Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19765/18.7T8LSB-B.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – A cumulação simples de pedidos (art. 555 do CPC) não depende da conexão objectiva entre eles, ou seja, não depende da verificação de uma das hipóteses do art. 36 do CPC. Dito de outro modo, quando o art. 555/1 do CPC remete para as circunstâncias que impedem a coligação, está só a remeter para o art. 37 do CPC e não para o art. 36 do CPC.
II - O facto de haver dois autores não transforma o caso numa coligação activa. “A coligação pressupõe que, além de uma pluralidade de partes activas ou passivas, é formulado um pedido distinto por cada um dos autores ou é formulado um pedido distinto contra cada um dos réus.”
III – A possibilidade de separação de pedidos, prevista no art. 37/4 do CPC, vale também para a cumulação simples de pedidos.
IV – Se os autores se limitam a dizer, numa conclusão de um recurso contra um despacho saneador que absolveu parcialmente o réu da instância devido à excepção dilatória da ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade de causa de pedir, que “a pretensão dos autores é suportada não só pela verdade material exposta a V. Exas, mas igualmente por normas e princípios jurídicos, os quais apenas reforçam que não existe qualquer ineptidão da petição inicial, nomeadamente porque, através da conjugação dos arts. 31, 36, 37 e 555 do CPC e os princípios da conciliabilidade dos efeitos jurídicos, da inteligibilidade das razões da economia processual e do interesse e da legitimidade processual, só nos resta concluir pela possibilidade de cumulação dos pedidos formulados pelos autores”, não há a indicação, sintética, dos fundamentos pelos quais os autores pedem a revogação daquela decisão (como tinha de haver, por força do art. 639/1 do CPC), pelo que a decisão de absolvição por ineptidão não tem possibilidade de ser discutida, sendo por isso manifesta a improcedência do recurso contra ela.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

Os autores – nesta acção intentada a 05/09/2018 - recorrem do despacho saneador proferido a 28/10/2022, na parte em que julgou procedente a excepção dilatória no que toca ao pedido concernente à “nulidade dos procedimentos instaurados contra os autores” e absolveu o réu da instância relativamente a este pedido - para que tal despacho seja revogado e substituído por outro que “contemple a pretensão dos autores o qual permita a cumulação de pedidos formulados na p.i. [sic], ou seja, de permitir a cumulação e levar a julgamento não só a validade/invalidade da Assembleia Geral Extraordinária de 23/06/2018, mas igualmente os procedimentos disciplinares e as respectivas penas aplicadas aos autores”.
Terminam o seu recurso com alegações nas quais, depois de esclarecerem que aquele despacho foi proferido no âmbito de uma acção declarativa com processo comum “em que se pretendeu anular ou declarar nula a deliberação destitutiva da AGE de 23/06/2018, bem como anular ou declarar nulos os actos pretensamente sancionatórios sob invocação disciplinar a tal objectivo [sic], que tenham visado inibir perturbar ou por qualquer forma atingir - ou tenham efectivamente visado e atingido - a defesa dos direitos dos autores”, dizem, na parte útil, que:
viii – […] não obstante os argumentos apresentados, o próprio despacho reconhece a procedência do carácter extravagante dos processos disciplinares, não podendo o referido despacho limitar o objecto do processo à apreciação única e exclusiva da validade da AG23, ignorando os demais e consequentes actos que foram praticados em função dessa mesma AG!
ix - Relativamente ao primeiro dos argumentos invocados que fundamentaram o despacho, ainda que a AGE de 23/06/2018 não se confunda com os procedimentos disciplinares, porque são factos distintos, os mesmo estão intimamente ligados, na medida que um é consequência directa do outro, não podendo um facto ser desconectado do outro […].
x - O mesmo se pode dizer acerca do segundo argumento, ou seja, no que diz respeito ao facto da AG de 23/06/2018 ter sido realizada pela Mesa da Assembleia, enquanto os procedimentos disciplinares foram realizados pela Comissão de Fiscalização, tratando-se de órgãos distintos[;] volta a referir-se que, ainda que sejam factos distintos, os mesmos estão intimamente ligados, na medida que um é consequência directa do outro, não podendo um facto ser desconectado do outro!
xi - Ainda e não menos importante, existem lapsos em que incorreu o Sr. Juiz a quo, na medida em que, erroneamente, refere que os procedimentos disciplinares são posteriores à propositura da acção, no podendo ser objecto da presente, quando, em verdade, as Assembleias Gerais de apreciação dos recursos interpostos pelos autores é que são posteriores à acção.
