Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6744/2004-7
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: MANDATÁRIO
FALECIMENTO DE ADVOGADO
NOTIFICAÇÃO
COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I - Há que aplicar analogicamente o disposto no art.º 39, n.º2, do CPC , à situação de falecimento do mandatário da parte, pelo que a notificação operante a fazer a esta para aplicação da cominação prevista no art.º 284, n.º3, in fine, do CPC, pressupõe que seja pessoal.
II - O não pagamento do preço, ainda que elemento essencial do contrato de compra e venda, não é condição de transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito (cfr. art.ºs 885 e 886, ambos do C. Civil).
IV – A existência de erro por parte da vendedora no acto da celebração da escritura de compra e venda de imóvel relativamente ao pagamento integral do preço de aquisição do imóvel não pode ser considerada juridicamente relevante em termos de afectar a validade do próprio negócio, mas tão só à anulação da declaração de quitação ínsita na escritura.

(GA)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,


I - Relatório

1. I M S L DE O e L L DE O, propuseram acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário contra J J R B, L M G P B, M T DA C e C G DE D, pedindo a declaração de nulidade da sua declaração negocial no contrato de compra e venda do prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º , titulado pela escritura pública celebrada em 20/12/83 e, em consequência, declarada nula a compra e venda e nulos todos os actos praticados pelos 1ºs, 2º e 3º réus, respectivamente, na qualidade de proprietários da fracção, procurador e credor hipotecário.
     Fundamentou a acção invocando erro sobre elemento essencial do negócio – declaração de quitação integral do preço por, no acto, ter recebido do 2º réu um cheque que supôs válido (relativo ao montante do preço da venda ainda em falta – 2.285.000$0), cheque que nunca foi substituído nem pago.
    
2. Contestou a ré CG de D arguindo a excepção de incompetência absoluta do tribunal, defendendo que o foro próprio para o conhecimento da acção era o criminal. Impugnou ainda o factualismo alegado pelos autores e concluiu no sentido de que a única declaração a anular seria a de quitação e não a própria escritura de compra e venda.

3. Os réus J B e L B na contestação que apresentaram excepcionaram a incompetência absoluta do tribunal atribuindo competência ao tribunal criminal para o efeito. Impugnaram ainda o factualismo alegado pelos autores por o desconhecerem, referindo o facto de terem dado instruções ao réu M C no sentido de concluir o negócio e proceder aos pagamentos devidos tendo-lhes sido informado que tal ocorrera em conformidade.

4. O réu M C apresentou contestação ma qual alega desconhecer o cheque referido pelos autores.

5. Os autores responderam às excepções mantendo o posicionamento assumido na petição.

6. Os réus deduziram tréplica tendo o réu M C junto documento consubstanciando recibo de quitação, alegadamente emitido pela autora, relativamente ao montante de 2.185.000$00.

7. Os autores deduziram incidente de falsidade do referido documento.    

8. Os autores agravaram do despacho (fls. 282/284) que determinou que se oficiasse à Ordem dos Advogados solicitando a indicação de advogado a nomear ao réu M C, por o mandatário deste ter falecido na pendência da acção.

9. Nas suas alegações os agravantes concluíram:
1. O Réu M T C foi devidamente notificado para constituir novo mandatário sob pena de ficar sem efeito todo o processado pelo seu anterior mandatário;
2. A notificação edital é suficiente para fazer funcionar a mencionada cominação;
3. Porque não existe qualquer disposição processual que apoie a decisão de considerar a mencionada cominação só aplicável no caso da notificação ser pessoal.
4. Não é aplicável aos presentes autos a nova redacção do art.º 394, do CPC;
5. O despacho recorrido fez errada interpretação e aplicação da Lei violando, nomeadamente, os art.ºs 228 a 263, CPC, art.39-4 (nova redacção), CPC e 13 e seguintes do Dec-Lei 329-A/95, 12 Dezembro.  

10. Não foram apresentadas contra alegações.

11.O Sr. Juiz manteve o despacho recorrido (fls. 300).    

12. Falecido o autor e julgado o respectivo incidente de habilitação foi proferido saneador onde se determinou o não prosseguimento do incidente de falsidade por inadequação processual (dado estar em causa documento particular que não pode ser impugnado por essa via reservada apenas aos documentos autênticos ou notarialmente reconhecidos), tendo sido julgadas improcedentes as excepções de incompetência absoluta do tribunal e de litispendência suscitadas nos autos.

