Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1408/11.1T2SNT.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
HONORÁRIOS E DESPESAS DO AGENTE DE EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE DO IGFEJ
IP.
JUROS COMPULSÓRIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: SENTENÇA ALTERADA
Sumário: 1- Da dimensão interpretativa do nº 6 do art.º 26º do Regulamento das Custas Processuais que se retira do acórdão 2/2015 do Tribunal Constitucional é de concluir pela aplicabilidade dessa norma à acção executiva, no que respeita ao reembolso das quantias pagas pelo exequente com honorários e despesas do agente de execução, na medida em que tais quantias complementam a taxa de justiça paga pelo exequente, assim apresentando a mesma natureza desta, para efeitos de reembolso pelo IGFEJ, IP.
2- Em sede de execução de sentença transitada em julgado que condene o devedor no pagamento de prestação pecuniária, os correspondentes juros compulsórios devidos por força do n.º 4 do art.º 829º-A do Código Civil devem ser liquidados pelo agente de execução, independentemente de tal ser requerido pelo exequente (nomeadamente no requerimento executivo).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Na execução de sentença que Firmino A. propôs contra Ernesto S. e Dalva F., o executado deduziu oposição à execução, tendo a mesma sido julgada por sentença de 15/7/2016 que determinou a parcial procedência da oposição e mais determinou a notificação do exequente para “proceder, na execução, à liquidação da obrigação exequenda em conformidade com o supra decidido quanto à compensação”.
Por requerimento de 24/10/2016 o exequente veio apresentar tal liquidação, aí concluindo que “o executado ainda deve ao exequente o valor de € 7.179,74 (…) a que deverão acrescer juros vincendos até integral e efectivo pagamento”.
Tendo o exequente apresentado requerimento em 20/10/2017 no qual declarou haver recebido do executado a quantia de € 7.180,00, a agente de execução emitiu em 12/2/2017 a nota discriminativa de honorários e despesas com o seguinte teor:


1. HONORÁRIOS E DESPESAS AGENTE DE EXECUÇÃO
DescritivoQuant.Valor UnitárioIVAValor
Despesas de Expediente14,0723,00%4,07
Despesas de Expediente14,0723,00%4,07
Despesas de Expediente14,0723,00%4,07
Despesas de Expediente14,0723,00%4,07
Despesas de Expediente14,0723,00%4,07
Despesas de Expediente11,6223,00%1,62
4.1 - Citação efectiva por via postal520,4023,00%102,00
5.1 - Notificação ou comunicação65,1023,00%30,60
3.4 - Bem penhorado125,5023,00%25,50
4.4 - Citação electrónica210,2023,00%20,40
3.10 - Cancelamento de um bem penhora125,5023,00%25,50
Honorários por Resultados Obtidos1166,2523,00%166,25
Registos15,00 5,00
Registos145,00 45,00
Registos190,00 90,00
IVA90,23
TOTAL SUPORTADO PELO EXEQUENTE622,45
ADIANTAMENTOS223,38
RETENÇÃO NA FONTE
SALDO A SER PAGO PELO EXEQUENTE AO AGENTE399.07
2. CUSTAS DE PARTE (art. 540º e art. 541º do CPC)
DescritivoValor
Honorários e despesas suportadas com o Agente de Execução622,45
Taxa de Justiça inicial25,50
TOTAL A RECEBER647,95
3. DEVIDO AOS COFRES
DescritivoValor
Juros compulsórios1204.33
Taxa de Justiça já paga pelo exequente25.50
SALDO A RECEBER1229.83
4. DEVIDO AO EXEQUENTE
DescritivoValor
Quantia Exequenda7179.74
Custas de parte647,95
Juros civis vincendos e compulsórios (141.63 euros + 1204.33 euros)1345.96
SALDO A RECEBER9173.65
5. RESPONSABILIDADE DO EXECUTADO
DescritivoValor
Quantia exequenda e juros peticionados8525.70
Custas de parte (a pagar pelo IGFEJ)647,95
Custas (outras taxas de justiça)0,00
Juros compulsórios ao Estado1204.33
Pagamento voluntário7180
Pagamento resultante da penhora0,00
VALOR AINDA EM FALTA A SER PAGO PELO EXECUTADO2550.03


Em 24/2/2017 o executado apresentou reclamação a essa nota alegando, em síntese, que:
- Estão-lhe a ser imputados juros civis e juros compulsórios devidos ao cofre quando, na realidade, o despacho que determina o pagamento ao exequente não manda que se requeira duplamente juros civis;
- O valor apresentado pelo exequente para pagamento pelo executado já compreendia os juros devidos, tendo o executado liquidado o valor assim apurado logo que lhe foram apresentados os cálculos pelo exequente, pelo que não são devidos ao exequente os juros indicados na nota;
- Beneficiando de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento dos honorários a agente de execução, os juros devidos ao cofre, bem como honorários da agente de execução, são da responsabilidade do IGFEJ;
- Não são devidas custas de parte porque o exequente não obteve ganho na execução, tendo decaído no pedido que efectuou, e sendo que aquelas deverão ser suportadas pelo IGFEJ.