(xii) Os procedimentos disciplinares em si, citados diversas e inúmeras vezes na presente acção, ocorreram na sequencia da nomeação da Comissão de Fiscalização e da AG23.
(xiii) Por fim, a pretensão dos autores é suportada não só pela verdade material exposta a V. Exas, mas igualmente por normas e princípios jurídicos, os quais apenas reforçam que não existe qualquer ineptidão da petição inicial, nomeadamente porque, através da conjugação dos arts. 31, 36, 37 e 555 do Código de Processo Civil e os princípios da conciliabilidade dos efeitos jurídicos, da inteligibilidade das razões da economia processual e do interesse e da legitimidade processual, só nos resta concluir pela possibilidade de cumulação dos pedidos formulados pelos autores!
O réu contra-alegou, defendendo o despacho recorrido.
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Questão que importa decidir: se o despacho saneador, na parte em que absolve o réu da instância quanto ao pedido concernente à “nulidade dos procedimentos instaurados contra os autores”, deve ser revogado por, ao contrário do decidido, se verificaram os requisitos necessários à cumulação de pedidos.
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Os factos que importam a esta decisão são os que constam do relatório supra.
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Apreciação:
Da desnecessidade de conexão objectiva para a cumulação simples
Os autores, na petição inicial, formularam os seguintes pedidos:
“deve a presente acção ser declarada procedente e provada, impugnando-se desde já a validade da deliberação destitutiva da assembleia de 23/06/2018, mais se declarando nulos os actos pretensamente sancionatórios sob invocação disciplinar, bem como os processos e procedimentos a tal objectivo tendentes, que tenham visado inibir perturbar ou por qualquer forma atingir - ou tenham efectivamente visado e atingido - a defesa dos direitos dos autores em juízo, ou que sem intervenção da assembleia geral tenham visado sancionar o exercício das competências exclusivas do órgão de direcção e administração, condenando o réu a não repetir as condutas acima mencionadas.”         
Mais tarde, no requerimento de aperfeiçoamento, os autores dizem:
“deve em consequência, ser a deliberação da AGE de 23/06/2018 e os procedimentos disciplinares e a respectivas penas ora em crise, declarados nulos ou anulados.”
Portanto dois pedidos dirigidos contra um só réu.
O despacho recorrido analisa a possibilidade da cumulação destes dois pedidos com base nos requisitos do art. 36 do CPC, ou seja, vê as coisas sobre o prisma da existência ou não da mesma causa de pedir ou de os pedidos estarem entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou de, apesar de a causa de pedir ser diferente, a procedência dos pedidos principais depender essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
E o mesmo faz o réu dizendo, por exemplo, na síntese das suas contra-alegações que:
J - Por outro lado, alegam [os autores] que os procedimentos disciplinares foram instaurados em função da AG de destituição e que a Comissão de Fiscalização foi nomeada porque tal AG ocorreu. Contudo, ainda que tal fosse verdade (o que não se concede), nunca poderia, por si só, ser constitutivo como uma relação de dependência ou prejudicialidade nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 36.º do CPC. Tratam-se de eventos paralelos, cujos responsáveis pelos mesmos são, como já referido, órgãos igualmente paralelos, tendo por base factos e causas de pedir também paralelas.
K - Por fim, alegam os autores que a Srª Juíza do Tribunal a quo se terá contradito ao ter referido que o pedido poderia proceder (o que não se concede) em acção própria e em peditório adequado. Contudo, note-se que o réu foi absolvido apenas parcialmente da instância e não absolvido quanto ao pedido. Logo, tal absolvição não obsta a que os autores tenham direito a uma tutela específica relativamente aos procedimentos disciplinares que deve ser exercida em acção própria e com petitório adequado.
L - Nesse sentido, deve ser confirmada a excepção dilatória inominada respeitante à cumulação ilegal de pedidos por violação dos artigos 555.° e 36.° do CPC.
Ora, a verdade é que o problema da cumulação de pedidos resolve-se apenas com base nas normas dos artigos 555 e 37 do CPC e não com base no art. 36 do CPC. Ou seja, o art. 555 do CPC apenas remete para “as circunstâncias que impedem a coligação”, estando estas apenas previstas no artigo 37 do CPC (como obstáculos/impedimentos processuais à coligação). O artigo 555 não remete para o requisito da conexão objectiva exigida pelo art. 36 do CPC.
