha de Bens Comuns do Casal por força do disposto no art.º 825 do CPC sob o n.º, no 1.º juízo de execução 1.ª secção do Tribunal de Comarca de Lisboa, certificada a fls. 45/50 e que decidiu a reforma da conta ao abrigo do disposto n o art.º 60, n.º 1 do CCJ no sentido de que seja elaborada nova conta atendendo-se ao valor do bem relacionado sob o n.º 2 que deve ser de €486.692,05, dela agravou a interessada acima referida onde conclui:

1. A desistência da instância do incidente apresentado, faz cessar os efeitos do pedido que ali se apresentava;

2. Considerando que a agravante deu ao incidente o valor de €14.963,95 que aquele valor foi definitivamente fixado em face do disposto no art.º 315, n.º 1 do CPC.

3. Considerando que a M.ª Juiz proferiu sentença no incidente sem ter usado do poder legal conferido pelo n.º 2 do art.º 315, o valor oferecido o pela parte de €14.963,95 foi definitivamente fixado em face do disposto no n.º 3 da norma citada, com a prolação da sentença.

4. Transitada em julgado a decisão proferida, formou-se o “caso julgado” formal e material, não sendo permitido que a M.ª Juiz fixe à causa o valor que em devido tempo não ficou nem no caso se aplica o disposto no art.º 669, n.º 2 da situações contempladas nos art.ºs 666 e 667 do CPC.

5. Tendo-se esgotado o poder jurisdicional da M.ª Juiz nos termos do disposto no art.º 666, n.º 1, do CPC, a decisão de que se agrava é ilegal por violação expressa de norma citada bem como fere princípios constitucionais a ques e refere o art.º 202, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa bem como o sub princípio do Estado de Direito Democrático quanto ao respeito pelos sub-princípios da segurança jurídica e estabilidade das decisões judiciais que agora de forma ilegal se colocaria em causa com a decisão recorrida.

6. No entendimento da agravante, a decisão recorrida violou as seguintes normas: art.ºs 156, n.º 1, 295, n.º 2, 315, n.ºs 1, 2, 3666 n.º 1, 671, 672, 673 e 677 do CPC e bem assim o art.º 202, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e art.º 2 da lei fundamental quanto aos sub princípios da segurança jurídica e estabilidade nas decisões judiciais que incumbia ao Tribunal assegurar o que não fez, criando para a agravante uma decisão manifestamente injusta.

Conclui pedindo a revogação da decisão e fixação à acção o valor legalmente estabelecido em face do disposto no art.º 315 do CPC ou seja €14.963,95, caso o Meritíssimo juiz não repare o agravo.

Recebido o recurso, pedidas certidões de peças processuais, foram os autos aos vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mesmo.

Questão a resolver: Saber se tendo a recorrente dado ao processo de separação de meações o valor de €14.963,95, tendo-se fixado esse valor nos termos do art.º 315/1 do CPC, deve ser esse o valor a atender para efeitos de custas.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Estão documentalmente provados os seguintes factos:

1. M em 13/03/2006, por apenso à execução que M move a V  e outros e que corre seus termos pelo 1.º juízo, 1.º secção dos Juízos de Execução de Lisboa sob o n.º , requereu inventário para a separação de bens ao abrigo do disposto nos art.ºs 825/1 e 1406 do CPC, indicando no final como valor o de € 14.963,95;

2. E e M casaram entre si no dia 27/07/1946 catolicamente em Lisboa segundo o regime de comunhão geral de bens conforme certidão de fls. 68/69 que aqui se reproduz;

3. Aos 17/05/2006 a cabeça-de-casal M no referido processo de inventário prestou compromisso de honra e declarações iniciais conforme auto certificado e constante de fls. 70.

4. A cabeça-de-casal apresentou no referido processo de inventário a relação de bens que se encontra corrigida e certificada a fls.71 dos autos onde relacionou dois imóveis um indicando o valor de €89.706,95 outro indicando o valor de €973.384,00.

