Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2635/09.7TJLSB.L1-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL
NULIDADE
CLÁUSULA PENAL
JUROS DE MORA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Na apreciação da questão haverá, antes de mais, de atentar no quadro negocial padronizado resultante dos objectivos visados pelas partes com o programa contratual estabelecido (cf. artº 19º e 16º do DL 446/85), “em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objecto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato” (cf. artº 4º, nº 1, da Directiva 13/93);
II- A locação ‘clássica’ está construída no pressuposto de que o bem locado é susceptível de uma utilização prolongada e que essa utilização pode ser feita por períodos e pessoas sucessivas; terminado o período de cedência do uso da coisa ela continua a ser utilizável e o seu proprietário pode continuar a tirar aproveitamento económico dessa utilização;
III- Ocorre, porém, que nas hodiernas condições do mercado de equipamentos, existem certos bens que, embora duradouros, não só o seu tempo de utilização é curto como, independentemente dele, o seu valor económico se esgota com o início de utilização. Ou seja, o seu tempo de vida útil é curto, ficando obsoletos rapidamente, e não são susceptíveis de rentabilidade económica enquanto bens em segunda mão;
IV- Relativamente a esses bens, a cedência temporária do uso normalmente não só coincide com o período de vida útil do bem como também é causa de imediata desvalorização da coisa. Uma vez cedido o uso da coisa ela passa a ser coisa usada insusceptível de outra utilização económica que não a consubstanciada naquela cedência; e esgotado o período da cedência a coisa está obsoleta;
V- Neste tipo de bens não releva a perspectiva de utilização posterior do bem para além do período contratual, ao contrário do que ocorre com os contratos de financiamento de aquisições de bens de longa duração (leasing, ALD), os quais inserem cláusulas ou negócios dependentes que prevêem as condições de transferência da propriedade no final do contrato para o utilizador do bem;
VI- O que se visa com o contrato em causa nos autos é possibilitar a utilização de um bem pelo período da sua vida útil, sem necessidade do investimento inicial da sua aquisição, que é efectuado por outrem, substituído pelo pagamento fraccionado daquele encargo ao longo do período de utilização;
VII- Porque é esse o sentido económico do contrato logo a partes espelham esse programa contratual na cláusula primeira das condições gerais quando estipulam que o bem é adquirido pelo locador no interesse do locatário, após indicação deste do bem e do fornecedor, e que o locatário se obriga a pagar (no prazo de 4 anos, tido como o de vida útil do bem e correspondente ao de vigência do contrato) os custos incorridos pelo locador com a aquisição do bem e a execução do contrato e os lucros esperados;
VIII- No caso de extinção antecipada do contrato, como seja a resolução por incumprimento do locatário, o prejuízo do locador consiste no que gastou na aquisição do bem ainda não amortizado e nos lucros cessantes; o que corresponde, aliás, às prestações vincendas do contrato resolvido;
IX- E assim sendo a cláusula penal estabelecida na cláusula em causa que estabelece deverem ser pagos todos os alugueres até ao fim do contrato não é superior aos danos causados, antes lhe correspondendo, não sendo desproporcionada aos danos a ressarcir… (embora) o que seja devido se limite ao montante da prestação propriamente dita uma vez que tratando-se agora de indemnização é insusceptível de tributação em IVA por não estarmos perante uma transmissão de bens (cf. artigos 1º e 3º do CIVA);
X- Na esteira do que vem dito o atraso na restituição do bem locado não causa prejuízo económico de relevo uma vez que o bem é insusceptível de reutilização; o prejuízo daí decorrente será apenas o da ausência de apreensão do bem e de um eventual aproveitamento como ‘bem em fim de vida’ o qual, como é evidente, será muito inferior ao valor correspondente ao dobro do aluguer convencionado (o qual se encontra calculado em termos de amortização total do bem, encargos de execução do contrato e lucro esperado);
XI- Quando as partes estabelecem entre si uma cláusula penal para os casos de incumprimento contratual, o credor abdica do recebimento de uma qualquer outra indemnização para além da entre elas acordada, o que se justifica porque, com esse clausulado, as partes quiseram, livre, voluntária e esclarecidamente, afastar a álea ligada às circunstâncias imponderáveis - bastas vezes imprevisíveis - da Vida, às quais ninguém escapa e que alguns visam minorar através de mecanismos/institutos como o que agora se discute e que garantem alguma certeza e segurança perante essa incerteza da vivência quotidiana;
XII- E porque assim é, não pode a Autora peticionar uma actualização desse «quantum» indemnizatório previamente fixado na cláusula penal neste acórdão julgada válida, eficaz e vinculativa;
XIII- Na situação «sub judice», está verificada a excepção prevista na parte final do acima citado n.º 2 do art.º 811.º do Código Civil, sendo, desse modo, possível, porque permitida por Lei e acordada pelas partes no exercício das suas respectivas liberdades de celebração de negócios jurídicos, a condenação da Ré no pagamento dos juros moratórios definidos nessa cláusula contratual.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

1. “G R, SA” intentou contra “K R, UNIPESSOAL, LDA” os presentes autos de acção declarativa com processo comum e forma sumária que, sob o n.º 2635/09.7TJLSB, correram termos pela 2ª Secção do … Juízo Cível de…, e nos quais, apesar de devidamente citada, a Ré não apresentou contestação, tendo o mérito do pleito sido apreciado, logo após o final da fase dos articulados, através da sentença de fls 269 a 319, cujo decreto judicial tem o seguinte teor:
“…Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência:
a) Declaro validamente resolvido o contrato de locação financeira identificado em sede de Relatório, com efeitos à data aí indicada;