Assim, por exemplo,  Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, página 504:
“3. A cumulação de pedidos tanto pode respeitar a relações jurídicas distintas (por exemplo, pede-se a condenação do réu no pagamento da dívida e na entrega de determinado bem de que o autor é proprietário) como à mesma relação jurídica (por exemplo, pede-se a condenação do réu na restituição da quantia mutuada e nos respectivos juros, ou a declaração do direito de propriedade do autor e a condenação do réu na entrega do prédio). No primeiro caso, os pedidos cumulados são autónomos, não sendo sequer exigida qualquer conexão entre eles; no segundo, os pedidos são principais e acessórios.”
Veja-se também, sem qualquer referência ao art. 36 do CPC, Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, 4.ª edição, Gestlegal, 2017, pág. 47, e Introdução ao processo civil, 4.ª edição, Gestlegal, 2017, páginas 210-212; Castro Mendes / Teixeira de Sousa, Manual de processo civil, vol. II, AAFDL/CIDP, 2022, páginas 437-439 (: “A cumulação simples não exige nenhuma conexão entre os pedidos cumulados”), Paulo Pimenta, Processo civil declarativo, 2.ª edição, Almedina, 2014, páginas 161-162; para versões anteriores do CPC, veja-se ainda Madeira de Brito, em Aspectos do novo processo civil, Lex 1997, páginas 41-45; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Almedina, 1981, páginas 157-158; Antunes Varela e outros, Manual de processo civil, 2.º edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 26; repare-se, aliás, que o réu não tinha deduzido a excepção da inadmissibilidade da cumulação de pedidos, nem tinha, uma vez que fosse, falado em qualquer problema relacionado com a cumulação, palavra que nem sequer usou na contestação; contra, exigindo, sem razão, uma conexão substancial entre os diversos pedidos nos termos do actual art. 36 do CPC, veja-se Abrantes Geraldes, Temas da reforma do processo civil, Almedina, 1997, pág. 124, e Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, CPC anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 615.
Portanto, a absolvição da instância, quanto a este pedido, com o fundamento da inadmissibilidade da cumulação de pedidos (art. 36 do CPC), por não se verificar a conexão objectiva pressuposta pela coligação, está errada, pois que aquela conexão não é exigida para a cumulação simples. O facto de haver dois autores não transforma o caso numa coligação activa porque o pedido cumulado era também dirigido contra o réu pelos dois autores e não só por um deles (veja-se Lebre de Freitas, Introdução, pág. 210/nota 7 [: “Assim, constitui coligação (activa) o caso em que A e B dirijam um pedido contra C, mas só A deduza contra ele um outro com o primeiro cumulado”], Castro Mendes / Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 443; e Teixeira de Sousa, CPC online, versão 2022.12, nota prévia 3 aos artigos 30 a 39 “[…] (c) A coligação pressupõe que, além de uma pluralidade de partes activas ou passivas, é formulado um pedido distinto por cada um dos autores ou é formulado um pedido distinto contra cada um dos réus. […].” E nota 1 ao art. 36).
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Possibilidade de separação de pedidos
Apesar do que antecede, a revogação do despacho - com base na improcedência do fundamento por ele invocado da inadmissibilidade da cumulação - não deveria levar ao processamento em conjunto dos pedidos, pois que o caso é típico daqueles em que se deveria ordenar a separação de pedidos.
Ou seja, entende-se que, no caso, haveria razões suficientes (no essencial já apontadas no despacho recorrido) para se concluir pela inconveniência grave em que os dois pedidos fossem instruídos, discutidos e julgados conjuntamente, inconveniente que não seria derivado do processo já ter prosseguido pelo outro pedido, mas sim porque:
- a deliberação da AGE de 23/06/2018, que culminou na aprovação da revogação do mandato dos autores enquanto membros do Conselho Directivo do réu, não se confunde com os procedimentos disciplinares movidos aos autores enquanto sócios, por um outro órgão, estando em causa vícios de forma diferentes.
- a apreciação conjunta de tais vícios, diferentes, de procedimentos diferentes, em processos dirigidos por órgãos diferentes, só iria complicar o a instrução, discussão e julgamento dos dois pedidos, do que é suficiente indício o facto de a acção ter sido intentada em Setembro de 2018 e, no fim de 2022 (4 anos depois), o processo ainda estar na fase do despacho saneador.