5. Nesse processo de inventário não houve citação do requerido tendo sido dado cumprimento ao disposto no art.º 1348/1 do CPC conforme fls. 79/80.

6. Por requerimento de 08/11/06 a cabeça-de-casal no inventário veio dizer: “(…) vem, (…) em face do pagamento da quantia exequenda, declarar que perdeu interesse no prosseguimento desta instância que desta forma se tornou inútil e da qual desiste.”, conforme requerimento certificado de fls. 53.

7. Por despacho de 22/11/06 entendeu-se: “No presente inventário em que é requerente M e requerido E, veio a requerente desistir da instância. Assim, considerando que estamos perante um direito disponível, ao abrigo do disposto nos art.ºs 295, n.º 2, 296, n.º 1, 299, todos do Código do Processo Civil, julgo válida a presente desistência, nos termos do art.º 300, n.º 3, do Código do Processo Civil, pondo, deste modo termo ao presente processo. Custa pela requerente. Registe e notifique. Lisboa 22/11/2006.”

8. Elaborada a conta aos 29/03/07, que consta de fls. 26 onde se considerou o valor tributário de €1.063.090,90 e a responsabilidade de custas da requerente a 100%, considerou-se a taxa de justiça de €10.224,00, deduziu-se a taxa já paga de € 133,50 e apurou-se o total a pagar de € 10.090,50.

9. Notificada a conta à requerente aos 30/03/07 dela veio a reclamar o que levou a que a senhora escrivã da Secretária Geral das Execuções de Lisboa desse o parecer que se encontra a fls. 33 ao abrigo do disposto no art.ºs 61, 5/5, 6/1/g e h) e 14 do C.C.J. e considerou correcta a conta.

10. O Ministério Público ouvido sustentou em suma que se deveria notificar a cabeça-de-casal para nos termos do n.º 2 do art.º 1346 do CPC corrigir o valor que atribuiu aos imóveis e que se elaborasse oportunamente nova conta.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Matriz jurídica relevante: art.ºs 61, 62, 64,5 6, alíneas g) e h), 14/1/e, 305, n.ºs 1 e 2, 315 do CPC.

A conta das custas foi elaborada tendo em mente o valor tributário de € 1.063.090,90 e corresponde à soma dos valores dos prédios tal como indicados na relação de bens.

No despacho recorrido ordenou-se a elaboração de nova conta tendo-se em consideração que o valor do bem relacionado sob o n.º 2 porque adquirido em compropriedade com F sendo apenas titular do direito a metade indivisa do mesmo deveria ser de € 486.692,05 e não de € 973.384,00. Ou seja o despacho recorrido ordena a elaboração de nova conta levando-se em consideração €486.692,05 (verba n.º 2) mais € 89.706,95 (verba n.º 1)

Verdadeiramente a recorrente não impugna que sejam esses os valores matriciais dos prédios, tal como indicado por si na relação de bens e em conformidade com o disposto no art.º 1346/2 do CPC.

O que a recorrente diz é que o “incidente” tem o valor de € 14.963,95 que foi o que ela indicou no requerimento para a separação, valor que se fixou nos termos do art.º 315/1 do CPC, estando esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto a essa matéria não podendo o valor ser alterado sob pena de violação do caso julgado formal.

A toda a causa deve ser atribuído um valor expresso em moeda legal o qual representa a utilidade económica imediata do pedido e deve ser declarado na petição inicial sob pena de recusa pela secretaria (art.ºs 305/1, 467/1/f e 474/e do CPC). Para o efeito de custas e demais encargos legais, o valor da causa é fixado segundo as regras estabelecidas na legislação respectiva (art.º 305/3 do CPC), sendo que nos casos não expressamente previstos no Código das Custas Judiciais se atende para efeitos de custas ao valor resultante da aplicação da lei de processo (art.º 5/1 do CCJ na redacção do DL 324/03 de 27/12, aqui aplicável).

