Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4901/14.0T2SNT.L1-8
Relator: ANA PAULA OLIVENÇA
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
COBERTURA DO EDIFÍCIO
DIREITO PESSOAL DE GOZO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A deliberação tomada em assembleia de condóminos, na medida em que não importa a atribuição de qualquer direito real mas tão só a atribuição de um direito pessoal de gozo (o uso e fruição da cobertura do edifício) não implica qualquer alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e isto porque os direitos pessoais de gozo mantêm-se na esfera das relações obrigacionais e não reais;
2. A deliberação que decidiu a atribuição a um condómino, de um direito pessoal de gozo sobre uma parte comum, não carece da aprovação por unanimidade, da totalidade dos condóminos.
3. A menos que se imponha o conhecimento oficioso, o tribunal de recurso só pode conhecer das decisões do tribunal recorrido; se o tribunal recorrido não se pronunciou sobre determinada questão porquanto a mesma nunca lhe foi posta, tal questão nunca fez parte do objecto do processo e como tal, não poderá ser objecto do recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.Relatório
 A, veio propor acção declarativa de condenação, em processo ordinário, contra:
B, Empresa de Administração de Condomínios;
C, ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO do prédio urbano sito… representada pelo Administrador,…;
D,
E,
F,
G,
pedindo:
-que seja declarada a nulidade da deliberação da assembleia de condomínio constante da acta de 9 de Janeiro de 2014 que afecta a cobertura do prédio ao uso exclusivo do condómino da fracção G, por violação da lei.
Para tanto alegou, em síntese (no que ora releva, considerando o conhecimento parcial do mérito da causa em fase de despacho saneador) que:
-o ora Autor, condómino, tomou conhecimento das deliberações aprovadas na assembleia de condomínio (irregularmente convocada) do dia 9 de Janeiro de 2014, em 27 de Janeiro de 2014, quando lhe foi remetida cópia da referida acta;
-resulta dessa acta que os condóminos aprovaram por unanimidade uma declaração a autorizar a utilização exclusiva da cobertura do prédio por parte do condómino do terceiro direito, proprietário da fracção “G”, sendo que, conforme essa deliberação, este fica obrigado a ceder passagem para o telhado do prédio, sempre que seja necessário ou tal se justifique;
Defende que,
-só por unanimidade dos votos representativos do capital investido é que os condóminos podem autorizar a constituição de direitos especiais sobre coisas comuns, que ultrapassem a mera administração, como seja um direito especial de uso; e
-o Autor não deu o seu assentimento para a aprovação da deliberação de autorização de uso exclusivo do sótão por parte de um outro condómino;
-verificando-se a sua ausência na assembleia de 9 de Janeiro de 2014, impunha-se que a deliberação lhe tivesse sido comunicada por carta registada com aviso de recepção, no prazo de trinta dias, de modo a permitir que o condómino ausente, no prazo de noventa dias, dê o seu assentimento ou discordância;
-o que não sucedeu; termos em que
-o Autor entende que deve ser declarada a nulidade da deliberação que autorizou a proprietária da fracção “G” a utilizar em exclusivo a cobertura do prédio; para além do que tal deliberação afecta os direitos do Autor enquanto condómino, por impedir a sua fruição de um espaço que é comum; dado que,
-com a deliberação de autorização de uso exclusivo da esteira do prédio por parte de um outro condómino, o Autor se vê privado do acesso à esteira e ao telhado; concluindo que, pelo exposto,
-a deliberação que afecta ao uso exclusivo de um dos condóminos ao sótão do prédio deve ser declarada nula.
* *
A Ré D e as Rés E e F devidamente citadas, apresentaram contestações alegando, em síntese:
-quanto à cobertura do prédio, é o próprio Autor que reconhece ter tomado conhecimento da respectiva deliberação, juntando ainda documento que revela que esta lhe foi enviada onze dias após a deliberação;
-o acesso ao vestíbulo da cobertura é apenas acessível pela fracção G, sendo que a deliberação de que esta pode proceder ao seu uso, ficando obrigada a ceder a passagem sempre que se mostre necessário, não viola a lei, nem nenhum regulamento;
-esse espaço nunca foi usado pelos condóminos;
-a deliberação em causa não altera o título constitutivo da propriedade horizontal e nem o pretende fazer estando, a deliberação em causa, em consonância com os termos da lei, conforme o disposto no artigo 1421ºnº 1, al b) do Código Civil.
