Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
613/08.2TBALM.L1-2
Relator: NETO NEVES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ANIMAL DE COMPANHIA  
ARRENDATÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1–Os fundamentos de resolução enunciados exemplificativamente no nº 2 do artigo 1083º do Código Civil, com a redacção dada pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, não operam automaticamente, sendo sempre de exigir que se encontrem ainda verificados os pressupostos da cláusula resolutiva genérica estabelecida no corpo desse nº 2.
2 – A previsão geral do corpo do nº 2 do artigo 1083º deve ser interpretada no sentido de a inexigibilidade da manutenção do arrendamento à parte interessada na resolução apenas se verificar quando, em face das concretas condutas da outra parte na relação contratual e considerando as suas concretas consequências, for de concluir que não mais pode ser exigida tal manutenção a um locador ou locatário normal (valoração objectiva).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

            I – B... interpôs a presente acção declarativa, a que indicou a forma de processo sumário, mas que por despacho posterior foi mandada seguir o regime processual de natureza experimental do Decreto-Lei nº 108/2006, de 8 de Junho, contra C...., pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento para habitação do 4º andar A do prédio urbano sito na Avenida ...., nº ..., da freguesia da Sobreda, Monte da Caparica, que deu de arrendamento ao R., e que este seja condenado a despejá-lo, entregando-lhe a casa livre e desocupada de pessoas e bens.
Invoca essencialmente que o arrendatário procedeu, sem autorização sua, a obras no locado (de construção de uma parede divisória na sala comum, que assim deu lugar a uma sala e um quarto, e de colocação nas traseiras de uma marquise em alumínio e vidro) e que tem no locado três cães causadores de mau cheiro e de bastante barulho, actuações que, pela sua gravidade e consequências, tornam inexigível a manutenção do arrendamento.
            Citado, contestou o R., invocando a sua ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário (por, sendo casado e tendo na casa arrendada a sua casa de morada de família, ter sido demandado desacompanhado do seu cônjuge), a caducidade do direito a pedir a resolução com base na obra de construção da marquise, impugnando a realização de obras de divisão da sala, e sustentando que os três cães, cuja existência confessa, não causam quaisquer cheiros e que não perturbam o sossego da vizinhança.
            Invoca ainda litigância de má fé do Autor, que apenas intentou a acção para se “vingar” de anterior acção intentada pelo R. para o compelir à realização de obras, formulando pedido de condenação ao pagamento de indemnização no valor de € 1.500,00.
            Respondeu o Autor requerendo, para suprir a excepção de ilegitimidade passiva, a intervenção principal passiva da mulher do R., D...., e relegando para o início da audiência, nos termos processuais aplicáveis, a pronúncia sobre a excepção de caducidade.
            Não tendo havido oposição, veio o incidente de chamamento a ser admitido e, ordenada a citação da interveniente, teve ela lugar, sem que a chamada tivesse apresentado qualquer articulado.
            Foi proferido despacho saneador e logo dispensada, dada a simplicidade da causa e o disposto no artigo 2º, alínea a) do Decreto-Lei nº 108/2006, de 8 de Junho, a selecção da matéria de facto.
            Oferecidas as provas, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, no início da qual o Autor impugnou os factos em que o R. fundou a excepção de caducidade, seguindo-se a produção da prova, com gravação áudio, e com consignação em acta do segmento do depoimento de parte do Autor, em que ele admitiu ter conhecimento desde cerca do ano 2000 da colocação da marquise invocada na petição inicial.
            Após alegações, foi, em acta, proferida sentença (fls. 151-164), declarando “parcialmente procedente a presente acção e, em consequência” declarado resolvido o contrato de arrendamento dos autos, devendo o R. e mulher chamada proceder à entrega da fracção ao Autor livre e desocupada de pessoas e coisas, no prazo de 20 dias após o trânsito da sentença.
            Pronunciou-se o Autor, em requerimento a fls. 168-169, e na sequência de despacho proferido no âmbito da sentença, acerca da questão da litigância de má fé.