13. Após julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.

14. A autora recorreu da sentença, concluindo nas suas alegações:
1. Os requisitos do dolo praticado pelo Réu M T da C, actuando em representação dos Réus J B e mulher e da essencialidade que teve na decisão da Autora a assinar a escritura de compra e venda, comprovados na íntegra, através das respostas aos quesitos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 12º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º e 20º;
2. A repercussão que tais factos têm na esfera jurídica dos Réus J B e mulher é a que consta do disposto no art. 259-1, CC;
3. Devia, pois, ter sido proferida sentença que condenasse nos pedidos formulados no art. 37 da petição inicial;
4. A sentença em crise fez errada interpretação e aplicação da Lei aos factos violando, designadamente, os art.ºs 253-1, 254-1, 259-1 e 289-1, todos do CC.
15. A ré C G de D contra alegou no sentido da improcedência do recurso.

II – Enquadramento jurídico

O factualismo dado como provado pelo tribunal a quo não se encontra impugnado na apelação e não ocorrendo motivo para que este tribunal, oficiosamente, proceda à sua alteração, considera-se o mesmo assente nos precisos termos nela fixados, remetendo-se, nessa medida, para a sentença, atento o disposto no art.º 713, n.º6, do CPC.

III – Enquadramento jurídico

Do agravo

Em causa está o despacho que oficiou ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados solicitando a nomeação de mandatário ao réu M T da C com fundamento na aplicação analógica do art.º 39, n.º4, do CPC.
     Afastou o despacho recorrido a aplicação da cominação relativa à falta de constituição de advogado (para a qual o art.º 284, n.º3, do CPC, remete nas situações de demora na constituição de novo advogado por falecimento do constituído no processo) por considerar que a mesma só funciona nas situações em que a parte se encontre pessoalmente notificada, o que não era o caso dos autos por o réu M da C ter sido notificado editalmente do despacho que lhe fixou prazo para constituir mandatário no processo, nos termos do n.º3 do citado art.º 284 do CPC.
     Sustentam os agravantes o recurso defendendo que a notificação edital mostra-se suficiente para fazer funcionar a cominação legal, não sendo por isso aplicável o disposto no art.º 39, n.º4, do CPC, designadamente por não poderem ser levadas em conta no processo as alterações operadas ao CPC pelo DL 329-A/95, de 12.12, atento o facto dos autos serem anteriores a 1 de Janeiro de 1997.
     Verifica-se pois que os agravantes alicerçam a inaplicabilidade do disposto no art.º 39, n.º4, do CPC, à situação sub judice em dois argumentos que, constituem, nessa medida, as questões submetidas à apreciação deste tribunal:
- (in)exigência legal de notificação pessoal da parte para o funcionamento da cominação prevista no art.º 284, n.º3, do CPC;
- (in)aplicabilidade do art.º 39, n.º4, do CPC, por estar em causa processo instaurado em data anterior à entrada em vigor das alterações ao CPC levadas a cabo pelo DL 329-A/95, de 12.12.

1. Dispõe o art.º 284, n.º3, do CPC (cuja redacção não sofreu alteração com a entrada em vigor do DL 329-A/95, de 12.12.) que Se a parte demorar a constituição de novo mandatário, pode qualquer outra parte requerer que seja notificada para constituir dentro do prazo que for fixado. A falta de constituição dentro deste prazo tem os mesmos efeitos que a falta de constituição inicial.
     O preceito em referência, reportado às situações de falecimento do mandatário da parte, remete os respectivos efeitos para os casos de falta de constituição inicial de advogado, ou seja, para o disposto nos art.ºs 33 e 32, n.º1, alínea a), do mesmo código, nos termos dos quais, no que se refere ao réu, se prevê como efeito ficar o mesmo sem defesa.
     Está assim em causa uma cominação para a inércia da parte em que a lei, embora o não refira expressamente, pressupõe a necessidade de uma notificação pessoal tal como o prevê para as situações de renúncia ao mandato – art.º 39, n.º2, do CPC. Com efeito, neste caso, a lei estatui a notificação pessoal do mandante com a advertência da respectiva cominação legal como causa de inércia da parte[1].
     Embora não o referia expressamente, atento o que dispõe o art.º 39, n.º2, do CPC, para a renúncia ao mandato, uma vez que quer na situação de falecimento do mandatário (cfr. art.º 284, n.º3), quer no caso geral de falta de constituição de mandatário (cfr.art.º 33), a lei prevê cominação em termos similares, não poderá deixar de se entender que a notificação operante a fazer à parte para aplicação da cominação pressupõe que seja pessoal.
Por conseguinte, independentemente da valoração do comportamento processual do réu M da Cem termos de violação do dever de colaboração com o tribunal (que, conforme decorre dos autos, o tribunal não deixou de sancionar), o certo é que, tendo o mesmo sido notificado editalmente para constituição de novo mandatário nos termos do art.º 284, n.º3, do CPC, não lhe podia ser aplicada a cominação prevista no referido preceito.

