Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1479/09.0TJLSB-A.L1-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: TRANSMISSÃO ELECTRÓNICA DE DADOS
NOTIFICAÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
PRESUNÇÃO
DILAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1- Nos termos do nº.5 deste art. 254ºdo CPC., a notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição e face ao nº. 6 do mesmo, as presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.
2- Há que conjugar duas presunções para efeitos de determinação de datas de notificações, ou seja, a presunção de que a notificação por transmissão electrónica se presume feita na data da expedição e a de que esta se presume feita no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil.
3- Não houve uma preocupação de redução de prazos aos advogados, ou seja, não se fez qualquer alteração para contemplar uma diferenciação entre a notificação postal e a electrónica.
4- A expedição na via electrónica beneficiará da mesma dilação correspondente à do registo na via postal.
Decisão Texto Integral: 1-Relatório:

O autor, “A” intentou acção com processo sumário contra a ré, “B”.

Na sequência do prosseguimento dos autos foi proferido o despacho electrónico nº. ..., com o seguinte teor:
«Vem a ré arguir a extemporaneidade da resposta à contestação apresentada pelo autor.
Vejamos:
Nos termos do disposto no n°5 do art. 254° do Código de Processo Civil, "a notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição". Atento o disposto no n°5 do art. 21°A da Portaria n°114/2008, com a redacção dada pela Portaria n°1538/2008, de 30.12, presume-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil".
Conforme histórico electrónico dos autos, verifica-se que foi expedida ao autor a notificação da contestação em 29.07.2009 (refª9879635), e que a resposta deu entrada em juízo em 15.09.2009 (refª3650031).
Mais consta do histórico que a notificação da contestação foi lida cm 30.07 2009, pelo que fica ilidida a presunção de conhecimento no terceiro dia útil seguinte, iniciando-se o prazo para resposta em 31.07.2009, e terminando em 09.09.2009. Atento o disposto no art. 145° n°5 do Código de Processo Civil, poderia o acto ser praticado até ao terceiro dia útil posterior. ou seja, 14.09.2009.
Do exposto resulta que, e sem embargo de ter sido emitida e paga guia para pagamento de multa, o acto foi praticado fora de prazo (art. 785° do Código de Processo Civil), pelo que é inadmissível.
Termos em que, se determina o desentranhamento da resposta à contestação.
Oportunamente será restituído o montante indevidamente pago a título de multa.
Notifique».
Inconformado recorreu o autor, concluindo nas suas alegações, em síntese:
- O artigo 254°, n° 5 do CPC e o artigo 21°-A, n°.5 da Portaria n° 1538/2008 de 30 de Dezembro, estabelecem uma presunção no sentido de que a notificação deve considerar-se feita no terceiro dia posterior ao dia da elaboração.
- A data da elaboração corresponde ao dia em que a notificação é colocada no Citius na sua versão final.
- A presunção acima referida foi estabelecida a favor do destinatário da notificação, ou seja, dos mandatários das partes.
- A referida presunção é uma presunção legal que pode ser ilidida mediante prova em contrário.
- Contudo, só o notificado é que pode ilidir a presunção.
- A presunção só pode ser ilidida se a notificação não tiver sido recebida ou se o foi depois dos três dias e sem que tenha havido culpa do destinatário.
- O Tribunal não pode ilidir a presunção e considerar que a notificação se considera feita no dia em que o mandatário a leu.
- Com a presunção estabelecida na lei, o legislador pretendeu conferir segurança às comunicações entre os agentes da justiça.
- Não existe qualquer disposição legal no sentido de que a notificação se considera feita no dia da leitura, caso este tenha ocorrido antes de decorridos os três dias após a data da elaboração.
- O douto despacho ora recorrido interpretou erradamente e violou o disposto nos artigos 254°, números 5 e 6 do CPC, artigo 21°-A, n° 5 da Portaria n° 1538 de 31 de Dezembro e artigos 349° e 350°, ambos do Código Civil.
- Pelo que, deverá o despacho ora recorrido ser substituído por outro que admita o articulado apresentado pelo autor.

Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos.

2- Cumpre apreciar e decidir:

As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º e 685º-A, todos do CPC.

A questão a dirimir consiste em aquilatar se a resposta à contestação foi ou não tempestiva, perante o disposto no nº5 do art. 254º do CPC.

A materialidade fáctica apurada é a constante do presente relatório para o qual se remete.