Conclui pedindo que não seja considerado o peticionado pela agente de execução na nota apresentada, devendo a mesma efectuar as correcções devidas, bem como atender ao decaimento do peticionado, vindo a final a requerer ao IGFEJ quaisquer quantias que ainda lhe possam ser devidas.
Em resposta o exequente alegou, em síntese, que o apoio judiciário concedido ao executado conduz a que os honorários e despesas devidos à agente de execução não devem ser liquidados ao executado, e que os juros compulsórios devem ser liquidados e suportados pelo executado, já que decorrem directamente do art.º 829º-A, nº 4, do Código Civil, devendo prosseguir a execução para cobrança dos montantes assim liquidados.
A agente de execução pronunciou-se no sentido de ter calculado os juros moratórios de acordo com a sentença (proferida no apenso de oposição à execução), mais afirmando que os honorários e despesas que lhe são devidos devem ser suportados pelo IGFEJ e que os juros compulsórios são devidos nos termos invocados pelo exequente.
Após apresentação de parecer pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, nos termos solicitados pelo tribunal recorrido, foi proferido despacho com o seguinte teor (na parte que aqui releva):
c). Do apoio judiciário de que beneficia o executado;
Os honorários ao agente de execução e as despesas por ele efectuadas, pagos pelo exequente, pagamento, esse, que é condição de prosseguimento da execução, saem precípuos pelo produto dos bens penhorados e, caso não seja possível obter tal pagamento precípuo, o exequente pode reclamar o seu reembolso ao executado na execução (arts. 721º, n.º 1, e 541º, do C. P. Civil, e art. 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013, de 29.08).
De tal se exceptua a situação de o executado beneficiar de apoio judiciário, na modalidade de “dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos”, caso em que o mesmo está dispensado do referido pagamento por força do estatuto de beneficiário de apoio judiciário na referida modalidade, o qual não lhe pode, por isso, ser imposto – ver, neste sentido, Ac. RL, de 07.02.2019, relatado por Isoleta Almeida Costa (in www.dgsi.pt).
E ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP não pode, também, ser imputada a responsabilidade do reembolso ao exequente dos supra referidos encargos, pois que nenhuma norma especialmente o prevê, não sendo admissível interpretação analógica do nº 6, do art. 26º, do Regulamento das Custas Processuais, norma excepcional (art. 11º, do Código Civil), nem deve ser efectuada interpretação extensiva da mesma, pois que nada nos permite concluir ser essa a intenção do legislador, sendo obrigação do intérprete atender à letra da lei e presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nºs 2 e 3 do C. Civil);
Do regime do apoio judiciário e da interpretação literal do referido preceito do RCP - no sentido de que beneficiando a parte vencida de apoio judiciário, na modalidade de dispensa prévia de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a parte vencedora apenas fica com o direito a ser reembolsada das taxas de justiça pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP -, nenhuma violação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais assim como à tutela jurisdicional efectiva, consagrados no artº 20º, da Constituição da República Portuguesa, pode resultar, por nenhuma interferência implicar no concreto e efectivo exercício do direito de recurso à via jurisdicional desta parte e este não se apresentar totalmente destituído de riscos e de custos, sendo o risco do exequente de não obtenção do reembolso dos montantes, por si pagos, de honorários e despesas de agente de execução, um normal e previsível risco em todas as acções – Ac. RG, de 10.07.2019, relatado por Eugénia Cunha (in www.dgsi.pt).