b) condeno a R a pagar à A a quantia de 412,05 € (quatrocentos e doze euros e cinco cêntimos), correspondente ao prémio de seguro dos bens locados, relativo ao período de 05/02/2009 a 31/12/2009, constante da Factura n.º 1983/2009;
c) condeno a R a pagar à A a quantia de 1.135,74 € (mil cento e trinta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), resultante da soma dos alugueres vencidos e não pagos de Maio, Junho e Julho de 2009, nas quantias constantes das Facturas nºs 4634/2009, 5395/2009 e 6724/2009;
d) condeno a R a pagar à A, a quantia de 83,50 €, referidos nas cartas enviadas à Locatária, respeitantes as despesas administrativas causadas pelo incumprimento (custos de aviso, custos de retorno de entrada do débito directo e honorários);
e) condeno a R a pagar à A a quantia de 1.405,74 € (mil quatrocentos e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), respeitantes aos juros mora vencidos, liquidados nos termos convencionados, até 30/11/2009;
f) condeno a Ré a restituir à Autora o bem locado, em bom estado de conservação e de funcionamento, ressalvado o seu desgaste pelo decurso do tempo e uma normal e prudente utilização do mesmo e a suportar os custos de tal restituição;
g) condeno a R a pagar à Autora as quantias que se vierem a liquidar a final, no acto de pagamento voluntário, em execução de sentença ou através do respectivo incidente de liquidação (artigos 471.º, n.º 1, al. c) e 378.º, ambos do CPC), a título de juros de mora vincendos, desde 01/12/2009, até integral pagamento, a liquidar às taxas convencionadas - taxa legal para transacções comerciais acrescida de 8% sobre os montantes devidos a título de aluguer e taxa legal acrescida de 5%, em relação a dívidas de outra natureza;
h) condeno a R a pagar à A indemnização pela utilização do equipamento locado, para além do prazo de vigência do contrato, desde Agosto de 2009, e até à sua entrega, em quantia que se vier a apurar em liquidação ulterior, correspondente ao valor de utilização do veículo entre a data da resolução (13.07.2009) e a data da respectiva entrega, a qual será calculada tendo por base o valor de uso durante o período decorrido entre a resolução e a entrega;
i) condeno a R a pagar à A a quantia que se vier a apurar em liquidação ulterior, correspondente à depreciação dos equipamentos locados entre a data da resolução e a data da entrega, a qual se traduzirá na diferença entre o valor que estes apresentavam à data da resolução e o valor que estes vierem a apresentar aquando da data da entrega;
j) fixo como montante máximo ao resultante das condenações proferidas sob as alíneas h) e i) o valor dos equipamentos à data da resolução;
k) No mais, absolvo a R do pedido;
l) declaro nula a cláusula 17ª, no seu n.º 1 do contrato 094 000877, com o seguinte teor:
“17. Consequências da cessação prematura extraordinária:
1. Tendo em atenção que o Locador adquiriu o bem locado para benefício do Locatário, caso o Locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o Locatário cesse o contrato de acordo com a Secção 13, o Locador poderá exigir o pagamento de todos os alugueres até ao fim do contrato. A compensação com a poupança de custos ou a obtenção de benefícios relacionada com a cessação antecipada – incluindo indemnizações pagas pelo seguro e outras indemnizações, se existirem (confrontar Secção 12 n.º 2 e Secção 14 números 7 e 8) recebidas pelo Locatário estarão sujeitas às disposições legais. Os direitos do Locador tornam-se exigíveis com a recepção da notificação da cessação. O Locatário deverá ser considerado em incumprimento caso não realize o pagamento devido nos 30 dias subsequente à recepção da notificação da cessação e dos danos enumerados (…).”
Custas na proporção de ½ (metade) para A e R.
Registe, notifique e salve em pasta própria.
Transitada em julgado a decisão, no que respeita à sua alínea l), comunique nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 34º do Decreto-Lei n.º 446/85.” (sic - fls 317 a 319).

Inconformado com essa decisão, a Autora “G R, SA” dela recorreu rematando as suas alegações pedindo que “… (seja) dado provimento ao recurso, e consequentemente revogada a sentença na parte em que considerou nula a cláusula prevista na Secção 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação, e substituída por acórdão que condene a Recorrida integralmente nos pedidos 2.4) (actualizado e acrescido de juros de mora à taxa convencionada), 4.3) e 5.” (sic - fls 377), formulando, para tanto, as seguintes 29 conclusões:
1.ª) O contrato sub judice é um contrato típico de locação de bens móveis ou aluguer, com o respectivo regime jurídico previsto nos art. 1022º e seguintes Código Civil;
2.ª) O regime jurídico do Código Civil não prevê quais os critérios que devem ser considerados para a determinação do valor da renda ou aluguer, limitando-se na definição de locação, no art. 1022º do Código Civil, a considerar o aluguer como a “retribuição pelo gozo temporário de uma coisa”;
3.ª) O bem locado pode ser escolhido pela Locadora ou pela Locatária; ser mais ou menos duradouro, ou perecível com a utilização, que tal não altera a qualificação do contrato como de locação;
4.ª) O facto da Locadora adquirir o bem locado escolhido pela Locatária e esta se obrigar a pagar 60 alugueres mensais que amortizem integralmente o preço de aquisição, as despesas de execução do contrato e a margem de lucro estimada, podendo ser renovado por sucessivos períodos de seis meses, não constitui qualquer obstáculo à qualificação do contrato como típico contrato de locação ou aluguer de bens móveis;
5.ª) Ao celebrar um contrato típico, as partes não ficam limitadas ou restringidas no teor das suas cláusulas, devendo estas contemplar a vontade das partes contratantes, dentro dos limites da lei, nos termos do art. 405º do Código Civil;
6.ª) A ora Recorrida escolheu os bens locados e a fornecedora, pois a Locadora, ora Recorrente não tem qualquer stock ou estabelecimento comercial com bens novos disponíveis para alugar, cuja aquisição solicitou à ora Recorrente, para que esta disponibilizasse a sua utilização através de aluguer dos mesmos;