Vejamos:
Insurge-se o recorrente relativamente ao despacho proferido, dado entender que foi feita uma incorrecta interpretação sobre a data em que se considera efectuada a notificação da contestação apresentada, para efeitos de apresentação de articulado de resposta àquela.
Nos termos constantes do nº1 do art. 253º do CPC., as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
Pela Portaria nº. 1538/2008, de 30 de Dezembro, que alterou a Portaria nº.114/2008, de 6 de Fevereiro, foi implementado o projecto Citius, visando através da utilização de sistemas informáticos criar condições para uma tramitação mais célere.
Assim, nos termos do disposto no art. 21º-A aditado pela Portaria 1538/2008, de 30 de Dezembro, as notificações por transmissão electrónica de dados são realizadas através do sistema informático Citius, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no inerente endereço.
Face ao nº.4 do mencionado art. 21º-A, as notificações às partes em processos pendentes são realizadas por transmissão electrónica de dados, na pessoa do seu mandatário.
Por seu turno, dispõe o nº.5 de tal artigo que, o sistema informático Citius assegura a certidão da data de elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil.
De igual modo, o art. 254º do CPC., acolhe as notificações electrónicas, atenta a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº. 303/2007, de 24 de Agosto.
Nos termos do nº.5 deste art. 254ºdo CPC., a notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição e face ao nº. 6 do mesmo, as presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.
Ora, analisando os normativos supra enunciados, temos que há que conjugar duas presunções para efeitos de determinação de datas de notificações, ou seja, a presunção de que a notificação por transmissão electrónica se presume feita na data da expedição e a de que esta se presume feita no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil.
As presunções, porém, só podem ser ilididas pelo notificado provando que não foram efectuadas ou que ocorreram em data posterior à presumida.
Ora, como consta do histórico electrónico dos autos, pela referência nº. 9879635, a notificação da contestação à mandatária do autor foi expedida em 29-7-2009.
A partir desta data há que contar até ao terceiro dia posterior para funcionar a presunção da notificação, sendo dia útil.
Os normativos supra enunciados, não fazem qualquer alusão à leitura do documento, mas à sua expedição.
Na génese do sistema informático, como consta do Preâmbulo da Portaria nº 1538/2008, de 30 de Dezembro, esteve a preocupação de criar condições para a simplificação dos processos nas secretarias dos tribunais com a adopção dos automatismos inerentes a formas de notificação mais ágeis, para que o acesso aos elementos e informações sobre o processo sejam mais imediatas e transparentes e para que se efectuem reduções de despesa associadas ao envio do correio.
Não houve uma preocupação de redução de prazos aos advogados, ou seja, não se fez qualquer alteração para contemplar uma diferenciação entre a notificação postal e a electrónica.
A notificação postal, nos termos do disposto no nº.3 do art. 254º do CPC., presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
A expedição na via electrónica beneficiará da mesma dilação correspondente à do registo na via postal.
A leitura da notificação efectuada no dia 30-7-2009, pela mandatária, não tem a virtualidade de ilidir a presunção de conhecimento no terceiro dia útil seguinte, como se afirma no despacho recorrido.
A presunção só poderia ser ilidida pelo próprio notificado, nos termos estabelecidos pelo nº.6 do art. 254º do CPC., provando que não tinha sido efectuada ou ocorrido em data posterior à presumida.
A ilisão da presunção da notificação não poderia ser efectuada pelo critério da leitura da peça processual, uma vez não se encontrando elencado tal desiderato no texto legal.
Se o dia da leitura marcasse a data da notificação, o art. 254º do CPC. e a Portaria nº 1538/2008, de 30 de Dezembro, ficariam completamente esvaziadas de conteúdo, o que não é o caso.
Deste modo, a presunção da notificação no caso vertente, só começaria a contar no terceiro dia posterior à sua expedição, ou seja, a 3-8-2009 (2ª Feira), mas atenta a data do início das férias judiciais, o primeiro dia em que efectivamente começou a contar o prazo foi a 1-9-2009 e não em 31-7-2009.
Deste modo, tendo a resposta à contestação dado entrada por via electrónica em 15-9-2009, a mesma ainda seria admissível nos autos, não devendo, por isso, ter sido ordenado o seu desentranhamento.
Destarte, assiste razão ao recorrente, pelo que se revoga o despacho recorrido, determinando-se a manutenção nos autos, da peça processual em apreço.

Em síntese:
- Nos termos do nº.5 deste art. 254ºdo CPC., a notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição e face ao nº. 6 do mesmo, as presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.
- Há que conjugar duas presunções para efeitos de determinação de datas de notificações, ou seja, a presunção de que a notificação por transmissão electrónica se presume feita na data da expedição e a de que esta se presume feita no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil.
- Não houve uma preocupação de redução de prazos aos advogados, ou seja, não se fez qualquer alteração para contemplar uma diferenciação entre a notificação postal e a electrónica.
- A expedição na via electrónica beneficiará da mesma dilação correspondente à do registo na via postal.

3- Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho proferido e ordenando-se a manutenção nos autos da resposta à contestação.

Custas a cargo da apelada, nos termos constantes do art. 446º do CPC.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2010

Maria do Rosário Gonçalves
Maria José Simões
Maria da Graça Araújo