Em suma, “tendo o executado, a quem foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo, procedido ao integral pagamento voluntário da quantia exequenda, não poderá ser responsabilizado pelo pagamento das quantias devidas com honorários e despesas ao agente de execução” – Ac. RP, de 10.02.2020, relatado por Carlos Querido (in www.dgsi.pt).
Termos em que está a executada dispensada do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo como, aliás, decorre do apoio judiciário que lhe foi concedido.
d). Da responsabilidade pelos juros compulsórios;
Como tem vindo a ser considerado unanimemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, a sanção prevista no artº. 829º-A, nº. 4 do Código Civil é classificada pela doutrina como uma sanção pecuniária compulsória legal, por ser fixada por lei e automaticamente devida.
Esta sanção opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, não carecendo, por isso, de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo.
Assim, da conjugação do disposto nos artºs 829º-A, nºs 1 e 4 do Código Civil e 716º, nº. 3 do NCPC e por força do que atrás se deixou exposto, não subsistem dúvidas de que os juros compulsórios decorrem automaticamente da lei e são da responsabilidade do devedor/executado, não devendo o exequente ser sancionado com o pagamento de tais juros (cfr. acórdãos da RG de 2/05/2016, proc. nº. 1144/14.5T8CHV e de 11.05.2017, proc. n.º90/14.9TBVFL-E.G1; da RL de 14/05/2013, proc. nº. 4579/10.0YYLSB, acessíveis em www.dgsi.pt).
Sucede que os juros compulsórios integram uma parte devida ao exequente (2,5%) e uma parte devida ao Estado (2,5%).
No caso em apreço, o exequente liquidou a obrigação exequenda nos termos expostos no requerimento de 24.10.2016, não resultando do mesmo qualquer pedido quanto aos juros compulsórios, tendo o executado, voluntariamente, pago o valor nos termos liquidados pelo exequente, sem prejuízo dos juros vincendos a calcular pelo período supra exposto.
Nesta medida, apenas deverá ser calculado o valor dos juros compulsórios devido ao Estado, notificando-se o executado para proceder ao respectivo pagamento, sem prejuízo do eventual prosseguimento da execução, a impulso do Ministério Público, caso o pagamento não venha a ser feito no prazo indicado para o efeito.
(…)
Em face de todo exposto, julgo parcialmente procedente a reclamação apresentada pelo executado, determinando a rectificação da nota discriminativa em conformidade com o supra decidido”.
O exequente recorre deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
i) O ora recorrente vem ocupar o tempo deste Venerando Tribunal, na medida em que discorda em absoluto do despacho aqui em sindicância, no que se refere à questão do “c. Do apoio judiciário de que beneficia o executado”, e bem assim à questão “d. Da responsabilidade pelos juros compulsórios”.
ii) Quanto à primeira questão, o Tribunal a quo entendeu que ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP não pode ser imputada a responsabilidade do reembolso ao exequente dos encargos com o processo.
iii) Salvo o devido respeito, a explanação supra contraria frontalmente a jurisprudência que tem sido aceite pelos tribunais superiores.
iv) Desde logo, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/02/2016 (processo n.º 205209.9TBPDL-C.L1-6, disponível em www.dgsi.pt), ou ainda o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/02/2019 (processo n.º 2702.13.2.YYLSB‑B.L1-8, disponível em www.dgsi.pt), os quais concluíram em sentido contrário ao despacho recorrido.
v) No mesmo sentido se pronunciou a Exma. Sra. Agente de Execução, Dra Maria M., no parecer de 01/10/2020 que se encontra junto aos autos.
vi) É indubitável que quando o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado.
vii) No caso sub judice, e uma vez que o executado beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não poderá ser exigido o pagamento das custas, aí se incluindo os montantes referentes aos honorários do agente de execução.
viii) Ora, o art.º 19º nº 1 do RCP estatui que, se a parte beneficiar de apoio judiciário, os encargos são adiantados pelo IGFEJ.
ix) Mais, o artigo 26º nº 3 al. d) do RCP considera custas de parte a pagar pela parte vencida à parte vencedora os valores pagos a título de honorários ao agente de execução e,
x) no seu nº 6, prevê que, gozando a parte vencida de apoio judiciário, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo IGFEJ.
