Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ADRIANO | ||
Descritores: | EXAME CRÍTICO DA PROVA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/02/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | – A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível. – A fundamentação a que se reporta o art. 374º, nº 2, do CPP, não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de violar o princípio da oralidade que rege o julgamento feito pelo tribunal colectivo de juízes». – Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. – Caberá ao tribunal de recurso verificar se o julgador, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio da livre apreciação da prova a que se refere o art. 127.º, do CPP, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar ao veredicto de facto, sendo que, na base desse controlo deverá estar a motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação daquela que foi a sua opção, ao dar cumprimento ao disposto no art. 374.º, n.º 2, do CPP. – A reapreciação da prova só determinará uma alteração da matéria de facto quando, daquele reexame, se concluir que as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadas com as demais, impõem uma decisão diversa. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, após audiência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa. I.–RELATÓRIO: 1.– Em processo comum, sob acusação do Ministério Público e após pronúncia, foi submetido a julgamento, perante tribunal colectivo, no Juízo Central Criminal de Sintra (J6), Comarca de Lisboa Oeste, o arguido G. . No final, foi proferido acórdão, nele se decidindo do seguinte modo (transcrição): «Por todo o exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de Sintra, Comarca de Lisboa Oeste, em julgar a pronúncia procedente, por provada, e, em consequência: a)- Condenar o arguido G. pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º n.º s 1 e 2, alínea b), do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea a), desse mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b)- Condenar o arguido G. pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de falsificação agravada, previsto e punido pelo artigo 256.º n.º 1 al. e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; c)- E operando o cúmulo jurídico das penas de prisão referidas em a) e b), condena-se o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão; d)- Ordenar a recolha de amostra de ADN ao arguido para criação de base de dados de perfis de ADN, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2 da Lei 5/2008 de 12.02; e)- Condenar o arguido em taxa de justiça, que se fixa em 3 (três) UC’s, e nas demais custas e encargos do processo a que a atividade do arguido houver dado lugar, tudo nos termos do disposto nos artigos 513.º e 514.º do Código Processo Penal, e artigos 8.º, n.º 9, e 16.º do Regulamento das Custas Judiciais, e Tabela III anexa ao mesmo.» *** 2.– Inconformado com o decidido, o arguido G. interpôs o presente recurso, que motivou, formulando conclusões em que repete quase integralmente o texto da motivação, nelas suscitando as seguintes questões: - Nulidade do acórdão, quer por «falta de ponderação especificada do articulado na contestação», quer por «falta de exame crítico da prova»; - Inconstitucionalidade da interpretação feita dos artigos 368.º, n.º 2 e 374.º, n.º 2, ambos do CPP, por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1, da CRP, ao não reconhecer aquelas nulidades; - Impugnação da matéria de facto; - Erro na determinação da medida concreta das penas e da não suspensão da prisão, violando-se os artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º, todos do CP 3.– Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu, concluindo que o acórdão recorrido «deverá ser mantido nos seus precisos termos». 4.– Subidos os autos, neste Tribunal da Relação o Sr. Procurador-Geral Adjunto apôs “visto”, face ao pedido de audiência formulado pelo recorrente. 5.– Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, teve lugar a audiência a requerimento do arguido, cumprindo decidir. *** II.–FUNDAMENTAÇÃO. 1– Vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto (transcrição): «1.– Factos provados. Produzida a prova e discutida a causa, encontra-se assente a seguinte factualidade: 1.- O arguido G. e o ofendido N. conhecem-se há vários anos. 2.- Por ordem do arguido G. , no dia 28 de Fevereiro de 2014 um indivíduo, que não foi possível identificar, aproximou-se do ofendido N. , que se encontrava à porta do seu cabeleireiro denominado “FN”, sito na Rua J. , Monte Abraão e disse-lhe “o senhor tem de me acompanhar porque alguém tem de falar consigo”, ao que o ofendido se recusou, referindo-se ao arguido G. 3.- Perante a recusa do ofendido, o referido indivíduo acrescentou “o senhor está a complicar-me a vida pois terei de o levar de qualquer jeito”, tendo N. tentado afastar-se do local, aproximando-se nesse momento um outro indivíduo não identificado. 4.- Como o ofendido continuava a não pretender acompanhar os indivíduos, outro dos indivíduos não identificado agarrou o ofendido e disse-lhe, em tom agressivo “filho da puta, cabrão, entra já para dentro do carro”, apontando em direção da viatura do ofendido, Audi A6, de matricula 16 , acrescentando “tens de ir ao café do “P. ” tens umas contas para acertar com ele”, referindo-se ao arguido G. , continuando o ofendido a tentar evitar ser levado à força para qualquer lugar. 5.- Perante a reação do ofendido, os referidos indivíduos agarram-no pelos braços para o tentar colocar à força dentro do carro, tendo o ofendido gritado por “socorro, chamem a Polícia”, tendo tentado atirar as chaves da sua carrinha Audi A6 para longe, o que não logrou conseguir ficando as mesmas junto dos referidos indivíduos. 6.- De seguida, como não conseguiram colocar o ofendido dentro da viatura, agarraram as chaves que o mesmo tinha deixado cair, entraram no interior da mesma e fugiram do local na posse da mesma, entregando-a de seguida ao arguido G. . 7.- Mais se apropriaram os referidos indivíduos de objetos que se encontravam no interior da viatura, nomeadamente relógios, computador, telemóveis, documentos, entre os quais documento referente à última inspeção periódica efetuada pela viatura, em 10/10/2013, cópia do certificado de matrícula da viatura Audi A6, 16 e cópia do cartão de cidadão de M.N. , filha do ofendido, proprietária formal da viatura. 8.- Mais tarde A.E. entregou ao ofendido, em nome do arguido uma pasta com parte da documentação que se encontrava no interior da viatura, transmitindo-lhe o recado que só lhe entregaria os restantes objetos depois do ofendido aceitar conversar com o arguido. 9.- Na posse da referida viatura o arguido G. , no início de Junho de 2014, procedeu à entrega da mesma, juntamente com outra viatura, de marca Ford, modelo S-Max, a F.V. , enquanto negociante de automóveis com Stand em Odivelas, para proceder à venda da mesma viatura, não sendo a primeira vez que o arguido lhe entregava uma viatura para venda, permanecendo os documentos na posse do arguido G. . 10.- O arguido G. pediu a F.V. que lhe vendesse a Audi A6 pelo valor de 12 mil euros, valor estimado da mesma, sendo o valor acrescido o que a testemunha lograsse vender tal viatura a sua margem de lucro. 11.- F.V. na posse da viatura colocou diversos anúncios de venda na internet, como sempre fazia na sua atividade profissional, designadamente no “SV ” e “CJ ”. 12.- Em 22 de Maio de 2014, indivíduo não concretamente identificado obteve de forma não concretamente apurada um requerimento para emissão de 2ª via do Certificado de Matrícula da viatura Audi A6, com a matrícula 16 , em nome de M.N. e preenchido por alguém cuja identidade não foi possível apurar, que igualmente apôs a assinatura de M.N. como se desta se tratasse, uma vez que os originais dos documentos permaneceram sempre na posse do ofendido. 13.- Na mesma data, indivíduo não identificado dirigiu-se a Conservatória de Registo Automóvel, munido do requerimento supra descrito e entregou ao funcionário. 14.- Junto ao requerimento consta um documento intitulado reconhecimento presencial da assinatura de M.N. , perante o Advogado J.S. , o que não corresponde à verdade, uma vez que M.N. em momento algum esteve na presença do referido Advogado. 15.