Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3375/21.4T8LSB.L2-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: FIXAÇÃO DOS TEMAS DE PROVA
ÓNUS DE PROVA DOS FACTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Os temas de prova constituem linhas orientadoras gerais sobre a prova a produzir e servem para delimitar o âmbito da prova a produzir, sem a rigidez que decorria da anterior base instrutória e, previamente, dos quesitos, permitindo, uma maior flexibilidade do âmbito da instrução e da delimitação da matéria de facto apurada, que decorrerá da prova, ou não prova, dos factos concretos relevantes.
II. A relevância da existência ou não do “tema de prova” no âmbito do actual Código de Processo Civil, pode originar uma discussão dogmática, mas ainda que haja a eventual desvirtuação do que se entende por tema de prova, não existe qualquer consequência processual que advenha de tal iniquidade, ou seja, a discussão dogmática não tem consequências quanto à forma menos correcta ou não de elaborar os designados temas de prova, ou até o objecto do litígio.
III. O previsto no art.º 410º do Código de Processo Civil, face ao que se estabelece no actual Código de Processo Civil não deixa de estar isento de criticas, pois não são os temas de prova que serão objecto da instrução, mas sim os factos controvertidos ou necessitados de prova, pelo que a actividade instrutória poderá orientar-se pelos temas de prova, mas não os tem por objecto nem aqueles a limitam.
IV. Com esta perspectiva criou-se um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à consideração de factos, seja na eliminação de um nexo directo entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a matéria de facto dos autos, se limite a “responder” a questões que não é suposto serem sequer formuladas, pois são os concretos enunciados fáticos alegados no processo e não os temas da prova, que a lei impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
CC, divorciado, NIF …, residente na Rua …. Lisboa, intentou contra M, residente na Rua … Vila Nogueira de Azeitão, a presente acção declarativa de condenação com processo comum, pedindo:
«A. Deve reconhecer-se, que a casa dos autos custou €261.869,00, foi paga na sua totalidade pelo cabeça-de-casal, com a casa da Av. … e o remanescente com dinheiro seu.
B. Assim sendo, tal bem não deve ser integrado na comunhão, antes devendo ser considerado um bem próprio, porque adquirido apenas pelo CC.
C. Quando se diz que o remanescente foi pago com dinheiro seu, estamos a querer significar, que quem suportou os encargos resultantes dos empréstimos concedidos pela Caixa Geral de Depósitos, de … Benfica, foi apenas o Autor.
D. Se assim não for entendido, no que tange aos empréstimos concedidos, apenas por as respectivas contas se encontrarem tituladas em nome de ambos, então que se atribua ao CC, uma comparticipação no imóvel, nunca inferior a 90%.
E. Que a interessada M seja condenada a pagar-lhe a quantia de €78.894,23, por encargos monetários com obras, por ele apenas suportados, numa casa que é exclusivamente dela.».
Na enunciação constante da petição inicial o A. elenca as seguintes questões: A primeira respeita ao valor por que foi comprada a fração autónoma, designada pela letra “R”, correspondente ao 7º andar letra B, inserta no prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, em Lisboa
(verba Nº 68 da relação de bens).
A segunda questão respeita a saber se foram utilizados bens próprios para aquisição de bens comuns.
A terceira questão para ser apreciada pelo tribunal, respeita ao dispêndio de elevados valores pagos pelo CC, por obras feitas num prédio, que apenas pertence à interessada M.
Alega, em síntese, ter sido casado com a ré; na pendência do casamento foi adquirida uma casa cujo preço o autor liquidou com a venda de um outro imóvel que lhe pertencia, entregando o remanescente em dinheiro próprio, bem como foram realizadas obras, a expensas exclusivas do réu, numa casa que pertence apenas à autora.
A ré contestou, alegando, em síntese, factos tendentes a demonstrar que o património investido nas duas invocadas situações não era bem próprio do requerente, e adiantando que, tendo em conta o regime de bens do casamento, havendo o autor investido rendimentos do seu trabalho, esses rendimentos constituem bem comum.
No saneador em audiência prévia realizada no dia 22/02/2022, foi identificado o seguinte quanto ao objecto do litígio:
A) O direito do Autor a ver reconhecido que a casa a que se refere a alinea A) do pedido formulado custou o montante ali indicado;
B) Do direito do Autor a ver reconhecido que a totalidade do preço do imóvel referido na alinea A) foi pago, total ou parcialmente, com bens próprios ou dinheiro do Autor;
C) Do direito do Autor a receber da Ré a quantia referida na alinea E) do pedido do Autor.
Foi ainda fixado o seguinte tema de prova: “1- O pagamento das obras na vivenda de Vila Nova de Azeitão através da quantia pedida pelo Autor em empréstimo bancário.”
O A. requereu em audiência prévia a apensação aos autos do processo de inventário e reclamou do tema de prova enunciado, da seguinte forma: “Ouvido o despacho saneador e no que concerne ao tema da prova indicado e aos documentos solicitados, o requerente CC vem reclamar nos seguintes termos: 1- O despacho omite deliberadamente o tema da prova mais importante no contexto do inventário que consiste em os pais do Autor lhe terem doado a quantia na altura de vinte e cinco milhões de escudos (25.000.000$00 para a compra e obras da casa que foi comprada para o casal a viver na Avenida … em Lisboa:
A) Se foi fundamentalmente com esse dinheiro da venda dessa casa (na Avª….) pelo preço de quarenta milhões de escudos que o casal comprou uma casa na AV. …, em Lisboa pelo preço de cinquenta e dois mil contos tendo a diferença entre 40.000.000$00 (quarenta milhões de escudos) e 52.500.000$00 (cinquenta e dois milhões e quinhentos mil escudos), sido paga pelo empréstimo bancário de 12.500.000$00 (doze milhões e quinhentos mil escudos) contraída junto da Caixa Geral de Depósitos pelo Requerente.
2- Uma vez que a Mma Juiz da causa se recusou a proceder à requisição do processo que com o nº 5603/15 correu termos pelo cartório notarial da Sr.ª Dr.ª MR e porque entendemos que tal ónus incumbia ao tribunal, reclama-se também desta decisão.”.
A ré pronunciou-se nos seguintes termos: “Entende a Ré que na petição inicial apresentada pela Autora não alega factos concretos que consubstanciam as conclusões de direito a que chega, nomeadamente quanto à verificação ou não de uma doação feita pelos pais ao Autor e assim sendo considera a Ré que tal matéria não deve integrar os temas da prova porquanto a não existência de factos concretos sobre a mesma impede o seu exercício de defesa. Para além do mais e quanto á requisição dos documentos os mesmos são públicos e para além disso o Autor foi parte nesse processo, pelo que certamente os tem na sua posse.”
Foi indeferido o pedido de requisição do processo de inventário notarial, tendo igualmente sido indeferida a reclamação apresentada quanto aos temas de prova, nos termos seguintes: “Pese embora o Código de Processo Civil faculte liberdade sobre a determinação e fixação dos temas da prova, é entendimento do Tribunal que estes devem ser a consequência de factos alegados pelas partes nos articulados.
No caso concreto, o que o Autor refere relativamente à existência ou não e intervenção ou não de património eventualmente doado num bem que era próprio do autor cabeça de casal do inventário, o Autor não alega factos suficientes para que se caracterizem essas consequências de direito, factos esses que seriam aqueles sobre os quais as testemunhas teriam que prestar o seu depoimento ou poderiam ser objecto de outros meios de prova.
Nesta conformidade continua a entender que não deve ser levada ao tema da prova a existência ou não de uma doação e por conseguinte mantém-se o despacho acabado de proferir. No que diz respeito á junção de documentos: Como se disse no despacho de indeferimento, nos termos do disposto no artigo 423º do C.P.C., os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se alegam os factos correspondentes.
No caso concreto, o Autor não apresentou os documentos e não alegou, e menos demonstrou, qualquer facto que possa levar a concluir o seu próprio impedimento no acesso aos documentos ou na sua obtenção.