Pedem a improcedência da acção.
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Foi proferido despacho saneador, tendo sido conhecido parcialmente do mérito da causa e os autos prosseguiram com a fixação dos Temas da Prova.
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Realizou-se a audiência final.
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Foi proferida sentença que, a final, decidiu julgar a acção improcedente e, consequentemente, absolver os RR. do pedido.
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Não se conformando com a decisão, dela vem recorrer o A. alinhando as seguintes conclusões:
«IV – Conclusões:
a) A sentença ora recorrida sustenta-se em dois fundamentos essenciais: por um lado, que a deliberação em apreço nos autos não carece de aprovação de todos os condóminos, dado que a constituição de direitos pessoais de gozo não corresponde a uma alteração do título constitutivo da propriedade horizontal; e que, por outro lado, o formalismo da comunicação ao condómino ausente foi cumprido.
b) Quanto ao primeiro fundamento da sentença ora recorrida, contrariamente ao defendido, a deliberação ao afectar definitivamente e de forma exclusiva a utilização referente à cobertura do prédio a um condómino importa a modificação das condições de uso do respectivo espaço comum.
c) Nos termos previstos pelo art.º 1419.º do CC a deliberação em causa teria necessariamente de implicar a sequente modificação do título constitutivo, passando este a refletir a atual situação do imóvel no que concerne à utilização exclusiva da cobertura do prédio pelo condómino da fracção G.
d) A deliberação em apreço não consubstancia um mero ato de administração, mas sim uma verdadeira alteração do uso.
e) Assim, o título constitutivo da propriedade horizontal teria de ser modificado nos termos do disposto no n.º1, do art.º 1419.º do CC, isto é, por escritura pública ou documento particular autenticado, mediante acordo de todos os condóminos.
f) Dado que, a alteração do título só poderia ser aprovada por unanimidade dos votos, o que não aconteceu, assim, a cobertura do prédio mantém-se no título constitutivo como zona comum sem menção da deliberada afectação de uso exclusivo ao condómino da fracção G.
g) Quanto ao segundo fundamento vertido na sentença ora recorrida, não se poderá entender ter sido cumprido o formalismo da comunicação aos condóminos ausentes.
h) As deliberações que modifiquem o título constitutivo de propriedade horizontal, nos termos do n.º 8 e n.º 9, do artigo 1432.º do CC, podem ser aprovadas em assembleia que reúna condóminos que representem, pelo menos, 2/3 do capital investido, sob condição da deliberação ter de ser comunicada aos condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção no prazo de trinta dias.
i) Nos termos do n.º 10 e 11 do artigo 1432.º do CC, os condóminos ausentes têm noventa dias após a recepção da carta para comunicar, por escrito, à assembleia de condómino o seu assentimento ou a sua discordância, caso o condómino não se pronuncie, o seu silêncio deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada.
j) Sucede que, a comunicação em apreço nos autos não consubstancia um mero dever de informação ao condómino ausente, mas sim uma verdadeira notificação para obtenção de necessário acordo.
k) Face à importância da deliberação e à consequência do silêncio do condómino deveria ter sido efetuada comunicação ao A. com a advertência de que, caso o condómino ausente não prestasse o seu assentimento ou discordância, no prazo de noventa dias, o seu silêncio seria entendido como aprovação da deliberação.
l) Não tendo o Apelante sido advertido do supra exposto, não se lhe poderão imputar as consequências do seu silêncio, ou seja, a aprovação da deliberação em causa nos presentes autos.
m) Face ao exposto, foram violadas as seguintes normas jurídicas, artigo 1419.º e n.º 8, n.º 10 e n.º 11 do artigo 1432.º, todos do CC.
n) Deste modo, não poderá deixar de se concluir pela nulidade, nos termos do artigo 294.º do CC, que poderá ser invocada por qualquer interessado e a todo o tempo, nos termos do artigo 286.º do CC.