            Interpuseram o R. e a interveniente recurso de apelação, no mesmo requerimento alegado, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. O tribunal "a quo" não levou a efeito uma correcta apreciação da matéria de facto, o que consequentemente originou uma incorrecta resposta à base instrutória;
2. Face   à prova carreada para os autos, nomeadamente a prova testemunhal, não concordam os recorrentes que tenham sido considerados como provados os factos 11 e 12;
3. Apesar de ter sido este um facto inicialmente admitido por acordo, uma vez que na altura efectivamente os recorrentes possuíam três cães (mãe e os dois filhos), certo é que posteriormente, provou-se em sede de audiência e julgamento que actualmente os Réus possuem apenas dois cães;
4. No uso dos poderes que lhe são conferidos deveria a Meritíssima "a quo", ter dado como provado que os Réus possuem dois cães e não três;
5. De igual forma deverá esta Relação lançar mão dos poderes conferidos pelo artigo 712° nº 1, al. b) do Código de Proc Civil, e proceder à alteração daquele facto, uma vez que toda a prova produzida, inclusivamente pelo próprio A, sobreleva à inexacta declaração das partes;
6. Facto 12 dado como provado em que diz que "os moradores das restantes fracções autónomas do edifício queixam-se da existência de barulho provocado pelos cães, que ladram durante o dia e à noite";
7. A fundamentação inerente à resposta do citado quesito/facto, não está correcta porquanto nunca em sede alguma, as testemunhas arroladas pelo Autor referiram ao tribunal que os animais ladram quando entram e saem pessoas do prédio;
8. As testemunhas do Autor prestaram, um testemunho tendencioso e evidenciador de alguma repulsa em se possuir animais em casa, independentemente de fazerem ou não barulho, com o intuito de prejudicar os Réus;
9. A redacção do quesito deveria ter sido a seguinte: "Os moradores das fracções autónomas correspondentes ao 5º A e do 3º A queixam-se da existência de barulho provocado pelos cães, que ladram durante o dia e esporadicamente à noite, quando tocam ou batem à porta dos Réus, ou quando sentem alguém no patamar do 4° Andar.";
10. Pelo exposto deverá, mais uma vez, face à prova produzida, deverá esta Relação proceder à alteração daquele facto, ao artigo 712° n° 1, al. b) do Código de Proc Civil;
11. Existiu violação do princípio fundamental do Direito que é o da proporcionalidade mediante o qual a doutrina e a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tendem a temperar o carácter peremptório do facto-fundamento da resolução, quer apelando a outras circunstâncias quer a uma ponderação em concreto, dos interesses do senhorio e do arrendatário, na manutenção do contrato;
12. No caso dos autos existem diversos direitos da personalidade: por um lado está em causa um bem jurídico de natureza pessoal (a integridade física) e, por outro, dois interesses de natureza pessoal (Direito à habitação e direito à família);
13. A Constituição da República Portuguesa consagra como direito pessoal a integridade moral e física das pessoas (art. 25 n. 1), o direito à protecção da saúde (art. 64 n. 1), o direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (art 66 n. 1) e o direito a habitação (art. 65 n. 1) como direitos sociais;
14. Paralelamente o Artigo 67° da Constituição consagra ainda como direito fundamental a Família como elemento fundamental da sociedade a qual tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros;
15. Os quais não foram levados em conta pelo Tribunal "a quo";
16. O desafio do julgador é distinguir entre o que é uso imprudente da propriedade e o que é encargo normal de vizinhança, pois para este último não deve existir sanção, e a linha divisória entre ambos é bastante ténue. No caso de condomínios, os conflitos são analisados de forma diferenciada tendo em conta a subjectividade da questão: o que para muitos é insuportável, para outros, é uma alegria;
17. O limite de suportabilidade de incómodos num edifício deve ser maior do que numa rua de moradias em virtude das particularidades construtivas, da proximidade dos imóveis e da consequente relação jurídica especial da qual fazem parte os condóminos;
18. Na solução desta questão, o critério mais utilizado pela doutrina e reflectido na jurisprudência é o da normalidade e tolerabilidade, ou seja, dentro do contexto do caso concreto apresentado se o uso está dentro do normal, comum, sem que se possa distinguir qualquer excesso intencional ou se, ao contrário, existe exagero, intencional que pode ser atenuado e levar em conta os princípios de direito, as regras escritas, os costumes do local, as provas apresentadas, e, especialmente a situação particular dos envolvidos;
19. No caso dos autos estamos perante um arrendamento que já dura há 30 anos;
20. Pagam um valor de renda que não encontrarão noutra casa que possam vir a arrendar, nem poderão pagar pois são pessoas de parcos recursos;
21. É a casa de morada de família desde então, dos ora recorrentes onde coabita também a filha dos mesmos que muito embora seja maior (vinte e nove anos), neste momento (já após o início deste pleito) está grávida de 7 meses sendo a sua gravidez uma gravidez de risco;
22. Não podemos ser alheios ao exagerado e notória ênfase que as testemunhas do Autor pretenderam dar à permanência dos animais e consequente perturbação produzida nos vizinhos.