Consequentemente, sendo o impulso processual da parte do Autor e também sendo dele a obrigação, o ónus de, face ao disposto no artigo 423º nº1 do C.P.C., apresentar os documentos a que se refere na sua petição inicial, mantém-se o despacho de indeferimento que se supra exarou.”
No prosseguimento dos autos foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a ré.
Inconformado veio o Autor recorrer dizendo que: “notificado da sentença de 7.11.2023 e da decisão respeitante à sua reclamação ao despacho saneador, não se conformando com tais decisões, delas vem interpor recurso ordinário de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o que faz ao abrigo do estatuído nos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 591.º; n.º 1 do at.º 627.º, n.º 1 do art.º 629.º e n.ºs 1 e 2 do art.º 631.º, todos do NCPC, recurso esse que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, de harmonia com o disposto no art.º 645.º n.º 1 alínea a) e art.º 647 n.º 1, do mesmo diploma legal”.
Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:
«13.1. A presente ação, é complementar do processo de inventário, que correu temos, numa primeira fase, no identificado cartório notarial, depois no Juiz 5 do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, e desde há pouco tempo, no Juízo de Família do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal.
13.2. Processo esse onde foi junta toda ou quase toda a prova documental, que, conjuntamente com as testemunhas arroladas pelas partes, levaram a uma tomada de decisão.
13.3. Todavia, nesse cartório notarial, não foi possível apurar parte da matéria controvertida, razão pela qual o processo foi remetido ao Tribunal da Família de Lisboa – Juiz 5.
13.4. Quando o processo deveria transitar para os meios comuns, como estatuído no art.º 16.º n.º 1, do RJPI, que dispõe: «o notário determina a suspensão do processo sempre que, na pendência do inventário, se suscitem questões que, atenta a sua natureza, ou a complexidade da matéria de facto ou de direito, não devem ser decididas no processo de
inventário, remetendo as partes para os meios judicias comuns até que ocorra decisão definitiva, para o que indica as questões controvertidas, justificando fundadamente a sua
complexidade».
13.5. Neste contexto, sendo o processo o mesmo e encontrando-se o processo principal depositado, numa primeira fase no Juiz 5, do Tribunal de Família de Lisboa, e desde há pouco tempo no Juízo de Família da Comarca de Setúbal, deveria o mesmo ser requisitado pela Meritíssima Juiz da causa (meio comum), conforme solicitado pelo Autor.
13.6. Assim se evitando a repetição de junção de prova documental que já havia sido junta
naquele processo.
13.7. Abílio Neto, comentando o art.º 16.º, deste diploma legal – RJPI – considera que as acções como a presente, consubstanciam uma causa prejudicial em relação ao processo principal (Processo de inventário, Lei n.º 23/2013, Anotado, Maio de 2013, pag.62.)
13.8. Ao indeferir o solicitado pelo Autor – requisição do processo principal ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa, para onde foi remetido pelo identificado Cartório Notarial.
13.9. A Meritíssima Juiz da causa incorreu em erro de julgamento, o que determina a anulação de tal decisão, com as consequências legais implícitas.
13.10. Ao mesmo tempo que violou a norma do n.º 1 do art.º 423.º do NCPC, pois os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação, haviam já sido juntos ao processo notarial.
13.11. Bem como o art.º 436.º do mesmo diploma legal que impõe ao julgador, espontaneamente, ou a solicitação das partes, a requisição de documentos e outros meios de prova ali previstos.
13.12. De outro modo a Meritíssima Juiz da causa, omitiu a pronúncia acerca de factos essenciais aduzidos pelo Autor de números 16 a 35 do petitório, com que pretendia e pretende fazer prova em julgamento, que foi ele, quem custeou, exclusivamente, a compra da casa sita na Av. …. em Lisboa.
13.13. Factos esses, consubstanciados em empréstimos que contraiu e amortizou sozinho, junto da Caixa Geral de Depósitos, para o fim em questão.
13.14. A Meritíssima Juiz da causa fez tábua rasa acerca de tais factos, que lhe cumpria apreciar e decidir.
13.15. Com isso incorrendo em erro de julgamento que determina a revogação do despacho recorrido e a sua remessa dos autos ao tribunal “a quo” para reapreciação e decisão.
8.16 Ao mesmo tempo que, não se pronunciando acerca de questão que devia apreciar, incorreu na nulidade prevista na alínea d,) do n.º 1, do art.º 615.º do NCPC.
13.17. Ocorrendo também a nulidade processual estatuída na alínea b) do mesmo preceito legal, por falta de indicação dos fundamentos de facto e de direto do despacho recorrido.
13.18. Ao contrário do sufragado no Despacho “sob censura”, a expressão doou a seu filho a quantia de 25.000.000$00, no contexto dos restantes factos transcritos, não pode ser classificada apenas como matéria de direito.
13.19. Devendo ser admitida também como matéria de facto, porquanto, como sustenta, entre outros, Castanheira Neves, emérito professor da escola coimbrã, “nesta – matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objetivos do problema colocado, por exemplo, problemas sócio/culturais e até jurídicos”.
13.20. Ou como se defendeu em vários outros acórdãos, cujos sumários, transcrevemos nestas alegações, quando neles se defende que os juízos de facto podem nuns casos ser matéria de facto e noutros matéria de direito.
13.21. Havendo que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto), entre aqueles, cuja emissão ou formulação, se apoiarão em simples critérios próprios do bom pai de família, do “homo prudens”, do homem comum, e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação, apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, ou do julgador.
13.22. Os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto.
13.23. Enquanto os segundos são mais sensíveis ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei.
13.24. Perante estes ensinamentos, parece não restarem dúvidas, que as expressões, doar,
testar, residir e muitas outras, embora com roupagem jurídica, se consubstanciam, hodiernamente, em matéria de facto, por serem imediatamente assimilados e interpretados pelo homem comum “homo prudens”.
13.25. Pelo que mal andou, também nesta parte, a Meritíssima Juiz do tribunal recorrido, ao subsumir exclusivamente em matéria de direito, a expressão “doou a seus filhos …”.
13.26. Incorrendo assim, também nesta parte, em manifesto erro de julgamento.
13.27. Doutro modo, fundamentando a decisão recorrida em insuficiência de matéria fáctica que caracterize as consequências de direito, deveria a Meritíssima Juiz da causa, emitir despacho de aperfeiçoamento do petitório.
13.28. Com efeito, ao Autor cabe aduzir factos que constituam a causa de pedir e, com fundamento neles, formular o pedido, nos termos do art.º 5.º n.º 1 e 552.º, n.º 1, alíneas d) e e) do NCPC.
13.29. Nessa exposição deve observar os requisitos jurídicos, técnico e linguísticos de modo a não comprometer a sua inteligibilidade, coerência e concludência.
13.30. Devem, especialmente, na sua vertente fáctica, apresentar-se em apurados termos
concretos, claros, precisos, concisos e objectivos.
13.31. Quando a parte tal não consiga, deve o Juiz providenciar para que ela aperfeiçoe o seu articulado, convidando-o a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou
concretização da matéria de facto alegada, de harmonia com o estatuído no art.º 590.º, n.º
2, alínea b) e n.º 4.
13.32. Tal aperfeiçoamento tem como limite o disposto no art.º 265.º deste diploma legal.
13.33. Sendo certo que se aperfeiçoasse o petitório, o Autor não alteraria, nem tinha necessidade de alterar, o pedido formulado, nem a causa de pedir, que apenas seria formalmente corrigida.
13.34. Perante o que vimos de expor, torna-se difícil entender – perante a insuficiência fáctica invocada no Despacho recorrido – a razão da não emissão do despacho de aperfeiçoamento que, hodiernamente, já não se consubstancia num poder discricionário do Juiz, mas sim num poder/dever, ou obrigação, a que está vinculado.
13.35. De harmonia com o Acórdão da Relação do Porto a que aludimos nas alegações, o convite ao aperfeiçoamento de articulado, nos termos do n.º 4 do art.º 590.º do NCPC, é um dever a que o Juiz está sujeito e cujo não cumprimento leva ao cometimento de nulidade processual.