Nestes termos e nos demais de direito deverão V. Exas. Julgar procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a douta sentença do Tribunal a quo e, nessa medida, substituir por outra que declare a nulidade da deliberação constante da acta de 09 de Janeiro de 2014, que afecta a cobertura do prédio ao uso exclusivo do condómino da fracção G.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido em 1ª instância, e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
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2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do CPCivil, sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo diploma legal).
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes:
A- Decidir se a deliberação aprovada, carecia da aprovação de todos os condóminos;
B- Decidir se foram cumpridas as formalidades relativas à comunicação da deliberação aos condóminos que não estiveram presentes na assembleia de condóminos.
3. Fundamentação de facto
São os seguintes os factos que a 1ª instância deu como provados e como não provados e que não são objecto de recurso pelo que, e não se concluindo pela existência de erro na apreciação da prova considerada pelo tribunal de 1ª instância tendo a fixação dos factos sido feita com base na prova invocada, não tendo sido detectada qualquer deficiência, que determine a alteração da decisão proferida sobre a decisão de facto nos termos do art. 662º, nº 1, e nº 2, al. c), 1ª parte, do Código de Processo Civil, consideram-se definitivamente fixada.
3.1. Factos Provados:
1. O ora Autor, na sua qualidade de condómino do condomínio do prédio urbano sito na Av. …, tomou conhecimento das deliberações aprovadas na assembleia de condóminos do dia 9 de Janeiro de 2014, pelo menos, em 27 de Janeiro de 2014, quando lhe foi remetida, pela ora 1ª Ré, cópia da referida acta, por carta registada com A.R., com da acta de registo de 20-1-2014.
2. Resulta do teor dessa acta do dia 9 de Janeiro de 2014, que os condóminos aí presentes aprovaram por unanimidade uma declaração que aprova a utilização exclusiva da cobertura do prédio por parte do condómino do 3º dto. e, bem assim, que este fica obrigado a ceder a passagem para o telhado do prédio, sempre que seja necessário ou tal se justifique.
3. O Autor não comunicou o seu assentimento para a aprovação da deliberação de autorização de uso exclusivo do sótão por parte de um outro condómino.
3.2. Factos Não Provados
1. A acima referida deliberação (relativa à utilização exclusiva da cobertura do prédio por parte do condómino do 3º dto.) impede a sua fruição pelos outros condóminos.
2. Com a deliberação de autorização de uso exclusivo da esteira do prédio por parte de um outro condómino, o Autor vê-se privado do acesso à esteira.
3. Fica também o Autor privado de qualquer acesso ao telhado, acesso esse, que é feito, pelo interior do prédio, através do vão da escada, e que se mostra necessário, designadamente para promover a limpeza dos algerozes, limpeza essa que até 2005, foi sempre feita sob ordens e expensas do Autor.
4. De facto, o sótão do prédio não se encontra afecto ao uso exclusivo de nenhuma das fracções.
5. O seu uso sempre foi o de permitir o acesso ao telhado e ocasionalmente o de servir de depósito para alguns pertences dos condóminos.
4. Fundamentação de Direito
O art. 1433º, 1, do CCivil prevê a anulabilidade das deliberações aprovadas em assembleia de condóminos que sejam «contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados», sem prejuízo de serem igualmente inexistentes, nulas ou ineficazes em sentido estrito.[1]
Conforme emerge das incidências fácticas apuradas, nos presentes autos a deliberação tomada em assembleia de condóminos nos termos da qual se estabeleceu que a utilização exclusiva da cobertura do prédio ficaria cometida ao condómino do 3º dto. ficando este obrigado a ceder a passagem para o telhado do prédio, sempre que tal fosse necessário ou se justificasse.