2. Considera a agravante não ser aplicável ao caso o disposto no n.º4 do  art.º 39 do CPC, por se estar perante processo instaurado em data anterior à entrada em vigor das alterações ao CPC efectuadas pelo DL 329-A/95, de 12.12.
     Relativamente a este aspecto cumpre referir que, efectivamente, o preceito em causa, introduzido pelo DL 329-A/95, de 12.12, apenas tem aplicabilidade (ainda que por recurso à analogia) nas acções entradas em juízo após vigência do referido DL, o que não é o caso dos presentes autos.
Porém, ainda que o seu regime não seja aplicável por força do citado preceito legal, com recurso à analogia, o certo é que, na ausência de lei expressa que regule situação análoga, sempre se imporia manter a decisão ínsita no despacho recorrido nos termos do que dispõe o art.º 10, n.º3, do C. Civil – resolução da situação segundo norma que o aplicador criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
     Nestes termos, ainda que por fundamento diverso (afastado o recurso à integração analógica, mas fazendo actuar a integração através de norma criada pelo intérprete dentro do espírito do sistema), há que manter o despacho recorrido.
     Improcedem, assim, as conclusões das alegações.

Da apelação
A questão colocada neste recurso, que delimita o âmbito do conhecimento deste tribunal, na ausência de aspectos de conhecimento oficioso, é a de saber se no caso sub judice se verificam os requisitos do dolo e, a verificarem-se, quais as suas consequências no negócio celebrado.
     Através da presente acção a autora pretende a anulação da sua declaração negocial na escritura e, bem assim, a anulação do contrato de compra e venda de imóvel pela mesma titulado com fundamento na existência de dolo na actuação do réu M da C ao entregar um cheque para pagamento da parte restante do preço da venda do prédio (2.285.000$00) que não tinha qualquer valor.
Invocou para o efeito que o pagamento da parte restante do preço da venda do imóvel constituía elemento essencial no proferimento da sua declaração negocial (de venda) e, bem assim, na declaração dando plena quitação do pagamento do preço, sendo que tal essencialidade era do conhecimento dos réus (representados e representante).       
     Na sentença concluiu-se que a entrega de cheque por parte do réu M da C para liquidação do preço de aquisição do imóvel (que bem sabia não poder ser pago) apenas podia ter consequências no âmbito da declaração de quitação relativamente ao remanescente do preço por ter sido induzida por dolo.
Porém e relativamente à declaração de venda da autora, havia que a considerar válida por corresponder à sua vontade real e ao contrato promessa pela mesma celebrado.
Entendeu-se ainda na sentença que o dolo por parte do representante dos compradores (réu Barradas e mulher) não afectava a validade do contrato de compra e venda, excepto se fosse alegado e demonstrado factualismo relativo ao conhecimento dos representados da situação dolosa ou de instruções dadas no sentido dessa actuação dolosa. Nessa medida, foi a acção julgada improcedente.
Ainda que por razões não de todo coincidentes com as explanadas na sentença, desde já se adianta que a improcedência da acção é de manter.
Vejamos.
Defende a apelante que se encontram demonstrados os requisitos do dolo praticado pelo réu M da C actuando em representação dos réus Joaquim Barradas e mulher e, bem assim, a essencialidade do mesmo na sua decisão ao assinar a escritura. Invoca ainda a repercussão desses factos na esfera jurídica dos réus Barradas (compradores) por força do disposto no art.º 259, n.º1, do Código Civil.
Conforme decorre da sentença, a improcedência da acção por ela decidida assentou em dois pressupostos:
1. por o dolo quanto à falta de requisitos do cheque entregue no acto da escritura (para pagamento do remanescente do preço de aquisição do imóvel) não poder ser considerado essencial relativamente ao negócio titulado pela escritura (tão só quanto à declaração de quitação nela ínsita);
2. por o dolo do representante não vincular os representados dado não ter sido alegado nem demonstrado que estes tinham dele conhecimento ou haviam dado instruções  nesse sentido. 