xi) Posto isto, o entendimento do Tribunal a quo viola os normativos acima identificados, pelo que
xii) deve o despacho recorrido ser revogado e, proferida decisão que reconheça o apoio judiciário concedido ao executado, ordenando que o IGFEJ reembolse o exequente, aqui recorrente, das despesas e honorários do AE, no valor total de 1331,94 Euros (Honorários e Despesas com AE -635,97 Euros + Honorários e Despesas com AE anterior – 695,71 Euros).
xiii) Quanto à segunda questão, o Tribunal a quo começa por reconhecer que a sanção prevista no art.º 829º-A n.º 4 do CC opera de forma automática, não carecendo, por isso, de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo.
xiv) Mas depois, e de forma contraditória, acaba por considerar que não são devidos juros compulsórios ao aqui recorrente na medida em que, o exequente não peticionou juros compulsórios no requerimento executivo.
xv) Ora, considerando que os juros compulsórios previstos no n° 4 do art.º 829º-A do CC são automaticamente devidos, a sua atribuição encontra-se abrangida pelo princípio dispositivo previsto no art. 3.º do CPC, não havendo necessidade de serem requeridos no requerimento executivo, pelo que o argumento invocado pelo Tribunal a quo para além de contraditório, não tem fundamento legal.
xvi) Por conseguinte, o exequente, aqui recorrente, tem inequívoco e automático direito à sanção pecuniária compulsória prevista e regulada no artigo 829°-A, n° 4 do CC, independentemente de o ter formulado tal pretensão no requerimento executivo.
xvii) Esse entendimento foi o sufragado no Ac. da Relação de Lisboa de 01/10/2019, no âmbito do proc. 24586/15.6T8LSB. L1-1 (disponível em www.dgsi.pt), Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/07/2016 (processo n.º 57/12.1TTLRA-A.C1), disponível em www.dgsi.pt), e ainda pelo Ac. do Supremo Tribunal de Justiça decidiu de 18/05/2006, no âmbito do proc. 06S384, (disponível em www.dgsi.pt).
xviii) Pelo exposto, a explanação avançada pelo Tribunal a quo para além de violar as normas acima referidas, contraria frontalmente a doutrina e jurisprudência que tem sido aceite pelos tribunais superiores.
xix) Razão pela qual, pugna-se pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição de modo a que o executado seja condenado a pagar Exequente a quantia a liquidar a título de juros compulsórios (1 185,64 Euros).
Não foi apresentada alegação de resposta.
***
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem-se com:
- O direito do exequente ao reembolso, por parte do IGFEJ, IP, das quantias devidas ao agente de execução, em razão do apoio judiciário de que beneficia o executado;
- O direito do exequente ao recebimento de metade da sanção pecuniária compulsória a que alude o nº 4 do art.º 829º-A do Código Civil.
***
A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
***
Como resulta do teor conjugado dos art.º 541 e 721º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a responsabilidade pelo pagamento das quantias devidas ao agente de execução em sede executiva (quer as correspondentes aos honorários devidos ao mesmo, quer as correspondentes ao reembolso das despesas efectuadas por aquele) cabe ao executado, seja porque saem precípuas do produto dos bens penhorados, seja porque cabe ao executado reembolsar o exequente dos valores que suportou a esse título.
Compreende-se que assim seja já que, ao contrário da sede declarativa, em que está em causa a declaração de um direito, importando essa declaração um grau de vencimento (ou, pelo menos, de aproveitamento) que se repercute na responsabilidade tributária das partes (como resulta do art.º 527º do Código de Processo Civil), em sede executiva está em causa, tão só, a realização coactiva da prestação devida ao exequente, através da execução do património do executado, assim devendo ser o executado a suportar, na íntegra, o custo da actividade jurisdicional correspondente (tal regra resulta, não só do art.º 541º, mas igualmente do nº 1 do art.º 846º, ambos do Código de Processo Civil).
Todavia, beneficiando o executado de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (o que ocorre em razão da insuficiência económica do mesmo), tal custo já não pode ser repercutido na esfera jurídica daquele, antes constituindo uma responsabilidade do Estado.