7.ª) A Locadora ora Recorrente adquiriu os bens por 18.200,75 € porque a Locatária se obrigou a pagar 60 alugueres mensais, de 315,48 € cada, no total de 18.928,80 € (acrescido do IVA destinado ao Estado), que representaria um lucro com o negócio estimado em 3,03 € por mês;
8.ª) Ao não cumprir o contrato de locação, a Locatária causou prejuízos danos emergentes e lucros cessantes que as partes contratantes liquidaram ab initio com a fixação de uma cláusula penal, que seria accionada em caso de resolução do contrato, correspondente à indemnização compensatória liquidada pela soma de valor dos alugueres vincendos, desde a resolução até ao termo inicial do contrato;
9.º) Os bens locados a restituir, por serem usados, estão destituídos de valor comercial, não havendo procura para este tipo de bens, seja para alugar no estado de usados, seja para vender, o que não significa que para a Recorrida, os bens locados que utiliza, não tenham o valor ajustado para a respectiva utilização;
10.ª) As partes contratantes ao acordarem no contrato de locação ajustaram que o valor do aluguer seria de 315,48 € (acrescido do IVA), para o período mínimo de 60 meses, podendo ser renovado sucessivamente por períodos de 6 meses, sem qualquer alteração ao valor do aluguer, por ser essa a retribuição mensal pela sua utilização;
11.ª) A Recorrida não restituiu os bens locados desde 13/07/2009, data em que produziu efeitos a resolução do contrato, continuando a dispor dos bens, sem pagar a devida compensação prevista no art. 1045º do Código Civil;
12.ª) A cláusula contratual correspondente à Secção 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação não é contrária à boa fé, pois consta escrita do contrato e foi aceite expressamente pela Locatária, ora Recorrida, quando celebrou o contrato e quando confessou os factos alegados na p.i.. tendo a Recorrida optado por não contestar a acção confirmando/confessando que tinha aceite o acordo nos referidos termos e ser devedora das quantias peticionadas;
13.ª) O Tribunal ao decidir que a cláusula contratual constante da Secção 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação seria nula, por desproporcionada aos danos a ressarcir, interferiu oficiosa e parcialmente na vontade das partes contratantes, sem que tenha fundamentos, factual e legal, que o justifique, violando a autonomia privada e a liberdade contratual, sendo a diferença entre a quantia a que a Locatária se obrigou a pagar e o preço pago pela Locadora para disponibilizar os bens locados escolhidos, de 728,05 €, insusceptível de ser considerada excessiva, desproporcionada ou contrária à boa fé, já que os bens locados quando forem restituídos, se o forem, não terão valor comercial e não serão novamente alugados a terceiros, sendo o IVA a acrescer aos alugueres destinados ao Estado, e a Locadora teve despesas com a execução do contrato e tinha a expectativa legítima de obter uma margem de lucro;
14.ª) A cláusula contratual constante da Secção 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação não viola o artigo 19.º, al. c), do DL n.º 446/85, nem a boa fé, pelo que a sentença recorrida ao julgar inválida a cláusula penal convencionada, viola o art. 405.º do Código Civil e aplica incorrectamente o art. 19.º, al. c) do DL 446/85, devendo por tal ser revogada;
15.ª) A indemnização compensatória peticionada no pedido 2.4) resulta da conjugação dos deveres previstos na Secção 1, n.º 2, 15, n.º 2 e 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação, devendo ser julgada procedente tal como foi nas 41 sentenças proferidas, por ser legal e proporcional aos danos a ressarcir;
16.ª) Liquidando a quantia a Locatária se obrigou a pagar à Locadora, destinando-se à amortização total do preço dos bens locados, despesas de execução do contrato (emissão e envio de facturas e apresentação a pagamento por débito directo), é ínfima margem de lucro estimada (cerca de 3,03 € mês);
17.ª) Ao não condenar a Ré no pedido constante do ponto 2.4) do petitório inicial, a sentença recorrida não fez justiça, pois deixou por ressarcir os danos emergentes e os lucros cessantes causados pela Locatária ao incumprir o contrato de locação, concretamente a obrigação de amortização integral dos custos de aquisição dos bens locados, as despesas de execução e o lucro estimado através do pagamento dos alugueres;
18.ª) A indemnização compensatória do pedido 2.4) do petitório inicial no montante de 20.821,90 €, correspondia aos alugueres de Agosto de 2009 a Fevereiro de 2014, com o IVA incluído à taxa de 20%, sendo que a taxa de IVA foi alterada, pelo que poderá tal indemnização compensatória, como alternativa ao montante inicial peticionado, ser actualizada e fixada em 17.351,48 € (acrescido do IVA à taxa legal em vigor à data do pagamento), devida nos termos do contrato de locação celebrado (Secções 1, n.º 2, 15, n.º 2 e 17, n.º 1 das Condições Gerais de Locação), e artigos 810º, n.º 1, 811º, n.º 2 e 1045º, n.º 1 do Código Civil, pelos danos emergentes e lucros cessantes que a ora Recorrida causou por incumprimento culposo do contrato de locação, cuja resolução extrajudicial, foi julgada válida na sentença recorrida;
19.ª) Ao não condenar a Ré na quantia peticionada no ponto 2.4) do petitório, a sentença recorrida julgou incorrectamente os factos alegados na p.i. e violou as disposições legais previstas nos artigos 405º, 810º, 811º e 1045º, todos do Código Civil;
20.ª) A Recorrida deverá ser condenada no pagamento à Recorrente da cláusula penal ajustada, aqui actualizada de 17.351,48 € (acrescida do IVA à taxa legal em vigor à data do pagamento), salvo se o Tribunal da Relação concluir que o IVA não é devido sobre o valor da indemnização compensatória, devendo nesta caso a Recorrida ser condenada a pagar 17.351,48 € a título de cláusula penal, acrescida de juros à taxa convencionada de 8% acima da taxa de juros para operações comerciais;
21.ª) Os custos/despesas suportados pela Locadora com a aquisição dos bens locados e as despesas de execução do contrato não teriam existido se não tivesse sido celebrado o contrato de locação com a ora Recorrida, pelo que a resolução do contrato, porque considerada válida, não poderá deixar de ter as consequências previstas na lei, nomeadamente nos artigos 432º e seguintes do Código Civil.