13.36. Nulidade processual essa sujeita ao regime dos artigos 195.º, 197.º, 199.º, 200.º n.º 3 e 201.º deste diploma legal
13.37 Também nesta parte, bem mal andou o Tribunal “a quo”, incorrendo, a um só tempo, na violação dos artigos 5.º, 6.º e 590.º, n.ºs 2 alínea b) e 4, bem como artigos 195.º, 197.º, 199.º, 200.º n.º 3 e 201.º do NCPC.
13.38. Devendo o Despacho recorrido ser declarado nulo com as legais consequências.
13.39. O Tribunal “a quo” ao não ter em consideração, nem apreciando, o facto vertido nos artigos 26, 27 e 28 do petitório, que se consubstancia no pagamento feito pelo Autor de € 8.587,51 à CGD, dívida essa emergente do casamento e paga muito tempo depois do divórcio ter sido decretado,
13.40. Pagamento este até reconhecido pela Ré, no art.º 95.º da sua contestação,
13.41. Incorreu, mais uma vez, na nulidade prevista na alínea d) do n.1 do art.º 615.º do C. P.Civil, por ter deixado de se pronunciar acerca duma questão que estava obrigado a apreciar e decidir.
13.42.A. e R. viveram na casa de Azeitão, desde o seu casamento, que ocorreu em Março de 2013, até Agosto de 1990.
13.43. Casa esta que pertenceu aos pais da ré, até ao ano de 2002.
13.44. Tendo depois, após essa data, e por meio de processos de sucessão e doação, transitado para o domínio proprietário e exclusivo dela, como já atrás escrevemos.
13.45. Nessa casa, então ainda em nome dos pais da ré, foram feitas obras na década de 1990, mais precisamente em 1993, que o Autor suportou exclusivamente com dinheiro seu e do que pediu emprestado ao Banco Pinto e Sotto Mayor.
13.46. Essas obras consubstanciaram-se na construção duma piscina de 12x8 metros; cozinha e casa de banho de apoio à piscina. Construção dum furo artesiano para exploração águas profundas para abastecimento da piscina e rega das arvores e plantas existentes no logradouro.
13.47. Foi também alteado o muro em 2 metros à volta de todo o imóvel para evitar outros
assaltos, para além de um que houve, pelo menos.
13.48. Na opinião da Ré, que se recusa a apresentar as faturas que ficaram na casa onde vive (Azeitão), tais obras custaram pelo menos 7.000 contos.
13.49. Enquanto para o Autor e as duas testemunhas que indicou ao Tribunal, terão custado, pelo menos de 17.00 a 20.000 contos.
13.50. Face o exposto, nunca se tratou de um bem comum do casal, mas antes pertencente aos pais da ré no período em que as obras foram feitas – década de 1990 - e depois de 2002 a esta, segundo confissão sua.
13.51. Não se tratando dum bem seu, tem o Autor o direito de ser ressarcido pela Ré, enquanto herdeira de seu pai e donatária de sua mãe, a quantia de €78.894,23 que despendeu sozinho em obras feita num imóvel que é estranho ao seu património.
13.52. Ou, no mínimo – acaso assim não se entenda - com metade do valor que a Ré atribuiu às obras de cerca de 7.000 contos, ou seja, o equivalente em euros, a 3.500 contos.
13.53. A Meritíssima Juiz da causa, ao dar como provados os factos que enumera sob os n.ºs 1, 2, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15,16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30, factos este que tivemos o cuidado de identificar nestas alegações,
13.54. E ao dar com não provados os factos que alinha sob as letras, a) b) c) d) e) f) k) e i), factos estes que também tivemos o cuidado de identificar neste recurso, pronunciou-se e apreciou de questões, que não se subsumem no ”thema decidendo” que fixou no seu douto despacho saneador.
13.55. Pelo que mais uma vez se pronunciou acerca de matéria de facto que não podia apreciar, com isso incorrendo, mais uma vez, na nulidade previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 1, do mencionado art.º 615.º do CPC, por não especificar os factos e os fundamentos que justificam a decisão; os fundamentos estão em oposição com a decisão; e por se ter
pronunciado acerca de questões que não podia apreciar.
13.56. Indo mais longe, o Tribunal recorrido tomou uma decisão que nada tinha a ver com o tema da prova, já várias vezes transcrito.
13.57. Fê-lo, quando, a final, decide dar como não provado, que o autor tenha adquirido a casa da Rua ..., com dinheiro que seus pais lhe deram.
13.58. Ainda que “en passant” o autor, no seu depoimento, pela força das circunstâncias narrativas, tenha aflorado o assunto, não podia à Meritíssima Juiz da causa, decidir acerca de tal questão, porquanto, ela própria, a afastou no despacho saneador, ao não inseri-la nos temas da prova.
13.59. Incorrendo de novo na nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do preceito legal várias vezes citado, por tomar conhecimento de questão que lhe estava vedada.
13.60. Ainda no que tange á contradições da douta sentença, tenhamos presente que nesta se deu como provado, que as obras no imóvel de Azeitão, importaram em valores que iam de 8.000 escudos a 20.000 escudos. (estamos a falar e 8 a 20 contos).
13.61. Quando a própria Ré, que guarda as faturas em baú de ouro, reconhece que terão custa do, pelo menos 7.000 contos, enquanto o autor e as testemunhas que arrolou, falam em valores, que oscilam entre 17.000 e 20.000 contos.
13.62 Este é um pequeno retrato da forma pouco ortodoxa, com correram as sessões, de
audiência prévia e de julgamento, onde “ab initio”, se verificaram erros e outras ocorrências, pouco comuns em tais actos desta natureza.
Nestes Termos
Deve esse Colendo Tribunal dar provimento ao presente recurso de apelação, revogando ou anulando a sentença recorrida com as legais consequências, lavrando acórdão que satisfaça a pretensão do Autor, com o que se fará Justiça.».
A recorrida contra alegou, pugnando quer pelo não conhecimento da impugnação factual por ausência de requisitos, quer ainda pela improcedência da apelação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Questão prévia: Da admissibilidade parcial do recurso
O recorrente no âmbito das suas conclusões 13.1 a 13.11, bem como no âmbito do requerimento de interposição de recurso vem interpor recurso da “sentença de 7.11.2023 e da decisão respeitante à sua reclamação ao despacho saneador”. Na parte em causa e delimitada pelas conclusões referidas reporta-se a decisão recorrida ao indeferimento da requisição do processo de inventário, que correu numa primeira fase no notário, dizendo que no mesmo foi junta toda a prova documental e testemunhal que determinou que nesses autos se decidiu que o “processo deveria transitar para os meios comuns”.
O Tribunal a quo apreciou tal requerimento no âmbito da audiência prévia que decorreu a 24/02/2022, nos seguintes termos: “Indefere-se a requisição do processo de inventário notarial que corre termos com o nº5603/15, ao Cartório Notarial da Sra. Dra. MR, uma vez que face ao disposto no artigo 423º do CPC, "os documentos que são destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes". Ou seja, com a apresentação da petição inicial deveriam ser juntos e apresentados os documentos que o Autor entendesse que lhe diziam respeito e que faziam prova dos factos alegados sendo certo que não se verifica, também no entender do tribunal, qualquer facto que justifique ou impeça que o Autor obtenha os documentos a que se reporta na petição inicial e portanto a apresentação dos documentos é um ónus da parte que alega os factos.".
O Autor na mesma diligência e a par da reclamação sobre a enunciação dos temas de prova voltou a reiterar tal pedido, dizendo que: “Uma vez que a Mma Juiz da causa se recusou a proceder à requisição do processo que com o nº 5603/15 correu termos pelo cartório notarial da Sr.ª Dr.ª MR e porque entendemos que tal ónus incumbia ao tribunal, reclama-se também desta decisão.”. Sobre tal questão reitera o Tribunal a quo que: “No que diz respeito à junção de documentos: Como se disse no despacho de indeferimento, nos termos do disposto no artigo 423º do C.P.C., os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se alegam os factos correspondentes.
No caso concreto, o Autor não apresentou os documentos e não alegou, e menos demonstrou, qualquer facto que possa levar a concluir o seu próprio impedimento no acesso aos documentos ou na sua obtenção.