23. Os animais de companhia são verdadeiros promotores da qualidade de vida das crianças, uma vez que facilitam a exploração do mundo e ajudam na construção da sua independência;
24. Mesmo em relação à saúde as crianças que convivem com cães ou gatos durante o primeiro ano de vida têm metade do risco de serem alérgicas, em comparação com aquelas que crescem sem nenhum animal;
25. Os interesses em colisão, nomeadamente os direitos de personalidade dos condóminos que se sentem incomodados pelo "barulho" (sendo que inclusivamente os direitos alegados pela testemunha E...., são praticamente de origem patrimonial, pois segundo esta testemunha está em causa a perda de rendimentos da sua fracção) causados pelos animais, são inferiores que os direitos dos Réus: direito a uma habitação e a uma família estruturada;
26. A Meritíssima Juiz "a quo" ter levado a efeito uma interpretação sistemática das normas jurídicas a aplicar e procedido ao recurso à analogia para aferição das normas "violadas";
27. Mesmo num contrato de promessa de compra e venda, ou até mesmo no contrato de arrendamento em relação à falta de pagamento de rendas, terá sempre de existir uma interpelação ao devedor, para que este se possa constituir em mora;
28. No caso dos Autos nunca o senhorio interpelou os Rés no sentido destes darem solução às alegadas queixas apresentadas pelos condóminos, estipulando um prazo para o efeito. Se o tivesse feito já se poderia assim aferir da culpa e da inobservância das regras de conduta;
29. Os Réus só tiveram conhecimentos desses factos e dos restantes, aquando da citação para a presente acção;
30. Sendo o preceito consagrado no artigo 1083 n° 2 alínea a) do Código Civil um preceito inovador, porquanto não tinha paralelo no anterior artigo 64° do RAU, mais uma razão para que o Autor tivesse observado o principio da boa fé e procedesse à supra referida interpelação;
31. O autor litigou sempre de má fé porquanto bem sabia que tudo quanto alegou não correspondia à realidade;
32. Não podemos aceitar que a conduta dos Réus seja considerada censurável ao ponto de não ser exigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento, até porque assim que contactados pelo Condómino da fracção de baixo os Réus tentaram imediatamente resolver a questão;
33. Outro procedimento não lhes poderia ser exigido porquanto, abandonar os animais, entregá-los a um canil ou mandá-los abater, seria uma atitude bem mais hedionda e aí sim censurável.
Nestes termos e nos demais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.as Exas, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida em conformidade com as presentes alegações”.
            Contra-alegou o apelado, para sustentar o correcto julgamento da matéria de facto e da decisão pronunciada.
            Cumpre decidir.

            II – QUESTÕES A DECIDIR
            Nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 3 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente.
            Assim entende-se que as essenciais questões debatidas no presente recurso são:
            a) Da existência de erro na decisão de facto acerca dos pontos 11 e 12 dos factos dados na sentença como provados;
            b) Da existência de erro na aplicação do direito, mormente por se não verificarem os pressupostos genéricos de aplicação do artigo 1083º, nº 1 do Código Civil e por violação do princípio da proporcionalidade na aplicação da sanção desse artigo.

            III – OS FACTOS
            Foram dados como provados, na sentença, os seguintes factos:
1 - O Autor é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma designada pela letra "AA", correspondente ao quarto andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. ..., nº. ...,, 4º-A, freguesia da Sobreda, Monte da Caparica, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..... (Doc. fls. 9).
2 - Por escrito particular datado de 01 de Novembro de 1979, o Autor deu de arrendamento ao Réu a referida fracção autónoma. (Doc. fls. 10).
3 - O contrato de arrendamento teve início no dia 01 de Novembro de 1979. (Doc. fls. 10).
4 - O arrendamento foi celebrado pelo período de seis meses. (Doc. fls. 10).
5 - A renda mensal convencionada foi de 4 mil escudos, (€ 20,00). (Doc. fls. 10).
6 - O arrendamento foi celebrado com destino à habitação do Réu. (Doc. fls. 10).
7 - A fracção autónoma em questão é composta por duas assoalhadas, nomeadamente um quarto, uma sala, uma cozinha acoplada com a sala e uma casa de banho.
8 - O Autor tomou conhecimento que o Réu colocou nas traseiras da casa uma marquise em alumínio e vidro, fazendo de varanda.
9 - O Autor teve conhecimento desse facto através do testemunho de um vizinho do Réu.
10 - O Réu efectuou a referida colocação da marquise sem o conhecimento e consentimento do Autor e não lhe comunicou a sua intenção de fazer essa obra.
11 - Acresce que, o Réu tem na referida habitação três cães.
12 - Os moradores das restantes fracções autónomas do edifício queixam-se da existência de barulho provocado pelos cães, que ladram durante o dia e à noite.
13 - O Réu procedeu à colocação da marquise em alumínio e vidro em 1992/1993.
14 - Em 2000 o Autor tomou conhecimento da existência da referida marquise.
15 - Em 04 de Fevereiro de 2006, o Autor esteve presente e assinou a acta da Assembleia de Condomínios do prédio onde se situa a fracção (Doc. fls. 58 a 60).
16 - Os cães que o Réu e a sua esposa possuem são de raça pequena.

            IV – DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
            A impugnação da decisão sobre a matéria de facto restringe-se à matéria dos pontos 11º e 12º da matéria de facto.
            A impugnação da referida decisão tem lugar nos casos enunciados no artigo 712º, nº 1 do Código de Processo Civil, sendo a dos presentes autos ao abrigo da 2ª parte da alínea a): se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida.
            Acrescenta o nº 2 desse artigo: No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
            Na impugnação deve o recorrente observar os ónus fixados no artigo 690º-A, nº 1, especificando nas alegações, sob pena de rejeição:  
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
O nº 2 determina ainda que No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C.
Verificamos da leitura das alegações dos apelantes que estes claramente actuaram o ónus da alínea a) do citado artigo 690º-A, nº 1, identificando os pontos que consideram incorrectamente julgados, tal como o da alínea b), indicando os depoimentos e a sua localização na gravação.
Passa-se, por isso, a conhecer da impugnação.