O art.º 6/1/g do C.C.J estatui: “Nos inventários, ainda que haja cumulação, considera-se como valor para efeitos de custas, o da soma dos bens a partilhar, sem dedução de legados nem de dívidas.”

O art.º 6/1/h do C.C.J estatui: “Nos inventários em que não chegue a ser determinado o valor dos bens., o da relação apresentada na repartição de finanças ou o resultante da avaliação que o juiz entenda necessária.”

Ocorre diversidade entre o valor processual da causa, que serve para definir a forma do processo, a competência dos tribunais de pequena instância cível, dos juízos das varas cíveis do tribunal singular e do tribunal colectivo e a admissibilidade do recurso em função da alçada do tribunal e o chamado valor tributário que serve de base à determinação apenas do quantum de custas, mais precisamente na vertente da taxa de justiça.

O valor processual da causa a que se reportam os art.ºs 306 a 313 do C.P.C é subsidiário do valor tributário previsto nos art.º 6 a 11 do C.C.J e a sua fixação reporta-se ao pedido tal como foi concretamente formulado pelo autor ou o requerente.[1]

Dir-se-á, antes do mais, que não sendo incidente processual típico a acção de separação de meações que segue os termos do processo especial de inventário (art.º 1406 do CPC), também se não pode considerar como uma “questão incidental” para efeitos do art.º 16 do C.C.J.

Trata-se de uma verdadeira e própria acção com processo especial que visa a separação de todo o património conjugal por meio das operações de relacionamento e partilha de todo esse património que não apenas dos bens comuns que na execução foram nomeados, acção que não foi distribuída em razão da regra da apensação à execução.

Fixado o valor da causa para efeitos processuais, (designadamente para efeitos de recurso no caso concreto já que a acção corre por imperativo legal por apenso à execução), é admissível um outro valor para efeitos de custas. O valor resultante da lei de processo que releva para efeitos de custas é o que resulta da aplicação das normas respectivas aos factos pertinentes relativos ao pedido e à causa de pedir, e não o que dele derivaria por defeito e deva ser considerado imutável em razão da contingência do acordo expresso ou tácito das partes e omissão de controlo pelo juiz.[2]

Acontece que aquele valor dado pela recorrente à causa em conformidade com as disposições dos art.ºs 305/1 e 467 do C.P.C (€ 14.963,95) não se pode considerar acordado entre a recorrente e requerente do inventário e o requerido (que nem sequer para ele foi citado), já que verdadeiramente o processo especial de inventário para separação de meações não é um processo de partes.

Tudo está em saber se o valor do processo de inventário para efeitos de custas se encontra previsto no C.C.J designadamente nas alíneas g) e h) do n.º 1 do art.º 6.

A alínea h) que refere a relação de bens apresentada na repartição de finanças parece ter sido pensada para os inventários por morte que não aquele de que tratamos.

No caso que nos ocupa o processo de inventário morreu já depois da apresentação da relação de bens mas antes de qualquer operação de partilha. Parece-nos tal como o entende Salvador da Costa[3] que em razão da analogia que ocorre o normativo da alínea g) do n.º 1 do art.º 6 do C.C.J se deve aplicar à determinação do valor tributário do inventário que não suscite operações de partilha. E a soma dos bens em causa é o indicado na relação de bens que de resto se encontra em conformidade (não é sequer aposto em causa) com o valor matricial dos prédios.

Não há aqui que fazer apelo ao valor resultante da aplicação da lei do processo (n.º 1 do art.º 5 do C.C.J.) sempre subsidiária, nesta matéria, das regras do Código das Custas Judiciais.

IV- DECISÃO

Pelo exposto acordam o juízes em negar provimento ao agravo e confirmar a decisão recorrida, devendo a conta ser elaborada em conformidade com o decidido na 1.ª instância.

Custas pela agravante.

Lxa. 28/02/08

João Miguel Mourão Vaz Gomes

Jorge Manuel Leitão Leal

Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro

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[1] Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais, Almedina 2004, pág.99.
[2] Mesmo autor e obra pág. 99.
[3] Obra citada pág. 108.