- O documento intitulado reconhecimento presencial da assinatura apresenta diversas desconformidades com o utilizado pelo Advogado J.S. , diversas truncagens, nomeadamente o cabeçalho que não é utilizado, sendo que o NIF também não corresponde ao do Advogado em questão, ou o número de telefone, uma vez que é coincidente com o número de fax, para além de que o carimbo utilizado não é o mesmo utilizado nesse documento em análise, que utiliza nos seus reconhecimentos a frase: “Este reconhecimento leva aposto selo branco em uso no mesmo escritório”, o que não consta no documento. 16.- No dia 27 de Junho de 2014 foi localizada por um Agente da PSP a viatura subtraída nos autos (AUDI A6 com a matrícula 16 ). 17.- Na posse dos documentos referentes à viatura existentes no interior da mesma, e já com a 2.ª via do Certificado de Matricula, que entrou também na sua posse, o arguido G. logrou obter o “Requerimento de Registo Automóvel” para transmissão de propriedade, no qual foi colocado o nome de M.N. , o seu NIF e n.º de cartão de cidadão e sua morada, no campo reservado à identificação do sujeito passivo, e sendo aposto no mesmo uma assinatura em nome da mesma, a qual não pertence a M.N. , fazendo crer que era a vontade desta vender a referida viatura. 18.- No dia 30 de Junho de 2014, F.V. contactou o arguido G. para proceder à devolução da Audi A6 invocando que não tinha arranjado qualquer comprador para a mesma. 19.- No dia 3 de Julho de 2014 a viatura subtraída ao ofendido foi localizada junto da Rua C. , em Odivelas, junto à residência de F.V. , tendo sido apreendida. 20.- No dia 29 de Outubro de 2014 a viatura foi entregue à legítima proprietária M.N. . 21.- O arguido G. ao atuar da forma descrita por intermédio dos dois indivíduos não identificados pretendeu subtrair e apropriar-se da viatura e objetos pertencentes ao ofendido, não se inibindo de lhes ordenar que utilizassem a violência necessária para lograrem os seus intentos, incluindo trazer o ofendido à força, sabendo que o fazia contra a vontade do seu legitimo proprietário. 22.- O arguido G. ao atuar da forma descrita, ao deter em seu poder a 2ª via do Certificado de Matrícula da viatura Audi A6, com a matrícula 16 , em nome de M.N. e preenchido por alguém cuja identidade não foi possível apurar, que igualmente apôs a assinatura de M.N. como se desta se tratasse, bem como ao deter o “Requerimento de Registo Automóvel” para transmissão de propriedade do veículo Audi A6, 16 preenchido e assinado por terceiro que não M.N. , sendo sua intenção entregar o mesmo numa Conservatória do Registo Automóvel, bem sabendo que os factos por si praticados eram contrários à Lei, sendo a sua atividade criminosa geradora de graves prejuízos para o próprio Estado Português, uma vez que colocava em causa a fé pública inerente aos documentos emitidos e cuja emissão se encontra reservada às entidades oficiais. 23.- Em todas as suas condutas o arguido atuou sempre livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei. Mais se apurou que: Das condições pessoais 24.- G. nasceu em Lisboa, na constância do casamento entre os progenitores, sendo o último filho de uma fratria de dez. 25.- A condição económica da família era adequada às necessidades, provindo os rendimentos do vencimento do progenitor, comerciante de tapetes, e de 5 dos irmãos mais velhos que, detinham negócio próprio, como “lojas de TL”, em localidade contígua à residência (Rua B. - Lisboa). 26.- O agregado fixou residência entre Penha de França e Marvila, tendo o seu crescimento e processo de socialização com o grupo de pares ocorrido num cenário sócio residencial inserido num meio tido como socialmente problemático. 27.- Relativamente ao seu percurso escolar e profissional, G. abandonou a escola aos 14 anos enquanto frequentava o 6.º ano para dar inicio a atividade profissional na loja de propriedade dos progenitores, espaços explorados na época pelo irmão mais velho do arguido, no qual G. executava aí tarefas de atendimento ao público e gestão de armazém e compras. 28.- G. iniciou a relação em união de facto quando completava 18 anos de idade, tendo a companheira integrado o agregado do arguido. Foi pai do primeiro filho quando completava 19 anos, e beneficiou nesta altura, e por mais 3 anos, de suporte financeiro por parte dos irmãos mais velhos que detinham um nível socioeconómico muito favorável. 29.- Aos 21 anos de idade o irmão mais velho ter-lhe-á cedido a gestão das duas lojas, atividade que manteve até aos 29 anos. A companheira do arguido, exerceu atividade laboral também nas lojas “TL”, tendo os pais de G. transferido a propriedade destes espaços para C.S. , segundo referido. 30.- Aos 22 anos o arguido foi pai do segundo filho, aos 29 anos, pai do terceiro e aos 33 anos foi pai do quarto filho. 31.- Após o nascimento do terceiro filho, o agregado fixou residência numa habitação na Charneca de Caparica. 32.- A mudança facultou o acesso do agregado a bens que lhe permitiam manter um estilo de vida diferenciado, valorizando este enquadramento, tendo destacado ser de sua preferência as condições proporcionadas por essa habitação dada a proximidade a melhores escolas para os filhos, e mais qualidade de vida. 33.- No que respeita à sua atividade laboral, aquando da alteração de residência para Charneca de Caparica, o arguido arrendou a terceiros os dois espaços comerciais acima indicados, por forma a fazer face às despesas do agregado. 34.- Em simultâneo iniciou atividade profissional no ramo automóvel como vendedor, em stands de amigos, tendo mais tarde desenvolvido o seu próprio negócio de importação de automóveis com recurso a “plataformas digitais”. 35.- No período a que se reportam os factos o arguido mantinha a residência na morada indicada nos autos. 36.- Por falta de lucro nas lojas de têxteis acima referidas, o arguido alterou o ramo de atividade de uma das lojas para a restauração – café, onde exercia atividade laboral em conjunto com o filho mais velho, e mantinha, em simultâneo, atividade na área da venda de automóveis. 37.- Atualmente, G. integra o agregado composto pela companheira e pelos três filhos mais novos com 18, 11 e 7 anos, apesar de manter contacto diário com a família alargada e com o filho mais velho. 38.- Profissionalmente colabora com o segundo filho no desenvolvimento de negócios no ramo da venda de automóveis, sendo este, de 18 anos de idade, o titular da empresa denominada “IU, Lda”, na qual o seu filho mais velho exerce também funções. 39.- O arguido aparenta uma elevada auto estima, bem como capacidade empreendedora. 40.- Em 2016 G. iniciou atividade como armador tendo para tal adquirido uma embarcação de pesca profissional na Trafaria, a qual mantém na atualidade, tendo trabalhadores a exercer para si a atividade piscatória. 41.- Simultaneamente à atividade como armador, está a implementar uma empresa na qual os dois filhos mais velhos serão sócios-gerentes, que opera na área do turismo, e que designou por empresa de “Transportes Eletrónicos”. 42.- G. manifesta limitações ao nível da sua consciência crítica, que se revela difusa, ante as noções de dano e da existência de vítima. 43.- O arguido parece apresentar ao longo do seu percurso de vida alguma ambição no sentido da obtenção de um nível socioeconómico que lhe proporcionasse a si e à sua família o acesso a um estilo de vida confortável e a bens diferenciados, num eventual contexto de necessidade de valorização familiar e social. Dos antecedentes criminais 44.- O arguido possui antecedentes criminais, porquanto, foi condenado no âmbito do processo: - 553/95.3JGLSB, pela prática em 12.12.1997, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 2 euros. - 220/07.7PTALM, pela prática em 02.07.2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 6 euros e na pena acessória de proibição de conduzir por 4 meses. - 569/04.0SILSB, pela prática em 08.03.2004, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5 euros e na pena acessória de proibição de conduzir por 3 meses. - 315/11.2TCLSB, pela prática em 23.03.2005, de um crime de roubo e um crime de sequestro, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na execução por igual período, por decisão transitada em julgado 12.12.2012. 2.