            Os pontos da matéria de facto dados como provados e agora impugnados correspondem aos artigos 17º e 19º da petição, cujo texto é respectivamente:
            Artigo 17º “Acresce que o Réu tem na referida habitação, pelo menos, três cães”.
            Artigo 19º: “Os moradores das restantes fracções autónomas do edifício queixam-se da existência de bastante barulho e de mau cheiro”.
            O tribunal deu, respectivamente, como provado:
            “11 – Acresce que o Réu tem na referida habitação três cães”.
12 – Os moradores das restantes fracções autónomas do edifício queixam-se da existência de barulho provocado pelos cães que ladram durante o dia e à noite”.
Propugnam os apelantes que no ponto 11 deve constar como provado apenas que os Réus possuem dois cães.
E, quanto ao ponto 12, que a resposta deve ser: “Os moradores da fracções autónomas correspondentes ao 5º A e do 3º A queixam-se da existência de barulho provocado pelos cães, que ladram durante o dia e esporadicamente à noite, quando tocam ou batem à porta dos Réus, ou quando sentem alguém no patamar do 3º andar”.
Na fundamentação, a este respeito (e omitindo a questão do mau cheiro, irrelevante para a impugnação), escreveu-se que a existência na habitação de três cães ficou provada “Por acordo das partes” (fls. 156).
Invocou-se ainda na fundamentação o depoimento da testemunha F...., que vive no 5º A, imediatamente por cima, pois, da fracção dos autos, e que tem desempenhado nos últimos anos a função de administrador do condomínio, dizendo-se que “resultou desse depoimento que os cães existentes na fracção do Réu ladram de dia e de noite quando ouvem alguém nas escadas, impedindo o descanso dos outros moradores das fracções, facto que, na qualidade de administrador do condomínio, já comunicou ao Réu, tendo este referido que podia ter os animais em sua casa e não pondo fim a esse facto. Especificou que um dos inquilinos do 3º andar saiu do prédio por não conseguir descansar durante o dia na fracção devido ao ladrar dos animais pertença do Réu”.
E referiu-se o depoimento da testemunha do Autor, E...., dono da fracção do 3º A, situada imediatamente por baixo da dos autos, dizendo-se que “corroborou o depoimento já prestado pela testemunha F.... quando afirmou que um seu anterior inquilino, ao fim de um mês de arrendamento, acabou por se ir embora da fracção por não poder descansar devido ao ladrar dos cães pertença do Réu. Sendo que, nessa circunstância, a testemunha falou com a esposa do Réu, alertando-a para o desassossego que os animais faziam no prédio. Contudo, os animais continuam a ladrar de dia e de noite quando alguém sobe as escadas ou funciona o elevador do prédio”.
Refere-se ainda os depoimentos das três testemunhas arroladas pelo Réu, G...., H.... e I...., a primeira a morar no prédio e as duas últimas noras da interveniente, mulher do R., que visitam o prédio algumas vezes por semana, dizendo-se que “Resultou ainda destes depoimentos que os cães que habitam na fracção com o Réu são de raça pequena, não existindo qualquer cheiro a fezes, urina ou a animal. Também estas testemunhas acabaram por referir ao Tribunal que os animais ladram quando entram ou saem pessoas do prédio ou quando alguém bate a porta”.
No que respeitam ao ponto 11, dizem os apelantes que, não obstante a declaração do Réu na contestação, reconhecendo ter três cães pequenos em casa, veio a provar-se em audiência com o depoimentos das várias testemunhas, que desde há algum tempo só tem dois.
E, relativamente à matéria do ponto 12, dizem que os depoimentos das testemunhas F... e E... foram exagerados e eivados de preconceito contra a presença de animais em apartamentos e grandemente exagerados quanto às “dimensões” do barulho produzido pelos cães, questionando a resposta pela generalização das queixas, que não resulta de nenhum dos depoimentos, quando às circunstâncias que de noite provocam os latidos dos animais e quanto à referência que os cães ladram quando entram e saem pessoas do prédio.

Ouvida toda a prova testemunhal produzida, verifica-se que efectivamente dos depoimentos das testemunhas F..., E...., G..., H... e I... resulta que o R. teve três cães, mas que nos últimos tempos, ficou apenas com dois.
Mas, por outro lado, o R. confessou na contestação ter três cães (artigo 33º).
O facto referido pelas ditas testemunhas, entre as quais duas são indicadas pelo Autor, resultará de uma redução ocorrida já após a apresentação da contestação (Abril de 2008), sendo que a audiência teve lugar em Dezembro desse ano.
Não se vê, dada a confissão espontânea, e porque os factos que relevam para efeitos de resolução do contrato são os já verificados à data da propositura da acção (Janeiro de 2008) e não na data do julgamento – pois que é naquele momento que deve estar preenchida a causa de resolução – que deva ser alterado o ponto 11. da matéria de facto.
Improcede, assim, nesse ponto, a impugnação.
Em relação ao ponto 12, também os depoimentos ouvidos das referidas testemunhas apontam no sentido de uma resposta mais restritiva do que a que o tribunal deu.