No entanto, esse custo (que corresponde desde logo ao valor dos honorários e despesas devidos ao agente de execução) tem de ser sempre suportado previamente pelo exequente, porque assim o exige o art.º 721º do Código de Processo Civil, só depois podendo ser o mesmo reembolsado, seja pelo produto dos bens penhorados (quando exista), seja pelo executado (em todos os outros casos em que inexiste qualquer quantia depositada que garanta esse reembolso). Mas no caso de inexistir o referido depósito (designadamente no caso de não ter sido obtido qualquer produto através dos bens penhorados), e beneficiando o executado da referida dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, desde logo está este dispensado de satisfazer ao exequente o valor que o mesmo suportou, com aqueles encargos da execução.
Será, então, que neste caso o exequente fica impossibilitado de ser reembolsado do que despendeu com tais encargos, por não poder obter esse reembolso do Estado?
É que, recorde-se, é ao Estado que compete assegurar o acesso ao direito e aos tribunais a quem careça de meios económicos para suportar os custos decorrentes desse acesso, em condições de igualdade com quem tem meios económicos para suportar tais custos.
O que significa que, no que respeita aos encargos decorrentes da actividade jurisdicional em sede executiva, deve ser o Estado a assegurar que tais encargos não ficam a cargo de quem os suportou em primeira linha, apenas porque o responsável final pela sua satisfação (o executado) não tem meios económicos para tanto.
Ou, dito de outra forma, quando o executado beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com a execução (que compreende os honorários e despesas do agente de execução), os valores que foram satisfeitos pelo exequente a esse título não passam a ser da responsabilidade do mesmo, tendo de ser o Estado a responsabilizar-se por tais encargos, reembolsando-os ao exequente, nos mesmos termos em que o reembolso de taxas de justiça está previsto no art.º 26º, nº 6, do Regulamento das Custas Processuais.
Na decisão recorrida entendeu-se (com recurso ao decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/7/2019, relatado por Eugénia Cunha e disponível em www.dgsi.pt), que a norma em questão (o nº 6 do art.º 26º do Regulamento das Custas Processuais) não era susceptível de aplicação por analogia ao caso da acção executiva, por se tratar de norma excepcional, do mesmo modo que não devia ser efectuada a sua interpretação extensiva, na medida em que inexiste qualquer elemento interpretativo que permita concluir ser essa a vontade do legislador.
No acórdão 2/2015 de 13/1/2015 o Tribunal Constitucional decidiu que a norma em causa não é inconstitucional, “quando interpretada no sentido de que apenas é devido à parte vencedora, quando a parte vencida litiga com apoio judicial, o reembolso da taxa de justiça paga e não de outras importâncias devidas a título de custas de parte”.
Estando em causa o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, o que ficou expresso no acórdão em questão, relativamente ao sentido interpretativo a retirar do referido nº 6 do art.º 26º do Regulamento das Custas Processuais, é que “se litigar é sempre uma “actividade arriscada”, sobretudo pelos custos que comporta e pela incerteza quanto ao resultado da lide, é também certo que essa escala de risco comporta diversas nivelações, havendo de reconhecer-se que ser-se parte vencedora num processo em que a parte vencida litiga com apoio judiciário acaba por revelar algumas especificidades diferenciadoras - algumas delas negativas, outras nem sempre prejudiciais para aquele que teve ganho de causa”. E, por isso, é que se afirma não ser “possível sustentar que a opção do legislador é intolerável ou inadmissível, procurando-se com a diferenciação de tratamento introduzida, atenta a diferença entre as situações, conciliar considerações associadas ao princípio da causalidade, por um lado, com imperativos de praticabilidade económica na administração da justiça e do sistema de apoio judiciário, por outro”.
Ou seja, o que decorre da jurisprudência constitucional em questão é que é possível afirmar níveis de risco no recurso à actividade jurisdicional, expressos na incerteza quanto ao resultado da lide, que justificam que o princípio da tendencial gratuitidade da justiça, para o vencedor, permite que este seja reembolsado do que despendeu com o pagamento da taxa de justiça, mas já não com outros encargos com o processo.