22.ª) A reposição da situação que existia implica o ressarcimento dos danos através do pagamento da indemnização compensatória convencionada, ao abrigo da liberdade contratual, devendo a assim a sentença ser revogada na parte que não condenou a Ré no pedido 2.4), tanto mais que a Recorrida ainda não restituiu os bens locados desde 13/07/2009 a 09/10/2011, desconhecendo-se se algum dia restituirá;
23.ª) As partes contratantes acordaram na cláusula constante da Secção 19, n.º 5 das Condições Gerais de Locação que após a cessação do contrato, em caso de mora na restituição dos bens locados, seria devida a quantia correspondente a 1/30 do dobro do valor do aluguer mensal, conforme resulta do disposto no art. 1045º, n.º 2 do Código Civil;
24.ª) A cláusula penal, que deu origem ao pedido 4.3) poderá não ser exigível, desde que a Recorrida cumpra a sentença que a condenou a restituir os bens, mas deverá constar no Acórdão a proferir, pois a restituição poderá demorar anos a ser obtida até serem encontrados os bens, continuando a Recorrida a utilizá-los ou a ocultá-los, para não os restituir, sem qualquer título que o legitime;
25.º) A ora Recorrida causou prejuízos à ora Recorrente, que face à sentença recorrida ficariam por indemnizar, já que absolveu a Ré do pedido 2.4) e 4.3), premiando o incumprimento contratual, violando os artigos 405º, 810º, 811º e 1045º, todos do Código Civil;
26.ª) A sentença recorrida ao não aplicar o disposto no art. 1045º do Código Civil deixou por indemnizar a mora na restituição dos bens locados, permitindo um benefício injustificado à Recorrida que incumpriu o contrato de locação (por falta de pagamento dos alugueres a que se obrigou e pela não restituição dos bens locados), e que persiste sem restituir decorridos mais de vinte e sete meses desde a resolução, continuando a dispor da utilização dos bens sem pagar a retribuição convencionada pelo gozo;
27.ª) As indemnizações para liquidação em sede de execução de sentença, previstas nas alíneas h) e i) da sentença recorrida não foram peticionadas, estando limitadas na alínea j) ao valor dos bens locados à data da resolução, o que poderá representar uma indemnização igual a zero se se concluir que os bens locados já não tinham valor comercial à data da resolução ou se nunca forem recuperados e tais indemnizações não forem susceptíveis de liquidação;
28.ª) Sobre o montante do pedido 2.4) deverão acrescer juros de mora à taxa convencionada, tal como peticionado na p.i.;
29.ª) A Recorrida deverá ser exclusivamente responsável pelo pagamento das custas judiciais, já que a elas exclusivamente deu causa com o seu incumprimento do contrato de locação.” (sic - fls 369 a 376, constituindo a peça em causa fls 327 a 377 do processo).

A Ré não contra-alegou.
Com as suas alegações, a Autora, em coerência com o que já havia feito aquando da apresentação em Juízo da peça processual de fls 106 a 115 (então foram apenas 149 folhas - fls 116 a 149), juntou 303 folhas de documentos, todos eles dando conta de decisões judiciais de variadíssimos Tribunais Judiciais de 1ª instância (fls 380 a 683).
Quer-se crer que a apelante, com esta sua actuação, quis apenas poupar a esta Relação o trabalho de ir à procura do sentido da Jurisprudência acerca da questão jurídica sobre a qual tem de exercer pronúncia, inculcando que a citada é a posição maioritária. Ou, porventura, quis tão só ultrapassar o número de acórdãos de Tribunais Superiores citados na sentença recorrida, que são quinze (15).
Foi pena o esforço, já que e perante tanta abundância, não pode este Tribunal Superior deixar de recordar, que a regra da maioria, sendo sociologicamente útil e benéfica em muitas matérias (que, sem margem para qualquer dúvida, o é), não é, porém, o caminho mais adequado para encontrar o conhecimento e a verdade ou, neste caso e mais modestamente, a interpretação mais acertada das normas legais que regulam uma determinada situação jurídica – que o digam muitos, como, a título de mero exemplo, Galileu Galilei (então não é que a Terra se movia – se move - mesmo?), pese embora este, ao contrário de outros, não tenha acabado os seus dias queimado numa fogueira.
Mas, dada a natureza de todos esses documentos, não se ordena o seu desentranhamento e subsequente devolução à sociedade apresentante.
E, quem sabe, talvez a questão jurídica em análise mereça a prolação de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.

2. Considerando as conclusões das alegações da ora apelante (as quais são aquelas que delimitam o objecto do recurso, impedindo esta Relação de conhecer outras matérias – n.º 3 do art.º 668º do CPC e artºs 671º a 673º, 677º, 678º e 684º, maxime nºs 3 e 4 deste último normativo, e 661º n.º 1, todos do mesmo Código) as únicas questões que verdadeiramente têm de ser dirimidas nesta instância de recurso são as seguintes:
- a norma contratual consubstanciada no n.º 1 da cláusula 17ª do contrato 094 000877 firmado entre as partes, transcrita no decreto judicial criticado, é ou não nula?
- considerando a matéria de facto declarada provada no processo existem ou não fundamentos que permitam condenar a Ré nos termos requeridos nos pontos 2.4) (actualizado e acrescido de juros de mora à taxa convencionada), 4.3) e 5. da petição inicial?

E sendo esta a matéria que compete julgar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por estarem cumpridas as formalidades legalmente prescritas (artºs 700º a 720º do CPC), tendo sido oportunamente colhidos os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos, cumprindo, contudo, assinalar que, salvo quanto às questões supra enunciadas, em tudo o demais nela decretado, a sentença a sindicar transitou em julgado.

3. Em nenhum momento das suas alegações, a apelante pôs em causa a decisão do Tribunal recorrido através da qual se declarou quais os factos considerados provados no processo, o que dispensa esta Relação de aqui transcrever essa parte da sentença criticada (o que, acrescente-se, constituiria, face ao objecto do recurso, uma absoluta inutilidade), bastando, tal como permitido pelo n.º 6 do art.º 713º do CPC, para ela remeter – e, mais exactamente, para os 83 números que se encontram a fls 271 a 299 dos autos, sob a epigrafe “II. Fundamentação – A. Os factos”.