F.... referiu o seu próprio incómodo com o ladrar dos cães, referindo que pretendia, por indicação médica, descansar após o almoço e era perturbado por aqueles, que inquilino do 4º C se foi embora por os animais o não deixarem descansar durante o dia (o que sucederia por força da sua profissão) – tendo-lhe dito para falar com o R. e sua mulher, não sabendo se o chegou a fazer –, que de noite o barulho ocorria quando o R. ou a filha iam a entrar no andar ou o elevador nele parava, e de dia pelas 8 horas da manhã, quando a interveniente vai levar a neta à escola, e que tais factos ocorrem desde há 6 a 8 anos, não sabendo precisar.
Disse ainda que no rés-do-chão, a entrar no prédio, já se ouve os cães a ladrar no 4º, e que isso “é constantemente”.
Afirmou ainda que na qualidade de administrador falou com o R. e mulher para passarem a ter cuidado com os cães, por incomodarem os vizinhos, e que lhe responderam que a Cruz Vermelha os informara que poderiam ter até 3 cães.
E...., dono do 3º A desde há 5 anos, situado por baixo do andar despejando, mas nele não habitando, disse que um seu inquilino, marinheiro no Alfeite, se foi embora por não suportar mais o barulho dos cães do R. e mulher, e que um novo inquilino igualmente se queixa de barulho de dia e que de noite, sendo mais sossegados, ainda assim os cães ladram quando sobe o elevador, com o barulho, perturbando também o descanso nos sábados de manhã.
Que perante as queixas dos inquilinos se dirigiu à casa do R. e conseguiu falar com a sua mulher, a interveniente, fazendo-lhe ver o ambiente que estava a causar e perda de inquilinos, tendo-lhe esta prometido que ficaria apenas com um dos animais, o que sabe ter acontecido, mas passado pouco tempo voltaram a estar dois cães.
Referiu que o assunto foi tratado numa assembleia de condóminos, até por então haver outra senhora com cães que ladravam e incomodavam, e que ficou aprovada a proibição de ter cães.
G..., habitante do prédio, desde há 34 anos, e visita da casa do R., disse que a cadela mais velha (mãe dos outros dois) ladrava quando batiam à porta ou havia conversas na escada, e que os mais pequenos, que lá continuam, fazem menos barulho.
H...., nora do Autor, e que vai 3 a 4 vezes por semana ao prédio, disse que os cães só ladram quando sentem pessoas estranhas no patamar do andar.
I...., também nora do R., que frequenta a casa desde há 4 anos, disse que os cães ladram se tocam à porta.
A primeira conclusão que se deve extrair é que nenhuma destas testemunhas referiu haver queixas nem incómodos generalizados dos habitantes do prédio, mas tão dos 3º A, 5º A, e 4º C, apenas F.... tendo referido que o ladrar se ouve desde a entrada do prédio.
Existe uma coincidência no sentido de os animais ladrarem especialmente quando sentem movimento no patamar e nas escadas junto ao 3º andar, ou de paragem do elevador nesse andar, o que não permite generalizar nem o âmbito subjectivo das queixas e incómodos nem, especialmente de noite, concluir que os animais ladram sem a percepção de barulhos próximos da habitação em que estão.
Por outro lado, a referência feita pela testemunha E... a que o assunto foi tema de debate em reunião de condóminos e de deliberação não foi confirmada no depoimento da testemunha F...., que, sendo administrador há vários anos, não só facilmente se lembraria disso como, a ter havido de facto deliberação proibindo a posse de cães, teria naturalmente tomado iniciativas que nunca referiu ter tomado.
Entende-se, por isso, que a resposta vertida no ponto 12 excede efectivamente o que de forma  segura resulta do conjunto dos depoimentos, sendo a redacção proposta pelo apelante perfeitamente consentânea com a prova, havendo apenas que acrescentar a fracção autónoma do 4º C e a paragem do elevador como motivo que desencadeia o ladrar.
Assim, julga-se nesta parte procedente a impugnação, devendo o ponto 12 passar a ter a seguinte redacção:
Os moradores das fracções autónomas correspondentes ao 5º A, 4º C e 3º A queixam-se da existência de barulho provocado pelos cães do R. e da interveniente, que ladram durante o dia e esporadicamente durante a noite, quando tocam ou batem à porta daqueles ou quando sentem alguém no patamar do 4º andar ou aquando da paragem do elevador”.
            V – DO DIREITO
A presente acção tem como pedido o decretamento da resolução de um contrato de arrendamento para habitação celebrado em 1979.
A Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro – que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), revogou o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, e entrou em vigor em 27.6.2006 (v. artigos 60º e 65º do NRAU) – estabelece o novo regime jurídico do contrato de arrendamento urbano, remetendo a sua disciplina substantiva para o Código Civil, ficando a sua quase total disciplina processual inserida no Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 27º da dita Lei nº 6/2006, os arrendamentos vigentes à data da sua entrada em vigor, decorrentes de contratos celebrados antes da entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, passaram a estar submetidos ao NRAU, embora com as especificidades previstas no artigo 26º da mesma Lei (relativos aos contratos celebrados na vigência do aludido Regime do Arrendamento Urbano).
Por igual forma dispõe o artigo 59º da citada Lei que o NRAU se aplica às relações contratuais constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor, e consequentemente, no seu artigo 60º nº 1, veio consagrar que as remissões legais ou contratuais para o RAU se consideram feitas para os lugares equivalentes do NRAU, com as necessárias adaptações.
Corresponde este regime ao previsto no artigo 12º nº 2, 2ª parte do Código Civil, isto é, as normas que dispõem directamente sobre o conteúdo da relação de arrendamento abrangem as relações já constituídas e são de aplicação imediata, ressalvadas as supra referidas excepções.
No caso dos autos, em que se está perante uma acção judicial para decretamento da resolução de um contrato de arrendamento celebrado em 1979, antes, pois do Regime do Arrendamento Urbano, e com fundamento, entre outros factos, em condutas do arrendatário, violadoras das regras de sossego e de boa vizinhança, situações que não se mostram abrangidas pelas excepções do artigo 26º da Lei 6/2006, cobra, pois, aplicação o novo regime de arrendamento urbano, NRAU, relativo à resolução do contrato de arrendamento.
           
            O artigo 1083º do Código Civil, reposto em vigor pela aludida Lei nº 6/2006, mas com o texto por essa Lei introduzido, determina (para o que interessa à decisão do presente recurso) que:
            “1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio:
a) A violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;
[…]”.
            O segmento do artigo transcrito evidencia que o regime legal actual se libertou do carácter vinculístico da legislação anterior sobre arrendamento urbano, que se traduzia em previsões taxativas de casos em que era permitida a resolução do contrato de arrendamento por iniciativa do senhorio, fora de cujo âmbito era de todo impossível essa forma de cessação da relação contratual por parte do senhorio, ao qual, ademais, era sempre imposto o recurso à via judicial para obter essa resolução (ao arrepio do regime geral da resolução, previsto no artigo 436º, nº 1 do Código Civil), sendo que a lei actual já consente, nos casos enunciados no nº 1 do artigo 1084º, aqui inaplicável (nº 2 do mesmo artigo), a via extrajudicial.
            Assim, o corpo do nº 2 acima transcrito constitui uma cláusula geral resolutiva, cujos pressupostos, uma vez verificados, conduzem, mesmo fora dos casos exemplificativamente enunciados nas alíneas seguintes e noutras disposições legais, à resolução do contrato.
            O incumprimento de que se trata é não apenas o de normas contratuais mas o de condutas ou comportamentos violadores de disposições legais (mormente administrativas) ou regulamentares (nomeadamente dos regulamentos de condomínio, no caso de prédios constituídos em propriedade horizontal).
            Além disso, tais incumprimentos e condutas têm de se revestir de uma gravidade ou produzir consequências que tornem inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento.
            Como refere Fernando Baptista Oliveira[1], está-se perante um conceito indeterminado, cuja aplicação, por isso, nunca pode ser automática, “antes impondo que as decisões sejam dinâmicas e criativas que facultem o seu preenchimento com valorações”.
            Na análise dos apontados requisitos, detém-se o citado Autor no da inexigibilidade da manutenção do contrato de arrendamento, evidenciando a extrema dificuldade da sua concretização, e propondo[2] que “a fórmula legal deve ser tomada em termos normativos, em função de bitolas de normalidade social”, avançando a seguinte formulação: “ […] será inexigível a manutenção do arrendamento à parte interessada na resolução, quando, atentas as concretas condutas perpetradas pela outra parte na relação contratual e considerando as suas concretas consequências, for de concluir que não mais pode ser exigido a um locador normal (ou locatário, se for o caso) a manutenção do contrato”.
            É este Autor ainda de opinião que “mesmo nas hipóteses previstas nas alíneas a) a e) do artigo 1083º, a resolução não operará automaticamente, verificada que esteja esta factualidade objectiva preenchente dessas situações. Antes se tornando ainda exigível apurar se cada um desses incumprimentos contratuais é tal que, ‘pela sua gravidade, ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento’”[3].
            No mesmo sentido parece apontarem António Pinto Monteiro e Paulo Videira Henriques[4], quando, após referirem os casos exemplificativamente indicados como causas de resolução, afirmam “ […] não é qualquer infracção, tout court, de um ou mais deveres que legitima, ipso facto, a resolução do arrendamento por iniciativa do senhorio. Em primeiro lugar, a lei exige que o incumprimento imputável culposamente ao arrendatário assuma especial importância – a qual pode ser aferida não só em função da própria natureza da infracção como do carácter reiterado da conduta irregular; isto logo em geral, porque, relativamente à hipótese previstas na alínea b) do artigo 1086º, é o próprio texto da norma a referir “a violação grave e reiterada e grave”. Em segundo lugar, é essencial que, por via dessas condutas censuráveis, não seja exigível ao senhorio a manutenção do arrendamento”.
            Todavia, em sentido oposto, entendendo que verificados os pressupostos das alíneas a) a e) do nº 2 do artigo 1083º, não há que indagar do preenchimento complementar dos requisitos da previsão genérica do corpo do dito nº 2, se pronuncia Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado[5], quando sustenta que as condutas de tais alíneas “São, portanto, obviamente, casos típicos de resolução; não meras presunções ilidíveis de inexigibilidade da manutenção do arrendamento pelo senhorio.
            Provados tais factos, nenhum juízo de valor se tem de lhe acrescentar para se constituir ou afastar o direito a resolução por parte do senhorio”.
            Salvo o devido respeito, discordamos desta segunda posição, que rigidifica um sistema que se quis fazer repousar na maleabilidade própria de conceitos indeterminados, seguindo uma lógica oposta à da anterior legislação, que, seguindo a taxatividade das condutas, deixava ao julgador pouca margem de apreciação das circunstâncias do caso concreto, lógica aquela que, com todo o respeito, quase vem introduzir um acento “vinculístico” de sentido oposto, agora de “favor do senhorio”.
            Importa agora apreciar se a factualidade apurada, atenta a alteração da matéria de facto no respeitante ao ponto 12 referido na sentença apelada introduzida na parte anterior do presente aresto, configura ou não um fundamento de resolução do contrato, por iniciativa do locador.
            O que se apurou foi que (ponto 11) o R. e sua mulher, nos autos interveniente, têm na habitação três cães – facto que, como decorre do explanado a respeito da impugnação da decisão da matéria de facto, se reporta ao momento da propositura da acção, como expressamente confessado na contestação – e que (facto 12) “Os moradores das fracções autónomas correspondentes ao 5º A, 4º C e 3º A queixam-se da existência de barulho provocado pelos cães do R. e da interveniente, que ladram durante o dia e esporadicamente durante a noite, quando tocam ou batem à porta daqueles ou quando sentem alguém no patamar do 4º andar ou aquando da paragem do elevador”.
            Deve referir-se, a talhe de foice, que ao Autor somente aproveita este segundo facto – apesar de se ter limitado a, de forma vaga, genérica e quase simplesmente conclusiva, se ter limitado a alegar, nos artigo 19º e 21º da petição inicial, respectivamente, que “Os moradores das restantes fracções autónomas do edifício queixam-se da existência de bastante barulho […]” e que o Réu tem “cães dentro da sua habitação que provocam ruído” – na medida em que a concretização constante da resposta resultou da instrução e discussão da causa, em termos que, por não impugnados pelo R. e pela interveniente, se admite possam configurar a excepção do nº 3 do artigo 264º do Código de Processo Civil.
            Assim não fora, e quedaria o Autor sem matéria de facto suficiente para preencher quer a alínea a) do nº 2 do artigo 1083º do Código Civil, quer o corpo desse nº 2.
            A alínea a) mencionada estabelece como fundamento de resolução “A violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio”.
            Para o caso, tratando-se de ruídos incómodos provocados por animais de estimação, deverá questionar-se a violação grave e reiterada de regras de sossego.
            A este respeito, existem normas de direito administrativo, consagradas no Decreto-Lei nº 314/2003, de 17 de Dezembro, cujo artigo 3º dispõe:
“1 - O alojamento de cães e gatos em prédios urbanos, rústicos ou mistos, fica sempre condicionado à existência de boas condições do mesmo e ausência de riscos hígio-sanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem.
2 - Nos prédios urbanos podem ser alojados até três cães ou quatro gatos adultos por cada fogo, não podendo no total ser excedido o número de quatro animais, excepto se, a pedido do detentor, e mediante parecer vinculativo do médico veterinário municipal e do delegado de saúde, for autorizado alojamento até ao máximo de seis animais adultos, desde que se verifiquem todos os requisitos hígio-sanitários e de bem-estar animal legalmente exigidos.
3 - No caso de fracções autónomas em regime de propriedade horizontal, o regulamento do condomínio pode estabelecer um limite de animais inferior ao previsto no número anterior.
4 – […].
5 - Em caso de não cumprimento do disposto nos números anteriores, as câmaras municipais, após vistoria conjunta do delegado de saúde e do médico veterinário municipal, notificam o detentor para retirar os animais para o canil ou gatil municipal no prazo estabelecido por aquelas entidades, caso o detentor não opte por outro destino que reúna as condições estabelecidas pelo presente diploma.
6 - No caso de criação de obstáculos ou impedimentos à remoção de animais que se encontrem em desrespeito ao previsto no presente artigo, o presidente da câmara municipal pode solicitar a emissão de mandado judicial que lhe permita aceder ao local onde estes se encontram e à sua remoção”.
Note-se que este regime não abrange animais perigosos ou potencialmente perigosos, a que se aplica o Decreto-Lei nº 314/2003, de 17 de Dezembro, que, em face do alegado e da prova, seria aqui claramente inaplicável.
O número de cães que o R. e mulher tinham, na data da propositura da acção, na fracção arrendada, não excedia, pois, o número administrativamente permitido.
Todavia, essa permissão não é irrestrita e incondicionada, nos termos do regulamento citado, pois que o próprio nº 2 refere que os limites estabelecidos estão dependentes da verificação de “todos os requisitos hígio-sanitários e de bem-estar animal legalmente exigidos”, e, nos termos do nº 1, depende ainda da não “conspurcação ambiental”, conceito em que se subsume o ambiente acústico, conexionado com o direito ao repouso e à boa vizinhança a que alude a alínea a) do artigo 1083º, nº 2.
Como se referiu, alguns moradores do prédio, dois das fracções imediatamente por cima e por baixo da arrendada e um terceiro de uma fracção do mesmo andar desta, queixam-se da existência de barulho provocado pelos cães do R. e da interveniente, que ladram durante o dia e esporadicamente durante a noite, quando tocam ou batem à porta daqueles ou quando sentem alguém no patamar do 4º andar ou aquando da paragem do elevador.
Este facto não aponta para uma gravidade extrema do ruído.
Por um lado, o barulho é essencialmente diurno – o qual, por regra, é absorvido pela própria actividade e conversas de cada morador, também elas geradoras de ruído, frequentemente acrescidas de sons hoje em dia provenientes do funcionamento de aparelhos domésticos, entre eles os rádios e as televisões e, portanto, de pequeno impacto, por via de regra, não sendo normal que se durma nessa parte do dia – e, por outro lado, só esporadicamente nocturno, mas, sendo este devido a factos como o tocarem ou baterem à porta do R., passagem de pessoas no patamar do andar ou paragem nele do elevador, não se evidencia que o ladrar dos cães seja constante, prolongado e que ocorra a horas muito tardias da noite.
Assim e muito embora a situação factual apurada seja decerto de ocorrência prolongada no tempo (sem embargo de quotidianamente, de noite, ser “esporádica”), o que permitiria qualificá-la de reiterada, não se afigura que assuma a gravidade requerida pela alínea a) em questão.
Note-se que, apesar de uma testemunha (E...., arrolada pelo Autor) se ter referido a que um inquilino seu teve de se ir embora por não aguentar o barulho do ladrar dos cães do R., não só tal facto não foi alegado, como não ficou suficientemente provado, sendo certo que, nos próprios termos do depoimento dessa testemunha, tal inquilino tinha uma actividade profissional que se prolongava pela noite, impondo-lhe o descanso pela manhã dentro, quando o mais normal é ocorrerem num prédio (que uma das testemunhas disse ter 33 fracções em seis pisos) ruídos resultantes de toda a actividade dos moradores que nele permanecem nessa parte do dia.
Na apreciação da gravidade do ruído deve, ainda, ter-se em conta que, devendo embora ser sempre respeitado no essencial o direito ao sossego e repouso nocturno, mormente em prédios em que, pelo número de habitações que os compõem, os ruídos mais facilmente se multiplicam, é socialmente tolerada, mesmo em tais prédios, a existência de animais domésticos de companhia e de pequeno porte, ainda que causadores de um certo nível de barulho, desde que nem elevado nem constante ou muito repetitivo e não persistentemente nocturno.
Não se vê, pois, que a conduta do R. e mulher, ao possuírem os três cães causadores dos ruídos incómodos apurados, se revista de gravidade e gere consequências que torne inexigível para um locador normal a subsistência do contrato de arrendamento.
Por outro lado, e considerando um dos argumentos trazidos pelos apelantes nas alegações, seria claramente atentatório do princípio da proporcionalidade decretar a resolução do contrato de arrendamento com base naquilo que concretamente se provou, atento o facto de que a violação dos direitos da personalidade em que se inclui o direito ao sossego, sobretudo ao descanso nocturno, se revela, no caso, não dever prevalecer sobre o direito à habitação, na perspectiva do direito ao arrendamento, sobretudo quando aquele direito ao sossego e descanso encontra também tutela adequada pela via administrativa (citado e transcrito artigo 3º do Decreto-Lei nº 314/2003), e que nada nos autos revela haja sido accionada pelos concretamente lesados.
Em face do exposto, é de concluir que os factos provados são insuficientes para, pela sua gravidade intrínseca e circunstâncias e consequências concretas, tornarem inexigíveis ao Autor a manutenção do arrendamento, não se apurando, deste modo, a existência de fundamento para a resolução do contrato dos autos, o que conduz à procedência da apelação, e à revogação da sentença impugnada, com a consequente absolvição do R. e da interveniente do pedido.
            VI – DECISÃO
            Termos em que acordam em julgar a apelação procedente e revogar a sentença recorrida, absolvendo assim o R. e a interveniente do pedido.
            Custas na acção e na apelação pelo Autor.
            Lisboa, 15 de Outubro de 2009
António Neto Neves
Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas

[1] In “A Resolução do Contrato no Novo Regime do de Arrendamento Urbano – Causas de Resolução e Questões Conexas (Em Especial a Cláusula Geral Resolutiva do nº 2 do Art. 1083º do CC)”, pág. 36.
[2] Ob. Cit., pág. 39.
[3] Ob. Cit., pág. 29.
[4] In “A Cessação do Contrato no Regime dos Novos Arrendamentos Urbanos”, parecer sobre o projecto legislativo respeitante ao NRAU, publicado em “O Direito”, ano 136 (2004), II-III, págs. 289 e seguintes, concretamente a fls. 293.
[5] In “Manual de Arrendamento Urbano”, volume II, 4ª Edição Actualizada, pág. 1001.