Sucede, por um lado, que na acção executiva esses “outros encargos” apresentam a mesma natureza da taxa de justiça, desde logo porque correspondem ao custo de funcionamento da “máquina judiciária” (na qual se integra necessariamente o agente de execução e a actividade desenvolvida pelo mesmo, face ao modelo de acção executiva implementado em 2003 e desenvolvido desde então, em torno da figura central desse profissional liberal investido em poderes públicos próprios da função jurisdicional do Estado), e sendo que a sua satisfação pelo exequente é indispensável ao prosseguimento da acção executiva (como resulta claro do nº 2 do art.º 721º do Código de Processo Civil). E, por outro lado (como acima já se referiu), na acção executiva não há qualquer “incerteza quanto ao resultado da lide” (entendida a mesma como incerteza quanto à medida do vencimento), já que não está em causa a declaração do direito do exequente, mas a prática dos actos necessários à concretização efectiva do mesmo, através da realização coactiva da prestação que lhe é devida. O que é o mesmo que afirmar que, quando o exequente instaura a execução, já tem a certeza (fundada no título executivo) de dever ser o património do executado a responder pela satisfação efectiva do seu direito à prestação, não tendo de ponderar se vale a pena o “risco” de suportar os valores devidos pela actividade daquele (o agente de execução) a quem está cometida a realização de tais actos necessários à realização coactiva da prestação, apenas porque o devedor (executado) está dispensado de satisfazer tais valores, em razão do apoio judiciário de que beneficia.
Discorda-se assim do raciocínio que emerge da fundamentação constante do referido acórdão de 10/7/2019 do Tribunal da Relação de Guimarães, quando aí se afirma que “como refere o Tribunal Constitucional no mencionado acórdão entre esses riscos estão custos de vária ordem e, mesmo, a incerteza quanto ao resultado da lide e, por isso, está, sempre presente, em cada uma, a incógnita de o recurso à acção vir trazer benefício ou, até, somente comportar prejuízo, por nada se vir a conseguir encontrar no património do devedor”, já que se entende, por um lado, que a referida incógnita quanto ao resultado da acção não é conceito que respeite à acção executiva, e, por outro lado, que os honorários e despesas devidos ao agente de execução não integram o conceito de “custos de vária ordem”, mas antes representam o custo da actividade desenvolvida na execução (nos mesmos termos que a taxa de justiça calculada nos termos da tabela I anexa ao Regulamento das Custas Processuais representa o custo da actividade desenvolvida nas acções declarativas, e tendo presente a evidente diferença de tributação, no que à taxa de justiça respeita, entre as acções declarativas e as acções executivas em que as diligências são realizadas por agente de execução).
Ou seja, face à dimensão interpretativa do nº 6 do art.º 26º do Regulamento das Custas Processuais que se logra retirar da jurisprudência constitucional acima referida, é de concluir pela aplicabilidade dessa norma à acção executiva, no que respeita ao reembolso das quantias pagas pelo exequente com honorários e despesas do agente de execução, na medida em que tais quantias complementam a taxa de justiça (fixada entre ¼ de UC e ½ UC) paga pelo exequente, assim apresentando a mesma natureza desta, para efeitos de reembolso pelo IGFEJ, IP.
E essa mesma dimensão interpretativa também se pode retirar do disposto no art.º 19º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, quando se verifica que é o IGFEJ, IP que adianta os encargos quando a parte beneficia de isenção de custas ou de apoio judiciário, o que significa que a dispensa de pagamento dos encargos correspondentes às quantias devidas ao agente de execução, de que goza o executado, não pode ter o significado de devolver ao exequente uma responsabilidade tributária que não lhe compete, mas antes ao Estado (em substituição do beneficiário do apoio judiciário).
Isso mesmo já afirmou este Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 7/2/2019 referido na decisão recorrida e na alegação de recurso do exequente (relatado por Isoleta Almeida Costa e disponível em www.dgsi.pt), ao concluir que “o exequente recupera os honorários e provisões pagas por via do reembolso das custas de parte, que será junto do IGFEJ porque o executado beneficia de apoio judiciário. (artigo 26º nº 3 e 19º nº 1 do RCP e 45.º da Portaria 282/2013 de 29.08)”.