4. Discussão jurídica da causa.
4.1. A norma contratual consubstanciada no n.º 1 da cláusula 17ª do contrato 094 000877 firmado entre as partes, transcrita no decreto judicial criticado, é ou não nula?
4.1.1. Ao iniciar a análise crítica da sentença que a esta Relação cumpre sindicar, é indispensável clarificar que, em boa verdade, porque tudo o mas corresponde a afirmações doutrinais mais ou menos genéricas, o único verdadeiro argumento esgrimido pelo Mmo Juiz a quo para sustentar a sua decisão de declarar nula a norma contratual que corresponde ao n.º 1 da cláusula 17ª do contrato de locação dos autos é o seguinte: «Sucede, porém, que tal clausula não pode valer no nosso ordenamento jurídico, encontrando-se ferida de nulidade, “porque contrária à boa fé, no sentido em que contraria um valor fundamental no direito dos contratos e que é o do equilíbrio das prestações contratuais, nos contratos sinalagmáticos – artigo 15º do DL 446/85, na redacção dada pelo DL 220/95, de 31/08 e Decreto-Lei n.º 249/99, de 7/7.”, conforme douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.05.2010, do qual foi relatora a Exma Senhora Desembargadora Ana Lucinda Cabral, que se pronunciou expressis verbis, sobre cláusula de igual teor, utilizada pela A, no âmbito de um outro contrato.» (sic – incluindo o sublinhado).
Essa não é a posição sustentada por este Tribunal.
Outrossim, para este Colectivo Decisor não é sobremaneira relevante a conclusão que em 1ª instância se retirou quanto à qualificação jurídica do acordo de vontades celebrado entre as partes, relativamente ao qual, o Mmo Juiz a quo, mesmo depois de este ter reconhecido que à Autora não é permitido celebrar contratos de locação financeira, declarou “…impõe-se a qualificação do acordo celebrado como tratando-se de um intermédio entre a locação e a locação financeira, sendo, pois, a essa luz, que terá que ser analisado o respectivo clausulado. Tudo vale por dizer que quando o clausulado se afasta do regime da “locação clássica” será aplicável o regime supletivo legal mais adequado. A isso obriga a respectiva atipicidade.” (sic).
Efectivamente, considerando a compreensão/extensão lógica do conceito manifestado através do art.º 1022º do Código Civil, uma locação financeira (ou qualquer outra, “clássica” ou não) não deixa de ser uma locação - neste caso de coisa móvel (idem, art.º 1023º) - e o fixado nos artºs 397º a 400º e 405º do mesmo Código concede às partes uma significativa margem de manobra para exercer os seus respectivos direitos de celebração e estipulação de contratos, estando a protecção da Ré contra abusos de posição sociológica e/ou jurídica dominante assegurada, isso sim, pelas disposições contidas nos artºs 334º, 335º, 280º a 283º e 294º ainda do Código Civil, e no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as suas sucessivas alterações, a cujo regime – o de todas estas normas legais – esse acordo negocial está inquestionavelmente sujeito.
E é a luz destes comandos legislativos que o julgamento do pleito tem de ser feito. Forçosamente e independentemente da qualificação a dar ao contrato dos autos – mas que será sempre um contrato de locação que se regerá única e exclusivamente pelas normas legais inscritas nos diplomas atrás referenciados - ou seja, o Código Civil e o DL n.º 446/85, de 25 de Outubro - e por aquelas que, sendo válidas, foram fixadas pelas partes no texto desse acordo negocial.
4.1.2. Considerando o estatuído no n.º 3 do art.º 8º do Código Civil, entende este Tribunal Superior citar aqui, por se concordar integralmente com esses argumentos, o que está escrito no acórdão lavrado nesta 1ª Secção da Relação de Lisboa no Processo n.º 80/10.0YXLSB.L1, publicado na tabela do passado dia 18 de Maio de 2012 (relator Paulo Rijo Ferreira), em que é também Autora a ora apelante e está em causa uma cláusula em tudo igual, no seu texto, à que está a ser escrutinada na presente acção e em que os bens locados são, igualmente, idênticos na sua natureza.
E tais argumentos são:
“Na apreciação da questão haverá, antes de mais, de atentar no quadro negocial padronizado resultante dos objectivos visados pelas partes com o programa contratual estabelecido (cf. artº 19º e 16º do DL 446/85), “em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objecto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato” (cf. artº 4º, nº 1, da Directiva 13/93).
A locação ‘clássica’ está construída no pressuposto de que o bem locado é susceptível de uma utilização prolongada e que essa utilização pode ser feita por períodos e pessoas sucessivas; terminado o período de cedência do uso da coisa ela continua a ser utilizável e o seu proprietário pode continuar a tirar aproveitamento económico dessa utilização.
Ocorre, porém, que nas hodiernas condições do mercado de equipamentos, existem certos bens que, embora duradouros, não só o seu tempo de utilização é curto como, independentemente dele, o seu valor económico se esgota com o início de utilização. Ou seja, o seu tempo de vida útil é curto, ficando obsoletos rapidamente, e não são susceptíveis de rentabilidade económica enquanto bens em segunda mão.
Relativamente a esses bens, a cedência temporária do uso normalmente não só coincide com o período de vida útil do bem como também é causa de imediata desvalorização da coisa. Uma vez cedido o uso da coisa ela passa a ser coisa usada insusceptível de outra utilização económica que não a consubstanciada naquela cedência; e esgotado o período da cedência a coisa está obsoleta.
Neste tipo de bens não releva a perspectiva de utilização posterior do bem para além do período contratual, ao contrário do que ocorre com os contratos de financiamento de aquisições de bens de longa duração (leasing, ALD), os quais inserem cláusulas ou negócios dependentes que prevêem as condições de transferência da propriedade no final do contrato para o utilizador do bem.