–Factos não provados Do julgamento realizado nos autos não resultou demonstrada a seguinte factualidade: - sem prejuízo do dado como assente em 1., que o arguido e N. tivessem negócios entre eles, nomeadamente negócios ilícitos de natureza não concretamente apurada. - por causa de tais negócios antigos, o ofendido tinha receio do que lhe pudesse suceder na medida em que acreditava que o arguido tudo faria para o conseguir levar até si e exigir ser ressarcido de uma verba que entendia que não lhe devia e sobre a qual não tinha qualquer responsabilidade. - sem prejuízo do dado como assente em 13, que tivesse sido o arguido a dirigir-se à Conservatória do Registo Automóvel e que tivesse entregue o pedido de 2ª via do certificado de matricula, bem como o documento intitulado “reconhecimento presencial” de assinatura. - o ofendido N. tinha para com o arguido uma dívida e que para pagamento da mesma entregou-lhe a viatura Audi A6, tendo acordado que não poderia ser vendida por menos de 11000 euros, devolvendo a quantia superior ao empréstimo. - o N. entregou toda a documentação inerente à transferência da propriedade da viatura ao arguido, mas posteriormente o ofendido arrependeu-se do negócio. * Motivação da decisão sobre a matéria de facto. A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada resultou da conjugação e análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente das declarações do arguido, da prova testemunhal, apreciada à luz das regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade, bem como da prova documental constante dos autos. O critério de valoração da prova é o da livre apreciação, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre apreciação e convicção do julgador, de acordo com o disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, excetuando o caso dos documentos autênticos e autenticados (uma vez que se consideram provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa: artigo 169.º do Código de Processo Penal), e da prova pericial (o juízo técnico, cientifico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador e sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência: artigo 163.º do Código do Processo Penal). A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova, pois que tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Relativamente às declarações do arguido, importa sublinhar que as mesmas “constituem um meio de prova e/ou o exercício do seu direito de defesa, pelo que se reconhece às declarações do arguido, em qualquer das fases do processo, uma dupla natureza: de meio de prova e de meio de defesa” (neste sentido, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Tomo III, edição 2008, p. 197). No caso em apreço, o arguido G. prestou declarações em julgamento. Referiu que tudo não passaria de um mal-entendido e uma cabala do ofendido, porquanto em 2014, teria emprestado dinheiro ao mesmo no montante de 6000 euros. E o mesmo ter-se-ia comprometido a devolver o dinheiro, acrescido de mais mil euros. A viatura Audi A6 teria sido entregue como garantia por ele, na Semana Santa de 2014, caso o ofendido não conseguisse reembolsá-lo do valor combinado. No entanto a documentação da viatura não lhe foi entregue nessa altura, foi mais tarde, em Maio, que o N. lhe entregou o Documento Único Automóvel, e disse-lhe então que ia pôr o carro à venda, pois este não teria reembolsado o dinheiro. A partir dessa data nunca mais o viu, nem conseguiu contatar. Não deu nada ao A.E. para entregar ao ofendido, nomeadamente uma pasta com documentos. Conheceu o aqui ofendido N. , no seu café, um mês antes do negócio, através de A.E. , amigo comum. Em Junho, entregou o carro ao F.V. para este o vender. A versão do arguido merece credibilidade apenas na parte em que a mesma se mostra compatível com os demais elementos constantes dos autos, nomeadamente, o mesmo tinha na sua posse documentos atinentes à viatura Audi A6 (a segunda via do Documento Único Automóvel, o requerimento de registo automóvel, o documento da ultima inspeção técnica periódica da viatura), esta viatura esteve na sua posse e entregou-a a um terceiro (F.V. ) para vender essa viatura. No mais, a versão do arguido mostra-se contraditória com a prova documental e testemunhal produzida em julgamento, denotando-se no discurso do arguido uma tendência de desculpabilização e vitimização permanentes. É que, pelo contrário, a prova documental e testemunhal produzida em julgamento foi consistente no sentido de associar o arguido à prática de tais factos, merecendo aqui especial atenção o depoimento do ofendido, que apresentou queixa por roubo da viatura Audi em 28 Fevereiro de 2014, bem como da testemunha A.F.M. que presenciou parte desses factos ocorridos na via pública. Sem olvidar que causa estranheza, celebrar um negócio nos termos descritos pelo arguido, com alguém que o próprio arguido referiu que mal conhecia. Assim analisando a prova testemunhal, o Tribunal ouviu as seguintes testemunhas: N. , o aqui ofendido, que depôs de modo que julgamos credível e isento, relatando os factos de que foi vítima no dia 28.02.2014. Esclareceu que conheceu o arguido, há cerca de 16 ou 17 anos, por ser irmão de um recluso que cumpria pena no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, tal como o ofendido. Era um conhecimento superficial, no âmbito das visitas ocorridas no EP. Voltou a vê-lo alguns anos mais tarde, aquando de um pedido de um amigo em comum, A.E. , para diligenciar a “passagem de uma viatura” na inspeção, viatura que seria do aqui arguido. Não mais voltou a vê-lo, nem teve ou tem qualquer negócio com o arguido, nomeadamente envolvendo empréstimo de quantias monetárias. Posteriormente contextualizou e enquadrou os termos em que os factos foram praticados no dia 28 de Fevereiro. Descreveu que os indivíduos que o abordaram, desconhece quem são, mas que referiam que o “P. ” queria falar consigo. “P. ” é a alcunha que conhece ao arguido G. . Agarram-lhe à força pelos braços, e diziam que este tinha de entrar dentro do carro, enquanto lhe chamavam alguns impropérios. Começou a gritar, chamando pela polícia, começou a espernear e oferecer resistência, tendo as chaves da viatura caído ao chão. E com esse aparato e sobressalto, libertam-no e apanham as chaves do carro e introduzem-se na viatura e arrancam. Apresentou queixa na polícia nesse dia. Mais tarde, falou ao telefone com o aqui arguido, através do telefone da testemunha A.E. , para tentar perceber os contornos do que se tinha passado, uma vez que os indivíduos falavam no “P. ”. O arguido não lhe explicou o porquê de lhe ter retirado a carrinha e quando soube que o ofendido tinha apresentado queixa, respondeu-lhe apenas: “agora deste em chibo”, e ameaçou-lhe que algo iria acontecer no dia seguinte. Foi depois à Polícia Judiciária, concretizar o teor da queixa apresentada na polícia, identificando o aqui arguido. Refere que não tinha qualquer negócio com o arguido e desconhece os motivos para ter atuado daquela forma. Descreveu ainda os objetos que se encontravam dentro da viatura que lhe foi subtraída, bem como o próprio valor da viatura, que estima em cerca de pelo menos 12.000 euros. A carrinha era utilizada por si, mas estava registada em nome da sua filha, porquanto tinha tido problemas com as suas contas bancárias. O ofendido admitiu ainda que estaria diversa documentação na viatura que lhe foi subtraída, nomeadamente uma cópia do cartão de cidadão da sua filha. Não mandou fazer a 2ª via do Documento Único Automóvel, até porque tinha o original consigo. O carro apreendido foi restituído à sua filha e posteriormente foi vendido. Sendo que no tange à documentação que ali se encontrava, mas relativa a outras viaturas que o ofendido iria vender, bem como a chave da sua habitação, posteriormente a testemunha A.E. entregou-lhe, segundo julga por ordem do arguido. Aliás esta testemunha sabia do sucedido, porquanto lhe veio dizer que o “P. ” lhe entregaria as demais coisas, se este fosse falar pessoalmente com o arguido. Não tem qualquer sentimento de vingança, dizendo mesmo que se lhe restituíssem as coisas, teria ido retirar a queixa. Queria apenas aquilo que lhe foi subtraído, referindo que parte das coisas não chegou a recuperar (computador, relógios). O depoimento do ofendido é claro e inequívoco e, para além de estar em sintonia com a demais prova testemunhal e documental produzida em julgamento, denota