Da essencialidade do dolo

Tendo em conta a argumentação tecida na sentença, a questão que desde logo se coloca no recurso reporta-se em saber se o elemento sobre que incidiu o erro (dolo, no entender da autora) deve ser considerado essencial e, nessa medida, juridicamente relevante, para levar à anulabilidade de todo o negócio.
     O erro é a falsa representação da realidade e consubstancia-se numa concepção dissonante acerca de um facto ou de uma coisa
O dolo, conforme decorre do disposto no art.º 253, n.º1, do C. Civil, tem assento sempre que seja empregue qualquer artifício ou sugestão com intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração. Nestes casos, a falsa representação de uma realidade é levada a cabo pela existência de um logro que interveio nos motivos da declaração negocial[2].
A relevância do erro e do dolo[3] como fundamento de anulação (cfr. art.ºs 251 e 254, n.º1, do C. Civil) depende da sua relevância enquanto essencial ou determinante, isto é, importa que o erro/dolo seja a causa[4] do negócio jurídico nos seus precisos termos.
Desta forma, o fenómeno volitivo verificado em virtude do erro/dolo caracteriza-se pelo facto de, caso não ocorresse o estado de erro, outra teria sido a vontade negocial do declarante – vontade conjectural.
Na análise a efectuar para efeitos de averiguação da relevância do erro/dolo cabe ter presente três categorias de vontade: a vontade negocial (a efectivamente expressa pelo declarante no momento da celebração do negócio jurídico), a vontade conjectural (a que teria sido expressa pelo declarante no momento da celebração do negócio jurídico caso não estivesse em erro) e a vontade presente (aquela que no momento da análise da situação relativamente aos interesses envolvidos no negócio).
A determinação da essencialidade do erro/dolo terá de ser averiguada na comparação entre a vontade negocial do declaratário (efectiva, viciada pelo erro/dolo) e a vontade conjectural sempre que se possa concluir no sentido de que esta se configuraria na não realização do negócio. Importa contudo ter presente que a determinação da vontade conjectural só poderá ser adequadamente valorada atendendo às circunstâncias concretas do caso e tendo em linha de conta a própria caracterização do negócio celebrado.
Nesta ordem de ideias, pretender concluir que na situação sub judice a vontade conjectural da autora (e, nessa medida, a relevância essencial do erro) era no sentido da não realização do negócio é analisar a situação de uma forma imperfeitamente singela em que ocorre a enfatização de um facto – encontrar-se demonstrado que sem o recebimento do preço a mesma nunca teria outorgado a escritura (cfr. ponto 21 dos factos dados como provados na sentença) - e a desfocalização dos restantes elementos evidenciados nos autos, designadamente, a própria caracterização do contrato em causa.
Na verdade, analisando o factualismo provado no processo, verifica-se que no acto da escritura a autora recebeu do réu M da C (que, como vimos, nela actuava em representação dos réus B, os compradores do imóvel) um cheque que continha vícios, entre eles dois que facilmente poderiam ter sido detectados por um destinatário minimamente atento – irregularidade no saque e irregularidade no extenso.
Provado está igualmente que no acto de celebração da escritura a autora supôs que o cheque que lhe foi entregue pelo réu M da C havia sido o emitido pela Caixa Geral de Depósitos decorrente do empréstimo contraído. Está também assente no processo que a autora, por efeito da celebração de contrato de promessa de compra e venda prévio à escritura em causa, havia recebido do réu M da C três cheques (por conta do pagamento do preço da venda do imóvel) e, só nessa medida, aceitou (incondicionalmente) o cheque que titulava o remanescente do preço de alienação do imóvel, na convicção de que o mesmo tinha provisão dando, por isso, quitação integral do preço (cfr. pontos 7 a 11).
Neste contexto, para além de não se conseguir vislumbrar com suficiente nitidez uma situação de dolo[5] por parte do réu M da C (tão só de erro decorrente da entrega de um cheque que, enquanto meio de pagamento, não tinha provisão …), importa ter em linha de conta que a autora encetou diligências no sentido do réu M da C proceder à substituição do cheque viciado a fim de regularizar o pagamento do montante em falta; assim, não é possível valorar o facto de ter sido apurado que sem o recebimento do preço a autora nunca teria outorgado a escritura, no sentido da falta de vontade na declaração de venda constante da escritura. Nestas circunstâncias, a essencialidade da situação de erro só se podia reportar à declaração referente à quitação do pagamento do remanescente do preço da venda, aspecto que se encontra fora do âmbito da pretensão da autora através da instauração da acção.
Considerando que o não pagamento do preço, ainda que elemento essencial do contrato de compra e venda, não é condição de transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito (cfr. art.ºs 885 e 886, ambos do C. Civil), não pode deixar de se entender que, nas circunstâncias dos autos, a existência de erro por parte da vendedora relativamente ao pagamento integral do preço não poderá ser considerada juridicamente relevante em termos de levar ao resultado da anulabilidade do próprio negócio, mas tão só, mais uma vez se sublinha, à anulação da declaração de quitação, aspecto que não se encontra peticionado.
Por conseguinte, verificando-se configurada no processo uma situação de incumprimento do contrato (pelos compradores) por falta de pagamento integral do preço de aquisição do imóvel nos termos acordados, não se encontra afectada a validade do negócio pela existência de qualquer vício da vontade, cabendo à autora a possibilidade de accionar os mecanismos jurídicos necessários para obter o cumprimento pontual do acordo firmado, isto é, o pagamento da prestação a que os réus Barradas se encontravam adstritos por efeito da celebração do contrato de compra e venda, não obstante realizado por meio de procurador.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o agravo e improcedente a apelação, confirmando-se, respectivamente, o despacho e a sentença recorridos.
     Custas pela recorrente.