O que se visa com o contrato em causa nos autos é possibilitar a utilização de um bem pelo período da sua vida útil, sem necessidade do investimento inicial da sua aquisição, que é efectuado por outrem, substituído pelo pagamento fraccionado daquele encargo ao longo do período de utilização.
Porque é esse o sentido económico do contrato logo a partes espelham esse programa contratual na cláusula primeira das condições gerais quando estipulam que o bem é adquirido pelo locador no interesse do locatário, após indicação deste do bem e do fornecedor, e que o locatário se obriga a pagar (no prazo de 4 anos, tido como o de vida útil do bem e correspondente ao de vigência do contrato) os custos incorridos pelo locador com a aquisição do bem e a execução do contrato e os lucros esperados.
No caso extinção antecipada do contrato, como seja a resolução por incumprimento do locatário, o prejuízo do locador consiste no que gastou na aquisição do bem ainda não amortizado e nos lucros cessantes; o que corresponde, aliás, às prestações vincendas do contrato resolvido.
E assim sendo a cláusula penal estabelecida na cláusula 17/1 acima referida que estabelece deverem ser pagos todos os alugueres até ao fim do contrato não é superior aos danos causados, antes lhe correspondendo, não sendo desproporcionada aos danos a ressarcir… (embora) o que seja devido se limite ao montante da prestação propriamente dita uma vez que tratando-se agora de indemnização é insusceptível de tributação em IVA por não estarmos perante uma transmissão de bens (cf. artigos 1º e 3º do CIVA).
Na esteira do que vem dito o atraso na restituição do bem locado não causa prejuízo económico de relevo uma vez que o bem é insusceptível de reutilização; o prejuízo daí decorrente será apenas o da ausência de apreensão do bem e de um eventual aproveitamento como ‘bem em fim de vida’ o qual, como é evidente, será muito inferior ao valor correspondente ao dobro do aluguer convencionado (o qual se encontra calculado em termos de amortização total do bem, encargos de execução do contrato e lucro esperado) …”.
Naturalmente, na aferição do equilíbrio e da proporcionalidade das obrigações negociais de ambas as contraentes – como se quaisquer outros – haverá que atender à globalidade do clausulado do negócio, mas esta constatação não invalida, antes reforça, o que atrás se deixou escrito, por transcrição do texto do acórdão lavrado no Processo n.º 80/10.0YXLSB.L1.
E o Princípio da Parcimónia (ou Navalha de Ockham - princípio lógico atribuído ao frade franciscano inglês William de Ockham, que viveu no século XIV, que aconselha o uso da simplicidade na busca da explicação e da solução dos problemas), bem como o determinado nos artºs 137º e 265º n.º 1 do CPC, torna virtualmente inútil, por desnecessária, impertinente e até dilatória, a exposição de quaisquer outros argumentos ou raciocínios fundamentadores do julgamento que agora aqui é feito.
E os actos inúteis são, como se estatui no primeiro desses normativos, proibidos e puníveis.
4.1.3. Nesta conformidade, sendo totalmente procedentes as conclusões 1ª a 14ª das alegações de recurso da apelante, decreta-se que a norma contratual consubstanciada no n.º 1 da cláusula 17ª do contrato 094 000877 firmado entre as partes e que está transcrita no decreto judicial criticado, não é nula, sendo, pelo contrário, válida, eficaz e vinculativa para as partes.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

4.2. Considerando a matéria de facto declarada provada no processo existem ou não fundamentos que permitam condenar a Ré nos termos requeridos nos pontos 2.4) (actualizado e acrescido de juros de mora à taxa convencionada), 4.3) e 5. da petição inicial?
4.2.1. Estando já decretado que o acordo negocial consubstanciado no n.º 1 da cláusula 17ª do contrato de locação dos autos não é nulo, importa, portanto, operar uma nova subsunção dos factos provados, partindo agora desse pressuposto não considerado na sentença criticada, ou, mais exacta e simplesmente, cumpre julgar se a Ré pode ou não ser condenada nos termos peticionados nos nºs 2.4), 4.3) e 5. do articulado inicial da acção.
E esses concretos pedidos são os seguintes:
i) que seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 20.821,90, a título de indemnização pelos prejuízos causados pelo incumprimento do contrato de locação (cláusula penal), correspondente ao valor dos alugueres, vencidos antecipadamente com a comunicação de resolução recebida pela Locatária em 13/07/2009;
ii) que seja a Ré condenada a pagar à Autora uma indemnização por prejuízos causados por aquela demandada caso os bens locados não sejam imediatamente devolvidos à Autora, após ser proferida sentença condenatória nos presentes autos, ou se decorrerem os 60 (sessenta) meses previstos no contrato, caso a sentença só seja proferida posteriormente a 01/03/2014, sendo o valor desta indemnização correspondente ao dobro do valor previsto para o aluguer mensal, calculado 1/30 por cada dia de mora, até efectiva restituição;
iii) que seja a Ré condenada a pagar as custas do processo e demais encargos legais.
Pede igualmente a ora apelante que o valor referido em i) seja objecto de actualização e que sobre esse valor assim apurado incidam juros de mora à taxa convencionada.
É a bondade - isto é, o mérito - desse petitório que esta Relação tem de aquilatar, seguindo a ordem indicada pela recorrente.
4.2.2. Por referência ao primeiro dos aludidos pedidos, cabe referir que, como resulta do estatuído nos artºs 804º n.º 1 e 806º n.º 1 do Código Civil, “(a) mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor… (correspondendo na) obrigação pecuniária a indemnização …aos juros a contar do dia da constituição em mora”.
Contudo, perante esse incumprimento, “(as) partes podem… fixar por acordo o montante da indemnização exigível; é o que se chama a cláusula penal” (idem, art.º 810º n.º 1). E é essa a situação espelhada nos autos.
Todavia, quando assim acontece,
“1. O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.
2. O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes.
3. O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.” (ibidem, art.º 811º - sublinhado que não consta do texto legal).
Resulta destes normativos que, quando as partes estabelecem entre si uma cláusula penal para os casos de incumprimento contratual, o credor abdica do recebimento de uma qualquer outra indemnização para além da entre elas acordada, o que se justifica porque, com esse clausulado, as partes quiseram, livre, voluntária e esclarecidamente, afastar a álea ligada às circunstâncias imponderáveis - bastas vezes imprevisíveis - da Vida, às quais ninguém escapa e que alguns visam minorar através de mecanismos/institutos como o que agora se discute e que garantem alguma certeza e segurança perante essa incerteza da vivência quotidiana.
E porque assim é, não pode a Autora peticionar uma actualização desse quantum indemnizatório previamente fixado na cláusula penal neste acórdão julgada válida, eficaz e vinculativa.
A apelante tem, pois, direito a perceber o valor de € 17.351,40 (por o IVA não ser devido), mas sem qualquer actualização.
Já no que respeita aos juros de mora, vale o estipulado na cláusula 15ª do contrato («Consequências de atrasos, cessação sem aviso prévio»), em cujo número 1. se pode ler o seguinte:
“Caso o Locatário esteja em mora com o pagamento de quaisquer pagamentos devidos de acordo com o contrato, serão devidos juros à taxa legal acrescidos de 8% pelos alugueres em dívida e juros à taxa legal acrescidos de 5% por quaisquer outros montantes em dívida.”.
E, seguindo os critérios explanados no ponto 4.1.2. supra, aqui também válidos por argumento lógico de igualdade de razão, essa cláusula não é nula, sendo, pelo contrário e como reconhecido na sentença recorrida (v. alínea g) do decreto judicial transcrito no ponto 1. desta deliberação), válida, eficaz e vinculativa para os intervenientes no negócio.
O que significa que, na situação sub judice, está verificada a excepção prevista na parte final do acima citado n.º 2 do art.º 811º do Código Civil, sendo, desse modo, possível, porque permitida por Lei e acordada pelas partes no exercício das suas respectivas liberdades de celebração de negócios jurídicos, a condenação da Ré no pagamento dos juros moratórios definidos nessa cláusula contratual.
4.2.3. Prosseguindo a apreciação do mérito da apelação, cabe agora analisar se existe ou não fundamento para prover o pedido formulado pela Autora sob o n.º 4.3) do articulado inicial por esta sociedade introduzido em Juízo.
Na sentença recorrida, atribui-se ao mesmo a natureza de uma “sanção pecuniária compulsória” (os bens negociados e a cuja entrega a Ré está obrigada, até por força da parte dessa decisão que já transitou em julgado, estão bem identificados e individualizados, sendo, portanto, realmente coisa infungível - art.º 207º do Código Civil, por interpretação a contrario sensu), matéria que é regida, nomeadamente, pelo art.º 829ºA do Código Civil, em cujos nºs 2 e 3 se estabelece que “A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar” e que “O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado”.
A apelante contesta esta qualificação, adiantando que esse pedido se fundamenta na previsão do n.º 2 do art.º 1045º daquele mesmo Código (“Logo que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”) e no teor do n.º 5 da cláusula 19ª do contrato, no qual se pode ler o seguinte:
“Caso o Locatário não devolva o bem atempadamente, violando a sua obrigação, de acordo com o n.º 4, apesar de solicitado pelo Locador, deverá pagar 1/30 do valor do aluguer mensal acordado para o termo base do contrato por cada dia adicional.
Durante tal período, as obrigações do Locatário previstas neste contrato manter-se-ão aplicáveis em conformidade. Caso o atraso na devolução seja imputável ao Locatário, este deverá reembolsar o Locador de quaisquer danos por tal atraso. No caso de mora no pagamento dos alugueres dos dias adicionais, o Locatário ficará obrigado a proceder ao pagamento desse valor em dobro nos termos do artigo 1045, n.º 2 do Código Civil.”.
O primeiro parágrafo do texto é, grosso modo, equivalente ao do n.º 4 da cláusula 17ª do mesmo acordo de fls 91 a 95 (“Caso o Locatário não tenha devolvido o bem locado violando as suas obrigações de acordo com o n.º 2, apesar da solicitação do Locador, deverá pagar a partir da data do termo total da locação e adicionalmente à taxa normal de locação, 1/30 do valor de qualquer aluguer mensal da locação acordada para a duração do contrato por cada dia adicional de retenção.”) e, como é evidente, todas estas normas contratuais se destinam a forçar a Ré a entregar, com a maior presteza possível, os equipamentos locados à Autora, logo, constituindo essa obrigação uma efectiva sanção pecuniária compulsória, mas sendo manifesto que, perante a existência deste clausulado, o Tribunal não pode – nem deve – socorrer-se do instituto jurídico chamado a terreiro pelo Mmo Juiz a quo, cabendo antes verificar se essas determinações contratuais são ou não válidas, eficazes e vinculativas, ou melhor, se são ou não nulas.
Como é óbvio, o critério a usar na resposta a esta questão é o seguido relativamente à apreciação da nulidade do n.º 1 da cláusula 17ª do contrato e, naturalmente, nesse escrutínio ter-se-á em devida conta, uma vez mais e tal como antes aconteceu, o conteúdo global do negócio e o conjunto total das obrigações que impendem sobre a Ré devedora por via do seu incumprimento dos deveres que assumiu para com a Autora.
Em todo o caso é, desde já possível declarar que a cláusula 19ª (em cuja epígrafe se lê «Fim do contrato, cessação, renovação, devolução do bem locado, inexistência de direito de aquisição do Locatário». enquanto a da cláusula 17ª vale, repete-se, para os casos de «Consequências da cessação prematura extraordinária») é inaplicável ao litígio que originou este processo porque a mesma se destina a regular as situações de cessação de efeitos do contrato previstas nos números 1 e 2 da mesma que são as a seguir enunciadas e que, manifestamente, são totalmente distintas da verificada nos autos:
1. Ambas as partes podem cessar por escrito com um aviso prévio de 3 meses antes do fim do termo inicial base no caso de os contratos serem celebrados por períodos de 36 e 42 meses.