Em cada prédio urbano constituído em propriedade horizontal há partes comuns, pertencentes em compropriedade a todos os condóminos (arts. 1420º, nº 1 e 1421º C. Civil) e partes pertencentes em exclusivo a cada um deles (as fracções autónomas).
As fracções são individualizadas no respectivo título de constituição da propriedade horizontal, aí se especificando as partes do edifício pertencentes a cada uma delas. Cfr. art. 1418º C. Civil. O que aí não esteja especificado como pertencente a cada fracção, será, em princípio, havida como parte comum. Cfr. art. 1421º do CCivil. No art.1419.º, nº 1, do mesmo diploma legal dispõe-se que, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos.
No art. 1430º, vem previsto que a administração das partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal compete à assembleia de condóminos e a um administrador.
Está em causa o uso da cobertura do prédio.
Nos termos do disposto no art.1420º. nº1, do CCivil, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício. Adianta-se desde já, que não sofre dúvidas que a cobertura deste prédio, não deixará de ser parte comum do prédio, ainda que destinada ao uso exclusivo de uma fracção, como foi deliberado no caso presente. Cfr. art. 1421, nº1, al. b) do CCivil.
Na assembleia foi deliberado por unanimidade dos condóminos presentes em assembleia que representavam 860 da Permilagem do Capital investido o uso exclusivo da cobertura do prédio pelo condómino da fracção correspondente ao 3º andar direito.
Entendeu-se em 1ª instância a respeito da deliberação que autorizou o proprietário da fracção “G” a utilizar com exclusividade a cobertura do prédio não constituia deliberação sujeita à unanimidade dos condóminos, por não importar alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
E, na verdade, ao contrário do defendido pelo apelante -adianta-se-, assiste razão ao assim decidido: a deliberação tomada, na medida em que não importa a atribuição de qualquer direito real mas tão só a atribuição de um direito pessoal de gozo (o uso e fruição da cobertura) não implica qualquer alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e isto porque os direitos pessoais de gozo mantêm-se na esfera das relações obrigacionais e não reais.
Veja-se o que se decidiu a propósito no Ac. STJ de 19/10/2006[2]:
 «Como afirma o Prof. Henrique Mesquita no âmbito da propriedade horizontal podem ainda ser concedidos direitos pessoais de gozo. Trata-se de um direito de crédito referente a uma coisa e não um direito real sobre uma coisa, que se constitui validamente por simples acordo verbal, não necessitando, para tanto, de escritura pública.
Para depois acrescentar que este direito tem de específico a circunstância de possibilitar ao titular, com vista à satisfação do seu interesse, o gozo directo e autónomo de determinada coisa – gozo que ele poderá defender, enquanto não se provar que é ilegítimo, contra todas as agressões que o impeçam ou perturbem, quer sejam cometidos por terceiros, quer pelo sujeito do direito (proprietário) que se vinculou a consenti-lo.
Foi possibilitado ao respectivo titular o gozo directo e autónomo de certa coisa. O gozo deste direito, traduzido no poder do condómino de usufruir exclusivamente uma parte comum, tem o seu fundamento na autorização que todos os restantes condóminos lhe concederam, ou seja, tem por base uma relação obrigacional.
Os condóminos, como se afirma no acórdão recorrido, apenas prescindiram da faculdade de utilização desta parte comum, sem que a quisessem alienar.
O que se surpreende nesta autorização dos condóminos é, portanto, um direito pessoal de gozo referente a uma parte comum do edifício e não um direito real sobre essa mesma parte comum».
Veja-se, no mesmo sentido, o Ac. STJ de 4.7.2019,[3] citado na sentença recorrida, de cujo sumário consta: « I. — No âmbito da propriedade horizontal, podem ser constituídos direitos pessoas de gozo.