uma recordação viva e presente na sua memória dos factos ocorridos. M.N. , filha do ofendido e proprietária formal da viatura Audi A6, confirmou que era o seu pai quem usufruía da viatura. Estava em seu nome, porquanto o seu pai tinha problemas a nível bancário e ele pediu-lhe para registar em seu nome a mesma. No que respeita ao “Requerimento de Registo Automóvel”, com o seu nome e pretensamente assinado por si, a testemunha referiu que nunca viu tal documento, nem o assinou tão pouco, sendo que a assinatura aposta no verso, não corresponde à sua. Também confirmou que a cópia do cartão de cidadão, se mostra truncada no seu verso, pois a filiação, número de segurança social e de utente do SNS que ali surgem não são suas. E por fim, da documentação junta para a obtenção de 2ª via do certificado de matrícula, consta uma assinatura que não é sua, apesar de ter havido um alegado reconhecimento presencial da sua assinatura por advogado. Alega que nunca requereu uma 2ª via do certificado de matrícula da viatura Audi A6. A.F.M. , era empregada de balcão na data dos factos, num estabelecimento comercial “C. Café” que era vizinho ao escritório/cabeleireiro do aqui ofendido N. . Recorda-se que no dia dos factos, por volta da hora do almoço, ouviu gritos e visualizou uma viatura a arrancar a alta velocidade, viatura essa semelhante à do aqui ofendido e o mesmo (ofendido) gritava, muito perturbado, alarmado, desesperado a dizer que tinha sido assaltado, que lhe tinham “roubado o carro”. Entrou no café, pedindo que ligassem para a polícia, pois o mesmo não tinha telefone na altura. F.R.V. , informou que tinha a viatura Audi A6 na sua posse, a qual lhe tinha sido entregue em Junho de 2014, pelo arguido, a fim de proceder à sua venda, uma vez que é vendedor de veículos automóveis. Referiu ainda que já não era a primeira vez que tinha negócios com o arguido, desconhecendo qualquer problema legal com aquela viatura. Colocou anúncios na internet, para venda da viatura. A.E. , reconheceu conhecer quer o arguido, quer o ofendido. Convivia com os dois. Apresentou-os, segundo julga, por causa de uma inspeção de uma viatura automóvel do arguido, ao qual o ofendido iria tentar diligenciar pela sua aprovação. Refere que já esteve com eles no café explorado pelo arguido em Lisboa. Mas referiu desconhecer que tipo de negócios existiam entre eles, nomeadamente relativos a empréstimos de dinheiro. Deu conta que o ofendido N. lhe referiu que lhe subtraíram a carrinha Audi e que suspeitava da responsabilidade do aqui arguido. Nega ter entregue documentos a pedido do arguido G. ao ofendido N. , no âmbito de uma intermediação com o aqui ofendido. Esta testemunha, até por ligação que mantinha com os dois intervenientes, manifestou desconforto no depoimento, fazendo mesmo menção que não percebia porque teria sido arrolada como testemunha. S.H. , cujos elementos de identificação surgem no verso da cópia do cartão de cidadão, junto aos autos, afirmou desconhecer qualquer dos intervenientes nestes autos, (arguido, ofendido e filha), ficando muito surpreendida pelo facto de os seus elementos terem sido usados na adulteração da cópia de um cartão de cidadão de outra pessoa. J.S. , advogado de profissão, cujo nome surge no documento “reconhecimento presencial” de fls. 580, perentoriamente negou a autoria do mesmo. Não conhece M.N. , nem o mesmo esteve alguma vez na sua presença para efetuar qualquer reconhecimento presencial de assinatura, tendo referido que tal documento é falso, apresentando diversas desconformidades com a realidade. Assinalou diversas truncagens, nomeadamente o cabeçalho que não é por si utilizado, sendo que o NIF também não corresponde ao seu, ou o número de telefone, uma vez que é coincidente com o número de fax, para além do carimbo utilizado por si não é o mesmo utilizado neste documento. Fez juntar aos autos uma folha com o seu carimbo a óleo e selo branco utilizado por si, apondo depois a sua assinatura. Por fim, sublinhou desconhecer qualquer dos intervenientes nestes autos, acrescentando que pelo menos desde 2012 têm surgido casos de reconhecimentos alegadamente efetuados por si, com processos crimes instaurados e no qual tem explicado a utilização fraudulenta do seu nome. Enviou mesmo requerimento ao Presidente do IRN atestando que desde Março de 2012, não efetua reconhecimento de assinaturas. P.B. , Inspetor da Policia Judiciária, confirmou o teor da sua investigação e que verteu no relatório junto aos autos a fls. 598 e nas conclusões ali constantes, que apontam para a prática dos factos pelo arguido. No que concerne à prova documental, o Tribunal considerou os seguintes documentos: • Exame pericial de escrita manual de fls. 483 e 484. • Informação de serviço da PJ, de fls. 2 e 3; • Auto de reconhecimento fotográfico de fls. 15; • Auto de denúncia de fls. 82; • Cota de fls. 309; • Cota de fls. 371; • Cota de fls. 373; • RDE de fls. 385 e 386; • Auto de apreensão de veículo de fls. 387; • Ficha de registo automóvel de fls. 388 a 390; • Anúncios na internet de fls. 394 a 401; • Auto de exame direto da viatura de fls.402; • Reportagem fotográfica de fls.403 e 404; • Cópia de certificado de matrícula junto pelo arguido de fls.420; • Cópia de requerimento de registo automóvel junto pelo arguido de fls.421; • Cópia de cartão de cidadão junto pelo arguido de fls.422; • Cópia do documento de inspeção junto pelo arguido (original LPC) de fls.423; • Termo de juntada e fotografia de fls. 446 a 448; • Cópia do auto de recolha de autógrafos (original LPC) de fls. 452 a 456; • Termo de desentranhamento de fls.458; • Original do requerimento de registo automóvel (junto pelo arguido) de fls.486; • Original do auto de recolha de autógrafos de fls.487 a 492; • Auto de visionamento de imagens de videovigilância de 501 a 506; • Auto de exame direto de fls.559 a 561; • Cota de fls.565; • Copia do cartão do cidadão de S.H. de fls569 e 570; • Termo de entrega de viatura de fls.571; • Certidão da Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa de fls.577 a 580; • Requerimento de 2.ª via do certificado de matrícula em nome de M.N. de fls.578 e 579; • Reconhecimento presencial de assinatura de fls. 580; • Cópia do cartão do cidadão de M.N. de fls.584; • Documentos juntos pelo Advogado J.S. , de fls. 592 a 594; • CRC de fls. 657 a 660. • Apenso I – Interceções telefónicas. * Nestes termos, no que respeita à matéria de facto dada como provada formou o Tribunal a sua convicção na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como na prova documental constante dos autos, considerada igualmente naquela sede, e devidamente articulada entre si. Sendo que a convicção do tribunal é formada através dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, de tais declarações e depoimentos. Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram. Trata-se de um acervo de informação não verbal e dificilmente documentável face aos meios disponíveis mas imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada, segundo as regras de experiência comum. Foi assim, à luz de tais princípios, que se formou a convicção deste Tribunal e consequentemente se procedeu à seleção da matéria de facto positiva e negativa relevante. As testemunhas ouvidas em julgamento convenceram o Tribunal e justificaram devidamente a sua razão de ciência, nos termos atrás descritos. Adicionalmente, o tribunal formou a sua convicção também com base na prova indiciária produzida em julgamento. De facto, em face das dificuldades cada vez maiores dos tribunais se socorrerem da prova direta, nomeadamente quando se trata de criminalidade deste tipo, há a necessidade crescente de se entrar pelos caminhos da prova indireta ou indiciária. A prova direta refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto que a prova indireta ou indiciária se refere aos factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova. Na prova indiciária intervém a inteligência e lógica, uma vez que do facto indiciante se retira e extrai um facto-consequência, em virtude de uma ligação racional e lógica. No caso em apreço, os factos indiciários que se retiram da prova produzida em julgamento são cabais e auxiliam o tribunal na operação da formação da sua convicção. Vejamos: Dos factos indiciários extraem-se factos-consequência, uma vez que de toda a atuação