E, do mesmo modo, o havia afirmado no acórdão de 18/2/2016 referido na alegação de recurso do exequente (relatado por Maria Teresa Pardal e disponível em www.dgsi.pt), ao concluir que da conjugação dos art.º 26º, nº 3, al. d) e 19, nº 1, ambos do Regulamento das Custas Processuais, com o art.º 45º da Portaria 282/2013, de 29/8, resulta que “efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda pela executada a quem foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo, bem como dos honorários com patrono e solicitador de execução, não devem ser liquidadas as quantias devidas com honorários e despesas ao agente de execução, a seu cargo, sendo o respectivo reembolso à exequente a cargo do IGFEJ”.
Assim, nesta parte procedem as conclusões do recurso do exequente, não sendo de manter a decisão recorrida, na parte em que determinou a rectificação da nota discriminativa apresentada pela agente de execução, para que não contemplasse o reembolso ao exequente, pelo IGFEJ, IP, do valor dos honorários e despesas devidos à agente de execução, e antes devendo a nota discriminativa que a agente de execução apresenta considerar tal valor que lhe foi pago a esse título pelo exequente, como quantia cujo reembolso ao mesmo compete ao IGFEJ, IP.
***
Relativamente à questão da liquidação da sanção pecuniária compulsória correspondente aos juros à taxa de 5% a que respeita o nº 4 do art.º 829º‑A, do Código Civil (e sendo que a quantia assim liquidada se destina, em partes iguais, ao credor e ao Estado, por força do disposto no nº 3 do mesmo art.º 829º-A), não sofre qualquer contestação que, como bem se refere na decisão recorrida, tal “sanção opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, não carecendo, por isso, de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo”.
Ora, que significado pode ter tal afirmação, se não o único possível, face ao disposto no nº 3 do art.º 716º do Código de Processo Civil, no sentido de o agente de execução dever proceder à liquidação desses juros compulsórios (mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção em questão), ainda que o exequente não requeira tal liquidação e pagamento, designadamente no requerimento executivo.
Isso mesmo vem sendo afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, como no acórdão de 12/9/2019 (relatado por Tomé Gomes e disponível em www.dgsi.pt), ao concluir que “em sede de execução de sentença transitada em julgado que condene o devedor no pagamento de prestação pecuniária, pelo menos a partir da alteração do artigo 805.º, n.º 3, do CPC, dada pelo Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20-11, actualmente constante do artigo 716.º, n.º 3, do CPC, a correspondente sanção pecuniária compulsória devida por imposição do n.º 4 do artigo 829.º[A] do CC deve ser liquidada a final pelo agente de execução, independentemente de tal ser requerido pelo exequente, nomeadamente no requerimento executivo”.
E constituindo a elaboração dessa liquidação um acto da responsabilidade funcional do agente de execução, não é a circunstância de o tribunal recorrido ter determinado a notificação do exequente para “proceder, na execução, à liquidação da obrigação exequenda em conformidade com o supra decidido quanto à compensação” (sem qualquer suporte legal, adiante-se, face ao disposto no art.º 716º do Código de Processo Civil, que considera cumprido o ónus de liquidação do exequente com a indicação do pedido líquido no requerimento executivo, cometendo ao agente de execução a responsabilidade pela liquidação subsequente dos interesses entretanto vencidos), que conduz à alteração desse regime, com a consequente limitação do direito de crédito do exequente que tem por fonte a referida sanção pecuniária compulsória.
Ou seja, apesar de o exequente não ter feito constar do requerimento de 24/10/2016 o valor que lhe seria devido a título de juros compulsórios, até tal momento (nem tão pouco pediu tais juros no requerimento executivo), tal não impedia a agente de execução de proceder à liquidação dos mesmos juros compulsórios, antes o devendo fazer (como fez), em obediência ao disposto no nº 3 do art.º 716º do Código de Processo Civil.
Aliás, face à literalidade do determinado em sede da sentença de oposição à execução, nem sequer se pode admitir que a liquidação dos juros compulsórios em questão ficou dependente da indicação dos mesmos no requerimento de 24/10/2016, e desde logo porque nenhuma referência foi feita naquele comando judicial a tal liquidação, mas apenas, e tão só, à liquidação da obrigação exequenda, tendo presente a parcial extinção da mesma por força da compensação aí reconhecida.