Consequentemente, sendo o impulso processual da parte do Autor e também sendo dele a obrigação, o ónus de, face ao disposto no artigo 423º nº1 do C.P.C., apresentar os documentos a que se refere na sua petição inicial, mantém-se o despacho de indeferimento que se supra exarou.”
Ora, nos termos do art.º 644º, nº 1 do CPC, “cabe recurso de apelação: a) Da decisão, proferida em lª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”.
Por seu turno, o nº 2 do art.º 644º estatui que “Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de lª instância: a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz; b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal; c) Da decisão que decrete a suspensão da instância; d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual; f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo; g) De decisão proferida depois da decisão final; h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil; i) Nos demais casos especialmente previstos na lei”.
Há ainda que atender ao art.º 644º, nº 3 do CPC que refere “As restantes decisões proferidas pelo tribunal de lª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no nº 1”.
Donde, tratando-se no que diz respeito ao indeferimento da requisição do processo de inventário, quer se entenda que corre termos no Notário, ou no Tribunal, sempre tal despacho diz respeito à rejeição de um meio de prova, logo, insere-se na possibilidade de recurso autónomo tal como se encontra previsto no nº 2 do art.º 644º alínea d). Com efeito, não existe apensação dos autos de inventário quando se decide remeter as partes para os meios comuns, ainda que o seja relativamente a determinadas questões suscitadas no inventário, o processo corre autonomamente, devendo a prova dos factos ser efectuada ex novo nesses autos, nos termos previstos no âmbito da instrução da causa no Código de Processo Civil.
O Autor foi notificado de tais decisões no dia 24/02/2022, porém, vem recorrer de tais despachos ( circunscrito à mesma questão de prova ) apenas após a sentença proferida nos autos, a 27/10/2023, e mesmo que se considere o primeiro recurso intentado, que foi objecto de uma decisão singular deste Tribunal algo incompreensível, manifestamente não apresentou recurso nos quinze nos termos previstos no art.º 638º nº 1 segunda parte e nº 3 do mesmo preceito do Código de Processo Civil, ou seja, até ao dia 10 de Março de 2022, mas apenas a 6/12/2022 ( o primeiro recurso interposto) ou a 5/12/2023 ( este recurso).
Logo, não se admite o recurso interposto quanto à decisão que indeferiu a requisição dos autos de inventário pretendida pelo Autor, por extemporaneidade do mesmo, não se conhecendo das conclusões 13.1 a 13.11.
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Quanto ao mais, o Tribunal a quo admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito “meramente suspensivo – cfr. arts. 638º, 644º, nº1, al. a), 645º nº 1 e 647º, nº3 al. b) do CPC.”. Tal admissão foi feita nos mesmos termos do primeiro recurso interposto da sentença proferida a 3/11/2022, despacho esse que foi alterado na decisão singular proferida nestes autos e neste Tribunal, na 8ª secção, a 14/06/2023 (por Juiz Desembargador entretanto jubilado, o que levou a que não se tenha considerado o art.º 218º do Código de Processo Civil), o qual determinou a elaboração da sentença de que ora se recorre, proferida a 27/10/2023.
A decisão que julgou improcedente a acção e absolveu a ré não se enquadra em nenhuma das situações do art.º 647º nº 2, mormente a convocada pelo despacho, ou seja, a constante da alínea b).
Logo, ao abrigo do disposto no art.º 641º nº 5 do Código de Processo Civil, admite-se o recurso, no modo admitido, mas com efeito meramente devolutivo – cf. art.º 647º nº 1 não tendo o recorrente invocado o previsto no nº 4 do mesmo preceito.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º 3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- É de considerar que a insuficiência da matéria e a eventual ausência de tema de prova correspondente, com omissão de pronúncia quanto a factos inseridos nos nºs 16 a 35 da petição inicial, ou deveria ter determinado dever do convite à parte Autora ao aperfeiçoamento do articulado, com a consequente nulidade do despacho por violação dos art.ºs 5º, 6º, e 590º nº 2 alínea b) e 4, bem como dos art.ºs 195º, 197º, 199º, 200º nº 3 e 201º todos do Código de Processo Civil – conclusões 13.12 a 13.38
- Se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do art.º 615º nº 1 d) , por omissão dos factos contidos nos art.ºs 26, 27 e 28 da petição inicial – conclusões 11.39 a 11.41;

- Deverá o Autor ser ressarcido pelo valor das obras que custeou num imóvel que não constitui um bem próprio ou comum, mas sim próprio da recorrida – conclusões 13.42 a 13.52;
- Ocorre a nulidade da sentença nos termos do art.º 615º b), c) e d), por se ter pronunciado acerca de questões que não faziam parte do tema a decidir, não especificar os factos que fundamentam a decisão e os fundamentos estarem em oposição com esta  - conclusões 13.53 a 13.62.
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II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
1. Autor e ré contraíram matrimónio em 12.3.1983, sem convenção antenupcial.
2. Tendo-se divorciado a 19.11.2014 por sentença que transitou a 23.2.2015.
3. Durante a vigência do matrimónio, o casal constituído por autor e ré manteve as contas bancárias tituladas por cada um.
4. Essas contas eram geridas por cada um dos titulares autonomamente, ali depositando valores monetários e gastando o que bem entendessem, sem prestar contas ao outro.
5. A conta bancária do autor, na Caixa Geral de Depósitos, tinha o número …30.
6. Os créditos ali depositados eram quase na totalidade o vencimento do autor, enquanto médico da Administração Pública,
7. E os restantes valores resultantes dos rendimentos do exercício da sua actividade privada.
8. O autor contraiu empréstimos junto da CGD.
9. Empréstimos estes que foram de €199.519,16 e €124.700,00.
10. À data de 12 de Maio de 2016 encontrava-se por saldar a quantia de €8.587,51.
11. Na vigência do casamento o autor suportou parte das despesas da família, composta por marido, mulher e duas filhas.
12. Comprando ainda, para consumo da família, bens alimentares e artigos de limpeza e cosméticos, o que a ré também fazia.
13. A casa de …. Azeitão foi construída pelos pais da ré.
14. A ré habita ainda hoje na casa de …. Azeitão.
15. A ré gastava consigo própria proventos que auferia como médica, num hospital público e numa clínica privada, nomeadamente com vestuário e calçado, que comprava para si e também para as filhas do casal.
16. Algum tempo após o casamento, o então casal decidiu comprar uma casa em Lisboa.
17. Decidiram adquirir um apartamento na Avenida …, com o preço, em 1987, de 17.500.000$00 (dezassete milhões e quinhentos mil escudos).
18. A casa precisava de obras profundas e de ser mobilada.
19. Em 25 de Agosto de 1989, o ex-casal, acompanhado dos pais do autor, deslocou-se a um escritório de advogados junto à Praça do Chile.
20. Onde, com o promitente vendedor, assinaram o contrato promessa de compra e venda.
21. Tendo pago a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 1.000.000$00 (um milhão de escudos).
22. Com a quantia de Esc. 7.500.000$00 (sete milhões e quinhentos mil escudos) foram feitas a obras de remodelação da casa, tendo-a também mobilado na sua totalidade.
23. O casal e as filhas residiram na casa sita na Av. … até ao dia 30 de Julho do ano de 2000.
24. No dia 30.6.2000 foi celebrada no Segundo Cartório Notarial de Lisboa uma escritura de permuta, na qual o autor e a ré intervieram como segundos outorgantes.
25. Nessa escritura a primeira outorgante declarou ser dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada pela letra “R” a que corresponde a habitação número Sete-B, Bloco A, sita no piso sete, com dois lugares de estacionamento e uma arrecadação com os números A-Sete-B, situados no piso menos dois, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua … em Lisboa, atribuindo à fracção o valor de cinquenta e dois mil e quinhentos escudos.
26. Declaram os segundos outorgantes serem donos da a fracção autónoma designada pela letra “D”, a que corresponde o segundo andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, número setenta a setenta-C, em Lisboa, atribuindo-lhe o valor de quarenta milhões de escudos.
27. Pelos primeiro e segundos outorgantes foi declarado permutarem entre eles as fracções recebendo o primeiro outorgante a fracção e a importância de doze milhões e quinhentos mil escudos.