A separação poderia ser decidida por este TRL, ao abrigo do art. 665/2 do CPC, pois que a questão não chegou a ser ponderada pelo tribunal recorrido porque julgou inadmissível a cumulação, por falta de conexão objectiva. Mas, se, agora, se tivesse que discutir o que é que devia ser revogado, por arrastamento, em consequência da revogação do despacho, para que pudesse ser instruída a causa (e depois discutida e julgada) quanto aos dois pedidos, a questão colocar-se-ia e teria de ser decidida por este TRL.
E no sentido de que esta possibilidade existe também para a cumulação objectiva simples (sem coligação), veja-se Castro Mendes / Teixeira de Sousa, Manual citado, pág. 443: “[…J]ustifica-se a aplicação do disposto no art. 37/4-5 a essa cumulação: se toda a coligação contém uma cumulação de pedidos, tudo o que vale para a coligação vale igualmente, na parte comum, para a cumulação objectiva (argumento a simile)”, Teixeira de Sousa, CPC online, citado, nota 5(a) ao art. 37, Madeira Brito, obra citada, págs. 44 e 45, e Abrantes Geraldes, obra e local citados.
Mas não há que decidir isto, face ao que se segue.
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Quanto ao fundamento da ineptidão da petição inicial, o réu diz:
M - Por fim, cumpre referir que os autores não recorreram da decisão presente no despacho recorrido, ainda que a título subsidiário, que julgou inepta a petição inicial (e requerimento de aperfeiçoamento) por falta ou ininteligibilidade da respectiva causa de pedir, e assim sempre se dirá que, ao terem excluído do objecto do seu recurso qualquer pronúncia relativa a essa decisão, a mesma não poderá ser apreciada pelo TRL, nos termos dos artigos 608/2, 635/4 e 639 do CPC.
O que o despacho saneador recorrido disse, na parte que agora importa, foi o seguinte:
“E mesmo que assim não se entenda, acresce e avulta a ineptidão da petição inicial quanto a este pedido por falta ou ininteligibilidade da respectiva causa de pedir. É que, neste particular a p.i. é vaga e pejada de afirmações conclusivas, desprovida de um conteúdo factual mínimo, e conforme se assinalou supra, no articulado aperfeiçoado relativamente aos procedimentos disciplinares os autores continuam a socorrer-se essencialmente de juízos conclusivos e afirmações contraditórias. Por exemplo, tanto dizem que as decisões foram proferidas sem qualquer audição, defesa ou participação prévia no procedimento dos autores, como dizem que responderam à nota de culpa (então se responderam à nota de culpa apresentaram a sua defesa). Os poucos factos alegados no requerimento de aperfeiçoamento apenas concernem às datas das notas de culpa do procedimento de suspensão (13/06/2018) e do procedimento de expulsão (23/08/2018), às decisões de suspensão dos autores constantes de decisão de 02/08/2018, ao facto de o processo de expulsão ter sido instaurado na pendência do processo de suspensão, referindo-se de forma vaga “com recurso apresentado, mas não apreciado nem tramitado”. Tudo o mais não passa de juízos valorativos e conclusivos.
Ou seja, os escassos factos alegados (na p.i. e req. de aperfeiçoamento) não consubstanciam vícios de forma dos procedimentos disciplinares, sublinhando-se que a decisão de fundo ou o mérito dos procedimentos disciplinares (isto é a verificação ou não dos ilícitos disciplinares imputados) não se mostra sindicada. A ineptidão parcial é também ela uma excepção dilatória conducente à absolvição parcial da instância (cfr. arts. 186º nºs 1 e 2 al. a) e 577º al. b) do C.P.C.) tal como a falta de interesse em agir nos termos requeridos pelo réu. E não se trata sequer de questão nova no quadro da presente acção.
Destarte, com os fundamentos expostos, julga-se procedente a excepção dilatória no que toca ao pedido concernente à “nulidade dos procedimentos disciplinares instaurados contra os autores”, absolvendo-se o réu da instância relativamente a este pedido.”
Ou seja, o saneador sentença recorrido diz que à inadmissibilidade da cumulação de pedidos acresce a ineptidão da petição inicial. E com estes dois fundamentos julga procedente “a excepção dilatória”. Mas a excepção dilatória deduzida era a de falta de interesse em agir e a excepção dilatória julgada procedente não foi a de falta de interesse em agir.