II. — O direito pessoal de gozo relativo a uma parte comum do edifício vincula todos os condóminos, presentes e futuros.
III.— A constituição de direitos pessoais de gozo não corresponde a uma alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
IV.— Como a constituição de direitos pessoais de gozo não corresponde a uma alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, não está sujeita, p. ex., aos requisitos de forma dos arts. 1419.º, n.ºs 1 e 2, e 1422.º-A do Código Civil. »
Veja-se, ainda, o que se escreveu no Ac. do STJ de 6.5.2010[4], citando Henrique Mesquita e Vaz Serra, « De acordo com os ensinamentos de Henrique Mesquita (1) , o que caracteriza os direitos pessoais de gozo e lhes confere especificidade, quando confrontados com outros direitos de natureza creditória, é apenas a circunstância de possibilitarem ao titular, com vista à satisfação do seu interesse, o gozo directo e autónomo de determinada coisa. O direito pessoal de gozo apresenta-se inicialmente como direito a uma prestação, para depois a actividade do titular (o gozo) se centrar directamente sobre a coisa. Mas o poder de gozo mantém-se sempre intimamente conexionado com a relação pessoal ou obrigacional que lhe subjaz. Este direito de gozo há-de dimanar duma vinculação obrigacional daquele a quem competia o gozo da coisa, ainda segundo Henrique Mesquita.
O direito pessoal de gozo confere ao seu titular não só um direito pessoal ou obrigacional, mas também a posse do direito adquirido, defendendo expressamente Vaz Serra (2) que os direitos pessoais de gozo de uma coisa são direitos susceptíveis de posse.
Contrariamente ao que acontece com os direitos reais, em que os particulares estão impedidos de criar figuras inominadas de natureza real (art. 1306º, nº 1 C.Civil), no campo dos direitos obrigacionais vigora o princípio da atipicidade, nenhuma restrição se colocando, em princípio, à constituição de qualquer obrigação, podendo as partes fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da prestação (art. 398º, nº 1 C.Civil). De igual liberdade também gozam as partes na celebração dos contratos e na fixação do seu conteúdo (art. 405º C.Civil).»
Remete-se, também para o que se escreveu no acórdão do STJ de 4/7/2019[5], citado em 1ª instância: «A constituição de direitos pessoais de gozo não corresponde a uma alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
Como a constituição de direitos pessoais de gozo não corresponde a uma alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, não está sujeita, p. ex., aos requisitos de forma dos arts. 1419º, nºs 1 e 2 e 1422º-A, do Código Civil.».
A deliberação tomada na assembleia geral de 9 de Janeiro de 2014, aprovou expressamente «a utilização exclusiva da cobertura do prédio por parte do condómino do 3º dto., sendo que este fica obrigado a ceder a passagem para o telhado do prédio, sempre que seja necessário ou tal se justifique».
Assim se há-de considerar que a deliberação que decidiu a atribuição a um condómino, de um direito pessoal de gozo sobre uma parte comum, não carecia, ao contrário do defendido pelo apelante, da aprovação por unanimidade da totalidade dos condóminos. Considerando, que a deliberação foi aprovada por unanimidade dos condóminos presentes em assembleia, correspondentes a 860 da permilagem do capital, não pode pôr-se em causa a validade da mesma.
A segunda questão posta em sede recursiva prende-se com a comunicação da deliberação ao ora apelante.
Alega, para tanto, que nos termos do disposto nos nº8 e 9, do art.1432º do CCivil, as deliberações que careçam da unanimidade de votos, como é o caso, podem ser aprovadas por assembleia que reúna condóminos que representem, pelo menos 2/3 do capital investido, sob condição da deliberação ter de ser comunicada aos condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção no prazo de trinta dias. Nos termos dos nº10 e 11 os condóminos ausentes, como era o seu caso, têm noventa dias após a recepção da carta para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância, caso o condómino não se pronuncie, o seu silêncio deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada.
Entende, pois, que não poderá considerar-se ter sido devidamente efectuada pela R. tal comunicação pois não basta o envio da acta para que o condómino possa exercer plenamente os seus direitos. Deveria ter sido efectuada uma notificação que, não só contivesse o teor da deliberação em causa, mas também, advertência de que, caso o condómino ausente não prestasse o seu assentimento ou discordância, no prazo de noventa dias, o seu silêncio seria entendido como aprovação da deliberação o que não aconteceu.