do arguido ora descrita (e que resulta da prova testemunhal e documental junta aos autos) retira-se que o arguido, efetivamente, determinou terceiros a subtraírem a viatura ao ofendido. O ofendido descreveu que foi vítima de um roubo na via publica por dois indivíduos, que referiam o nome ou alcunha do arguido. A testemunha A.F.M. , no dia dos factos, 28.02.2014, visualiza gritos e uma viatura a arrancar em alta velocidade, com o ofendido a entrar no seu estabelecimento a gritar que lhe tinham roubado a sua viatura. A testemunha A.E. foi ouvido em escutas, a conversar com um terceiro, fazendo menção que sabia do facto que “apareceram-lhe dois gorilas levaram-lhe o carro” ao seu amigo “careca” (nota: N. tem essa aparência física), escutas datadas de 29.04.2014. (apenso I). E é o arguido que admite que tinha consigo a viatura do ofendido, que posteriormente entregou a um terceiro para este diligenciar pela venda e, ademais, tinha ainda consigo documentação forjada, com assinaturas que não pertencem a M.N. , que utilizava para poder eventualmente ser possível proceder à venda da viatura. O ofendido admitiu que estaria diversa documentação na viatura que lhe foi subtraída, nomeadamente cópia do cartão de cidadão da sua filha. Apurou-se que tal documento veio a ser posteriormente truncado, com uma identificação de terceiro, a que acresce que foi junta na CRA uma falsificação de reconhecimento de assinatura por advogado, sendo que a própria assinatura constante do requerimento da segunda via alegadamente pertencente a M.N. , não é da mesma. O arguido acaba por ter em sua posse a segunda via do certificado de matrícula, em Maio de 2014, sem o qual não poderia efetuar a venda da mesma, contatou o seu amigo F.V. para que este diligenciasse pela venda. Bem como tinha cópia do cartão de cidadão truncado de M.N. . Daqui se conclui, que o arguido, com a ajuda de terceiros não identificados, veio a obter esta viatura de forma ilícita. Bem como, com tais documentos encontrados na sua posse, pretendia utilizá-los para proceder à transação ou venda daquela viatura. A prova exposta foi assim clara e precisa para que o Tribunal considerasse os factos como provados da forma como supra descrita. * Os factos provados atinentes ao elemento subjetivo resultam desde logo das presunções ligadas ao princípio da normalidade e das regras gerais de experiência. Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 23/02/83, in BMJ, n.º 324, p. 620, “o dolo pertence à vida interior de cada um, sendo, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só sendo possível captar a sua existência através de factos materiais comuns”. O Acórdão do STJ de 16-01-1990 (C.J., 1990, 1, 6) dispõe que o “apuramento da intenção do agente é, normalmente, uma conclusão que o Tribunal deve fazer a partir da avaliação da conduta do arguido”. Por último, refira-se também o Acórdão da Relação de Coimbra de 16-11-2005 (João Trindade), in www.dgsi.pt, ao entender que “não obstante o dolo pertencer ao íntimo de cada um, ser um ato interior, revestindo natureza subjetiva, o facto de o arguido exercer o direito ao silêncio ou não estar presente em julgamento não impede que a existência daquele seja captada através de dados objetivos, através das regras da experiência comum”. Atento o exposto, ponderando a globalidade da matéria provada nos presentes autos, entendemos que existem factos materiais comuns e objetivos que, segundo as regras da experiência comum e da normalidade, permitem apreender com relativa clareza que o arguido agiu com o propósito concretizado de praticar os factos supra descritos. Por outro lado, importa sublinhar que estamos perante um tipo de crime que não é axiologicamente neutro, pelo que a “consciência da ilicitude material” decorre das regras da experiência comum e será de se presumir. Conclui-se, pois, que o arguido bem sabia – não podendo desconhecer – que a sua conduta era proibida por lei e penalmente punida, agindo sempre de forma livre, voluntária e consciente. Quanto aos antecedentes criminais, teve o Tribunal em consideração o conteúdo do C.R.C. junto aos autos. Quanto à situação pessoal, social, económica e familiar do arguido atual e à data dos factos e ao seu percurso de vida, considerou este tribunal de forma positiva o relatório social constante dos autos, conjugadamente com as declarações do arguido. * Quanto os factos não provados, sobre eles não se fez qualquer prova em julgamento, ou então a prova feita sobre os mesmos não logrou convencer suficientemente este tribunal.» *** 2.– Apreciação do recurso: 2.1.- Perante as conclusões formuladas pelo recorrente, as quais, como tem sido repetidamente afirmado, delimitam e fixam o objecto do recurso, aquele visa obter a nulidade do acórdão recorrido, ou a sua absolvição mediante a impugnação dos factos provados, ou ainda, a redução das penas aplicadas e suspensão da execução da prisão. *** 2.2.- Quanto às invocadas nulidades do acórdão recorrido: Pelo recorrente são invocados dois fundamentos diferentes, ambos conduzindo à nulidade da decisão, tendo um deles a ver com a falta do «exame crítico da prova» e o outro com a «falta de ponderação especificada do articulado na contestação», ou seja, traduzindo uma omissão de pronúncia. Segundo o disposto no artigo 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP, é nula a sentença «que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do art. 374.º…» e «quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar». Em sede de requisitos da sentença, determina o mencionado n.º 2 do art. 374.º, o seguinte: «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.» Ou seja, segundo este normativo, para além de indicar as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem ainda de efectuar (no próprio texto da sentença) o exame crítico das mesmas, isto é, de explicitar o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação dessas provas. O objectivo dessa fundamentação é, no dizer de Germano Marques da Silva (In “Curso de Processo Penal”, 2ª ed., 2000, vol. III. pág. 294), o de permitir "a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina". Como escreve Marques Ferreira (In Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229), "estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência". Impõe-se pois, que esse exame crítico das provas nas quais se alicerçou a convicção do tribunal, indique as razões de ciência e demais elementos que, na perspectiva do tribunal, tenham sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal. «A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» - Ac. do STJ de 30/1/2002, proc. nº 3063/01-3ª; MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e Comentado”, 13ª ed., 2002, pp. 739-740). Porém, «a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível» (Ac. do STJ de 30/6/1999 - proc. nº 285/99-3ª). Efectivamente, «a motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à actividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe reflectir nela exaustivamente todos os factores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório» (Ibidem.). Daí que «a fundamentação a que se reporta o art. 374º, nº 2, do CPP, não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de violar o princípio da oralidade que rege o julgamento feito pelo tribunal colectivo de juízes». De modo que, «não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo» (Ac. do STJ de 12/4/2000, proc. nº 141/2000-3ª). No caso em apreciação, após enumerar os factos provados e os não provados, o tribunal recorrido passou a expor a motivação da decisão de facto, elencando, por um lado, as provas que serviram para formar a respectiva convicção, quer as de natureza documental, quer testemunhal, revelando em que medida umas e outras contribuíram para a formação da sua convicção, bem como as razões por que não deu às declarações do arguido a credibilidade que este pretende lhe seja dada, atribuindo-a, porém, ao depoimento do ofendido e às demais provas que corroboraram este. Da transcrição que fizemos do extracto da sentença que se refere a tal aspecto extraem-se, de forma clara e incontroversa, as razões pelas quais o tribunal decidiu no sentido de declarar provados os factos que como tal foram considerados, responsabilizando pelos mesmos o arguido. Podendo, por isso, afirmar-se que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, o tribunal não só indicou as provas que assumiram relevância na formação da sua convicção, como fez o correspondente exame crítico. Quanto ao segundo fundamento de nulidade, traduzido na «falta de ponderação especificada do articulado na contestação» ou na eventual omissão de pronúncia quanto a factos alegados pelo recorrente, alega este na motivação de recurso, repetindo nos exactos termos nas respectivas conclusões, que «como ressalta de fls. 730, … em tempo, apresentou a sua contestação, o vertido na mesma é, por imposição legal, sob pena de nulidade, de ponderação especificada (artigos 368.