Ou seja, apesar do texto algo ambíguo, não há aqui uma decisão com um fundamento subsidiário. Há, sim, uma decisão de absolvição da instância, por verificação de duas excepções dilatórias diferentes: uma por inadmissibilidade da cumulação de pedidos e, outra,  por ineptidão da petição inicial derivada da falta ou ininteligibilidade da respectiva causa de pedir.
Ora, quanto a este fundamento – ineptidão da petição - que serviu também para a absolvição da instância por procedência da, melhor, de uma excepção dilatória, os autores não têm, nas conclusões do recurso, a indicação, sintética, dos fundamentos pelos quais pedem a revogação da decisão, como lhes era exigido pelo art. 639/1 do CPC.
Não se pode invocar para o efeito o que consta da conclusão xiii pois esta, por um lado, contém apenas um chavão ou bordão (“a pretensão dos autores é suportada não só pela verdade material exposta a V. Exas”) e, por outro, logo a seguir, no mesmo parágrafo, invoca matéria que não tem a ver com a ineptidão da petição inicial, mas com a inadmissibilidade da cumulação de pedidos, aliás sem qualquer coerência lógica: a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, não tem nada a ver com princípios jurídicos que permitiriam a cumulação de pedidos. Ou seja, não há qualquer indicação minimamente consistente de uma razão para iniciar a discussão sobre se o saneador sentença recorrido tem ou não razão em dizer – e fê-lo dando razões concretas para o efeito - que falta ou é ininteligível a causa de pedir.
E essa falta de razões mesmo que pudesse ser suprida em abstracto pelo que consta do corpo das alegações, não o poderia ser no caso concreto, pois que também nesse corpo não é possível descortinar a indicação dos fundamentos pelos quais os autores pedem a anulação daquela decisão, limitando-se os autores, de outra forma, a afirmar o contrário do que era dito no saneador sentença, ou seja, limitam-se a dizer aquilo que depois dizem na conclusão xiii.
Esse corpo é composto, nesta parte, apenas pelos artigos 51 e 52 (os únicos da parte V) os quais se passam a transcrever:
51. A pretensão dos autores é suportada não só pelos factos acima expostos, através dos quais não restam dúvidas que a petição inicial não pode, de forma alguma, ser considerada inepta, mesmo que apenas parcialmente.
52. Outrossim, as seguintes normas e princípios jurídicos deixam claro que a pretensão dos autores é fundamentada jurídica e processualmente, vejamos: CPC, nomeadamente arts. 31, 36, 37 e 555 princípio da conciliabilidade dos efeitos jurídicos; princípio da inteligibilidade das razões; princípio de economia processual; princípio do interesse e legitimidade processual [os autores misturam o CPC antes e depois da reforma de 2013: o art. 31 é antes o art. 36 é depois… - TRL]
Ora, tendo o saneador sentença recorrido dito, fundamentadamente, que falta ou é ininteligível a causa de pedir, os autores não podem limitar-se a dizer o contrário numa conclusão, sem tentarem demonstrar que há causa de pedir e ela é inteligível, para mais remetendo em bloco para os factos que constarão das 12 páginas do corpo das alegações que dizem respeito à matéria da admissibilidade da cumulação de pedidos.
Em suma, repete-se, a conclusão xiii ou o art. 51 do corpo das alegações não contém uma indicação do fundamento pelo qual se deveria decidir em contrário do que o saneador recorrido decidiu quanto à questão da ineptidão da petição inicial. Dizer que o que é verdade é o contrário do que se diz num fundamento de uma decisão recorrida é apenas dizer que ela decidiu mal e dizer isto não é apresentar nenhum fundamento para a revogação/anulação da decisão. Tal não permite ao tribunal de recurso - a não ser recorrendo a especulação ou a novo julgamento da questão a partir do nada, o que é inadmissível -, iniciar a discussão, com os autores e com os réus (sabendo estes os argumentos dos autores), sobre se há ou não causa de pedir para o pedido que se julgou inadmissível e se era ou não ininteligível, sendo por isso manifesta a improcedência do recurso contra ela.
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Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se o despacho saneador na parte em que absolveu o réu da instância quanto ao 2.º pedido, baseado na procedência da excepção dilatória da inadmissibilidade da cumulação dos pedidos, mas, no mais, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se o despacho que absolveu o réu da instância quanto a esse pedido, baseado na excepção dilatória da ineptidão da petição inicial quanto ele.
Custas, na vertente de custas de parte, pelos autores e pelo réu, em partes iguais.

Lisboa, 09/02/2023
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas