Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1821/15.5PFLRS-A.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: REGISTO CRIMINAL
RECOLHA DE AMOSTRAS DE ADN
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: - Os certificados requeridos por pessoas singulares, para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal, só devem conter as decisões mencionadas nas alíneas a) a c), do n.º 5, do art. 10.º.
- A aplicação da norma do art. 10.º, n.º 5, da Lei 37/2015 pelos respectivos serviços de identificação criminal não depende, nem pode depender, de nenhuma ordem de qualquer tribunal, a qual se traduziria na prática de um acto absolutamente inútil, sendo certo que a lei proíbe a prática de actos inúteis.
- Nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008 de 12/02, alterada e republicada pela Lei n.º 90/2017, de 22/8:
«A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença.»
- Não pode formar-se caso julgado acerca de uma questão relativamente à qual não houve pronúncia, clara e expressa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO:
1. O arguido V. foi condenado, em recurso, por acórdão da Relação de Lisboa, transitado em julgado, como autor material dos crimes de violência doméstica e de detenção de arma proibida, nas penas, respectivamente, de dois anos e seis meses de prisão e de 180 dias de multa, a € 6,00 por dia, tendo sido confirmado, quanto ao mais, o acórdão recorrido de primeira instância, no que respeita, nomeadamente, às sanções acessórias de proibição de contactos com a vítima, proibição de uso e porte de arma e sujeito à obrigação de frequência de programas específicos de violência doméstica, bem como à suspensão da execução da prisão, com regime de prova e com as obrigações devidamente especificadas.
No acórdão de primeira instância havia sido ordenada, também, a recolha de amostra de ADN do arguido e a sua inserção na correspondente base de dados, ao abrigo dos artigos 8.º e 18.º, da Lei n.º 5/2008, de 12/02.

2. Posteriormente, veio aquele arguido requerer que fosse determinada «a não transcrição da decisão condenatória em certificados de registo criminal, requeridos para fins de emprego», invocando, para tanto, o disposto nos arts. 13.º e 10.º, n.ºs 5 e 6, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, pretensão que foi indeferida pelo despacho de 21/09/2017, constante de fls. 47 e v.º.

3. Perante a pena de prisão fixada na segunda instância, o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses pediu informação ao tribunal da condenação quanto à pretensão de inserção do perfil de ADN do arguido na respectiva Base de Dados, o que levou à prolação do despacho de 16/10/2017, constante de fls. 49 v.º, com o seguinte teor:
«Fls. 557
Informe que é pretensão deste Tribunal a inserção do perfil genético na base de dados pois que o Tribunal da Relação de Lisboa alterou a pena imposta mantendo em tudo o mais o decidido, ou seja, mantendo a inserção em base de dados do perfil genético do arguido.»

4. Não se conformando com o decidido quanto às duas aludidas questões, o arguido V. interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões:
I -    DA DECISÃO COM A REFERÊNCIA 134852930
1. O Recorrente, que conta já quase 45 anos, tem apenas o 4.º ano de escolaridade e exerce a atividade de motorista de táxi, por conta de outrem, não dispondo de qualquer outra forma de subsistência.
2. O exercício dessa atividade depende da obtenção e de periódica renovação de certificado de aptidão profissional que tem de ser, obrigatoriamente instruído com certificado de registo criminal.
3. Se, no momento de qualquer renovação periódica do certificado de aptidão profissional constarem do certificado de registo criminal, "antecedentes criminais", não é possível proceder a essa renovação e, a entidade patronal terá fundamento para fazer cessar o contrato de trabalho em vigor.
4. O potencial desemprego do Recorrente representará o comprometimento da satisfação das suas necessidades básicas e da sua inserção social.
5. No acórdão condenatório foi realizado um juízo de prognose favorável relativamente ao Recorrente que, aliás, conduziu à suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, concretamente, "(...) considerando o conduta posterior ao facto – sem mácula, bem como o próprio distanciamento físico entre agressor e vítima é possível um juízo de prognose póstuma favorável ao arguido (...)
6. Estão verificados os dois pressupostos formais de que depende a decisão de não transcrição, concretamente, a condenação em pena não privativa da liberdade e ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza, bem como, o pressuposto material, ou seja, o facto de não ser previsível que o Recorrente venha a praticar o mesmo tipo de factos ilícitos.
7. Impõe-se, por isso, que seja determinada a não transcrição da decisão condenatória em certificados de registo criminal, requeridos para fins de emprego, em obediência ao disposto nos dos artigos 13.º e 10.º, n.ºs 5 e 6, da Lei 37/2015, de 05/05.
8. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, os referidos artigos 13.º e 10.º, n.ºs 5 e 6, da Lei 37/2015, de 05/05.
9. Deve, assim, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que determine a não transcrição da decisão condenatória em certificados de registo criminal, requeridos para fins de emprego.
II - DA DECISÃO COM A REFERÊNCIA 135143390
10. Tendo o Recorrente sido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão inferior a 3 anos, o disposto no art. 8.º, n.º 2, da Lei 5/2008, de 12.02, não é aplicável, pelo que, não pode a recolha de amostra para inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados ser ordenada pelo Tribunal a quo.
11. Apenas poderia haver lugar à recolha de amostra do Recorrente, para inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, se o mesmo tivesse prestado o seu consentimento, nos termos do art. 8.º, n.º 1, da Lei 5/2008, de 12.02.
12. O Recorrente não foi notificado para prestar tal consentimento, não o prestou e desde já declara que não o presta.
13.   Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou no art. 8.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 5/2008, de 12.02, impondo-se a revogação da decisão recorrida, bem como, que seja ordenada a notificação dessa revogação ao IML.
NESTES TERMOS
e nos mais e melhores de direito, que V. Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, com todas as legais consequências.»

5. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, defendendo que o mesmo deve ser julgado parcialmente procedente, revogando-se a decisão proferida em 21/09/2017 (referência 134852930) - que «deverá ser substituída por outra que ordene a não transcrição da condenação sofrida pelo arguido nestes autos no respectivo certificado de registo criminal para efeitos laborais» - e mantendo-se o decidido no despacho de 16/10/2010 (referência 135143390).
6. No tribunal recorrido foi então proferido o seguinte despacho de sustentação do decidido:
«Venerandos Desembargadores
Mantenho na íntegra o despacho recorrido por entender que nenhum agravo foi cometido.
Aos argumentos já aduzidos que me parecem convincentes acrescento um outro: o registo criminal não se destina a achincalhar quem foi condenado mas a dar a conhecer a situação do condenado.
O arguido foi condenado pela comissão de um crime de violência doméstica, tem problemas de auto controle e uma adição ao álcool que não reconhece e pretende que o Estado, conhecedor da sua condição de condenado por um crime que contém violência intrínseca, omita junto de um pretenso empregador, essa componente da personalidade violenta do arguido.
Contudo, V. Exas, com maior saber e ponderação melhor decidirão.
Notifique.
…»

7. Subidos os autos, nesta instância a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte douto parecer:
«…
Quanto ao despacho proferido em 21 de Setembro de 2017, por intermédio do qual foi indeferido o requerimento do arguido, no sentido de a condenação imposta nos autos, não ser transcrita no seu CRC, aderimos inteiramente aos fundamentos de facto e de Direito contidos no mesmo, não descortinando que a apreciação nele constante relativamente à potencialidade de cometimento de novos crimes por parte do recorrente, tendo em conta as circunstâncias anteriores e contemporâneas à prática do crime pelo qual foi condenado por decisão transitada em julgado, incorra na violação das normas contidas nos artigos 10°, n°.s 5 e 6 e 13°, da Lei n° 37/2015, de 5 de Maio, ou quaisquer outras, aliás, pelo que se emite parecer no sentido da manutenção deste despacho, e, consequentemente, improcedendo o recurso interposto, nesta parte.‑
Já no que respeita à impugnação do despacho proferido em 16 de Outubro de 2017, fls. 49 verso, por intermédio do qual, em resposta ao oficio emitido pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, fls. 48, se informou que se pretendia a inserção do perfil genético do recorrente na base de dados, já que o Tribunal da Relação de Lisboa tinha reduzido a pena aplicada ao arguido mas mantido, em tudo o mais, o decidido no acórdão proferido na 1a Instancia, cremos assistir inteira razão ao recorrente.‑
Na verdade, a circunstância de, no acórdão de 11 de Julho de 2017, fls. 18 verso/42, deste Tribunal da Relação, se ter exarado «No mais mantém-se o decidido», não pode ser interpretada no sentido de se ter como transitada em julgado, a decisão, contida no acórdão proferido em 26 de Outubro de 2016, fls. 3/18, de recolha do ADN do arguido e inserção do mesmo na Base de dados prevista na Lei 5/2008, de 12 de Fevereiro.‑
Ao ter dado parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido do acórdão proferido em 26 de Outubro de 2016 e reduzido a pena de 3 anos e 4 meses aplicada ao mesmo pela prática do crime de violência doméstica para a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, deixou de se verificar o pressuposto previsto no artigo 8°, n° 2, da Lei n° 5/2008, de 12 de Fevereiro e, consequentemente a possibilidade legal de ser recolhido o ADN do arguido e inserido na competente Base de Dados.‑
Nesta parte, emite-se parecer no sentido da procedência do recurso do arguido, revogando-se o despacho proferido em 16 de Outubro de 2017.»
***
8. Notificado o arguido para os efeitos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais acrescentou.
9. Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do mencionado Código e teve lugar a Conferência, cumprindo decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO:
1. Decorre das conclusões formuladas pelo recorrente - as quais, como tem sido recorrentemente afirmado, delimitam e fixam o objecto do recurso -, que aquele pretende a revogação e substituição dos dois despachos recorridos, por outros que decidam em sentido contrário, autorizando a não transcrição da decisão condenatória no registo criminal e declarando sem efeito a ordem de recolha e inserção de amostra do seu ADN na correspondente Base de Dados.

2. Apreciemos, pois, em separado, cada uma das aludidas questões:
2.1. No que concerne ao registo criminal, confiramos, em primeiro lugar, os fundamentos da decisão impugnada, que passamos a transcrever:
«Dispõe o art° 13° da Lei n° 37/2015, de 5 de Maio que: "1 — Sem prejuízo do disposto na Lei n° 113/2009, de 17 de Setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152°, no art° 152°-A e no capítulo V do título 1 do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n°s 5 e 6 do artigo 10°.
Deu-se como assente no acórdão proferido que existem factores de risco, de que se destaca a negação da violência e do dano, bem como a ausência de consciência critica relativamente aos factos, assim como a existência de características pessoais deficitárias ao nível do auto-controlo, que surgem potenciadas por uma problemática de alcoolismo que o arguido não reconhece e que se trata de um indivíduo manipulador, com fraca capacidade de descentração, e dificuldades em antever as consequências dos seus actos.
Assim sendo, face a tal, é de considerar que existem circunstâncias que induzem a probabilidade de comissão de novos crimes. Aliás tal é patente pelo facto de se ter condenado o arguido em pena suspensa, é certo, mas que passa pela frequência de um programa de prevenção da violência doméstica.
Pelo exposto indefiro o pedido de não transcrição da condenação para o registo criminal em qualquer circunstância.
Custas pelo requerente.»

Vejamos agora o que, a esse propósito, nos diz a respectiva lei.
À data do trânsito em julgado da decisão condenatória (ocorrido em Setembro de 2017) vigorava já a Lei n.º 37/2015, de 5/5, regulamentada pelo DL n.º 171/2015, de 25/8, regulando do seguinte modo a matéria que aqui está em discussão:
- Art.º 10.º (Conteúdo dos certificados)
«…
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:
a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.
6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
…»

- Art. 13.º (Decisões de não transcrição)
«1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º -A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º.
2 - No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
3 - O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão.»

Quer na lei anterior, quer na actual, a regra neste domínio é a sujeição a registo criminal de todas as decisões que apliquem penas e medidas de segurança: - art. 5º, nº 1, alínea a), da Lei nº 57/98; - art. 6.º, alínea a), da Lei 37/2015.
Uma coisa é o registo da condenação, outra é a transcrição desse registo nos certificados emitidos a pedido da pessoa singular, consoante o fim a que os mesmos se destinam.
Restringindo-nos a esta última lei, por ser a aplicável no presente caso, dela resulta que os certificados requeridos por pessoas singulares, para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou actividade em Portugal, só devem conter as decisões mencionadas nas alíneas a) a c), do n.º 5, do art. 10.º.
Porém, se estiver em causa profissão ou actividade para as quais a lei exija a ausência de antecedentes criminais, ou se o certificado se destinar a qualquer outra finalidade, o mesmo deverá conter todas as decisões dos tribunais portugueses, com excepção das decisões … que não devam ser transcritas nos termos do art. 13.º.
E quais são estas decisões?
São aquelas cuja não transcrição for determinada pelo tribunal da condenação, quando este considere verificados os pressupostos enunciados na aludida norma, ou seja, quando:
- O registo disser respeito a condenação em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade;
- O arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e
- Perante as circunstâncias que acompanharam o crime, não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
É ainda de salientar que existem crimes, expressamente previstos no primeiro segmento da mesma norma do mencionado artigo 13.º, relativamente aos quais está afastada aquela possibilidade de não transcrição da condenação no registo criminal, entre eles se encontrando o de violência doméstica, do artigo 152.º, do CP, pelo qual foi condenado o arguido, quando o certificado é requerido, para efeitos de emprego, «no recrutamento para profissões, empregos, funções ou actividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores».
No presente caso, o interesse do arguido assenta no facto de exercer a profissão de “motorista de táxi” por conta de outrem, sendo exigido certificado de registo criminal na periódica renovação do certificado de aptidão profissional, podendo a entidade patronal pôr termo à respectiva relação laboral, caso conste naquele certificado a aludida condenação.
O tribunal recorrido entendeu que se mostravam verificados aqueles dois primeiros requisitos, de ordem formal, não se mostrando preenchido o terceiro.
Está demonstrado, por um lado, que o arguido não havia sofrido qualquer condenação anterior por crime da mesma natureza e, por outro, que foi condenado em pena de prisão suspensa na respectiva execução, o que corresponde a uma pena não privativa da liberdade, conforme decidido pelo STJ, em jurisprudência uniformizada (ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 13/2016 - DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 193/2016, SÉRIE I DE 2016-10-07).
Faltando, pois, saber se «das circunstâncias que acompanharam o crime» não se pode «induzir perigo de prática de novos crimes».
O tribunal recorrido entendeu que há factores de risco - destacando-se «a negação da violência e do dano, a ausência de consciência critica relativamente aos factos, a existência de características pessoais deficitárias ao nível do auto-controlo, que surgem potenciadas por uma problemática de alcoolismo que o arguido não reconhece, que se trata de um indivíduo manipulador, com fraca capacidade de descentração e dificuldades em antever as consequências dos seus actos -, levando aquele a concluir que «existem circunstâncias que induzem a probabilidade de comissão de novos crimes».  
Perante o quadro referido e que vem melhor descrito no acórdão condenatório, tendo em conta a personalidade do arguido que ali é retratada, associada ao problema de alcoolismo de que o mesmo padece, sem o reconhecer, e as circunstâncias do cometimento do crime, não nos é possível concluir pela inexistência de perigo da prática de novos crimes, não havendo razões para censurar a correspondente decisão recorrida   
Entendemos, pois, tal como o tribunal recorrido, que não se verificam as condições exigidas por lei para que seja determinada a pretendida não transcrição.
Tal não implica, porém, como se depreende do que acima mencionámos, que todos os certificados de registo criminal emitidos em nome do arguido contenham necessariamente todas as condenações pelo mesmo sofridas, nomeadamente aquela a que se referem os presentes autos, pois, apesar de o tribunal não determinar a sua «não transcrição», tal condenação - em pena não privativa da liberdade - não poderá fazer parte do conteúdo dos certificados requeridos pelo arguido e emitidos ao abrigo do art. 10.º, n.º 5, da Lei 37/2015.
Como já o afirmámos em outras ocasiões, a aplicação desta última norma pelos respectivos serviços de identificação criminal não depende, nem pode depender, de nenhuma ordem de qualquer tribunal, a qual se traduziria na prática de um acto absolutamente inútil, sendo certo que a lei proíbe a prática de actos inúteis.
 Nessa conformidade, o recurso é improcedente nesta parte.

2.2. Quanto à ordem de recolha de amostra de ADN do arguido e subsequente inserção na correspondente Base de Dados:
Tal procedimento foi ordenado nas alíneas o) e p) do dispositivo do acórdão de primeira instância, pelo qual o arguido fora condenado na pena de 3 anos e 4 meses de prisão pelo crime de violência doméstica e em 2 anos de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, com a pena única, em cúmulo jurídico, de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual prazo.
Em recurso, este Tribunal da Relação reduziu aquela primeira pena para 2 anos e 6 meses de prisão, substituindo a segunda por multa.
Tal como diz o MP na sua resposta ao recurso, o acórdão deste Tribunal de 2.ª instância termina com a expressão «No demais mantém-se o decidido».
Expressão que a respondente e o Sr. Juiz recorrido interpretaram no sentido de que a Relação manteve a aludida ordem e que a respectiva decisão havia, também nessa parte, transitado em julgado.
Em primeiro lugar, a questão da recolha da amostra de ADN e sua inserção na Base de Dados não foi colocada no recurso.
Em segundo lugar, sobre essa mesma questão não houve qualquer pronúncia expressa, por parte do Tribunal da Relação.
A aludida expressão utilizada no final do dispositivo do acórdão recursivo, no sentido de se manter, quanto ao mais, o decidido, apesar de se tratar de uma fórmula habitualmente usada - essencialmente, para salvaguardar aquelas situações em que podem existir outras eventuais questões que tenham sido suscitadas e não sejam abrangidas pelas alterações introduzidas pela segunda instância -, é completamente inócua, porque dispensável, nomeadamente, quando se procede a uma alteração parcial da decisão recorrida, como foi o caso. Se a mesma expressão não constasse do acórdão, a conclusão seria precisamente a mesma: nas partes não alteradas, mantém-se o decidido pela primeira instância.
Não pode formar-se caso julgado acerca de uma questão relativamente à qual não houve pronúncia, clara e expressa.
Tanto mais que, a diminuição da pena aplicada ao arguido tinha consequências directas quanto à verificação dos requisitos legais necessários à aludida recolha de ADN, a qual só é possível em caso de condenação em pena de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que substituída.
Isso implica que, da decisão proferida em recurso que reduziu a pena de prisão aplicada, o tribunal tinha que retirar de tal procedência as respectivas consequências, ao abrigo do disposto no artigo 403.º, n.º 3, do CPP.
Se o tribunal ad quem não o fez, omitindo decisão sobre essa matéria, deveria tê-lo feito o tribunal recorrido, pronunciando-se expressamente sobre os pressupostos da ordem de recolha da amostra de ADN, face à nova realidade com que se deparou e da qual foi alertado pelo INML. Em vez disso, agarrou-se ao argumento do trânsito em julgado da decisão, trânsito que, quanto a essa questão, não ocorreu, do nosso ponto de vista.
Reapreciando-a à luz do direito vigente, a ordem em causa fundou-se no disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008 de 12/02, alterada e republicada pela Lei n.º 90/2017, de 22/8, naquele se prevendo:
«A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença.»
No n.º 4 da mesma norma prevê-se o seguinte:
Em caso de recusa do arguido na recolha de amostra que lhe tenha sido ordenada nos termos dos números anteriores, o juiz competente pode ordenar a sujeição à diligência nos termos do disposto no artigo 172.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.»

Aqueles requisitos verificavam-se na altura da prolação do acórdão de primeira instância, tendo deixado de se verificar com a decisão da Relação.
Pelo que, a aludida ordem não pode subsistir, impondo-se a sua revogação ao abrigo do aludido art. 403.º, n.º 3, do CPP e, consequentemente, a revogação do despacho recorrido que à mesma diz respeito.
Procedendo, pois, o recurso, nesta parte.
***
III – DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se parcialmente procedente o presente recurso do arguido V., revogando-se o despacho recorrido de 16/10/2017 (referência 135143390) e as correspondentes alíneas o) e p) do dispositivo do acórdão de primeira instância, confirmando-se o despacho recorrido de 21/09/2017 (referência 134852930).
Sem custas, por não serem devidas.
Notifique.
(Processado em computador e revisto pelo relator)
Lisboa,         /         /