º. 374.º, n.º 2 e 379.º), porém, tal não ocorreu e relativamente a factos que poderiam ter levado a decisão oposta». Que factos são esses, relativamente aos quais o tribunal não se pronunciou especificadamente? O recorrente não os identifica expressamente. Todavia, remetendo para a contestação que apresentou, vejamos o teor da mesma, que é o seguinte: «Oferece o merecimento das suas declarações, em audiência. Efectivamente, Não praticou nenhum dos factos que lhe imputam. Efectivamente, O N. tinha para consigo uma dívida. Para pagamento da mesma entregou-lhe a viatura Audi A6 Tendo acordado que não poderia ser vendida por menos de 11 mil euros, devolvendo a quantia superior ao empréstimo Foi ele que entregou toda a documentação inerente à transferência da propriedade da dita. Posteriormente, por razões que NUNCA explicou, arrependeu-se do negócio e criou toda a trapalhada inerente ao processo.» Para o cumprimento da determinação estabelecida no n.º 2 do artigo 374º, do Código de Processo Penal - enumeração dos factos provados e não provados - não é exigível a enumeração exaustiva de todos os factos da acusação e da contestação, mas apenas daqueles que forem relevantes para a decisão da causa, isto é, que se revistam de interesse para a "caracterização do crime e suas circunstâncias relevantes juridicamente, que influenciam na determinação da medida da pena" (cfr. Ac. desta Relação de 7/5/1997, proferido no Proc. nº 9740255, cujo sumário pode ser consultado no site http://www.dgsi.pt.). Não se suscitam dúvidas quanto à relevância do alegado pelo arguido na contestação, exceptuadas as duas primeiras afirmações. Impunha-se, por isso, quanto às demais, que o tribunal tomasse posição expressa. Foi isso precisamente o que aconteceu, conforme se pode constatar de uma simples leitura do acórdão. A factualidade alegada pelo arguido na contestação, para além de referida no relatório, consta dos factos não provados, a fls. 763 (página 8 deste acórdão), tendo a versão do arguido sido discutida em sede de «motivação da decisão sobre a matéria de facto» (fls 764 e 765, dos autos). Consequentemente, inexiste a alegada omissão de pronúncia, observando o acórdão recorrido todos os requisitos enunciados no art. 374.º do CPP, não se verificando qualquer nulidade. Perante o exposto, porque o tribunal conheceu, de modo expresso, da matéria que por ele foi alegada na contestação e efectuou o exame crítico da prova que lhe é exigido pelo artigo 374.º, n.º 2, do CPP, não ocorre qualquer omissão e/ou insuficiência na fundamentação da decisão, não havendo qualquer fundamento para sustentar a alegada inconstitucionalidade dos artigos 368.º, n.º 2 e 374.º, n.º 2, ambos do Código de processo Penal, por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1, da CRP, os quais não se mostram iolados, decaindo, também nesta parte, o recurso 2.3. Constatando-se - numa apreciação oficiosa, porquanto, não foram expressamente invocados - que a decisão recorrida não padece de quaisquer vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, passemos ao conhecimento do mérito da decisão, começando pela impugnação dos factos provados e não provados. Esta impugnação tem de obedecer ao formalismo enunciado no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, impondo ao recorrente os ónus de especificar: - os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; - as concretas provas que impões decisão diversa da recorrida; - as provas que devem ser renovadas; - as concretas passagens da gravação das provas em que funda a impugnação. No cumprimento de tais exigências, o recorrente identificou na motivação, para a qual remete nas conclusões, os pontos de facto que pretende impugnar – factos provados 1, 2, 4, 6, 7, 8, 17, 21, 22 e 23 e os não provados que foram alegados na contestação – e indicou como provas que impõem decisão diversa o depoimento da testemunha A.E. e as declarações do próprio arguido, para além da prova documental que resulta de «fls. 359 a 363, 420 a 423, 5216 a 520 e certidão do processo 84/13.1GTLAQ-J12», pedindo, em sede da pretendida renovação da prova, que se proceda ao seu interrogatório, na audiência que igualmente requereu para decisão do recurso. Apesar de admitida a audiência, no despacho preliminar foi rejeitado o pedido de renovação da prova, pelas razões apontadas no mesmo despacho, cumprindo neste momento proceder ao reexame das provas indicadas pelo recorrente, entre as quais está o seu interrogatório na audiência que decorreu perante o tribunal de primeira instância. Neste contexto, o recorrente argumenta, essencialmente, que «tem um depoimento verosímil, coerente, sem erros de lógica e não há qualquer prova complementar que o ponha em crise», que contactou o inspector da polícia judiciária competente logo que soube pelo F.V. que a viatura fora apreendida, tendo levado consigo toda a documentação que tinha, a qual não teria apresentado se soubesse que era falsificada, sendo a sua versão corroborada pelo A.E. , para além de o aludido processo 84/14 «demonstrar bem do que o queixoso era capaz de fazer e da facilidade com que se movimentava no mundo da falsificação de documentos». Não visando o recurso a obtenção de um segundo julgamento da matéria de facto que se substitua ao já feito, sendo antes e apenas uma oportunidade para remediar eventuais males ou erros cometidos pelo tribunal recorrido, aquele é «estruturado como um remédio jurídico, visa corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal a quo», daí que, «o tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta os elementos de que se serviu o tribunal» que a proferiu (Germano Marques da Silva, in “Registo da Prova…”, pág. 809; Cunha Rodrigues, Lugares do Direito, Coimbra, 1999, pag. 498; Ac. do STJ de 20/02/2003, Proc. 240/03-5, “Boletim de Sumários dos Acórdãos do STJ”). Por isso, caberá ao tribunal de recurso verificar se o julgador, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio da livre apreciação da prova a que se refere o art. 127.º, do CPP, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar ao veredicto de facto, sendo que, na base desse controlo deverá estar a motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação daquela que foi a sua opção, ao dar cumprimento ao disposto o art. 374.º, n.º 2, do CPP. A censura dirigida à decisão proferida deverá, pois, assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão” (Ac. do TC n.º 198/2004 – DR II série, de 2/6/2004; Ac. do TRL de 7/11/2007, Proc. 4748/07-3). Dentro de tais parâmetros, a reapreciação da prova só determinará uma alteração da matéria de facto quando, daquele reexame, se concluir que as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadas com as demais, impõem uma decisão diversa. Se isso não acontecer e ainda que tal reexame possa também, eventualmente, dar cobertura a uma decisão diferente, no caso da que foi proferida se mostrar devidamente fundamentada, nomeadamente na parte impugnada, e constituir uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, na medida em que não é passível de crítica, não podendo, em tais circunstâncias, afirmar-se que houve violação das regras e/ou dos princípios de direito probatório. Perante o alegado, o que se constata é que o recorrente se cinge fundamentalmente a discutir a credibilidade das suas próprias declarações - que, do seu ponto de vista, são credíveis, coerentes e sem erros -, em contraste com o depoimento do ofendido - que não devia merecer a credibilidade que lhe foi concedida -, não apontando aquele, porém, qualquer discrepância entre, por um lado, o que foi por ambos afirmado em julgamento e, por outro, o que foi apreendido pelo julgador e por este reproduzido na fundamentação da decisão de facto. Do que não há dúvidas é que, o teor dos meios de prova em causa e que agora foram reapreciados dá inteira guarida ao afirmado no acórdão impugnado, no sentido de que o ofendido confirmou o que consta da acusação e que foi declarado provado, enquanto, por sua vez, o arguido apresentou uma versão diferente dos factos, alinhada com o que havia alegado na contestação, versão que, porém, não convenceu o tribunal do julgamento. Devia este ter ficado convencido da veracidade da versão do arguido? As provas não confirmam, de modo inequívoco - longe disso -, que as coisas se tenham passado tal como este as descreve. Pelo contrário, provas evidentes existem de que a subtracção do veículo foi ilícita e teve lugar nos precisos termos em que foram relatados pelo ofendido, circunstancialismo que foi corroborado pela testemunha A.F.M. , resultando ainda que os documentos referidos na matéria de facto – “2.ª via do certificado de matrícula do veículo” e “requerimento de registo automóvel” – foram falsificados, contendo a assinatura de M.N. , sem que esta os tenha assinado, o que a mesma confirma no seu depoimento, apresentando-se igualmente falso o “reconhecimento da sua assinatura” pretensamente feito por advogado – a testemunha J.S. – que, em julgamento, demonstrou não ser o seu autor, não se vislumbrando qual a necessidade de o ofendido proceder a tais falsificações - como parece insinuar o recorrente -, se a M.N. era filha daquele e proprietária formal da viatura, não necessitando o mesmo de recorrer a tais expedientes ilegais, contrariamente ao arguido, o qual, se quisesse vender o veículo, como está demonstrado que queria, teria de apresentar os respectivos documentos, não os tendo na sua posse. Sendo que, a testemunha A.E. , indicada pelo arguido em abono da posição que defende, não demonstrou ter conhecimento do negócio que este tinha com o ofendido, relativo a empréstimos de dinheiro a este e entrega da viatura, pelo mesmo, ao arguido, como meio de pagamento, não corroborando, pois, a tese da defesa. Em contrapartida, a fundamentação da decisão de facto é clara e demonstra, sem rodeios ou quaisquer equívocos, como o tribunal chegou à decisão proferida, não conseguindo o recorrente demonstrar o contrário, na medida em que, nada de relevante foi invocado no recurso que permita a este tribunal de segunda instância ajuizar de modo diverso, quer quanto à falta de credibilidade das suas declarações relativamente à matéria impugnada, quer à que foi atribuída, pela positiva, ao ofendido, para que se possa colocar em crise a avaliação que a tal respeito foi feita pelo tribunal a quo. Consequentemente, o recurso é improcedente, na parte que tem por objecto a impugnação da matéria de facto. 2.4.– Definitivamente fixada esta, a correspondente qualificação jurídica não foi posta em causa pelo recorrente, nem nos merece qualquer crítica a decisão nessa matéria, considerando-se o arguido autor dos crimes de roubo agravado (autoria mediata) e de falsificação agravada (uso de documentos falsos), pelos quais foi condenado. Passando-se, assim, a conhecer da última das questões suscitadas, atinente à espécie e medida das penas aplicadas, pretendendo aquele a redução da pena correspondente ao roubo e a condenação em multa pelo crime de falsificação, com suspensão da execução da prisão. Para o efeito, invoca que a decisão recorrida não valorou o que, quanto a si, foi dado como provado a fls. 7 a 9 do acórdão quanto às suas condições pessoais, antes «pondo o acento tónico numa punição por factos que ocorreram há mais de … 13 anos». Apresentando-se a culpa como média, «nada justificaria uma pena concreta superior a 40 meses para o crime de roubo», nada podendo sustentar a «insuficiência da pena de multa» quanto à falsificação, pena que, face à lei, «é de aplicação preferencial». Diferente entendimento teve o MP na respectiva resposta, que resumiu do seguinte modo: «A acentuada gravidade dos factos, a culpa revelada pelo Recorrente e as elevadas necessidades de prevenção, geral e especial, estas últimas resultantes das exigências de defesa do ordenamento jurídico perante violação tão intensa de bens jurídicos, como o da integridade física no roubo e o da segurança do tráfego jurídico na falsificação de documento, e de prementes necessidades de intimidação face ao percurso criminoso já trilhado pelo arguido, não permitem a aplicação de outra pena nem qualquer redução das penas parcelares nem da pena única imposta pelo tribunal recorrido. A pena única aplicada está, de resto, directamente relacionada com os factos praticados e é inteiramente justa e merecida.» Não sendo aplicável ao crime roubo o art. 70.º, do CP, porquanto, a norma incriminadora da conduta em causa não prevê a multa como sanção, mas prevendo o crime de falsificação agravada a aplicação desta pena pecuniária em alternativa à prisão, o tribunal recorrido, após enunciar os critérios e princípios que, segundo a melhor doutrina, devem ser observados nas operações a realizar, justificou do seguinte modo as opções que fez: «… De acordo com o art.º 70º do Cód. Penal com referência art.º 40º do mesmo diploma, a alternativa entre a pena privativa e a pena não privativa da liberdade resolve-se em favor da segunda, sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do agente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime. A escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa dependerá de considerações de prevenção geral e especial em face do caso concreto, sendo certo que, optando-se pela pena não privativa de liberdade, será ainda e sempre, a medida da culpa a fornecer o limite da pena (já que nela reside o suporte desta), aferida em função do próprio ilícito típico, analisado nas suas consequências típicas, que lhe atribuem uma dimensão ou sentido social. Ora, in casu, sobressai o passado criminal do arguido, tendo praticado os factos durante o período de suspensão de uma pena de prisão e a sua falta total de assunção dos factos, o que faz inculcar a ideia de que, atualmente, só a pena privativa de liberdade é suscetível de promover a recuperação social do arguido e satisfazer as elevadas exigências de reprovação e, sobretudo, de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso concreto. * Esgotado o primeiro momento da determinação definitiva da pena, há que determinar em concreto a medida que lhe caberá. Ao abrigo do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Na determinação concreta da pena, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal), constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena (artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal). Assim, dispõe o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal que, para efeitos de determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deverá atender, nomeadamente, ao grau de ilicitude do facto à culpa do agente, à intensidade do dolo ou negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou aos motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e à sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto e à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta conforme às prescrições ético-jurídicas. Todavia, do que ficou dito não obsta a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso. Os fatores que influenciam na determinação da medida são, muitas vezes, dotados de particular ambivalência. Por exemplo, um mesmo fator, na perspetiva da culpa, pode funcionar como agravante e, na perspetiva da prevenção, funcionar como atenuante. Como referido supra, culpa e prevenção constituem, pois, o binómio que o julgador terá de utilizar na determinação da medida da pena, obviamente dentro dos limites (mínimo e máximo) definidos na lei – artigo 71.