28. O valor de 12.500.000$00 foi pago através dos empréstimos concedidos pela C. G. de Depósitos.
29. Do montante emprestado para a compra da referida casa, sobrou algum dinheiro.
30. Dinheiro esse que foi gasto com obras na nova casa, tendo também suportado outras despesas e amortizado outros empréstimos que o autor contraíra.
31. Como contrapartida por habitarem a casa de … Azeitão, o autor através de uma conta de que era titular na União de Bancos Portugueses, pagou durante anos, aos pais da ré, uma quantia mensal.
32. Quantia com a qual os pais da ré liquidaram o empréstimo que tinham contraído para a compra de tal imóvel.
33. Pagando ainda o autor os alugueres e consumos de água, electricidade e gás.
34. Nessa casa e respectivo logradouro, foram feitas as seguintes obras:
1. construção duma piscina; construção duma cozinha e casa de banho, para apoio à piscina; abertura de um furo artesiano, para exploração de águas subterrâneas; construção/alteamento da vedação para proteção da casa;
35. O custo total das obras importou em quantia não concretamente apurada no mínimo de 8.000$00 e no máximo de 20.000$00.
36. Encargos que o autor pagou.
37. Tendo, para o efeito, contraído um empréstimo junto da dependência de Benfica (Fonte Nova) do Banco Pinto e Sotto Mayor.
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Resulta da sentença que não se provou:
a) Que os débitos na conta do autor respeitassem apenas à amortização dos empréstimos contraídos junto da C. G. Depósitos, para pagamento da casa da Rua …. e do escritório da Ré, sito na Av. ….
b) Que o autor tenha pago sozinho e integralmente, com os valores que lhes foram concedidos pela Caixa Geral de Depósitos, a casa da Rua … em Lisboa.
c) Que na vigência do casamento o autor suportasse “grande” parte das despesas da família.
d) Que o autor suportava ainda as propinas do colégio privado que ambas as filhas frequentavam.
e) Que o autor suportava os alugueres e os consumos de água, electricidade e gás, da casa dos da Rua ….
f) Que com a quantia de Esc. 7.500.000$00 (sete milhões e quinhentos mil escudos) o autor procedeu a obras de remodelação da casa, tendo-a também mobilado na sua totalidade, no sentido em que aquela quantia fosse liquidada com rendimento apenas próprio.
g) Que a quantia paga mensalmente e referida no facto nº 31 fosse de 50 mil escudos nem que a mesma tivesse sido paga durante 10 anos.
h) Que os encargos com a execução das obras e na casa de Azeitão tivesse sido suportado pelo autor “sozinho”.
i) Que a ré não contribuiu para o pagamento do custo das obras nem do empréstimo contraído.
j) Que o custo das obras realizadas na casa de Azeitão fosse de a construção da cozinha e casa de banho, para apoio à piscina, no montante de 800.000$00, abertura do furo artesiano, no montante de €25.000,00; construção de uma nova vedação para proteção da casa no montante de €10.000,00.
k) Que o autor adquiriu a 5.08.2017 um apartamento tipo 4, no 5º andar, do bloco A do mesmo imóvel.
l) Tendo posteriormente feito uma permuta com o Sr. Dr. AM.
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III. O Direito:
Delmitado o objecto do recurso importa apreciar as questões suscitadas, a primeira das quais prende-se com a eventual omissão de factos e a nulidade do despacho ( este no que concerne à decisão relativa à fixação dos temas de prova, ou eventualmente omissão de um necessário despacho de aperfeiçoamento, segundo parece resultar das conclusões), tendo por base quer o decidido em audiência prévia, reclamação subsequente e possibilidade de recurso que assiste ao Autor por força do art.º 596º nº 3 do Código de Processo Civil, que determina que o despacho relativo às reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final, bem como a sentença final e a repercussão de tal matéria nesta.
Começa o recorrente por afirmar que foram omitidos factos essenciais aduzidos pelo Autor nos números 16 a 35 do petitório, “com que pretendia e pretende fazer prova em julgamento, que foi ele, quem custeou, exclusivamente, a compra da casa sita na Av. … em Lisboa”, com isso se incorrendo em erro de julgamento que determina a revogação do despacho recorrido e a sua remessa dos autos ao tribunal “a quo” para reapreciação e decisão, e não se pronunciando acerca de questão que devia apreciar, incorreu na nulidade prevista na alínea d,) do n.º 1, do art.º 615.º do NCPC, bem como a nulidade processual estatuída na alínea b) do mesmo preceito legal, por falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito do despacho recorrido.
Argui ainda que ao contrário do sufragado no Despacho sobre os temas de prova, deveria ter sido considerada a doação alegada da quantia de 25.000000$00, efectuada pelos pais do Autor e cujo valor deverá ser considerado no âmbito da aquisição do bem, sendo a doação também questão de facto, existindo manifesto erro de julgamento.
Por fim, relativamente a tal temática conclui ainda que caso se entendesse que tal matéria seria insuficiente deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando o Autor a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, ao abrigo do dever que compete ao Tribunal.
Quanto a tal ausência de despacho em conformidade sufraga o recorrente que tal determina o cometimento de nulidade processual, por força dos artigos 195.º, 197.º, 199.º, 200.º n.º 3 e 201.º dada a violação dos artigos 5.º, 6.º e 590.º, n.ºs 2 alínea b) e 4 todos do CPC.
Quer nas conclusões sumariadas supra, quer no corpo das suas alegações, o recorrente apesar de aludir a matéria que se pode entender como factual, face à referência ao alegado nos art.º 16 a 35 da petição inicial, em momento algum impugna os factos quer quanto ao modo como foram considerados pelo Tribunal a quo, no sentido de os considerar de forma diferenciada, ou eventualmente quais é que foram omitidos na decisão e, mais relevante ainda, que prova suportaria os mesmos e em que termos.
Com efeito, quando seja impugnada a matéria de facto estabelece o art.º 640.º do C.P.C.: «(…), deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. E nos termos do nº 2 no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Além disso, o recorrente nem sequer alude à eventual aplicação do disposto no art.º 662º nº 1, ou mormente ao disposto no nº 2 alínea c) do Código de Processo Civil, ou seja, em momento algum refere que factos em concreto entende que não foram considerados pelo Tribunal, por um lado, por outro, que prova os susterá que não foi considerada, pois não há que olvidar da possibilidade de alteração que ocorre na segunda instância.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido. Mas apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no art.º 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
 Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida(…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389).
Donde, aludindo o recorrente ao alegado nos pontos 16. a 35. do seu articulado inicial, e ainda especificamente nas suas conclusões 13.39 a 13.41, aos artºs 26, 27 e 28 da petição inicial, em momento algum alude ou pugna por uma alteração ou aditamento factual em conformidade, permitida em sede de recurso ao abrigo do art.º 640º e 662º do Código de Processo Civil nos termos sobreditos.
É certo que haverá que considerar o Acórdão Uniformizador de jurisprudência n.º 12/2023, publicado no DR de 14/11/2023, o qual preconiza que: ”Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”. Porém, para se poder aplicar tal doutrina sempre competiria ao recorrente impugnar os factos a considerar, quer por se encontrarem ausentes da decisão e terem sido alegados, ou por terem sido apreciados de forma incorrecta face à prova produzida, o que falha no âmbito do recurso, quer no corpo das alegações, quer nas suas conclusões.
Aqui chegados importa aferir da relevância da existência ou não do “tema de prova” no âmbito do actual Código de Processo Civil, e ainda que esteja subjacente a este a sua discussão dita dogmática, o que releva é a sua utilidade prática para os autos, pois não há que olvidar que sempre assiste a esta segunda instância possibilidade de alteração dos factos a ter em conta, desde que estes estejam alegados nos autos, ou seja, tendo sempre presente o princípio do dispositivo. E nesta possibilidade prevista no art.º 662º do Código de Processo Civil e o que se considera objecto da instrução temos dificuldade em afirmar que possa considerar-se a possibilidade de anulação de uma decisão tendo em vista a ampliação da matéria de facto nos termos previsto no art.º 662º nº 1 alínea c) segunda parte, pois se estes foram alegados a possibilidade de os considerar com base na prova produzida assiste ao Tribunal a quem, desde que para tanto sejam objecto do recurso.