Conclui-se, desde já, que com requintada subtileza introduz aqui o apelante questão que não havia aventado aquando da propositura da acção qual seja, a da omissão da advertência de que, caso não prestasse o seu assentimento ou discordância, no prazo de noventa dias, o seu silêncio seria entendido como aprovação da deliberação.
Porém, tal questão apenas vem suscitada em sede de recurso já que, na petição inicial e a propósito da comunicação o autor se limita a alegar:
«57.º
Verificando-se a sua ausência na assembleia de 9 de Janeiro de 2014 impunha-se que a deliberação lhe tivesse sido comunicada por carta registada com aviso de recepção, no prazo de trinta dias, de modo a permitir que o condómino ausente, no prazo de noventa dias, dê o seu assentimento ou discordância
Assim, o A. entende que,
58.º
Por não ter sido dado cumprimento ao dispositivo legal , consagrado no n. º 5 do Artigo 1432º do CC, que obriga a comunicação das deliberações que tenham de ser aprovadas por unanimidade dos votos, mas que tenham sido aprovadas por pelo menos 2/3 do capital investido, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de trinta dias, de modo a permitir que o condómino ausente, no prazo de noventa dias, dê o seu assentimento ou discordância,
59.º
Deve ser declarada a nulidade da deliberação que autorizou a proprietária da fracção “G” a utilizar em exclusivo a cobertura do prédio.»
Conforme se decidiu em Ac. do T.Rel.Guimarães de 8.11.2018[6], «Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.»
A menos que se imponha o conhecimento oficioso, o tribunal de recurso só pode conhecer das decisões do tribunal recorrido. E, de facto, o tribunal recorrido não se pronunciou sobre tal questão porquanto a mesma nunca lhe foi posta: tal questão nunca fez parte do objecto do processo.
A questão posta relativamente a comunicação -essa sim tratada e decidida- prendeu-se com o conhecimento do teor da acta por parte do apelante, e da sua comunicação por carta registada com aviso de recepção de modo a permitir que o ausente desse o seu assentimento ou manifestasse a sua discordância.
Conforme escreve Abrantes Geraldes[7]: «A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas».
Acrescentando: «Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis.»[8]
A única excepção a esta regra, como se anota, é constituída pelas questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo na falta de impulso das partes.
In casu, não constituindo, obviamente, a questão em causa, uma situação em que o tribunal conhece ex officio, não pode o Tribunal superior apreciá-la por impossibilidade legal.
Assim se conclui pela total improcedência do recurso e se confirma a sentença recorrida.
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5. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta 8ª secção, julgar o presente recurso improcedente e, consequentemente, confirmar integralmente a decisão recorrida.
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Custas a cargo dos apelantes.
Notifique e registe.
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Lisboa,  18/4/2024
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Cristina da Conceição Pires Lourenço
Rui Manuel Pinheiro Oliveira
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[1] Cfr. RUI PINTO DUARTE, “Artigo 1433º”, Código Civil anotado, Volume II (Artigos 1251.º a 2334.º), coord.: Ana Prata, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 285, e ANA FILIPA ANTUNES/RODRIGO MOREIRA, “Artigo 1433º”, Comentário ao Código Civil, Tomo III, Direito das Coisas, coord.: Henrique Sousa Antunes, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, págs. 500-501.
[2] Ac. STJ de 19/10/2006, Rel.Alberto Sobrinho, www.dgsi.pt
[3] Ac. STJ de 04/07/2019, Rel.Nuno Pinto Oliveira, www.dgsi.pt
[4] Ac.do STJ de 6/5/2010, Rel.ALBERTO SOBRINHO, www.dgsi.pt
[5] Ac.STJ, de 4/7/2019, Rel. NUNO PINTO OLIVEIRA, www.dgsi.pt
[6] Cfr.Ac.Rel.Guimarães, Rel. AFONSO CABRAL DE ANDRADE, www.dgsi.pt
[7] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª Ed.Actualizada, pág.139
[8] Abrantes Geraldes, Ob.Cit. pág.140