º, nº 1, do Código Penal. Foi para fazer ou atingir a possível concordância dos fins das penas no caso concreto, que se desenvolveu na Jurisprudência a teoria da margem da liberdade, teoria segundo a qual a pena adequada à culpabilidade não é uma medida exata. A pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa) determinada em função da culpa, intervindo nela os outros fins das penas – prevenção geral e prevenção especial – dentro daqueles limites. Assim, na pena a aplicar, há que ponderar as exigências de prevenção geral, que constituirão o limiar da punição, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Ainda há que atender às exigências de culpa do agente, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio político-criminal da necessidade da pena e ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 18º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa). Por último, cumpre considerar as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo, e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena. A medida da pena, dentro da moldura penal abstrata, deve encontrar-se entre exigências de prevenção geral positiva – o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas – e a culpa em concreto do agente, como espaço de resposta às necessidades da sua reintegração social. A lei, «através do requisito que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela iminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção» (Figueiredo Dias, In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, p. 281). In casu, as exigências de prevenção geral são elevadas, atenta a natureza dos ilícitos em causa, uma vez que os crimes praticados pelo arguido provocam grande alarme social na comunidade, atenta a frequência da sua ocorrência e os efeitos erosivos provocados na ordem e tranquilidades públicas, o que se tem vindo a tornar uma fonte de inquietação geral. As finalidades de prevenção e de reprovação do crime em apreço são muito elevadas e é igualmente elevado o número de crimes desta natureza pela inusitada frequência com que este ilícito vem sendo praticado e é por demais conhecida a sua danosidade social, desde logo em termos de alarme social e de sentimento de insegurança na comunidade. Por outro lado, as finalidades de prevenção especial são também acentuadas, visto o arguido apresentar já antecedentes criminais, e, diga-se, à data da prática dos factos ora em julgamento, encontrava-se em curso o período de suspensão de uma pena de prisão que lhe havia sido aplicada sendo que no âmbito de tal processo o arguido foi condenado pela prática também de um crime de roubo e sequestro. Tendo presente o princípio da proibição da dupla valoração, consagrado no referido artigo 71.º n.º 2 do Código Penal, segundo o qual não devem ser tomadas em consideração, na medida concreta da pena, as circunstâncias que façam parte do tipo de crime, vejamos quais as circunstâncias de depõem contra e a favor do arguido. Assim, no caso concreto há que ponderar: - O grau de ilicitude do facto é elevado em ambos os crimes de roubo, tendo em conta a atuação do arguido, a natureza, o valor dos objetos subtraídos pelo arguido e o modus operandi utilizado pelo arguido. Tal gravidade da ilicitude é ainda mais elevada e acentuada no crime praticado à luz do dia, na via pública, com recurso a dois executantes materiais, a quem determinou a prática desses factos. - A culpa é especialmente intensa em ambos os crimes, uma vez que o arguido atuou com dolo direto, de alta intensidade, por ser a forma mais gravosa do dolo e que representa maior desvalor. - Os antecedentes criminais do arguido, em que apresenta já um antecedente pela prática de um crime de roubo, tendo praticado os factos durante período de suspensão de pena de prisão por esse mesmo crime. - Ausência de juízo crítico sobre os factos praticados. Assim, face a todo o exposto, considerando as circunstâncias que depõem contra e a favor do arguido, entende o Tribunal ser adequada e suficiente fixar ao arguido as seguintes penas: - pela prática do crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º s 1 e 2, alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.º 1 al. a), desse mesmo diploma legal, uma pena de 5 (cinco) anos de prisão. - pela prática do crime de falsificação agravado previsto e punido pelo artigo 256.º n.º1 al. e) e 3 do Código Penal, uma pena de prisão de 2 (dois) anos..» Inexistindo razões para uma eventual atenuação especial da pena, a determinação da sua medida concreta, dentro da respectiva moldura, deverá resultar da aplicação dos critérios definidos nos arts. 40.º e 71.º, do Código Penal, como devidamente salientado pela decisão recorrida. Segundo tais normas, “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” e «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Conforme temos repetidamente dito, acompanhando a jurisprudência sedimentada do STJ nesta matéria, a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente. A culpa e a prevenção constituem, assim, os dois termos do binómio que essencialmente importa considerar em tal operação. Na concretização desses princípios, manda o n.º 2 do mesmo art. 71.º que “o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, considerando, nomeadamente, as circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas da referida norma. A opção do tribunal recorrido pela pena de prisão, em detrimento da multa, no crime de falsificação agravada, está plenamente justificada, na medida em que, também nós entendemos que a pena pecuniária não realiza, no presente caso, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, porquanto, por um lado, o arguido já foi condenado pelo menos três vezes em penas de multa, sem que estas o tenham eficazmente dissuadido de voltar a delinquir, contando já uma condenação em pena de 2 anos de prisão, cuja execução ficou suspensa, tendo cometido os crimes destes autos no período dessa suspensão, por outro lado, estando os dois crimes em concurso e sendo um deles punível apenas com prisão, é claramente desaconselhável a imposição de uma pena única mista em cúmulo jurídico, em que a multa a aplicar não teria qualquer significado, ao lado da prisão, em termos preventivos, falhando os seus objectivos. Razão pela qual, entendemos que a condenação em prisão, pelo crime de falsificação, deve ser mantida. Passemos, então à problemática da medida concreta das penas, parcelares e única. O crime de roubo agravado cometido pelo arguido G. é punível com pena de prisão de 3 a 15 anos, enquanto ao crime de falsificação corresponde prisão de 6 meses a 5 anos. Tendo em consideração tais molduras, o elevado grau de ilicitude dos factos, traduzido no seu modo e momento de execução, natureza e valor do bem subtraído, a intensidade do dolo que se apresenta na forma directa, apesar da autoria mediata no crime de roubo, a recuperação da viatura, embora sem a colaboração do arguido, inexistência de outras atenuantes (ausência de juízo crítico sobre os factos, de confissão e de arrependimento), antes se verificando a agravante da sucessão de crimes, face às condenações anteriormente sofridas pelo arguido, sem esquecer as suas condições pessoais descritas supra (factos provados 24 a 43), salientando-se ainda as elevadas exigências de prevenção geral e especial, é de concluir que as penas aplicadas - 5 anos e 2 anos, pelos crimes de roubo e de falsificação, ambos agravados, respectivamente - não se mostram desajustadas ou desproporcionadas, muito menos excessivas, estão aquém da culpa, situam-se dentro da aludida «moldura de prevenção», não se vislumbrando razões sérias para a pretendida redução. O mesmo se diga quanto à pena única fixada em cúmulo jurídico - seis anos de prisão -, tendo em conta que o limite mínimo da respectiva moldura é de 5 anos e o limite superior é de 7 anos de prisão, tendo o tribunal recorrido feito uma ponderação correcta dos elementos a ponderar para o efeito, tendo considerado, «em conjunto, os factos e a personalidade do agente», com total respeito pelos respectivos princípios e regras do art. 77.º, do Código Penal. A qual, por isso, mantemos. Porque a pena aplicada excede o limite dos cinco anos de prisão imposto pelo artigo 50.º, n.º 1, do mesmo Código, está excluída à partida a possibilidade de suspensão da respectiva execução, por ausência do primeiro dos requisitos, ficando prejudicado o conhecimento desta questão, que também fora suscitada pelo recorrente. Consequentemente, improcede o recurso. *** III.–DECISÃO: Em conformidade com o exposto, julga-se improcedente o recurso do arguido G. , confirmando-se integralmente a decisão recorrida. *** Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC. Notifique. Lisboa,02/10/2018 José Adriano – (Elaborado em computador e revisto pelo relator) Vieira Lamim Filomena Gil |