A propósito do objecto do litígio e temas de prova o Acórdão desta Relação, de 26/04/2022 (proc. nº25226/18.7T8LSB.L1-7) discorre sobre tais conceitos da seguinte forma: 1. O objecto do litígio fixado na fase intermédia do processo deve coincidir com as questões a decidir na sentença, supondo o art.º 596.º, n.º 1, que o tribunal identifique as questões controvertidas tendo em conta também as impugnações do réu e as excepções que este deduziu.
2. Apesar de nada obstar a que os temas de prova surjam enunciados como factos jurídicos concretos, isso não pode, nem deve constituir a regra, apenas se admitindo tal prática em casos pontuais, excepcionais, que verdadeiramente o justifiquem, sob pena de se adulterar a vontade do legislador e se desvirtuarem princípios basilares orientadores do processo civil português vigente.
Porém, ainda que haja a eventual desvirtuação nos termos preconizados de forma exaustiva em tal decisão, não se retira da mesma a consequência processual que advém de tal iniquidade, ou seja, a discussão dogmática não tem consequências quanto à forma menos correcta ou não de elaborar os designados temas de prova, ou até o objecto do litígio.
A propósito haverá que trazer à colação o decidido no Acórdão da Relação de Guimarães de 7/12/2017 (proc. nº 1715/15.4T8URL.G) ao referir que “No que se refere aos temas de prova, importa esclarecer que se trata de quadros de referência controvertidos da matéria a apurar e não de factos a apurar.
Os temas de prova constituem linhas orientadoras gerais sobre a prova a produzir e servem para delimitar o âmbito da prova a produzir, sem a rigidez que decorria da anterior base instrutória e, previamente, dos quesitos, permitindo, uma maior flexibilidade do âmbito da instrução e da delimitação da matéria de facto apurada, que decorrerá da prova, ou não prova, dos factos concretos relevantes.
Mas, de forma alguma se reconduzirá, ou confundirá com os factos concretos relevantes para a decisão da causa, daí que os temas de prova não se confundam com a matéria de facto apurada, isto é, com os factos provados ou não provados.”
Igualmente se expõe no Acórdão da Relação do Porto de 11/09/2023 (Proc. nº 1176/21.9T8LOU-A.P1, in www.dgsi.pt): I. A prova a produzir num determinado processo tem como destino a demonstração da realidade dos factos da causa relevantes para a decisão (art.º 341º, do Código Civil), sendo que a demonstração que se pretende obter se traduz na convicção subjectiva a criar no julgador. II - Com vista à obtenção de tal objectivo, cabe ao tribunal pronunciar-se sobre as provas propostas e emitir, sobre elas, um juízo de admissibilidade, não só de legalidade mas, também, de pertinência sobre o seu objecto: a prova de factos, controvertidos, da causa, relevantes para a decisão. E podendo ser objecto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objecto do litígio (pedido e respectiva causa de pedir e matéria de excepção). Havendo enunciação dos temas de prova, o objecto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respectivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – art.ºs 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil.”
A terminologia do art.º 410º do Código de Processo Civil, face ao que se estabelece no actual Código de Processo Civil, não deixa de estar isenta de criticas, pois não são os temas de prova que serão objecto da instrução, ou seja, da produção de prova, mas sim os factos controvertidos (não aceites) ou necessitados de prova (em sentido estrito, isto é, os factos aceites mas sujeitos a prova tabelada). O que se pretende com a actividade instrutória é a prova ou a demonstração dos factos relevantes. Donde, a actividade instrutória poderá orientar-se pelos temas de prova, mas não os tem por objecto (neste sentido ver Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, pág. 361 e ss).
Sobre tal temática salienta Paulo Pimenta, “por isso é que o art.º 410.º, sobre o objecto da instrução, diz que esta tem por objecto “os temas da prova enunciados”. Como é evidente, a prova recai sobre factos e não sobre temas. (…)” afirmando ainda que “quando mais adiante o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual.”. (in Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 281).
Dúvidas não há que o actual Código de Processo Civil criou um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à consideração de factos, seja na eliminação de um nexo directo entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a matéria de facto dos autos, se limite a “responder” a questões que não é suposto serem sequer formuladas.
Como se alude no Acórdão desta Relação de 26/04/2022, supra aludido, tendo por base o preconizado por Paulo Pimenta “Relativamente aos critérios que deverão nortear a enunciação dos temas da prova, cumpre dizer que o modelo a empregar é fluído, não sendo susceptível de se submeter a “regras” tão precisas e formais quanto as relativas ao questionário e à base instrutória.
Agora, a enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas. Nessa conformidade, os temas da prova serão aqueles que os exactos termos da lide justifiquem. (...) pode dizer-se que haverá tantos temas da prova quantos os elementos integradores do tipo ou dos tipos legais accionados pelas alegações das partes, o que implica que o juiz e os mandatários atentem nisso. Para essa ponderação contribuirá também a circunstância de nos termos do CPC de 2013, a enunciação dos temas da prova ocorrer em seguida à identificação do objecto do litígio, já que esta identificação logo demandará uma adequada consciencialização daquilo que está realmente em jogo em cada acção.”
No entanto, haverá que ter sempre presente que a “prova continuará a incidir sobre os factos concretos que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados (…), bem como sobre os factos probatórios de onde se deduza, ou não, a ocorrência destes factos principais e sobre os factos acessórios que permitam ou vedem esta dedução, uns e outros denominados como factos instrumentais”, fazendo-se “uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa, sem que, contudo, se tenha deixado de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir”, devendo a decisão “incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais”( Lebre de Freitas, in Sobre o novo C.P.C – Uma visão de fora, pág. 19, in http://cegep.iscad.pt/images/stories.3).
Logo, com a enunciação dos temas da prova (art.º 596.º, n.º 1), o legislador pretendeu erradicar, de uma vez por todas, da prática judiciária portuguesa, a cultura durante décadas arreigada à figura do questionário, tendo a actividade instrutória da causa por objecto mediato não os temas da prova enunciados, mas os concretos factos jurídicos em que eles se traduzem e desdobram, e sobre os quais incidirá o juízo probatório, nos termos dos arts. 607.º, nº 3 e 4 (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 482).
Em suma, são os concretos enunciados fáticos alegados no processo e não os temas da prova, que a lei impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença. Visando com isso aproximar-se o mais possível do “apuramento da verdade “ou da “justa composição do litígio” – cf. art.º 411º, permitindo um julgamento de facto mais conforme à realidade, esta entendida como a que resulta de toda a prova produzida, pelo que o objecto da instrução são os factos relevantes validamente adquiridos pelo processo, pelo que não tem de coincidir com o conteúdo meramente orientador dos temas de prova. Deste modo, ainda que tal questão possa levar a uma discussão dogmática, a enunciação dos temas de prova em nada tolhe o julgamento e a instrução subjacente e, em última, a análise a consideração na sentença dos factos alegados pelas partes.
No caso é certo que o tema de prova enunciado não abrangeu todo o objecto do litígio, sendo este mais amplo e circunscrito às questões enunciadas pelo recorrente, mas em momento algum o recorrente afirma que tal tibieza na enunciação dos temas levou à impossibilidade de instrução sobre os factos alegados. O que determinou este novo paradigma é a transferência do centro de gravidade quanto aos factos do despacho saneador anterior, com a indicação da base instrutória, na maioria das vezes preclusiva para se considerarem outros factos, para a decisão da matéria de facto na sentença, sendo que nesta se devem considerar todos os factos.
Acresce que a ausência de consideração dos factos alegados na sentença, que passou a ser o momento mais relevante no processo para tal desiderato, sempre o recorrente pode recorrer de facto, pugnando pelo aditamento de uns, caso não tenham sido enunciados na decisão, ou alteração de outros, caso entenda que a instrução/julgamento que incidiu sobre os mesmos não está conforme à prova produzida. Porém, tal possibilidade – nos termos indicados nos art.ºs 640º e 662º ambos do Código de Processo Civil – tem sempre como premissa a indicação pelo recorrente de tais factos, por um lado, e a prova que os sustenta, por outro, situação totalmente omissa neste recurso.