2. No caso do direito de cessação não ser exercido até ao fim do termo inicial base, o contrato será renovado por 6 meses. O mesmo se aplica a períodos de tempo subsequentes, caso o contrato não seja cessado por escrito por uma das partes com um período de aviso prévio de 3 meses relativamente ao período de renovação.
4.2.4. Lido o texto integral do acordo negocial firmados entre os ora litigantes, consta-se que, por via do incumprimento das obrigações que assumiu com a celebração do negócio em causa nesta acção, a Ré ficou vinculada a:
i) pagar à Autora os alugueres e demais encargos contratuais (prémios de seguro e outros) vencidos e não pagos antes de ser operada a resolução do contrato de locação,
ii) devolver imediatamente à Autora os bens locados, em bom estado de conservação e de funcionamento, ressalvado o seu desgaste pelo decurso do tempo e uma normal e prudente utilização do mesmo e a suportar os custos de tal restituição,
iii) pagar à Autora o custo das despesas administrativas causadas pelo incumprimento (cartas, avisos, custos de retorno de entrada do débito directo e honorários),
iv) pagar à Autora a indemnização devida a título de cláusula penal, nos termos previstos no n.º 1 da cláusula 17ª do contrato de locação,
v) pagar à Autora a quantia fixada no n.º 4 da cláusula 17ª do contrato de locação (repete-se: a taxa normal de locação acrescida de 1/30 do valor de qualquer aluguer mensal da locação acordada para a duração do contrato por cada dia adicional de retenção).
Inegavelmente, pelo menos assim o é para este Tribunal Superior, o fim social e económico que justifica este último sancionamento é totalmente diverso dos demais, porquanto os dois primeiros sempre seriam devidos ainda que o contrato não tivesse sido resolvido e pressupõem a normal utilização dos bens locados no âmbito do acordo negocial firmado entre os contraentes, os dois segundos visam compensar a locadora pelo facto de o contrato não ter sido integralmente cumprido mas o terceiro tem como objectivo tornar dificilmente suportável – ou mesmo insuportável – para o incumpridor a violação do dever de restituição decorrente da resolução do contrato.
Efectivamente, nenhum valor ético ou fundamento legal - bem pelo contrário, acentua-se – legitima ou sequer permite que o contraente incumpridor mantenha na sua posse os bens locados que só lhe foram entregues exactamente por força da celebração do contrato que o mesmo não honrou.
E, sem margem para qualquer dúvida, esse comportamento é claramente abusivo e ultrapassa nitidamente os limites de toda a boa fé – contratual ou outra – pelo que, também nesta matéria, embora não ao abrigo da norma contratual invocada pela recorrente mas sim por via do estipulado no n.º 4 da cláusula 17ª do contrato de locação dos autos, a pretensão da Autora, que é proporcionada e não desequilibrada, tem necessariamente de proceder.
4.2.5. Finalmente, tendo em conta tudo o que antes está decretado, porque, no que é essencial, a recorrente obteve vencimento na sua apelação e de acordo com as regras definidas nos artºs 446º e 447º do CPC, que são clara e inequívocas, as custas, quer em 1ª instância quer nesta Relação, terão de ser suportadas pela sociedade apelada.
E nada mais cabe acrescentar, valendo aqui expressis verbis, o referido na parte final do ponto 4.1.2. desta deliberação acerca do Princípio da Parcimónia.
4.2.6. Nesta conformidade, sendo, no essencial, procedentes as conclusões 15ª a 29ª das alegações de recurso da apelante, decreta-se:
a) que vai a Ré condenada no pagamento à Autora, sem qualquer actualização mas adicionando-se a esse montante os juros moratórios devidos à taxa legal, acrescida de 5%, que se vencerão sobre esse valor, até integral pagamento, desde a data da resolução do contrato de locação dos autos (13/07/2009), da quantia de € 17.351,40 (dezassete mil, trezentos e cinquenta e um euros e quarenta cêntimos), correspondente à indemnização prevista na cláusula penal identificada no ponto 4.1. do presente acórdão, sem IVA por o mesmo não ser devido,
b) que vai a Ré condenada no pagamento à Autora de 1/30 do dobro do valor do aluguer mensal da locação acordada para a duração do contrato, por cada dia que retiver os bens locados depois da data da resolução do contrato de locação dos autos (13/07/2009),
c) que as custas da acção e as da apelação ficam, nos dois casos, a cargo da Ré.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.

5. Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados no ponto 4 do presente acórdão, delibera esta Relação de Lisboa julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam-se as alíneas k) e l) do decreto judicial transcrito no ponto 1. do presente acórdão e a parte final do mesmo, decretando-se em sua substituição que:
a) a norma contratual consubstanciada no n.º 1 da cláusula 17ª do contrato 094 000877 firmado entre as partes e que está transcrita no decreto judicial criticado, não é nula, sendo, pelo contrário, válida, eficaz e vinculativa para as partes;
b) vai a Ré condenada no pagamento à Autora, sem qualquer actualização mas adicionando a esse montante os juros moratórios devidos à taxa legal, acrescida de 5%, que se vencerão sobre esse valor, até integral pagamento, desde a data da resolução do contrato de locação dos autos (13/07/2009), da quantia de € 17.351,40 (dezassete mil, trezentos e cinquenta e um euros e quarenta cêntimos), correspondente à indemnização prevista na cláusula penal identificada no ponto 4.1. do presente acórdão, sem IVA por o mesmo não ser devido;
c) vai a Ré condenada no pagamento à Autora de 1/30 do dobro do valor do aluguer mensal da locação acordada para a duração do contrato, por cada dia que retiver os bens locados depois da data da resolução do contrato de locação dos autos (13/07/2009);
d) as custas da acção ficam a cargo da Ré;
d) não há que proceder a qualquer comunicação nos termos previstos no art.º 34º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.
As custas da apelação ficam a cargo da recorrida.

Lisboa, 11/09/2012
(Eurico José Marques dos Reis)
(Ana Maria Fernandes Grácio)
(Paulo Jorge Rijo Ferreira)