Ou seja, também nesta parte procedem as conclusões do recurso do exequente, não sendo de manter a decisão recorrida, quando determinou a rectificação da nota discriminativa elaborada pela agente de execução, para que apenas ficasse reflectido na mesma o cálculo da parte dos juros compulsórios devida ao Estado, mas já não a parte dos juros compulsórios devida ao exequente, e antes devendo tal nota discriminativa apresentar o cálculo da parte dos juros compulsórios devida ao exequente, nos mesmos termos do cálculo da parte dos juros compulsórios devida ao Estado.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que determinou a rectificação da nota discriminativa apresentada pela agente de execução, quer no que respeita à não imputação ao IGFEJ, IP da responsabilidade pelo reembolso ao exequente das quantias suportadas com honorários e despesas da agente de execução, quer no que respeita à eliminação do cálculo do valor dos juros compulsórios devidos ao exequente, e mais se substituindo a mesma por esta outra em que:
a) Atento o apoio judiciário de que beneficia o executado, determina que na nota discriminativa apresentada pela agente de execução deve ser feito constar como montante a reembolsar ao exequente pelo IGFEJ, IP o correspondente às quantias suportadas pelo exequente com honorários e despesas pagos à agente de execução;
b) Determina que na nota discriminativa apresentada pela agente de execução deve ser feito constar como montante em dívida pelo executado ao exequente o valor correspondente à parte dos juros compulsórios que é devida ao credor, nos termos dos nº 3 e 4 do art.º 829º, nº 4, do Código Civil.
Sem custas.

1 de Julho de 2021
António Moreira
Carlos Castelo Branco (vencido, nos termos da declaração de voto que segue)
Lúcia Sousa

DECLARAÇÃO DE VOTO
*
Não acompanho o juízo que fez vencimento quanto aos fundamentos e à decisão, lavrando voto de vencido, com sucinta menção das razões de discordância, nos seguintes termos:
1) Embora subscreva a tese de que o artigo 26.º, n.º 6, do RCP se aplica à ação executiva, afigura-se-me que a responsabilidade do IGFEJ se cinge ao reembolso do pagamento da taxa de justiça.
2) De facto, nos termos daquele normativo o IGFEJ, não tem de suportar as despesas com o agente de execução, que revestem natureza diferente da taxa de justiça (cfr. artigo 3.º do RCP), constituindo custas de parte (artigos 533.º do CPC e 26.º, 3, b) do RCP), muito embora tenham a particularidade comum de serem valores que foram pagos pelo exequente.
3) Uma coisa é a vinculação do IGFEJ - que se cinge ao reembolso do pagamento das taxas de justiça; outra, saber quem se responsabiliza pelas custas de parte pagas pelo vencedor, não parecendo ser de impor ao IGFEJ tal pagamento.
4) Foi esse, aliás, o entendimento subjacente ao juízo de não inconstitucionalidade do acórdão n.º 2/2015 do Tribunal Constitucional, reconhecendo que não se mostra violado o princípio da igualdade pelo conteúdo normativo do artigo 26.º, n.º 6, do RCP.
5) De acordo com o exposto, concluiria em sentido diverso do que fez vencimento, subscrevendo a posição expressa, de modo de considero inteiramente adequada, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-04-2021, Processo: 17985/12.7YYLSB-C.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE, no sentido de que, "não se[r] de impor ao IGFEJ o reembolso ao exequente dos honorários e despesas ao agente de execução, concretizado está o risco de ser o próprio exequente a suportar, por impossibilidade de exigir a outrem o respetivo reembolso, aquilo que não pôde deixar de assumir ao instaurar e impulsionar a execução".
6) Assim, sem prejuízo da integral subscrição dos fundamentos e decisão quanto à questão referente ao direito do exequente ao recebimento de metade da sanção pecuniária compulsória a que alude o nº 4 do art.º 829º-A do Código Civil (alínea b) do dispositivo), não reconheceria ao exequente direito ao reembolso, por parte do IGFEJ, IP, das quantias devidas ao agente de execução, em razão do apoio judiciário de que beneficia o executado, pelo que, negaria provimento ao recurso, quanto a essa questão (alínea a) do dispositivo).

Lisboa, 01-07-2021,
Carlos Castelo Branco