       Lisboa, 19 de Junho de 2007

                              
                                       Graça Amaral
                              
                                     Roque Nogueira

                                Pimentel Marcos

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[1] Dispõe o n.º3 do art.º 39 que, em caso de constituição obrigatória de advogado, nas situações de renúncia a não constituição de mandatário pelo réu, após notificação da renúncia para o efeito, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente
[2] Sendo a declaração negocial uma decisão volitiva ela é precedida, no plano psicológico, de uma deliberação em que o seu autor representa o possível negócio e o respectivo circunstancialismo. Ocorrerá erro sempre que nessa representação faltem elementos (integra o erro uma situação de ignorância) ou ocorram elementos que não correspondam à realidade. 
[3] Embora as condições de relevância do dolo sejam menos apertadas que as do erro sobre os motivos (não ocorre o requisito imposto pelo art.º 252, do C. Civil – existência de acordo das partes sobre a essencialidade do motivo), exige-se igualmente (tal como os requisitos do erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio) o conhecimento ou a cognoscibilidade pela outra parte da essencialidade do elemento sobre que incidiu o dolo.
[4] Tal causalidade implica a inserção de um factor anómalo - o erro/dolo -, abrangendo a ignorância - no processo volitivo.
[5] Não se encontra demonstrada, a nosso ver, a existência de artifício ou sugestão por parte do réu M da C (em termos de poder configurar uma situação de dolo) para além do que resulta da situação de erro relativamente ao meio de pagamento empregue (por efeito da respectiva falta de provisão). Na verdade, nada ficou apurado no que se reporta a qualquer comportamento do réu em termos de fazer crer à autora que o cheque entregue havia sido emitido pela Caixa Geral de Depósitos (cfr. pontos 8 e 9 da matéria de facto provada constante da sentença – a autora supôs que tal cheque havia sido emitido pela Caixa por ser aparentemente igual aos três anteriores que havia recebido do réu M C). Por outro lado, as restantes irregularidades do cheque (do saque e do extenso) poderiam ter sido desde logo detectadas pela autora no acto através de uma leitura minimamente atenta do título.