É certo que podemos contrapor que neste caso nunca o recurso sobre a reclamação relativamente aos temas de prova enunciados seria considerado procedente, bastando o recurso de facto e a impugnação subjacente. Porém, tal seria assim se resultasse dos autos que não tenha sido permitido ás partes fazer prova dos factos alegados, cingindo-se apenas ao “tema de prova”, como ocorre em determinadas situações em que é feita uma abordagem conservadora dos temas de prova, aproximando-os da anterior base instrutória, sendo os “temas”, ao arrepio do novo paradigma, uma condição da instrução, o que in casu não se verifica.
Haverá ainda que considerar que o Tribunal produziu a prova indicada pelas partes (indeferindo apenas a apensação do inventário, com vimos supra) sem qualquer restrição dita instrutória, pelo que todos os factos alegados e relevantes foram objecto da mesma e da subsequente ponderação e consideração na sentença, sendo que a sua ausência, frise-se, poderia ser colmatada com o recurso, opção que o recorrente não tomou.
Neste recurso limita-se a indicar genericamente todos os factos alegados em 16. a 35 da petição inicial. Ora, nestes além de se indicar que cada um geria os valores auferidos, possuindo contas bancárias autónomas (pontos 16. e 17.), o Autor afirmou ainda que foi com os valores pelo mesmo auferido que fez face ao pagamento dos valores devidos a título de empréstimo, nomeadamente da casa de habitação do casal e duas filhas (essencialmente pontos 18. a 25.). Porém, tais factos estão plasmados nos factos que foram considerados pelo Tribunal a quo nos pontos 1. a 12, mas igualmente nas alíneas a) a e) dos factos não provados. Salientando-se, mais uma vez, que o recorrente não põe em causa neste recurso os factos tal como foram considerados na decisão sob recurso.
Assaca o recorrente além do erro de decisão igualmente a nulidade por omissão de pronúncia, bem como igualmente a nulidade por falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito dizendo-se que é “do despacho recorrido” ( conclusão 13.17), sem que quanto a esta última se poder destrinçar se se reporta à sentença ou ao despacho que não admitiu a requisição do processo de inventário, ou eventualmente ao despacho que não enunciou outros temas de prova.
Ora, no que concerne à nulidade da sentença a sua arguição não se prende com a nulidade qua tale, mas sim com o seu desacordo em relação à decisão proferida. Como bem alude Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, pág. 181) “é frequente a enunciação das alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou (e que a racionalidade não consegue explicar) desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial (…), dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinem tais nulidades”. A omissão de pronúncia convocada pelo recorrente por alusão à alínea d) do art.º 615º deve limitar-se a questões que tenham sido alegadas ou sejam de conhecimento oficioso, não servindo as alegações para introduzir questões que não tenham sido submetidos ao tribunal a quo.     Quanto aos factos o Tribunal pronunciou-se sendo a eventual ausência de algum que o recorrente pudesse considerar essencial motivo de recurso no que concerne à impugnação de facto e não como consubstanciando nulidade da sentença nos termos previsto no art.º 615º do CPC.
É certo que, ao contrário do exposto na decisão que incidiu sobre a reclamação da enunciação dos temas de prova, a doação invocada pelo recorrente na sua petição inicial, alegadamente efectuada pelos pais e para compra de um imóvel anterior e cujo valor da venda alegadamente se destinou ao pagamento do preço da casa adquirida pelo casal, não encerra em si um conceito puramente jurídico. Porém, nada releva a discussão que o mesmo faz nas suas conclusões13.18 a 13.26, pois a prova foi produzida, assistindo ao recorrente com base nos elementos de prova produzidos requerer a este Tribunal a quem o aditamento de tal facto. Tal não resulta do recurso, aliás, da motivação de facto contida na sentença, apenas resulta que a testemunha JS referiu que os pais do Autor lhe terão emprestado 20 mil contos para a compra de uma casa, a testemunha LM, irmão do recorrente, até afirmou que o autor tentou obter um empréstimo ou dinheiro junto dos pais e estes opuseram-se. A referencia a uma eventual doação apenas resulta das declarações de parte do autor, e estas nem sequer são coincidentes com o teor da sua alegação, pois na petição inicial afirmava que haviam sido 25 mil contos, reiterando tal valor neste recurso – conclusão 13.18 – e nas suas declarações afirmou ter sido dado pelo seu pai o valor de 17.500 contos para a compra da casa sita na Av. …. Donde, ainda que o recorrente tivesse requerido e cumprido o ónus que a lei lhe impõe para a eventual consideração de tal facto, haveria ainda que tal resultar da prova produzida, não podendo a coberto de uma pretensa “nulidade” pretender reverter a decisão, pois nada lhe permite conseguir tal intento, nem o único tema de prova enunciado foi de molde a determinar que o tribunal não tenha considerado os factos alegados.
Importa ainda ter presente que não resulta da alegação do Autor imprecisão dos factos que determinassem o dever de aperfeiçoamento do articulado do mesmo, nem se vislumbra em que consistiria tal insuficiência relevante, pois o que ocorre é a ausência de prova dos factos que enunciou, pelo que manifestamente se afasta a nulidade por alegada falta de cumprimento do dever de cooperação imposto pelo actual Código de Processo Civil, concretizado no eventual convite ao aperfeiçoamento, que neste caso não se imporia claramente.
Acresce que o Tribunal a quo motivou os factos considerados quer provados, quer não provados, inexistindo ausência de fundamentação, indicando-se os factos e a sua subsunção ao direito. Donde, soçobra a(s) nulidade(s) assacadas à decisão.
O Recorrente entende ainda que no que diz respeito aos pontos 26., 27. e 28. do seu articulado inicial que tal havia sido reconhecido pela ré no art.º 95º da sua contestação, pelo que defende que tal falta de consideração desses factos consubstancia igualmente a nulidade por omissão de pronúncia. Como deixámos referido não se trata aqui da nulidade do art.º 615º alínea d) mas sim e eventualmente o erro de julgamento, podendo estar em causa aplicação do disposto no art.º 662º nº 1 do Código de Processo Civil, porém, para que tal se pudesse considerar teria de resultar a confissão da ré de tais factos, nomeadamente por ausência de impugnação e princípio previsto no art.º 574º nº 2 do Código de Processo Civil.
 No entanto, percorridos os articulados das partes não resulta existir acordo quanto a esses factos, pois é certo que o A. alegou que:
“26. Diga-se em abono da verdade, que à data em que tal documento (doc. nº 7) foi emitido –12 de Maio de 2016 – aludia-se a um resto de dívida por saldar, de €8.587,51, quando o casal se separou algum tempo antes.
27. Resto de dívida essa que, como habitualmente, foi paga exclusivamente pelo CC, já depois da separação e do divórcio com a interessada, M, nada mais sendo devido aquele banco a este respeito, conforme 1ª parte do mesmo documento.
28. O que sucedeu – pagamento final desta quantia de €8.587,51 – em 29.09.2015.”
A ré começou desde logo na sua contestação por impugnar genericamente o alegado da seguinte forma:
“32.º Depois, quanto ao alegado nos artigos 15.º e ss. da petição inicial impugnam-se os mesmos por em nada corresponderem à verdade.” E ainda no art.º 38.º “Desta forma, atendendo ao acima exposto, não pode a ora Ré deixar desde já de impugnar expressamente todo o alegado pelo Autor nos artigos 16.º a 35.º da petição inicial, na medida em que o ali referido é manifestamente contrário à lei.”.
E além do mais especificamente quanto ao valor mutuado e pagamentos a ré apresentou ainda a sua impugnação motivada nos seguintes termos:
“86.º E, para além do acima exposto, a própria alegação do Autor a este respeito é contraditória: é que, se num primeiro momento, o mesmo refere que a casa foi comprada com recurso a um empréstimo no montante de €199.519, 16 (artigo 23.º da petição inicial), posteriormente refere que, afinal, o empréstimo foi apenas de €62.349,76 (artigo 57.º do mesmo articulado),
87.º Limitando-se a alegar, vagamente, que o remanescente foi gasto em obras na casa nova ou a pagar outras despesas e empréstimos, sem nada provar a este respeito ou até a especificar minimamente os factos que permitissem chegar a tal conclusão.
88.º Mais, ainda a este respeito é o próprio Autor que, mais uma vez, entra em contradição na petição inicial por ele apresentada alegando, no artigo 68.º, que pagou sozinho o empréstimo de €199.519,24, valor esse que refere ter sido utilizado para pagamento do preço e que serve, aliás, de fundamento à sua pretensão (inaceitável, refira-se) de lhe ser
reconhecida uma comparticipação, em tal bem, equivalente a noventa por cento do seu actual valor. (…)
92.º A razão de não o ter feito é simples: é que o cônjuge marido sabia que o património adquirido sempre resultou dos rendimentos profissionais de ambos e, nessa medida, pertence integralmente aos dois.
93.º Depois, ainda a propósito da aquisição do imóvel sito na Rua …, mais concretamente quanto ao pagamento do empréstimo (e sem prejuízo do já referido quanto aos factos contraditórios desta matéria), parece o Autor, mais uma vez, pretender fazer “tábua-rasa” do regime de bens do casamento, querendo daqui concluir-se que pagou sozinho tais valores.
94.º Também quanto a isto, nada mais falso: tal como acima mencionado, na constância do casamento, as prestações do empréstimo bancário eram suportadas pelos rendimentos do trabalho dos cônjuges, ou seja, por dinheiro comum do casal.
95.º E, após a separação, é verdade que foi o ex-cônjuge marido quem suportou as mensalidades do empréstimo que se venceram após essa data, mas tal ocorreu porque (i) foi o mesmo que ficou a utilizar integralmente tal imóvel e (ii) foi ao Autor, na qualidade de cabeça-de-casal, que coube gerir todo o património do casal, nomeadamente contas bancárias com valores que, à data da separação, certamente, seriam suficientes para fazer face à totalidade do valor em dívida.”.
Logo, não existe a confissão da ré quanto a estes factos, não tendo o recorrente impugnado os considerados pelo Tribunal a quo, nomeadamente o que o tribunal considerou como não provado em b) e c).
Nas suas conclusões 13.42 a 13.52 alude o recorrente a matéria dita factual, sem se reportar em concreto aos considerados na sentença, elaborando uma narrativa que não coincide com o contido na sentença no que concerne à casa de Azeitão e obras da mesma, afastando-se de tudo o que resultou dos factos da sentença sob os nºs 13, 14, 31 a 37., mas igualmente não provados em h) a j). Pelo que somos em confirmar a sentença proferida quando se expõe que: “No âmbito daquele regime, são bens próprios aqueles a que se referem os artigos 1722º e 1723º do C.Civil e estão integrados na comunhão o que se mencionam no art.º 1724º do C.C. No que ao caso interessa, ressalta-se que o “produto do trabalho dos cônjuges” faz parte da comunhão, os bens que advierem aos cônjuges “por sucessão ou doação” são próprios, bem como é bem próprio preço dos bens próprios alienados.
No caso concreto estão em causa por um lado, pagamentos que o autor terá feito para custear obras numa casa que, na época, era a de morada de família. As obras foram, de acordo com as próprias declarações do autor, suportadas com dinheiro proveniente do seu trabalho, com um empréstimo bancário que pediu e que liquidou com dinheiro proveniente do seu trabalho e com quantias que pediu emprestado aos seus pais e que liquidou com o produto do seu trabalho. Ou seja, o dinheiro que o autor tenha despendido na execução daquelas obras ou melhorias e que defende ser próprio é, por força do disposto no art.º 1724º al. a) do C.Civil, bem comum do casal. Note-se que não há qualquer notícia da existência do documento a que se refere o art.º 1723 al. c) do C.C., nomeadamente no que se reporta a benfeitorias introduzidas na casa de … Azeitão, sendo certo que também não há documentos que demonstrem o trato sucessivo daquele imóvel.
Ou seja, não se mostrando junto aos autos cópia do registo predial relativa à casa de … Azeitão, nem certidão dos documentos que terão levado às alterações do proprietário registral, não é possível descortinar se, aquando da realização das obras, a casa era bem próprio da ré ou se, por outro lado, era bem próprio dos pais da ré ou, ainda, se era bem integrado numa herança que permaneceu indivisa (pese embora a ausência da necessária prova documental a ré afirmou ter o pai morrido em Fevereiro de 1987, as obras terem sido feitas no decurso no ano de 1996 e a partilha por óbito do pai ter sido realizada em 2022). Admitindo que as obras tivessem acontecido ainda em vida do pai da ré, ou depois da morte mas ainda em data anterior à partilha, não se nos afigura que qualquer pedido relativo a benfeitorias que possam ter sido realizadas encontre legitimidade se feito apenas junto da actual proprietária.”
Por fim, nas suas conclusões 13.53 a 13.62 volta o recorrente a aludir à impossibilidade de o Tribunal conhecer de matéria de facto por ausência de “thema decidendo”, nomeadamente a relativa à aquisição da casa sita na Rua … e a da Av. … pelo casal e vicissitudes das mesmas, pretendendo que se considere o peticionado pelo mesmo, a saber: reconhecer-se, que a casa dos autos custou €261.869,00, foi paga na sua totalidade pelo cabeça-de-casal, com a casa da Av. … e o remanescente com dinheiro seu sendo bem próprio; ou se assim não for entendido, no que tange aos empréstimos concedidos, apenas por as respectivas contas se encontrarem tituladas em nome de ambos, então que se atribua ao CC, uma comparticipação no imóvel, nunca inferior a 90%.
Como deixámos sobejamente explicitado o Tribunal não responde a temas de prova nem tal limita a instrução em concreto, mas sim a factos controvertidos que resultam alegados pelas partes e constituem o núcleo da causa de pedir e dos pedidos. O Tribunal na indicação do objecto do litígio identificou todos os pedidos, elencou ainda na sentença os factos relevantes e alegados, dando-os como provados e não provados. Foi perante estes factos, imutáveis por ausência de impugnação, que se subsumiu os mesmos ao direito, tendo feito tal subsunção de forma acertada, quer no que concerne ao pedido de pagamento das alegadas benfeitorias da casa sita em Azeitão, quer ainda quanto ao demais peticando ao referir-se que: “Como resulta dos autos, autor e ré contraíram casamento em 1983, sem convenção antenupcial donde, o regime de bens de casamento, é o de comunhão de adquiridos (cfr. art.º 1717º do C.C.).
No âmbito daquele regime, são bens próprios aqueles a que se referem os artigos 1722º e 1723º do C.Civil e estão integrados na comunhão o que se mencionam no art.º 1724º do C.C. No que ao caso interessa, ressalta-se que o “produto do trabalho dos cônjuges” faz parte da comunhão, os bens que advierem aos cônjuges “por sucessão ou doação” são próprios, bem como é bem próprio preço dos bens próprios alienados.(…) Alega ainda o autor que a aquisição de um apartamento para a morada comum do casal foi feita com a entrega de uma quantia que lhe tinha sido entregue como liberalidade pelos pais; esta liberalidade, nos termos do art.º 1722º al. b) seria bem próprio, bem como teria essa qualidade o produto da venda desse imóvel – cfr. art.º 1723º al. b).
Contudo, não se provou que o imóvel adquirido o tivesse sido apenas com quantia resultante da venda de um bem próprio, ou qual o concreto montante investido naquela aquisição e proveniente da venda de um bem próprio, ou a qual a percentagem do preço total, ou que correspondência esse valor terá à data de hoje (para efeitos do disposto no art.º 1723º al. b) e 1726º do C.C.). Nesta conformidade, e não estando provados factos que demonstrem a razão dos autos, improcede o pedido.”
Igual conclusão se impõe neste recurso, pelo que improcede assim, in totum a apelação.
*
IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Março de 2024
Gabriela de Fátima Marques
António Santos
Teresa Pardal